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Tudo o que pode ser dito a respeito do sufrágio pode ser resumido em uma frase:
Não vote!
☺ Ser obrigado a votar (não é votar), obrigado a opinar (não é opinar), a fazer parte
(é não fazer parte), obrigado a escolher (não é escolher), obrigado a compartilhar (não
é compartilhar), obrigado a ir a uma urna (tumba da liberdade), obrigado a todo um
conjunto ridículo e torturante do espectáculo dessa "democracia" ridícula, é não saber
o que é democracia nem o que é viver em uma.
O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e
os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Já não se
crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente
na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são
abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia.
Vivemos todos ao acaso. Perfeita, absoluta indiferença de cima a baixo! Todo o viver
espiritual, intelectual, parado. O tédio invadiu as almas. A mocidade arrasta-se,
envelhecida, das mesas das secretárias para as mesas dos cafés. A ruína económica
cresce, cresce, cresce… O comércio definha. A indústria enfraquece. O salário
diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como
um inimigo. De resto a ignorância pesa sobre o povo como um nevoeiro. O número
de escolas só por si é dramático. O professor tornou-se um empregado de eleições. A
intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do país. Apenas a devoção
perturba o silêncio da opinião, com pais -nossos maquinais. Não é uma existência, é
uma expiação.
Aquilo que em geral não se percebe tão facilmente é a nefasta influência, em tudo
isto, das autoridades de ordem abstracta: as ideias, os mitos religiosos ou de outro
género, os costumes, etc. E no entanto todas as manifestações exteriores de
autoridade têm origem numa autoridade mental. Nenhuma autoridade material, seja
ela a das leis ou a dos indivíduos, contém actualmente força e razão em si. Nenhuma
se exerce realmente por si mesma, todas se baseiam em ideias.
A subversão consiste em levar uma vida filosófica na qual as virtudes dominantes da
nossa época mercantil (o dinheiro, o poder, a riqueza, a ostentação, as honras, a busca
de celebridade, a futilidade, a mundanização, a paixão pelas aparências…) sejam
completamente ignoradas e substituídas sem alarde por valores reais: ser em contraste
com o ter; o poder sobre si e não sobre os outros; a indiferença em relação ao
dinheiro – quer o tenhamos ou não, nada se fará para o ter; a supremacia da vida
interior contra o império do olhar do outro sobre si; a recusa das honras, de que se
preferirá o sentido da honra; a indiferença relativamente à celebridade – tenha-se ou
não, o importante é nada fazer para a ter; o desejo de se construir em profundidade
longe da superficialidade mundana, ou seja, a escultura de si como acto para si e não
como ficção para o outro.
Deixas que os homens no poder a assumam em teu nome. Mas tu mesmo nada dizes.
Conferes aos homens que detêm o poder, quando não o conferes a renomeados mal
intencionados, mais poder ainda para te representarem. E só muito tarde reconheces
que te enganaram uma vez mais.
Mas eu entendo. Vezes sem conta te viram nu, psíquica e fisicamente nu, sem
máscara, sem opção, sem voto, sem aquilo que faz de ti "membro do povo". Nu como
um recém-nascido ou um general em cuecas. Ouvi então os teus prantos e lamúrias,
ouvi-te os apelos e esperanças, os teus amores e desditas. Conheço-te e entendo-te. E
vou dizer-te quem és, Zé-ninguém, porque acredito na grandeza do teu futuro, que
sem dúvida te pertencerá. Por isso mesmo, antes de tudo o mais, olha para ti. Vê-te
como realmente és. Ouve o que nenhum dos teus chefes ou representantes se atreve a
dizer-te: És o "homem médio", o "homem comum". Repara bem no significado destas
palavras: "médio" e "comum".
Não fujas. Anima-te e contempla-te. "Que direito tem este tipo de dizer-me o que
quer que seja?" Leio esta pergunta nos teus olhos amedrontados. Ouço-a na sua
impertinência, Zé-ninguém. Tens medo de olhar para ti próprio, tens medo da crítica,
tal como tens medo do poder que te prometem e que não saberias usar. Nem te
atreves a pensar que poderias ser diferente: livre em vez de deprimido, directo em vez
de cauteloso, amando às claras e não mais como um ladrão na noite. Tu mesmo te
desprezas, Zé-ninguém, dizendo: "Quem sou eu para ter opinião própria, para decidir
da minha própria vida e ter o mundo por meu?" E tens razão: Quem és tu para
reclamar direitos sobre a tua vida? Deixa-me dizer-te.
Diferes dos grandes homens que verdadeiramente o são apenas num ponto: todo
grande homem foi outrora um Zé-ninguém que desenvolveu apenas uma outra
qualidade: a de reconhecer as áreas em que havia limitações e estreiteza no seu modo
de pensar e agir. Através de qualquer tarefa que o apaixonasse, aprendeu a sentir cada
vez melhor aquilo em que a sua pequenez e mediocridade ameaçavam a sua
felicidade. O grande homem é, pois, aquele que reconhece quando e em que é
pequeno. O homem pequeno é aquele que não reconhece a sua pequenez e teme
reconhecê-la; que procura mascarar a sua tacanhez e estreiteza de vistas com ilusões
de força e grandeza, força e grandeza alheias. Que se orgulha dos seus grandes
generais, mas não de si próprio. Que admira as ideias que não teve, mas nunca as que
teve. Que acredita mais arraigadamente nas coisas que menos entende, e que não
acredita no que quer que lhe pareça fácil de assimilar.