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CIDADES ATLÂNTICAS
OS MUNICÍPIOS DAS CIDADES ATLÂNTICAS
sécs. XV e XVI
Alberto Vieira
Nos Açores o empenho por esta temática era já muito antigo, pelo que podemos
encontrar em alguns textos clássicos informações alargadas sobre a vida dos
municípios. Todavia, foi só na década de oitenta do século XX que tivemos os
primeiros estudos sobre a história do municipalismo, tal como hoje o entendemos. A
realização em 1983 de um Colóquio Internacional na Ilha Terceira foi decisiva para a
mudança. No conjunto podemos salientar três estudos que foram decisivos para a
consolidação da História dos Municípios nos Açores. Em 1984 João dos Santos
Pereira publica as vereações da vila das Velas na ilha de S. Jorge, que compreendem
os anos de 1159-1570-1571. Na mesma década tivemos o trabalho de Avelino de
Freitas Meneses sobre a Ilha do Pico. Mas na seguinte surgem estudos destacados de
Avelino de Freitas Meneses e José Damião Rodrigues sobre Ponta Delgada.
Nas Canárias a tradição de estudos sobre a vida municipal e a preocupação pela
divulgação histórica municipal são muito mais antigas e tem a ver com o empenho e
pessoal de Elias Serra Rafols e Leopoldo de La Rosa Olivera. A memória de
doutoramento apresentada por Leopoldo de La Rosa Olivera(1905-1983) na
Universidade Complutense de Madrid em 1944 e que foi publicada em 1946 situa-se
nos primórdios da valorização dos estudos institucionais, nomeadamente
municipais, para as Canárias. Certamente que foi esta situação que motivou Elias
Serra Ráfols a iniciar em 1949 a publicação dos acuerdos do cabildo de Tenerife, que
se iniciam em 1497, de que até ao momento estão publicados até ao ano de 1533. Para
as demais ilhas o panorama documental municipal dos tempos primitivos é pobre,
perdendo-se por conta de ataques piratas, nomeadamente os de Las Palmas e Santa
Cruz de La Palma. Assim dispomos da publicação dos de Fuerteventura, que cobrem
o período de 1605-1798 e depois os de Lanzarote para o século XVII , apenas a partir
de 9 de Julho de 1618 uma vez que o mais se perdeu com o ataque dos piratas nesse
ano, e de La Palma para o século XVII, depois de 1553.
O direito local insular canário está aparentado com a região que lhe serviu de
referência e de apoio no intento de conquista no século XV, isto é a Andaluzia. Às
ilhas chegaram os fueros de Baza ou Niebla, as mais recentes compilações de direito
local aquando da afirmação plena da soberania castelhana. O primeiro fuero foi
concedido a Gran Canaria a 20 de Dezembro de 1494 tendo influenciado o regime de
Tenerife e La Palma. O segundo foi dado apenas a Fuerteventura. Todavia em Gran
Canaria estamos perante um fenómeno particular pois o regime institucional,
nomeadamente o municipal, é definido pelos fueros de Baza (1494) e Granada (1497),
sendo a fiscalidade de acordo com o fuero de Sevilha de 1511 (2).
O governo local na Madeira até 1461 regeu-se pelo foral henriquino, concedido ą ilha
em data incerta. Mas nele não se consignavam todas as determinações possíveis,
pelo que muito ficava ao arbítrio do capitão. Foi contra o poder majestático do
capitão e servidores que os vizinhos do Funchal reclamaram ao novo senhor da ilha,
em 1461, a plena afirmação da estrutura municipal. Os regimentos e regulamentos
que se seguiram e uma maior actividade do ouvidor do senhorio motivaram a nova
estratégia de governo do infante D. Fernando para as áreas do senhorio.
Os mais antigos são os madeirenses pois a tradição aponta a data de 1450 com a do
seu início na sede das capitanias do Funchal, Machico e Porto Santo. Todavia as
primeiras décadas de vida não permitiram a expressão destas instituições pois a
afirmação hegemónica dos capitães do donatário impediram esse processo. E só em
1461 em face da reclamação dos moradores do Funchal, o infante D. Fernando como
Senhor da ilha, permite a plena afirmação do município retirando-o da alçada do
capitão.
Nos Açores a instituição municipal desponta apenas nas trás última décadas do
século XV, altura em que este arquipélago sofre o necessário arranque socio-
económico. Tal como na Madeira a criação da nova instituição faz-se de acordo com
o progresso social e económico das ilhas e lugares. Primeiro surgiram os municípios
com uma jurisdição abrangente do espaço da capitania, funcionando no lugar-sede
da mesma, depois, a valorização dos diversos assentamentos populacionais
conduziu ą criação de novos municípios dentro desta jurisdição, desmembrando
assim a unicidade. O grande arranque da instituição municipal nos Açores dá-se na
primeira metade do século XVI com o aparecimento de novos municípios
abrangendo a totalidade do arquipélago. Aqui destaca-se a ilha de S. Miguel que, de
um município e sede em Vila Franca, se levantaram outros cinco -Ribeira Grande
(1507), Nordeste (1514), Agua de Pau (1515), Lagoa (1522), Ponta Delgada (1546).
Deste modo a ilha de S. Miguel materializa em pleno a realidade municipal por ter
sido de todavia que mais usufruiu da descentralização do poder local. Nem a
Madeira permitiu a desmultiplição institucional, pois a tendência hegemónica dos
capitães de ambas as capitanias apenas permitiu uma brecha em Machico com a
criação do município de Santa Cruz em 1515 e duas no Funchal com os da Ponta de
Sol (1501) e Calheta (1502). Nova subdivisão só surgirá tardiamente em Machico,
com activa resistência das gentes da vila-sede, aquando da criação em 1744 da vila
de S. Vicente.
Nas Canárias a instituição municipal assumirá outra dimensão, pois a cada ilha
corresponderá apenas um cabildo, sedeado no lugar-sede do inicial e mais
importante assentamento. Esta diferente perspectivação da realidade municipal
conduziu a uma mais fácil centralização do poder nos principais povoadores -
governadores, senhorio -e também condicionou o progresso desta forma de
descentralização do poder. O facto de estas ilhas se encontrarem habitadas, aquando
da chegada dos peninsulares, conduziu a uma diversa forma de ocupação que se
expressará numa continuidade das instituições de fronteira em uso no processo de
reconquista peninsular. A iniciativa de particulares, logo nos alvores do século XV,
só demoveu o empenho da Coroa nas trás décadas finais deste século, altura em que
se tornou possível a pacificação dos aborígenes e que permitiu a posse plena.
Se na Madeira isto ficou plenamente esclarecido com a divisão do território das duas
ilhas pelos trás iniciais povoadores, o mesmo não se poderá dizer, por exemplo, dos
Açores onde é difícil encontrar explicação para a forma como foram estabelecidas as
capitanias. Primeiro, foi Gonçalo Velho a surgir como capitão das ilhas ou de apenas
duas (S. Miguel e Santa Maria), sendo uma delas com a superfície superior à da
Madeira. Depois foi a divisão, iniciada com a Terceira em 1474 com duas capitanias,
entre Álvaro Martins Homem e João Vaz Corte Real. O último foi também capitão de
S. Jorge (1483). Esta derradeira situação pode ser considerada estranha, uma vez que
tem lugar no momento em que S. Miguel, a maior ilha de todo o arquipélago, é
confirmada apenas a um capitão, enquanto esta, que no início abrangia apenas uma
capitania, teve que ser dividida em duas partes, quando ainda existiam ilhas para
entrega, como o Pico, Graciosa, S. Jorge. Caso idêntico sucedeu em Cabo Verde onde
em Santiago foram estabelecidas duas capitanias, permanecendo as demais por
ocupar e sem capitão. Aqui, a exemplo da Terceira, surgem capitães em idênticas
circunstâncias de João Vaz Corte Real. Rodrigo Afonso foi detentor da capitania de
Alcatrazes (1490) e da ilha de Maio, enquanto Pedro Correia teve a parte de Santiago
(1522) e toda a de Boavista (1505).
O grupo de funcionários que corporizavam a estrutura municipal nas ilhas era muito
mais reduzido do que o dos arquipélagos da Madeira e Açores, adequando-se aos
níveis de povoamento das ilhas. Em Cabo Verde nos dois municípios de Santiago
estávamos perante dois juízes e vereadores, um procurador do concelho, escrivão,
meirinho e físico, enquanto no do Fogo o grupo resumia-se apenas a um juiz, dois
vereadores e um escrivão. No primeiro caso a alçada dos juízes estava perfeitamente
definida: um dedicava-se às causas dos marinheiros e do mar enquanto o outro
atinha-se ą justiça dos que tinham assento em terra firme. Estávamos perante um
município original com alçada no espaço terrestre mais também marítimo. Tudo isto
porque Santiago era uma ilha de vocação marítima por excelência. Em S. Tomé, onde
existiu apenas um município com sede na Povoação. A estrutura do senado da
câmara era em tudo semelhante à de Santiago. Diferente foi o caso da ilha de
Príncipe onde a estrutura foi substituída pela presença de um capitão, almoxarife e
juiz ordinário.
AS POSTURAS MUNICIPAIS
Sendo os mares insulares ricos em peixe e marisco, e toda a vivência das populações
dominada pelo mar e extensa costa, não se compreende o menosprezo pelas riquezas
alimentares marinhas em favor da carne. Note-se que as posturas referentes ą carne
duplicam em relação às que referenciam o peixe. O peixe aparece apenas nas
posturas em Angra e no Funchal: ai regulamenta-se, não só a venda, mas também a
pesca, dando-se especial relevo em Angra ą forma de distribuição no mercado local.