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Uma montra é como uma caixa de chocolates?

Estudo exploratório sobre


diversidade e qualidade nas livrarias.
Nuno Pinho

«scribas editores
é uma editora.
Isto quer dizer
que não é
uma mercearia,
um prostíbulo
ou uma sinecura
do Estado
ou das igrejas.
Os textos e
livros de
scribas editores
são para
leitores,
não para
clientes.
Os autores de
scribas editores
são escritores.
Não são gestores de marketing
nem têm de fazer vénias
ao Paes do Amaral.»

MESTRADO EM ESTUDOS EDITORIAIS


Disciplina: Edição na Actualidade
Docente: Prof.ª Doutora Maria Manuel Baptista
Ano Lectivo: 2008-2009
Uma montra é como uma caixa de chocolates? Estudo exploratório sobre
diversidade e qualidade nas livrarias.

Resumo
Sendo inegável o domínio de um modelo de comércio do livro cada vez mais comercial, será que a
diversidade e qualidade dos livros são afectadas? Os livros-brinde e literatura light dominam a oferta?
O discurso dominante é pessimista, mas a teorização à volta das Indústrias Culturais sugere que a
realidade é mais complexa e ambivalente. Através da análise dos livros presentes nas montras das
livrarias de Aveiro, uma cidade universitária de média dimensão, tentaremos contribuir com dados para
o aclarar da discussão. Os resultados preliminares sugerem que o problema é maior ao nível da
opacidade do que do relativo valor cultural dos livros.
Palavras-chave: Livro, Livrarias, Qualidade, Diversidade, Literatura Light, Livros-brinde, Indústrias
Culturais.

Is a showcase like a box of candy? Exploratory Study on book quality and diversity
in bookstores.

Abstract
The rule of an ever-increasing commercial model for the selling of books is undeniable. Does this mean
that the quality and variety of books are affected? Do gift books and soft novels dominate the market?
The general discourse is pessimistic, but the theories related with the Cultural Industries suggest reality
is far more complex and ambivalent. Trough the analysis of the books in bookshoop‘s showcases in the
city of Aveiro (an average size universitary city), we will try to provide data hoping to help clarify the
ongoing argument. Exploratory results suggest the issues is greater regarding the book’s opacity rather
than their relative cultural value.
Keywords: Book, Bookshops, Quality, Diversity, Soft novels, Gift-books, Cultural Industries.

Introdução

Um tema recorrente no sector do livro diz respeito à explosão da oferta editorial, especialmente
nos países desenvolvidos, de que Portugal, mesmo que na cauda, faz parte. Os dados mais recentes
indicam que em 2006 terão sido atribuídos 13.659 números de ISBN (Neves et al., 2008: 12). No
entanto, este fenómeno decorre a par de um discurso que clama uma crescente diminuição na qualidade
e diversidade da oferta livreira. Sem dúvida que tais vozes se devem à emergência da «dualidade
paradoxal» do livro (Martins, 2007: 46), ou seja, à difícil e complexa relação entre o livro como
commodity (bem comercial) e produto cultural. De facto, impera um certo discurso pessimista sobre a
mercantilização do livro, descendente da teoria de Theodor Adorno e Max Horkheimer, que vê a
ascensão das «Indústrias Culturais» (IC) (Hesmondhalgh, 2002) como sinal de degradação cultural e
instauradora de um programa político de apaziguamento das massas trabalhadoras. No entanto,
sociólogos como Walter Benjamin ou Bernard Miège apontaram que se é verdade que as IC aumentam
o grau de mercantilização do livro, também abrem portas para a inovação e novos caminhos. Acentua-
se assim a «ambivalência» e complexidade desta área, geradora de um campo de tensão (contested
zone) (Hesmondhalgh, 2002: 15ss). Apesar desta desmontagem crítica, o discurso pessimista
permanece um dos temas centrais da edição na actualidade1.
Uma das queixas mais frequentes é da «invasão» de livros-brinde e literatura light. O presente
trabalho surgiu precisamente no seguimento da leitura de uma notícia que apontava o crescimento deste
tipo de livros nos tops de venda da livraria online Amazon ao longo dos seus 10 anos de existência.
Nessas listas2, a literatura de pendor mais cultural foi dando lugar a livros sobre culinária ou a
bestsellers juvenis como Harry Potter. Estes são indubitavelmente os livros que mais vendem, e
interessou-nos aferir qual o peso que poderiam ter entre nós. No entanto, se é verdade que esta presença
é forte, considerar que há uma contracção da qualidade e diversidade já nos parece mais discutível. Por
isso, quisemos, com de critérios simples, analisar a qualidade e diversidade da oferta livreira entre nós.
Interessou-nos sobretudo contribuir para desmontar o discurso fatalista à volta do comércio do livro,
confrontando argumentos baseados na percepção com dados o mais concretos possível. Para isso, não
poderia haver melhor altura que o Natal, período máximo de vendas, para olhar para as montras das
livrarias e analisar os livros que lá se encontram.

Recensão Literária

1Piault afirma: «corremos o risco de passar de um «mercado da oferta», em que o espaço da criação se encontra cada vez
mais reduzido pelas lógicas de mercado, para um «mercado da procura», que não significa exactamente que o mercado é
comandado por uma «lógica» de necessidades efectivas da clientela, mas antes que os constrangimentos próprios dos
circuitos comerciais se impõem cada vez mais aos produtores e criadores» (Furtado, 1995: 95)

2Estas listas podem ser consultadas em http://www.amazon.co.uk/gp/feature.html?ie=UTF8&docId=1000224993.


Devido à ausência de estudos no que diz respeito aos estudos editoriais, especialmente em Portugal,
não foi tarefa fácil encontrar alguns pontos de referência que ajudassem a estabelecer um suporte
teórico. Para lá dos já citados trabalhos de Afonso Furtado e Jorge Martins, Cândido Martins (2007:
117s) forneceu-nos com os conceitos de Homo Zappiens (Venn e Vrakking, 2006) e «Choque do
Futuro» (Toffler, 1970). Estes conceptualizam o aceleradíssimo ritmo de vida contemporânea e a
concorrência de vários tipos de média, com cada vez maior peso das novas tecnologias. Ao tornarem a
realidade mais fragmentária e caótica, dificultam a construção da oferta livreira. Há menos tempo para
ler, para escolher livros e para reflectir sobre eles. Aliás, ler é cada vez mais um prazer dos diletantes.
Na universidade escrever dá currículo, ler provoca atrasos na carreira.
Os dados do estudo «A Leitura em Portugal» (Santos e tal, 2007: 45-49) corroboram alguns
destes dados no contexto nacional. Em conjunto com a explosão editorial, a realidade é que uma
livraria nunca consegue ser representativa da oferta do mercado e que o livreiro tem muita dificuldade
em ir ao encontro das necessidades do leitor. Zaid (2003: 102ss) aponta que nenhuma livraria poderá
ter a qualquer momento mais de 1% do que é editado. Por isso, o factor «constelação» ultrapassa o
factor «escala», mesmo nas maiores cadeias e hipermercados. A excepção é, bem a propósito, a
Amazon e os seus milhões de títulos. Cada livraria corre o risco de estar repleta de «livros que ninguém
quer ou encontra», o que certamente já será comum na vida de qualquer leitor dedicado.
No seu estudo de como as listas de Bestsellers afectam a variedade da oferta, Sorensen (2004:
18s) providencia-nos com várias pistas para o nosso estudo. Ele aponta que o Bestseller não tende a
influenciar a variedade do produto, porque em muitos casos o leitor já não iria comprar um livro que
não vende3. Pelo contrário, estes campeões de vendas podem aumentar a procura por todo o tipo de
livros, já que trazem mais clientes ao ponto de venda.
Outro trabalho que nos foi útil na nossa para a nossa base teórica, embora não exclusivamente
académico, foi o conjunto de considerações de Chris Anderson sobre a «Long Tale Economics» (2004).
Este defende que o actual contexto cultural produz mercados de nicho, e que a importância dos
produtos culturais de maiores vendas está a decrescer. A “cauda longa” da economia não é mais que um
aumento das vendas de muitos produtos que vendem muito pouco. Trata-se, no fundo, da evolução da
regra 80-20 (Pareto, 1985), que estabelece que 20% dos produtos são responsáveis por 80% da riqueza
gerada.4

3Sorensen dá o exemplo prático de um livro de detectives fora da lista de Bestsellers. Na semana em que entram três livros
do mesmo género para esta lista (ele refere-se à do New York Times), as vendas do primeiro deviam descer, mas tal não
acontece

4Ou, no jargão da edição nacional, o «Vender o que dá para o que não dá» de Manuel Valente.
Anderson defende que os nichos se tornam tão importantes que alteram esta relação de forças. Produzir
muitos produtos que interessam a poucas pessoas será cada vez mais importante:

There’s still demand for big cultural buckets, but they’re no longer the
only market. The hits now compete with an infinite number of niche
markets, of any size. And consumers are increasingly favoring the one
with the most choice. The era of one-size-fits-all is ending, and in its
place is something new, a market of multitudes. (2004: 8).
Figura 1: a “cauda longa” da economia.

Todas estas fontes, embora de origens dispersas, conduzem-nos para uma visão complexa e
conflituante da edição nas suas dimensões comerciais e culturais. Sob essa perspectiva, interessou-nos
tentar aplicar algumas destas ideias a um estudo exploratório que focasse a nossa própria oferta. Será
que a diversidade e a qualidade dos livros entre nós são diminutas? Qual é o peso dos livros brinde e
literatura light nas nossas livrarias? Foi este o núcleo teórico e o ponto de partida do estudo que se
segue.

Metodologia
Devido à pequena dimensão deste trabalho, tornou-se ainda mais importante aplicar às nossas
questões o zoom científico e focalizarmo-nos numa realidade pequena e concreta. Para tal, decidimos
analisar o conteúdo nas montras da maior parte das livrarias de Aveiro. Mesmo numa cidade de média
dimensão e universitária, não existem muitas livrarias. Por isso, recolhemos dados recorrendo a uma
tipologia alargada destes pontos de venda. Assim, couberan na experiência livrarias-papelarias (Livraria
Nobel e Liceu), a secção de livros de um hipermercado (Jumbo), representantes de cadeias livreiras em
certos comerciais (Oficina do Livro, Bertrand e Fnac Service) e livrarias independentes (Langue D’oc e
Tricana), num total de sete espaços. A recolha dos livros existentes foi feita sobretudo através de meio
fotográfico, e, nos casos em que tal não foi possível (Fnac e Bertrand) por registo escrito. Para a
livraria Langue D’oc optámos por efectuar um registo em vídeo. Todos os dados foram recolhidos nas
últimas duas semanas de Dezembro de 2008. O período de Natal, decisivo nas vendas, pareceu-nos ser
o mais indicado para aferir das grandes apostas dos livreiros (e por extensão, das editoras) e verificar o
peso dos livros-brinde.
Importa referir que este é um estudo exploratório. Assim, a recolha dos dados não foi exaustiva.
Nem sempre foi possível identificar todos os livros de uma montra, ou porque estavam deficientemente
expostos, ou porque o registo não tinha a qualidade necessária. Em certos casos, foi necessário fazer
uma selecção na própria montra, devido às características físicas dos locais. Tentámos que nenhuma
amostra ultrapassasse os 50 títulos, para não criar distorções demasiado elevadas nas amostras. Assim,
estas variam entre os 20 e os 50 títulos para cada montra. Quando o número era superior, excluíram-se
grupos temáticos e optou-se pelos livros mais próximos da entrada. No caso do hipermercado e das
lojas no centro comercial em que não há montra propriamente ditas, utilizámos a noção de «Linear»
presente nas teorias de marketing, que define que os produtos mais importantes se encontram ao nível
dos olhos e das mãos (Lindon et al, 2004: 391). A entrada ou o local de passagem mais frequente do
cliente são também fundamentais, pelo que este foi outro critério, para além das áreas assinaladas como
tops.
Apesar destas delimitações, a amostra recolhida é altamente representativa da oferta de cada
ponto de venda. Os dados foram registados em tabelas, dando destaque a alguns parâmetros: se o autor
era feminino ou masculino; se o livro era de ficção ou não e qual o seu género e, por fim, se o
podíamos caracterizar como livre-brinde, literatura light ou de autor premiado.
Importa agora definir melhor cada uma destas noções para a melhor leitura dos resultados. Os
livros-brinde foram definidos juntando duas categorias. Primeiro, a dos livros de reduzida dimensão,
com grande peso da ilustração, e de tema leve. O seu propósito geral é serem oferecidos, e chegam a
ser identificados como tal. São sobretudo livros de pensamentos ou dedicatórias (a familiares ou
amigos). Segundo, a de outros livros, cujo tema é também abordado de forma leve e não-técnica,
embora possa ser instrutivo. A presença de imagens é também relevante. Estes podem ser de maior
dimensão, mas o seu valor como potencial prenda é extremamente elevado. É o caso de livros de
receita, ou guias de vários tipos. Vemos que esta definição é alargada 5 e não significa que os livros
tenham pouca qualidade. No entanto, o seu pendor cultural é reduzido na maioria dos casos.
Para literatura light socorremo-nos de algumas características apontadas por Manuel Morales
(2001: 381ss). Este tipo de romance é geralmente apontado ao público feminino (e escrito por

5Apenas uma das livrarias apresentou livros-brinde na sua definição mais restrita. Devido à sua pequena dimensão, não foi
possível identificar o autor, embora muitos não estejam autorados. O elevado número de exemplares nessa montra
desequilibrou ligeiramente os dados relativos ao género literário.
mulheres), apresenta um tema amoroso e de desenlace feliz. As personagens são tipificadas e
representativas de modelos românticos ideais. O grande objectivo destes livros é transportar os leitores
para fora do seu quotidiano, oferecendo-lhes um entretenimento ligeiro, mas que tenta apelar a
emoções básicas de identificação ou rejeição. Sabemos que esta não é ainda uma definição totalmente
satisfatória, como geralmente é o caso quando se entra na dimensão da qualidade e do gosto. De
qualquer forma, pensamos que são características que permitem identificar os representantes mais
óbvios deste género literário. Para evitar confusões, deixou-se de fora desta categoria os romances
históricos, livros de história “divulgativa”, ou biografias romanceadas. Embora alguns desses livros
possam ter características como as apontadas, seria necessário ter um melhor conhecimento de cada
livro para fazer esta distinção. Tirando casos paradigmáticos, optámos por não os incluir e focarmo-nos
no romance de cariz amoroso
Finalmente, como livro de autor premiado, seleccionamos todos os autores que receberam um
prémio literário, independentemente da dimensão deste, exceptuando quando os prémios foram
atribuídos por representantes da oferta ou editoras. Incluíram-se também os autores dos currículos
escolares, ou mormente considerados parte integrante do cânone literário.
Naturalmente, não quer isto dizer que os livros que não caibam nestas categorias não possam
ser de maior ou menor qualidade. Dentro de cada categoria encontraremos seguramente livros de maior
ou menor qualidade, mas pensamos que é válido colocar de forma genérica os livros de autores
premiados do lado mais cultural do livro, e os livros-brinde e literatura light na sua dimensão mais
comercial.

Resultados
A grande maioria (75%) dos 302 títulos levantados foi escrita por autores masculinos. Não
deixa de ser um dado curioso, dado que é o público feminino o maior consumidor de livros, também de
forma significativa (63,4%) (Santos e tal, 2007: 59). Para além disto, os estudantes são os que mais
livros lêem, e sabemos que a demografia deste grupo tem cada vez mais um perfil feminino.
Gráfico 1: autores por género. Gráfico 2: tipos de textos.

Gráfico 3: Livros por género

A maioria dos livros nas montras das lojas pertence ao grupo da ficção (54%), mas não numa
percentagem tão elevada como esperávamos à partida. Analisando os géneros em mais detalhe, o
romance generalista ocupa a maior fatia com 38% do total, conjugando-se ainda com os seus
subgéneros policial (1%), fantástico (3%) e, histórico (9%). Apesar de a não-ficção representar quase
metade de todos os títulos, verifica-se que a fragmentação de géneros é muito maior, contando-se 32
géneros contra sete no grupo da ficção. A consequência é que parte significativa destes géneros têm
uma presença residual, em alguns casos não ultrapassando um único exemplar em todas as livrarias,
caso da fotobiografia ou, de forma surpreendente, da literatura infantil6. Como se pode ver no gráfico
nº3, a quantidade de géneros que não chega a representar 1% dos livros é elevada. Dentro deste grupo,
os géneros que mais se destacam são os livros de História, biografias e livros de
pensamentos/reflexões. O peso dos livros que tratam de história é significativo, especialmente se
aliarmos as biografias, a maioria delas de forte pendor histórico.

Feita esta visão de conjunto, podemos então olhar para as categorias de cariz mais qualitativo.
Observando o peso relativo dos
livros-brinde (13%) e da literatura
Gráfico 4: livros-brinde, literatura light e livros de autores premiados.
light (15%), podemos ver
que ambos representam
uma fatia ainda pequena no
conjunto total dos livros (mesmo
considerando que mais alguns
livros poderiam caber dentro
destas categorias), e permanecem
minoritários mesmo se vistos em
conjunto. Já os livros de
autores premiados representam
cerca de um terço do total de livros, o que supera as expectativas, especialmente tendo em conta que há
muitos livros de elevada qualidade fora deste grupo.

6Ainda mais de estranhar tendo em conta a altura do ano. Seria interessante tentar perceber se isto deriva de questões de
marketing e comportamento das crianças, ou se simplesmente há um descuido por parte dos livreiros.
Olhando para esta distribuição livraria a livraria, verificamos que as lojas das grandes cadeias
não apresentam – pelo menos nos seus livros de maior destaque - menor quantidade de títulos de
autores premiados que as restantes, nem um maior peso de literatura light e livros-brinde, ao contrário
do que se poderia imaginar e é comum ouvir dizer. Mesmo assim verifica-se que é no hipermercado
que a literatura light tem mais peso (a livraria Nobel tem mais livros brinde, devido à colecção que
mencionámos), e menos na livraria independente Langue D’oc, como aliás seria de esperar.
Curiosamente, esta livraria é a que apresenta menos livros de autores premiados, talvez por apostar em
géneros menos vendáveis e autores mais académicos ou desconhecidos. É na Bertrand que a presença
de livros de autores premiados mais se nota, a par da Oficina do Livro e da livraria-papelaria Liceu,
havendo quase um total equilíbrio na oferta da Fnac Service.
Gráfico 5: livros-brinde, literatura light e livros de autores premiados por livraria.

Gráfico 4: livros-brinde, literatura light e livros de autores premiados.

Algumas diferenças emergem quando comparamos a variedade de géneros por ponto de venda.
Juntando os dois maiores géneros (romance e romance histórico) podemos observar que exceptuando a
Oficina do Livro, as cadeias livreiras e o hipermercado apresentam um claro domínio do romance face
a outros géneros. Neste particular, as livrarias independentes de menor dimensão oferecem uma maior
variedade, mesmo que fragmentada. Em todas, tirando a livraria Tricana (em qualquer caso aquela com
características físicas mais próximas dos pontos de venda das cadeias livreiras), o peso do romance,
ainda que elevado, não é superior ao conjunto dos restantes géneros. A livraria Langue D’oc destaca-se
neste aspecto com um elevado número de livros de política, história, e contos, colocando-se
definitivamente como a livraria mais destoante e personalizada deste conjunto.
Gráfico 6: Peso do romance e romance histórico face aos restantes géneros, por livraria.

Conclusões

De uma forma segura, podemos dizer que não há falta nem de qualidade nem diversidade na
amostra analisada. Mesmo em período de Natal e em pontos de venda de forte pendor comercial como
um hipermercado, o número de livros de reconhecida qualidade ombreia ou supera o número de livros
com contornos mais mercantilistas que culturais. No que diz respeito à diversidade, verifica-se o
domínio da ficção em geral e do romance em particular. No entanto, não deixa de estar presentes em
cada ponto de venda uma assinalável variedade de géneros, mesmo que em número muito reduzido de
títulos. Tais resultados vão ao encontro do inquérito feito aos leitores nacionais, em que a maioria diz
preferir ler «romances de amor», seguindo de muito perto de «romances de grandes autores
contemporâneos» (Santos e tal, 2007: 107). A dualidade e a co-existência de facetas diversas da edição
não podiam ser mais claras. Face aos nossos resultados, as preferências dos leitores indicam que há
pouca oferta nas montras de livros científicos, policiais e de ficção científica, categorias que surgem
entre as mais consumidas pelos leitores. Particularmente no que diz respeito à ciência, a quase ausência
de livros nesta área revela-se difícil de compreender. Uma possível explicação é que as montras tendem
apelar mais ao consumidor ocasional e de impulso, enquanto o leitor mais específico e frequente tem
tendência a saber já o que quer. Encontra-se aqui uma possibilidade de alargamento deste estudo.
Enquadrando estes resultados no sistema teórico em que assentou este trabalho, vemos que esta
elevada mistura de produtos mais culturais com outros mais comerciais é própria da natureza das
Indústrias Culturais. Como aponta Hesmondhalgh, é frequente que as empresas capitalistas produzam
Textos que pregam contra os princípios desse sistema económico e mesmo contra a comercialização do
livro (2002: 4). O elevado grau de risco desta indústria e a imprevisibilidade de sucesso ou não do que
é publicado implica a constante aposta em produtos que prometam a novidade e o arrojo. Como o valor
cultural dos Textos persiste fundamental, esta é uma indústria que tem de promover objectos culturais e
não se pode somente basear na repetição de formatos de produção mais fácil (Idem: 19).
Adicionalmente, o crescimento da «cauda longa» da economia e o progressivo embaratecimento da
produção do livro fazem com que cada vez mais haja autores e leitores para livros que interessam a
muito pouca gente. No entanto, o livro, ao contrário de outras Indústrias Culturais (como o Cinema),
não necessita de muitos compradores para ser viável. Sem este sistema, seria inevitável que o acesso
aos livros fosse se tornasse mais débil e a oferta menos diversificada.
Uma explicação possível para a concentração em alguns géneros e para a forte tendência na
publicação histórica poderá estar na regra de marketing dos produtos «fast followers», em que o livro
se insere. Assim, quando um tipo de livro tem sucesso, há uma grande corrida à produção de clones que
possam capturar este sucesso. Como comprovou Sorensen, existe uma tendência para melhores vendas
de determinado tipo de livros quando um do mesmo género tem presença nos tops de venda (2004:
19s). Muito provavelmente, isto quer dizer que os grandes bestsellers na verdade não só não
prejudicam os livros que vendem menos, como ajudam a que mais livros se vendam.
Acima de tudo, estes resultados apelam a uma mudança no olhar sobre a oferta de livros. Mais
que prejudicar a qualidade ou a diversidade dos livros, o comércio do livro como commodity torna o
conjunto dos livros obscuros e caóticos. O maior problema para quem compra e vende não é a falta de
escolha, mas sim encontrar a escolha certa numa constelação de livros. Nesse sentido, tirando a livraria
mais independente que analisámos, os livreiros devem ficar preocupados quando o mapa da oferta em
todos os pontos de venda é bastante semelhante, e, por isso mesmo, opaco. «The noise and emptiness
of bestesellers poses less a threat to reading than the noise and emptiness of chaos», diz Zaid (2003:
143). Especialmente numa sociedade desenvolvida, a Indústria do Livro promove a cultura da troca de
Textos como «conversação», e por isso mesmo, a diversidade. Livros sobre o mais ínfimo dos assuntos
tendem a aparecer e a ser divulgados. O contrário seria uma oferta dominada por poderes políticos
totalitários, ou elites fechadas. Ser capaz de lhes dar visibilidade é mais difícil, e de os vender, o mais
difícil. O livro é viável a uma pequena escala, mas precisa de leitores formados. O sector do livro deve
preocupar-se com a formação de leitores diversificados e exigentes, porque são eles que tornam o livro
rentável.
Como dissemos no início, este trabalho pretendeu ser um estudo exploratório destas matérias.
Cada livraria é o seu micro-cosmos e a montra o seu satélite. Nesse sentido, estivemos a comparar
realidades diferentes. Um possível caminho a seguir para este trabalho seria analisar a mesma montra
durante o seguimento de um ano, recolhendo dados a intervalos regulares. Outro seria poder comparar
os livros em destaque com as vendas efectivas, algo só possível num clima de maior abertura por parte
das editoras. Esperemos que no futuro esses passos possam ser dados. O que gostaríamos que se
extraísse desde pequeno esforço que fizemos era uma contribuição para a mudança no discurso fatalista
que grassa no sector. Karl Popper afirmou um dia que o livro comercial acabou com o livro sagrado.
No entanto, a ambivalência das Indústrias Culturais nega esta sentença. O processo de democratização
torna os tesouros sagrados mais acessíveis, e faz com que se multipliquem (Zaid, 2003: 17s). Basta ir a
qualquer uma das livrarias aqui referidas para o comprovar.

Bibliografia

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ZAID, Gabriel (2003), So Many books. Londres: Sort Of Books.

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