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EXTORSÃO

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36.1 CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO


CRIME

O crime de extorsão está assim definido no art. 158 do Código Penal:

“constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de


obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que
se faça ou deixar de fazer alguma coisa”.

A pena é reclusão de quatro a dez anos, e multa.

A extorsão é um tipo especial em relação ao constrangimento ilegal, do art. 146,


sendo o elemento especializante o fim pretendido pelo agente, que é a obtenção de uma
indevida vantagem econômica. Assim, o bem jurídico protegido, primeiramente, é o
patrimônio econômico da pessoa, tuteladas, ainda, sua liberdade individual e a integridade
física e mental.

Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo, bem assim qualquer um pode ser sujeito
passivo, podendo haver dupla subjetividade passiva quando a violência ou grave ameaça é
empregada contra uma pessoa, visando à obtenção da vantagem de outra, que acede ao
desígnio do agente.

É uniforme o pensamento doutrinário segundo o qual, no constrangimento ilegal, a


vítima deve ter capacidade para querer, ficando excluídos, portanto, os menores e
incapazes, os doentes mentais, os ébrios, as crianças de tenra idade e as pessoas
inconscientes.

Penso que, também em relação à extorsão, que não é mais que uma espécie de
constrangimento ilegal, tais pessoas não podem também ser sujeitos passivos, por faltar-
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lhes a mesma capacidade de determinação.

Na hipótese, portanto, de que o agente venha a empregar atos de violência ou grave


ameaça para constranger-lhes a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa, a
fim de obter indevida vantagem econômica, o crime deverá ser o delito de roubo, se
houver, por exemplo, a entrega de coisa alheia móvel ou se a vítima deixa o agente dela se
apropriar.

Em outros casos, poderá configurar-se o crime de abuso de incapazes, definido no


art. 173 do Código Penal, adiante analisado.

36.2 TIPICIDADE

O caput contém o tipo básico. O § 1º causas de aumento de pena. O § 3º as formas


qualificadas pelo resultado.

36.2.1 Conduta e elementos objetivos

O núcleo do tipo é o verbo constranger, realizando-se, pois, a conduta, mediante


comissão, na qual o agente compele, obriga ou força a vítima, com o emprego de violência
ou grave ameaça, a atender a seu desígnio. Fica a vítima intimidada diante da conduta do
agente, tendo, pois, sua liberdade individual cerceada. Os meios utilizados pelo agente
devem ter idoneidade para atemorizar a vítima. A violência e a grave ameaça são as
mesmas empregadas no crime de roubo, já analisadas, as quais funcionam como
indutores do comportamento da vítima, positivo ou negativo.

A ameaça deve ter idoneidade para intimidar, ainda que não venha efetivamente a
atemorizar a vítima, porque a resistência desta não elimina a tipicidade do fato,
transmudando-o apenas da forma consumada para a tentada. Porém deve ser
potencialmente intimidatória, grave, por sua própria natureza.

A norma não exige que a ameaça seja da causação de mal injusto e grave, bastando,
portanto, que ela seja grave. Indiferente, portanto, que o mal prometido seja ilícito. Tem-se
como exemplo de ameaça grave a revelação de um segredo que afete a reputação da vítima,
como a narração, a outrem, da prática passada de um adultério, de um encontro amoroso,
de incesto, de homossexualismo, da sua condição de usuário de drogas ou portador do
vírus HIV, bem assim de fatos que afetem a reputação comercial da empresa da vítima.
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O tipo exige que, em razão da conduta do agente, a vítima faça, tolere que se faça ou
deixe de fazer alguma coisa. Nas três hipóteses, portanto, é necessário um comportamento
da vítima, ao qual ela não estava obrigada. Exsurge aí, a violação da liberdade individual.

A conduta exigida da vítima será positiva quando ela faz o que o agente deseja.
Assim, quando ela entrega ao agente determinada quantia em dinheiro ou um bem de
valor econômico. Difere a extorsão do roubo, neste ponto, pelo comportamento da vítima.

No roubo a coisa lhe é tirada, subtraída, pouco importando que a vítima até facilite
ou não se oponha à subtração. Seu comportamento é, por isso, indiferente. O agente é
quem subtrai. Na extorsão, contudo, é imprescindível o comportamento da vítima que,
coagida, acaba por entregar seus valores.

Há extorsão ainda quando o agente exige da vítima um comportamento omissivo,


deixando de fazer alguma coisa ou tolerando que se faça algo. Atemorizada pela ameaça do
agente policial, a vítima deixa de ir à delegacia para recuperar seus pertences antes
subtraídos e que tinham sido encontrados, apropriando-se aquele dos bens, diante da
inércia forçada do proprietário.

De posse do cheque emitido e entregue pelo agente em pagamento de dívida, a


vítima é constrangida por ele a não levá-lo ao banco sacado, deixando, portanto, de receber
o que lhe era devido, disso resultando a indevida vantagem econômica para aquele.

A vítima pode, por fim, ser compelida a tolerar que se faça algo. Ameaçada, assiste
inerte ao agente rasgar a nota promissória por ele mesmo firmada e representativa de uma
dívida licitamente contraída por ele.

36.2.2 Elementos subjetivos e normativos

O agente deve agir com dolo e com o fim especial de obter indevida vantagem
econômica. Este fim específico é que distingue a extorsão do delito de constrangimento
ilegal. Realiza o agente a conduta com o objetivo de que lhe seja proporcionada – com a
vítima fazendo, tolerando que se faça ou deixando de fazer alguma coisa – uma vantagem
econômica indevida.

A vantagem deve ser econômica. Sendo de outra natureza não se aperfeiçoa o delito
patrimonial, configurando, por exemplo, o crime de constrangimento ilegal.

Além de econômica deve ser indevida, no sentido de ser injusta ou ilícita. Ou seja,
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deve ser uma vantagem à qual o agente não tinha direito. Sendo justa a vantagem
reclamada pelo agente, cometerá exercício arbitrário das próprias razões, do art. 345 do
Código Penal.

Por essa razão, o dolo do agente deve abranger a ilicitude da vantagem. Deve ele ter
consciência de que não lhe assiste o direito de exigi-la da vítima e se agir por erro quanto a
este elemento do tipo não terá havido dolo, remanescendo a punibilidade como prática do
crime do art. 345 do Código Penal.

36.2.3 Consumação e tentativa

A extorsão é crime formal. O tipo descreve conduta e resultado, mas não exige a
produção deste para sua consumação. Assim, consuma-se quando a vítima faz, tolera que
se faça ou deixa de fazer aquilo que o agente quis. Não quando o agente obtém a indevida
vantagem econômica que, aliás, nem precisa ser obtida, como, aliás, consta da Súmula 96,
do Superior Tribunal de Justiça: “o crime de extorsão consuma-se independentemente da
obtenção da vantagem indevida”.

A tentativa é possível desde que, iniciada a execução, empregando o agente meios


violentos ou grave ameaça, idôneos para constranger a vítima, esta, por circunstâncias
alheias à vontade do agente, não vem a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer aquilo
que lhe fora exigido. Basta, aliás, que a vítima não se intimide, para que o crime não venha
a se consumar, restando punível a tentativa.

36.2.4 Aumento de pena

Aumenta-se a pena, de um terço até metade, se a extorsão é cometida por duas ou


mais pessoas ou se é praticada com o emprego de arma.

É diferente a causa de aumento, no primeiro caso, da equivalente causa de aumento


no furto e no roubo. Nestes, exige-se o concurso de duas ou mais pessoas, o que, como foi
dito, leva ao reconhecimento do aumento ainda quando só uma pessoa tenha executado o
crime, tendo um concorrente intelectual ou um partícipe que apenas induziu o executor.

Na extorsão a norma exige a presença de duas ou mais pessoas no cometimento do


crime, o que equivale dizer que pelo menos dois devem executar o procedimento típico.
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Assim, se apenas um executa a extorsão, a mando de outrem, não incide essa causa de
aumento de pena.

A segunda causa de aumento é o emprego de arma na prática do crime, seja na


realização da violência, seja na da grave ameaça. Valem, aqui, as mesmas observações
feitas no exame da mesma causa de aumento de pena relativa ao roubo, especialmente em
relação à arma de brinquedo que, se tem potencial para intimidar, autorizando o
reconhecimento da conduta típica, não sendo arma, não pode autorizar o aumento de pena
(item 35.2.2.1).

36.2.5 Formas qualificadas pelo resultado

A pena será de reclusão, de 7 a 15 anos, se da violência empregada para a extorsão


resultar lesão corporal de natureza grave.

Será de reclusão de 20 a 30 anos, se resultar morte.

São formas qualificadas pelo resultado equivalentes às estabelecidas para o roubo,


aplicando-se, portanto, tudo quanto se disse no item 35.2.3, para onde se remete o leitor.

36.2.6 Conflito aparente de normas e concurso de crimes

Como já se disse, a extorsão é tipo especial em relação ao constrangimento ilegal. Se


o fim é o da obtenção de indevida vantagem econômica, a norma especial do art. 158
derroga a norma geral do art. 146.

Entre extorsão e estelionato há pontos comuns, mas uma diferença gritante. Neste
a vítima é ludibriada a permitir que o agente obtenha uma indevida vantagem econômica,
na extorsão é compelida, forçada, obrigada. Eis a diferença: a violência ou grave ameaça
que impõem o constrangimento, inocorrentes no estelionato, havendo aí engodo.

36.3 AÇÃO PENAL

A ação penal é de iniciativa pública, incondicionada. A extorsão qualificada pelo


resultado morte é crime hediondo, nos termos que dispõe o art. 1º, III, da Lei nº 8.072, de
25 de julho de 1990.
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