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Publico

Autor: José António Cerejo


Data: Domingo, 31 de Dezembro de 2006
Pág.: 17
Temática: Nacional

Procuradora arquivou inquérito a juiz sem qualquer diligência prévia

Visado foi secretário de Estado da Segurança Social e estava indiciado pelo


desaparecimento de um relatório que propunha a extinção da Fundação D.
Pedro IV

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa mandou


arquivar um inquérito ao juiz e ex-inspector-geral da Segurança Social José
Manuel Simões de Almeida, em 2004, sem que tivesse sido feita qualquer
diligência para avaliar a consistência dos indícios criminais que motivaram a
abertura do processo. - O despacho de arquivamento, que não chega a
ocupar duas dúzias de linhas, foi proferido 13 dias depois de os documentos
que fundamentavam o pedido de inquérito terem dado entrada na
Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa.
A iniciativa do inquérito coube à juíza Isabel Lilaia, do 5° Juízo de Instrução
Criminal de Lisboa, que entendeu haver "indícios de infracções criminais" na
actuação de Simões de Almeida enquanto inspector-geral da Segurança
Social. Tratava-se, essencialmente, de averiguar as suas eventuais
responsabilidades no envio para arquivo, em 2000, sem qualquer despacho
e em circunstâncias nunca explicadas, de um relatório da Inspecção-Geral
da Segurança Social em que era proposta a extinção da Fundação D. Pedro
IV - uma instituição privada à qual o Estado ofereceu, em 2005, mais de
1400 fogos de habitação social em Cheias, Lisboa.
Entre a documentação remetida pelo 5° Juízo Criminal à Procuradoria-Geral
da República (PGR), que, por sua vez, a encaminhou para a Procuradoria-
Geral de Lisboa, encontrava-se esse relatório, que esteve desaparecido
durante três anos, e um outro, feito logo a seguir à conclusão do primeiro e
elaborado pela mesma inspecção-geral, mas que não fazia qualquer alusão
ao anterior e foi homologado por Simões de Almeida, já na qualidade de
secretário de Estado do ministro Paulo Pedroso, considerando as suas
conclusões que quase tudo estava bem na instituição.
Além destes relatórios, constavam do expediente enviado vários ofícios
trocados ao longo dos anos entre a juíza Isabel Lilaia e Simões de Almeida.
Nesses documentos, a magistrada solicitava repetidamente informações
sobre o andamento do inquérito à gestão da Fundação D. Pedro IV, iniciado
em 1996, e Simões de Almeida prometia, sem nunca ter cumprido, o envio
ao tribunal dos relatórios parcelares e finais sobre aquela averiguação.

Procuradora desvaloriza afirmações de Seixas Antão Num outro oficio, o


sucessor de Simões de Almeida na inspecção-geral, Mário Lisboa,
comunicava à juíza, já em 2003, que o relatório final tinha sido encontrado
no arquivo, sem ter sido submetido à apreciação ministerial,
"desconhecendo-se as circunstâncias e em que momento tenha sido lá
colocado". Finalmente, o expediente que serviu de base à abertura do
inquérito na Procuradoria-Geral de Lisboa continha uma participação
apresentada no 5°
Juízo Criminal por Mário Seixas Antão, um antigo administrador da
Fundação D. Pedro IV que se demitira da instituição e com ela mantinha
vários litígios.
Nessa queixa, era detalhadamente descrito o percurso do inquérito à
fundação, concluindo o ex-administrador que Simões de Almeida foi "o
responsável pelo destino indevido" dado ao relatório final, que desapareceu
em 2000 e foi descoberto no arquivo, três anos depois, durante as buscas
determinadas por Mário Lisboa. "As acções e omissões do então inspector-
geral (...) indiciam violação dos deveres de isenção, zelo, obediência e
lealdade (...) e são ainda susceptíveis de constituir ilícito criminal",
argumentou Seixas Antão.
Partilhando deste entendimento, ajuíza Isabel Lilaia transmitiu à PGR todos
os elementos de que dispunha e solicitou a investigação dos factos. Os
autos deram entrada na Procuradoria-Geral de Lisboa a 15 de Abril de 2004
e a 28 do mesmo mês a Procuradora-geral adjunta Maria Paula Figueiredo,
a quem o caso foi entregue, declarou "encerrado o inquérito sem que se
mostre necessária a realização de quaisquer diligências".
No despacho de arquivamento então proferido, a magistrada escreveu que
Seixas Antão "teceu as considerações que entendeu pertinentes
possivelmente para a causa em que está envolvido e terminou opinando
[sublinhado pela procuradora] que determinadas acções ou omissões do
então inspector-geral da segurança social e juiz de direito Dr. José Manuel
Simões de Almeida teriam relevância criminal". E, logo a seguir, concluiu:
"Apreciada a documentação junta não vislumbramos nenhum facto que seja
susceptível sequer de propiciar qualquer investigação sobre actuações
funcionais do magistrado denunciado no exercício daquelas sobreditas
funções que possam ter relevância criminal pelo que, sem mais
considerações, se determina o arquivamento dos autos."
Os registos informáticos da inspecção-geral, não constantes dos
documentos enviados à PGR pelo 5° Juízo Criminal, mas entretanto
consultados pelo PÚBLICO, mostram que o relatório que propunha a
extinção da fundação e foi ignorado por Simões de Almeida - que nunca
quis prestar declarações sobre o assunto - lhe foi entregue em mão, no dia
27 de Junho de 2000, pela inspectora responsável pela redacção final. A
partir daí, o documento esteve desaparecido até ser descoberto no arquivo,
em 24 de Julho de 2003.

Vice-procurador-geral deu razão ao PUBLICO

O Vice-procurador-geral da República Agostinho Homem autorizou o


PÚBLICO a consultar o processo do inquérito a Simões de Almeida, depois
de a magistrada titular do mesmo ter indeferido três requerimentos nesse
sentido - apesar de os autos não estarem em segredo de justiça. Face à
reclamação hierárquica contra as suas decisões, entretanto encaminhada
para o anterior PGR, a Procuradora-geral adjunta Maria Paula Figueiredo
manteve o seu entendimento e sustentou, num "esclarecimento" enviado a
Souto Moura, no Verão passado, que "o interesse legítimo invocado [pelo
jornalista] - o de informar - está satisfeito com os elementos já conhecidos,
ou seja, o de que existe um inquérito, a - sua origem, intervenientes e
destino final". Na decisão final, que subscreveu a 6 de Outubro, o Vice-
procurador-geral deferiu a reclamação apresentada, concedendo ao
PÚBLICO o direito a consultar a totalidade do processo. "A autora do
despacho reclamado entende que o requerente não demonstrou o interesse
legítimo na consulta exigido, na sua óptica, pelo art. 900, nº 1 do Código do
Processo Penal, sendo que o interesse invocado - o de informar - `está
satisfeito com os elementos já conhecidos, ou seja, o de que existe um
inquérito, a sua origem, intervenientes e destino final"', resumiu Agostinho
Homem, acrescentando: "Pensamos, com todo o respeito, que aquele
preceito legal não foi pensado para os jornalistas, cuja legitimidade para a
consulta do processo assenta na própria profissão e no direito que
inerentemente lhes assiste de informar. Convenhamos ainda que um
trabalho jornalístico, com toda a investigação que lhe subjaz, não se
satisfaz apenas com aqueles dados. Exige, ao contrário, uma consulta
minuciosa e cuidada de que deva resultar uma peça jornalística digna desse
nome", considerou Agostinho Homem. E sublinhou que "não faria, aliás,
sentido que se permitisse aos órgãos de comunicação social uma narração
circunstanciada do teor dos actos processuais, enquanto decorre o processo
(v. art. 88° do CPP) e não se possibilitasse a sua consulta, também
circunstanciada, após o arquivamento.

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