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Mauro Tracco
A ciência não conseguiu comprovar a existência ou inexistência de Deus. Mas uma coisa o
conhecimento racional deixa cada dia mais clara: religião faz bem para a saúde. O motivo? Para o
médico americano Andrew Newberg, autor do livro Why God Won’t Go Away ("Por que Deus não vai
embora", sem tradução em português), a resposta está na arquitetura neurológica do nosso cérebro.
Para ele, o mais desenvolvido órgão humano é especialmente calibrado para a experiência espiritual.
Analisando imagens captadas por tomógrafos, Newberg pesquisa como a oração e a meditação se
manifestam no cérebro. Ele diz que a neurociência pode elucidar experiências místicas e acredita
que o conceito de Deus é fundamental para a sobrevivência da espécie humana.
Além de se especializar na neurofisiologia da experiência religiosa, Andrew defende que cursos de
teologia e de princípios das religiões sejam obrigatórios para os profissionais da área de saúde.
Segundo ele, um médico terá mais chances de conquistar a confiança de um paciente, e
conseqüentemente ser bem-sucedido no tratamento, se estiver familiarizado com sua crença.
Existe alguma parte específica do cérebro que seja responsável pela experiência
religiosa?
Não exatamente. Nossa pesquisa sugere que experiências religiosas são complexas. Envolvem
emoção e cognição e se distribuem por várias estruturas. Estão ligadas ao lobo frontal, a parte do
cérebro que determina nossas vontades; à região do lobo parietal, que controla nosso senso
próprio; ao sistema límbico, que desempenha papel fundamental nas emoções; e, finalmente, ao
hipotálamo, que também é responsável pelas reações emotivas.
Pessoas doentes com forte fé religiosa têm mais chances de ser curadas?
A única coisa que podemos afirmar a partir dos estudos é que existe relação entre religiosidade e
boa saúde. Mas são poucas as evidências de curas específicas associadas a crenças religiosas. O que
muitos estudos mostram é a religião como forte aliada na recuperação de cirurgias. Uma pesquisa
com um grupo de pacientes operados do coração mostrou que a incidência de mortes durante o
período de recuperação era maior entre os que não praticavam nenhuma fé. Outro estudo, feito com
mulheres negras com câncer de mama, mostrou que as que não pertenciam a nenhuma religião
tinham tendência a viver menos.
Isso quer dizer que a experiência com Deus nos ajudou ao longo do processo evolutivo?
A função de autopreservação é a da sobrevivência do indivíduo e, conseqüentemente, da espécie.
Para nos manter vivos, o cérebro nos afasta dos perigos, nos aproxima dos alimentos e indica a
necessidade de acasalamento. A religião também tem funções importantes nesse sentido: promove
comportamentos de vida sustentáveis e ajuda a desenvolver e manter sociedades e famílias
voltadas para nossa proteção. Autotranscendência é nossa necessidade inerente de passar de um
estágio para outro. Fazemos isso o tempo todo. A cada momento nos tornamos pessoas um pouco
diferentes do que costumávamos ser. E a religião é a expressão máxima de auto-transcendência.
Algumas admitem que o façamos ainda em vida, outras requerem a morte. Seja como for, a religião
nos ajuda a transcender rumo ao encontro derradeiro com Deus ou qualquer outra realidade
suprema.
Você defende que profissionais da área de saúde estudem também teologia e religiões.
Levamos séculos para separar medicina da religião. Voltar a integrar as duas áreas não
seria um retrocesso?
Acho que a religião nunca se separou completamente da medicina. E, recentemente, houve um
crescimento na conscientização de que o lado espiritual do indivíduo tem um impacto importante na
abordagem médica. A saúde e o bem-estar de um paciente dependem bastante da capacidade do
médico de lidar com sua fé e religiosidade, e não apenas com seu quadro clínico. Os dois aspectos
estão interligados.