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A FORMAÇÃO DO MODERNO PORTUGAL E A DINASTIA DE BORGONHA

O berço geográfico de Portugal: A Península Ibérica

A Península Ibérica, berço geográfico da pátria portuguesa, foi primitivamente habitada por um povo
cuja origem é envolta numa complicada teia de lendas: os iberos. Por volta do ano 2000 a.C., um novo
grupo étnico formado com a assimilação dos iberos pelos celtas – os celtiberos – ocuparia a região. No
século XII a.C., gregos e fenícios – buscando estanho na Europa Setentrional – estabeleceram feitorias
no sinuoso e recortado litoral da Península, principalmente em Málaga, Sevilha e Cádis. Pouco depois,
cartagineses, também navegando na “rota do estanho”, criaram entrepostos em solo ibérico.
No século I a.C., a Península Ibérica, após feroz resistência liderada pelo pastor Viriato, foi ocupada
pelos romanos, que a denominaram de Lusitânia. Em pouco tempo, a região conheceria um processo de
romanização. No século V d.C., com o colapso do Império Romano do Ocidente, levas sucessivas de
bárbaros germânicos – suevos, alanos e vândalos – assolaram a Península. Culminando o processo
invasionista germânico, os visigodos, encabeçados por Ataulfo, instalaram-se na região.

No século VIII, ocorreria uma profunda alteração: atravessando o estreito das Colunas de Hércules
(hoje, Gibraltar), mouros e árabes ocuparam a maior parte das terras ibéricas. Os mouros eram inimigos
ferozes dos cristãos europeus, contra quem lutaram durante séculos. Muitos descendentes dos antigos
visigodos – agora cristianizados - recusaram-se, em nome da fé, a aceitar a dominação islâmica,
refugiando-se nas Astúrias – extremidade setentrional da Península Ibérica - e dando início, sob o
comando de Pelágio, a uma secular luta de resistência à presença muçulmana: a Guerra da Reconquista.
Pouco a pouco, ao longo desse sangrento e prolongado conflito e em conseqüência desse, foram se
formando os reinos ibéricos.
A formação do moderno Portugal
Portugal foi um dos reinados gerados pela Reconquista. Por ser fruto de um processo militar, a nação
portuguesa, formada no século XII, apresentou uma estrutura de poder centralizado, desconhecendo,
desde sua fundação, o feudalismo no sentido político do termo. De fato, o nascimento de Portugal, que
foi dolorido e sangrento, resultou na precoce formação de uma monarquia poderosa e detentora de plena
soberania.
Ao longo da Guerra da Reconquista (a expulsão dos muçulmanos da Península Ibérica) foram nascendo
vários pequenos reinos. No século XI, três deles – os de Castela, Galiza e Leão – se uniram sob a
liderança de Afonso VI.
Dentro do espírito cruzadista então imperante na Europa Ocidental, a nobreza e o clero franceses
apoiavam os esforços militares hispânicos. Dentre inúmeros outros, dois nobres franceses, os irmãos
Raimundo e Henrique de Borgonha apoiaram a luta de Leão contra os muçulmanos.
Como recompensa de seus esforços, Raimundo de Borgonha, ao se casar com a filha mais velha e
legítima de Afonso VI, Dona Urraca, recebeu como dote o Condado da Galiza. Seu irmão mais novo
casou-se com Tereza, filha bastarda do soberano leonês, ganhando o Condado Portucalense, região
situada ao sul do rio Minho.
Com a morte de Afonso VI, Dona Urraca, aproveitando-se do falecimento de seu cunhado, Henrique,
exigiu que sua irmã lhe prestasse votos de vassalagem. Entretanto, Dona Tereza, influenciada pelo
amante – o Conde Fernando Peres de Trava – recusou-se a aceitar a imposição da irmã.
Dom Afonso Henriques, filho legítimo de Tereza, irritado com a influência de Trava sobre sua mãe,
rebelou-se contra ela, vencendo seus partidários na famosa Batalha de São Mamede. Em seguida, bateu
as tropas da tia e de Afonso VII, sucessor de Afonso VI no reino de Leão, em Cerneja. Por fim,
enfrentou com êxito os mouros em Ourique.
Política e militarmente fortalecido, Dom Afonso Henriques proclamou, em 1139, a independência do
reino de Portugal, tornando-se seu primeiro rei e fundador da Dinastia de Borgonha. Deste modo,
Portugal emergiu como estado soberano no início do século XII.
Na época em que Portugal se tornou independente, sua economia era basicamente voltada à agricultura.
A principal fonte de renda do país advinha da produção de azeite, vinho e cereais. Diferentemente das
terras do interior, onde predominavam a agricultura e a pecuária, a região litorânea tornou-se centro de
outras atividades econômicas: a pesca, a navegação e o início do comércio.
Durante a Guerra da Reconquista, a monarquia portuguesa ganhou força ao anexar novas terras. Em
1147, Lisboa foi conquistada por D. Afonso I e tornou-se a capital do reino. Em meados do século XIII,
a região de Algarve, localizada ao sul de Portugal, foi anexada por D. Afonso III. Naquela época,
desenvolvia-se um sentimento de nacionalismo português e as diferenças culturais entre o povo de
Portugal e de outras populações da Península Ibérica ficavam cada vez mais evidentes.
O papel dos Borgonhas (1139 – 1383)
A Dinastia de Borgonha, primeiro momento da história lusitana, desempenhou uma série de importantes
papéis para a consolidação inicial do reino de Portugal:

O Período dos Borgonhas:


A. Autonomia e centralização monárquica.
B. Integralização do território português em função da total expulsão dos muçulmanos. O
prosseguimento da Guerra da Reconquista, agora sob a liderança dos Borgonhas, deu ao conflito um
cunho mais acentuadamente nacionalista. De fato, enquanto a reconquista no resto da Península Ibérica
foi levada a efeito em nome do cristianismo ocidental, em Portugal, ela passou a ser legitimada por
interesses estritamente nacionais.
C. Início da ascensão da burguesia mercantil com aumento da importância dos portos e o surgimento de
embrionárias técnicas de comércio.
D. Início da acumulação de capital comercial, fundamentalmente em razão da exportação do sal da
região de Setúbal.
As especificidades da formação e consolidação do Reino de Portugal, sob a égide dos Borgonhas,
geraram um Estado Patrimonialista.

de Estado Patrimonialista
Para bem compreendermos o conceito de Estado Patrimonialista, característica política da formação de
Portugal e, infelizmente, um vício herdado pelo Brasil, devemos, inicialmente, definir dois preceitos
jurídicos: o de Posse e o de Soberania.
Definição de Posse:
O direito de usar e abusar, conforme o tradicional preceito da doutrina jurídica romana. A posse de
qualquer bem implica que esse pode ser vendido, comprado, alugado, emprestado, hipotecado,
destruído, doado, etc. Noutros termos, o proprietário pode dele dispor segundo suas vontades ou
conveniências.
Definição de Soberania:
Consiste no poder – específico e exclusivo do Estado – de querer coercitivamente e fixar competências.
De fato, somente o aparelho estatal pode impor sua vontade pela coerção juridicamente regulamentada,
pois ele tem o direito de aplicar justiça, tributar, exigir serviço militar, cunhar moeda e disciplinar as
finanças e a economia nacionais; competências vedadas aos cidadãos, mesmo se proprietários. Em
síntese, podemos definir o Estado como o monopólio legítimo - pois fixado em lei - da força.
Pelo fato de que a formação e a Reconquista portuguesas foram levadas a cabo sob a liderança de um
Rei precocemente centralizador, o monarca lusitano não era apenas soberano em seu país, mas
praticamente seu proprietário. Quando desejoso de premiar os nobres que o apoiavam, o governante
português concedia a eles a eventual posse de terras, não conferindo a soberania sobre elas, o que era
essencial na estrutura feudal, onde a camada senhorial tinha a posse e a soberania sobre os feudos. Dessa
maneira, ao contrário da nobreza feudal de outras regiões européias, o nobre lusitano recebia uma
dádiva do Rei, sendo dele dependente e a ele submetido.
Como conseqüência, em Portugal, tornou-se relativamente indistinta as diferenças entre a esfera do
público e do privado, pois o Rei era soberano e proprietário. As competências do poder público e os
direitos da posse se confundiam. Ao contrário do que aconteceu nas nações européias nórdicas, nas
quais os limites entre o poder do Estado e o direito de apropriação eram bem definidos, em Portugal, o
Poder não era uma função, um cargo, mas uma propriedade. Isso criou uma mentalidade viciosa em
Portugal e em suas colônias: não há governantes, há “donos do poder”.
A Dinastia de Borgonha, que reinou até 1383, não foi capaz de administrar com sucesso as mudanças
sociais e econômicas que ocorriam em Portugal. Esta dinastia não mantinha boas relações com a classe
dos mercadores, que cresceu durante este período. A Dinastia de Borgonha foi substituída pela Dinastia
Avis, que se preocupava com os interesses comerciais e urbanos.
No final do século XIV, Portugal, que até então havia sido uma nação agrícola, começou a desenvolver
uma economia mais voltada para o comércio e a navegação. Na próxima aula, estudaremos o que causou
essa transformação econômica em Portugal.

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