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Quando chorou na manjedoura, Jesus Cristo eternizou no imaginário ocidental um modelo familiar que se
reproduz todo 25 de dezembro. Maria, José e Jesus é a estrutura legitimada cultural e politicamente. Para
Sônia Maluf, antropóloga e professora do Departamento de Antropologia da Universidade Federal de Santa
Catarina, essa idéia é “culturalmente limitada”. Pesquisadora do feminismo, movimento que questiona a
hierarquia sexual, Maluf acredita que esta é a questão dramática na estrutura familiar: a família burguesa
é constituída em caráter hieráquico, apesar de vivermos numa sociedade supostamente igualitária. Em
entrevista ao Zero, Maluf mostra que nem toda família nasce onde cai uma estrela. Feliz Natal.
ero - Qual o principal propósito família. Separa-se conjugalidade de família, movimento para admitir o casamento gay, mas
da família? impedindo a adoção compartilhada. Um casal controlar a família. Não se admite esse tipo de
Maluf - A idéia que a gente tem de de duas mulheres não pode fazer um cadastro relação na família. Então a família é vista como
família universal – pai, mãe e filhos – é uma de adoção. Pode até tentar, mas é difícil con- um modo de reprodução social: quem vai criar
idéia culturalmente limitada. Essa é a família seguir a guarda conjunta. Só em casos muito os filhos, qual o modelo que vão seguir e uma
nuclear burguesa pós-século XIX. O conceito di- pontuais, no Brasil. série de outras coisas.
verge tanto historicamente, quanto em diferen- É engraçado que numa série de discursos,
tes sociedades, quanto em diferentes culturas Outras famílias também não reconhecem tanto jurídicos como no plano da assistência
dentro da nossa sociedade. formas familiares que fujam do princípio social, do Estado, eles utilizam um conceito que
A família é uma forma de organização social. O burguês? para a Antropologia é completamente inútil: fa-
mais importante, além dos laços internos, é a Quando uma família convive com outras fa- mília desestruturada. Muitas situações sociais,
relação dessa instituição com a sociedade mais mílias ou com indivíduos que vivem essa expe- como violência, narcotráfico, suicídio entre
“
ampla e com as outras famílias. riência há reconhecimento jovens, são explicadas por esses
Elas se organizam de duas formas: a primeira e formalização dessas rela- órgãos governamentais e até por
forma, histórica, é o estabelecimento de laços ções. Há várias famílias de Um modelo alguns pesquisadores com a idéia
com outras famílias – alianças de casamento,
de apoio, de solidariedade. A segunda forma,
duas mães com filhos que
convivem e chamam essas
hegemônico de de que são pessoas que vêm de fa-
mílias desestruturadas. Mas o que é
muito específica da nossa cultura moderna, é mães de mães, cujos avós re- relacionamento isso? “Ah, uma família que não tem
a fabricação de indivíduos que vão estar num
mundo produtivo.
conhecem essas mães como
mães. O que se vê na expe-
não corresponde a figura do pai”, eles dizem. Bom,
isso não é uma família desestrutu-
Essa é a condição dramática da família: há riência social, independente à prática social. rada, é uma família que tem outra
uma estrutura hierárquica em que as relações
internas se dão a partir de papéis – mãe e pai,
do Estado, de leis, do sistema
judiciário, é que isso é um
A população estrutura, centrada na figura da
mãe. E essa estrutura centrada na
irmão, irmã, neto, sobrinho, tio – mas que tem fato consumado, uma reali- vive relações figura da mãe não é nova, pelo me-
a função de fabricar indivíduos para uma so-
ciedade que, teoricamente, é igualitária, e não
dade dada.
A lei pode oficializar ou
sociais das nos em classes populares temos isso
desde o século XIX, XVIII. Então, o
hierárquica. não uma coisa, mas não mais diversas conceito de família estruturada