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Consulta Nefrológica em 10 Minutos

Hipercalemia
Hyperkalemia
Paulo Novis Rocha
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, Brasil
Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Residência em Clínica Médica no Medical College of
Pennsylvania e em Nefrologia na Duke University, título de especialista em Clínica Médica e Nefrologia pelo American Boards of Internal Medicine e em Nefrologia pela
Sociedade Brasileira de Nefrologia, Doutorado em Medicina pela UFBA, Professor Adjunto do Departamento de Medicina da FMB-UFBA.
Como os rins são os principais responsáveis pela homeostase do potássio, hipercalemia pode-se dizer que hipercalemia sustentada só ocorre na vigência de um problema renal.
é um tema do dia-a-dia do Nefrologista. A primeira etapa na avaliação de um caso de hipercalemia Este problema pode ser “quantitativo”, como na IRA ou DRC avançada, onde há
é determinar se existe uma emergência. Para isso, além do nível sérico de potássio, o uma redução no número de néfrons funcionantes, ou “qualitativo”, por um defeito no manejo
eletrocardiograma (ECG) é essencial. Com a elevação do potássio sérico, há aumento da amplitude tubular de potássio, como encontrado nas acidoses tubulares hipercalêmicas e nos pacientes que
da onda T, achatamento da onda P, redução no intervalo QT e prolongamento do intervalo PR; em utilizam inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), diuréticos poupadores
seguida, ocorre prolongamento do intervalo QRS, evolução para uma “sine wave” e, eventualmente, de potássio, heparina, anti-inflamatórios não hormonais, ou trimetoprim.
parada cardíaca. Hipercalemia com alterações ao ECG, especialmente quando já há prolongamento Muitas vezes, a prescrição de um paciente contém drogas capazes de causar
do QRS, caracteriza uma emergência. Nestes casos, uma ampola (10 ml) de gluconato de cálcio a hipercalemia por ambos mecanismos. Esquemas para insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
10% deve ser administrada por via endovenosa imediatamente para estabilizar a membrana contendo, digoxina, betabloquadores, heparina, inibidores do SRAA e espironolactona, por
miocárdica. Em seguida, outras medidas devem ser tomadas visando reduzir a concentração sérica exemplo, são quase modelos experimentais de hipercalemia! De fato, desde a publicação do
de potássio (Tabela 1)1. estudo RALES3, tem havido aumento na incidência e na mortalidade por hipercalemia nestes
Não havendo emergência (ou depois de tomadas as medidas emergenciais pacientes4.
necessárias), o Nefrologista deve realizar história e exame físico detalhados e revisar os exames Quando nenhum dos mecanismos acima estiver presente, deve-se contemplar a
laboratoriais, visando identificar o(s) mecanismo(s) de hipercalemia operante(s) no seu paciente. possibilidade de pseudo-hipercalemia; outra pista seria hipercalemia severa, mas sem alterações
O manejo em longo prazo do paciente hipercalêmico depende da identificação - e correção - ao ECG. As causas de pseudo-hipercalemia incluem: hemólise traumática durante a punção,
desses mecanismos 2. garroteamento prolongado, abrir e fechar mão repetidamente antes da punção 5, trombocitose (>
Os principais mecanismos de hipercalemia são: 1 milhão) ou leucocitose (> 50 mil) severas e coleta de amostra do mesmo braço onde está sendo
1) Desvio do líquido intra-celular (LIC) para o extra-celular (LEC): o nosso feita infusão de potássio. O diagnóstico pode ser confirmado através da dosagem do potássio no
organismo contém cerca de 50 a 55 meq/kg de potássio, sendo que 98% se encontra no LIC. Esta plasma, em amostra de sangue heparinizado.
concentração de potássio no LIC é mantida às custas de transporte ativo, pela bomba Na+-K+- Embora esta seção seja chamada de “Consulta Nefrológica em 10 minutos”, a
ATPase presente nas membranas celulares. O movimento de apenas 1,5 a 2,0% de potássio do LIC avaliação criteriosa do paciente hipercalêmico geralmente requer bem mais tempo que isso!
para o LEC pode resultar em hipercalemia potencialmente fatal. Situações clínicas que favorecem
um desvio de potássio do LIC para o LEC incluem: acidose metabólica (principalmente as REFERÊNCIAS
hiperclorêmicas), lise celular (queimaduras, hemólise, rabdomiólise, necrose tissular),
1 Burton DR. Clinical manifestations and treatment of hyperkalemia. UpToDate Online [internet]. [Acesso em: 16
hiperosmolaridade, deficiência de insulina, paralisia periódica hipercalêmica e algumas drogas mar 2009]. Disponível em: http://www.uptodate.com/patients/content/topic.do?topicKey=~ CfTB3rp2IR_R09
(succinilcolina, digital, beta-bloqueadores). 2 Palmer BF. Managing hyperkalemia caused by inhibitors of the renin-angiotensin-aldosterone system. N
2) Diminuição na excreção renal: em indivíduos normais, um aumento na ingestão Engl J Med. 2004;351:585-92.
de potássio na dieta estimula a secreção de aldosterona, que, ao nível do néfron distal, promove: 3 Pitt B, Zannad F, Remme WJ, Cody R, Castaigne A, Perez A, et al. The effect of spironolactone on morbidity
• maior reabsorção de sódio, o que aumenta a eletronegatividade do lúmen tubular; and mortality in patients with severe heart failure. Randomized Aldactone Evaluation Study Investigators. N
Engl J Med, 1999;341:709-17.
• maior atividade da enzima Na+-K+ ATPase;
• abertura de canais de potássio na membrana luminal. 4 Juurlink DN, Mamdani MM, Lee DS, Kopp A, Austin PC, Laupacis A, et al. Rates of hyperkalemia after
publication of the Randomized Aldactone Evaluation Study. N Engl J Med, 2004;351:543-51.
Estes mecanismos culminam em maior secreção tubular de potássio. Devido à
5 Don BR, Sebastian A, Cheitlin M, Christiansen M, Schambelan M. Pseudohyperkalemia caused by fist
grande capacidade dos rins em aumentar a excreção urinária de potássio frente a sobrecargas, clenching during phlebotomy. N Engl J Med, 1990;322:1290-2.
Tabela 1. Manejo Agudo da Hipercalemia

Medida Mecanismo Início de ação Duração de ação Prescrição


ETAPA I - MEDIDAS EMERGENCIAIS

Cálcio a Estabilização da membrana 1 – 3 min 0,5 – 1 hora Gluconato de cálcio 10%, 10 ml


miocárdica EV

Desvio p/ LIC 15 – 30 min 1 – 2 horas Bicarbonato de sódio 8,4%, 50 ml


Bicarbonato de sódio b
EV

Insulina regular c Desvio p/ LIC 15 – 60 min 4 – 6 horas Insulina R 10 U EV + Glicose


50%, 50 ml

β2-agonista d Desvio p/ LIC 15 – 30 min 2 – 4 horas Fenoterol 10 mg via nebulização


ETAPA II - MEDIDAS PARA REMOÇÃO DE POTÁSSIO DO ORGANISMO

Furosemida ± SF 0,9% e Remoção por via renal 0,5 – 2 horas 4 – 6 horas Furosemida, 40-200 mg, EV

Sorcal f Remoção por via intestinal 1 – 2 horas 4 – 6 horas Sorcal 30 a 60g, VO ou enema de
retenção
Hemodiálise g Remoção via extra-corpórea Imediato Duração da diálise Depende da [K+] no banho,
duração, fluxo de sangue

a Deve ser a primeira medida se houver alterações ao ECG. Cuidado no paciente que usa digital: diluir a ampola e correr em 20 minutos. Não administrar se houver suspeita de
intoxicação digitálica.
b Mais eficaz em pacientes com acidose metabólica. Dose pode variar de acordo com a severidade da acidose. Não administrar junto com cálcio ou em pacientes congestos. No
paciente hipovolêmico, hipercalêmico, e acidótico, diluir 15 ampolas de NaHCO3 em 850 ml de SG5% (150 meq/L) e usar como expansor no lugar de SF 0,9%.
c Administração de glicose é desnecessária se o paciente estiver muito hiperglicêmico (> 250 mg/dl).
d As doses utilizadas para hipercalemia são bem maiores que as habitualmente usadas para broncoespasmo. Além do fenoterol, pode-se também utilizar o salbutamol. Outra opção
seria terbutalina por via subcutânea.
e No paciente hipervolêmico, usar apenas furosemida. No paciente hipovolêmico, iniciar com SF 0,9% e associar furosemida apenas após estabelecer normovolemia. Preferir
NaHCO3 como expansor se houver acidose associada.
f Para administração VO, o sorcal deve ser diluído em manitol (200 ml) para evitar constipação. Outra alternativa é o sorbitol.
g Método de eleição no paciente com IRA ou DRC estágio V. A hemodiálise convencional é mais confiável que os métodos contínuos na hipercalemia aguda severa.

Endereço para correspondência:


Paulo Novis Rocha
Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia
Departamento de Medicina
Av. Reitor Miguel Calmon, s/nº, Vale do Canela
40110-100 - Salvador – BA, Brasil
Tel/Fax: (71) 3283-8862/8863/8864
E-mail: paulonrocha@ufba.br

J Bras Nefrol 2009;31(1):5

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