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Mensagem – Fernando Pessoa

A primeira parte, Brasão, correspondente à Idade do Pai (fundadores de Portugal), retrata o nascimento do
Império Português, mencionando os principais mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos
elementos dos brasões, que são marcas de afirmação do passado, da mágoa do presente e de antevisão do
que há de vir. Dá também conta de uma nação formada e consolidada pelo esforço de um povo heroico e
guerreiro, predestinado a grandes feitos. Por último, Portugal é caracterizado como a esperança futura da
Europa e da Civilização humana, em muito devido ao seu fascínio pelo mar.

• Os sete Castelos correspondem às sete idades: a primeira é de Ulisses, a que se seguem Viriato, o
Conde D. Henrique, D. Tareja, D. Afonso Henriques e D. Dinis. A Sétima Idade Portuguesa é aberta por
D. João I, mestre de Avis e por Filipa de Lencastre, Princesa do Santo Graal (dá a eternidade), ventre do
império (origina a ínclita geração) e Madrinha de Portugal.
• As cinco quinas associam-se aos cinco mártires da pátria, os filhos da ínclita geração, que se
sacrificaram por um destino glorioso: D. Duarte, o Infante Santo (D. Fernando), o Infante D. Pedro, o
Infante D. João e D. Sebastião. Este último é símbolo da loucura heroica, isto é, é um herói que sonha e
que age, mesmo que a Sorte não esteja a seu favor.
• Nuno Álvares Pereira é designado como portador da Coroa, pois coroa simbolicamente o fundador da
dinastia de Avis, D. João I, ou seja, ajudou na ascensão do Mestre de Avis ao trono. Assim, este herói
desempenha um papel fundamental na consolidação da nação portuguesa.
• A cabeça do Grifo simboliza o espírito, a sabedoria e o sonho inspirado do Alto e é representada pelo
Infante D. Henrique, que iniciou os Descobrimentos.
• As asas do Grifo são representadas pelas figuras paradigmáticas da força, potência e vontade: D. João
II (o melhor dos portugueses) e Afonso de Albuquerque (vice-rei da Índia) e simbolizam a passagem do
sonho do plano divino para o humano.
• O número de castelos (7) somado com o número de quinas (5) presentes no brasão português
corresponde ao número de poemas presentes em Mar Português: 12.

Em Mar Português, correspondente à Idade do Filho (mostra aqueles que, recolhendo a herança, a
dilataram pelos mares e continentes), há um presente de glórias que já não existe, mas que faz parte da
memória – a alma portuguesa, capaz de possibilitar o advento do Quinto Império.

PRIMEIRA PARTE – BRASÃO

I – Os campos

Primeiro - O dos castelos – O título do poema é uma alusão ao território português, protegido pelos sete
castelos que, uma vez conquistados aos mouros, definiriam a geografia de Portugal.

Neste poema, é feita a localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, procurando atestar a sua
grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental.

• 1ª estrofe
o V.1. – Jaz – morta – estagnada
o V.2. – Jaz – enfatiza (novamente) a estagnação que a Europa vive neste momento
o V.3. – Inglaterra
o V.4. – Antiguidade clássica; “lembrando” – recordar os tempos gloriosos da Europa
o Vv. 3 e 4 – A influência inglesa e da Antiguidade clássica marcam o que é Portugal hoje; o
romantismo (britânico) dá a ideia de fatalismo e os gregos associam-se à beleza Clássica
• 2ª estrofe – imagem – a posição dos cotovelos, estrategicamente colocados em Itália e Inglaterra,
reitera a referência às raízes culturais da identidade europeia: o Norte, cultura romântica; o Sul,
cultura grega
• 3ª estrofe
o V.10. – Repetição do verbo “fitar” – desta atitude passiva, expectante, apenas o rosto parece
está animado de vida, porque olha fixamente o Ocidente;
o V.10. – “olhar sfíngico e fatal”: “olhar sfíngico” – enigmático “e fatal” – marcado pelo destino;
esta expressão dá conta da atitude expectante e contemplativa, enigmática e misteriosa com
que a Europa olha para o Ocidente, que representa a sua vocação histórica, o “futuro” que a
Europa já desvendou no “passado” e que se apresenta, agora, como uma nova promessa.
• 4ª estrofe – A Europa é perspetivada pelo poeta como uma figura feminina, cujo rosto, é,
indubitavelmente, Portugal. A missão de Portugal está assinalada pela sua localização geográfica
estratégica: conquistar o que está para Ocidente, o mar, criando um novo Império que dará
continuidade à supremacia do restante império europeu. Assim, Portugal está predestinado a formar
um Império Espiritual, sendo, deste modo, a único local de esperança na Europa.

Segundo - O das quinas – As quinas correspondem, na sua dimensão espiritual, às cinco chagas de Cristo,
símbolo do sofrimento e morte redentores da humanidade. São a expressão de que só o sacrifício conduz
à redenção e à glória, projetando a missão de Portugal para a dimensão espiritual.

• Neste poema, Pessoa mostra que foram os “deuses” os criadores do destino da Europa e de Portugal e
que selecionaram homens superiores – os portugueses;
• Além disso, o poeta faz uma série de afirmações paradoxais (“Os deuses vendem quando dão” – v.1.),
ou baseadas em jogos de palavras (“Baste a quem basta o que lhe basta” – v.5.) com o objetivo de
mostrar que, para se atingir a grandeza e se conquistar a glória é indispensável estar disposto a sofrer
(“Compra-se a glória com a desgraça” – v.2.). Ser criador ou continuador de nações ou impérios
pressupõe o abandono de uma vida simples e uma entrega absoluta ao destino que Deus preparou.
• O destino do Homem português é o mesmo de Cristo: tal como Ele, os portugueses ascenderão a um
plano superior, transcendendo-se, superando as limitações da própria vida, por natureza efémera (“A
vida é breve, a alma é vasta” – v.8.). Estão, então, traçadas as potencialidades da grandiosa alma
portuguesa, que presidirá todos os heróis de Mensagem.

II – Os castelos

Primeiro - Ulisses – mítico, herói lendário – O título do poema evoca o herói da Odisseia que, segundo a
lenda, após andar perdido no Mar Mediterrâneo, terá aportado no Tejo e fundado a cidade de Olissipo.
Ulisses poderá representar a vocação marítima dos portugueses, já que este nosso antepassado mítico
chega do mar.

• 1ª estrofe – metáfora – Os sonhos, ideias e objetivos obrigam a sacrifícios e a enfrentar adversidades,


com o intuito de se construir o futuro.
o V.1. – “o nada (imaterial) que é tudo (físico)” – o sonho (“nada”) comanda a vida – o mito não
pressupõe uma existência concreta, contudo, como corresponde a uma crença, pode ser “tudo”,
dado que as crenças alimentam e dão sentido à realidade.
o Vv. 2 e 3 – refere-se ao sonho
o V.4. – Materialização de Deus num ser humano, que se sacrificou pelos Homens;
o V.5. – “Tudo”
• 2ª estrofe - O povo português acredita em Ulisses, porque é um povo semelhante a Ulisses: navegador
e corajoso, pela perseverança que manifesta e pela capacidade de enfrentar o desconhecido
o V.6. – “este” físico (v.6 – Ulisses) e mítico (vv. 1 a 5) – O pronome este refere simultaneamente
“mito” e “Ulisses”. Para comprovar a tese da primeira estrofe, o sujeito poético serve-se de dois
conjuntos de argumentos. Em primeiro lugar refere-se ao Sol como um elemento da realidade
física, mas que é transcendente e refere-se a Deus, “morto”, “vivo e desnudo”, aponta para a
ressurreição e para o seu poder regenerador, apesar de não ter existência física. Em segundo
lugar, faz menção à crença de que Ulisses aportou em Lisboa e fundou esta cidade
o V.1.; vv. 7 a 9 – Paradoxos – Ulisses é caracterizado com recurso ao paradoxo, concretizando a
definição de mito. O mito é, para Pessoa, o verdadeiro impulsionador da História: é “nada”
porque atua de forma discreta; é “tudo”, porque é ele que está na origem dos grandes
acontecimentos. Para realizar algo, é preciso, primeiro, acreditar.
o Vv. 9 e 10 – A essência de Ulisses passou para o povo português
• 3ª estrofe - Nesta estrofe, evidencia-se o estatuto criador do mito. É ele que “fecunda” a realidade e
são as suas possibilidades criadoras que dão sentido ao real. Assim, o que verdadeiramente importa
não é a existência real de Ulisses, mas aquilo que ele representa, ou seja, sem o mito de Ulisses, a vida
seria um vazio
o V.11. – A lenda vai passando lentamente ao longo do tempo
o V.12. – As pessoas acreditam que a cidade de Lisboa (realidade) recebeu esse nome (Olissipo)
por causa de Ulisses
o V.13. – Vai ser sempre alterada a informação da lenda; o verbo “fecundar” sugere o poder
regenerador do mito, a sua capacidade de dar sentido à vida e de fazer surgir a realidade.
o Vv. 14 e 15 – Estes versos interpretam-se como a afirmação de que sem mito não há vida: a
“vida” (realidade), que se situa “em baixo”, só tem sentido quando para dentro dela “escorre a
lenda”.

Segundo – Viriato – Viriato foi o fundador da Lusitânia, a “luz que precede a madrugada” lusa, o prenúncio
da existência futura de um povo tão guerreiro, humilde e corajoso como ele próprio; símbolo do heroísmo.

Terceiro – O conde D. Henrique – O conde, fundador do Condado Portucalense, lutando contra os mouros,
deu origem à construção de um reino cristão exemplar. O herói cumpre a vontade divina, mesmo quando
não sabe o que fazer com a espada (arma que combate o mal / que constrói a paz).

Quarto – D. Tareja - inicia a primeira dinastia (de Borgonha); Através da apóstrofe, o poeta representa D.
Tareja como a mãe arquetipal, aquela que foi mãe do primeiro rei português e avó do grande império das
Descobertas, pedindo lhe proteção para o povo português; é urgente criar um Portugal novo para construir
o futuro, tendo em conta o presente e as lições do passado.

Quinto – D. Afonso Henriques – Exemplo da força, da coragem e da nobreza de carácter necessários para a
construção de Portugal

D. Afonso Henriques é apelidado pelo poeta, simultaneamente, de “Pai” e “cavaleiro” (v.1) – Pai, porque
fundador da nacionalidade e, por isso, pai dos portugueses; cavaleiro, porque, com a “espada”, defendeu e
conquistou o território português, mas também se assumiu como defensor da fé. Então, o poeta pede-lhe
que, nos dias de hoje, ele sirva de exemplo aos portugueses e que a sua força inspire a uma ação que
vença os “novos infiéis”, ou seja, todos aqueles que se opõem à missão espiritual e providencial de
Portugal que, para o poeta, é uma certeza inabalável.
“Espada” (vv. 7 e 8)

• Confere luminosidade (tudo à sua volta se torna claro);


• Defesa dos valores (morais, religiosos, nacionais);
• Símbolo de cavalaria – união mística entre o cavaleiro e a espada;
• Valor profético;
• Símbolo da Guerra Santa; da guerra interior; do verbo, da palavra; da conquista do conhecimento;
da libertação dos desejos; da espiritualidade; da vontade divina;

Sexto – D. Dinis

• 1ª estrofe
o Vv. 1 e 2 – D. Dinis é caracterizado como “poeta” (v.1.) – escreveu poesia trovadoresca – e
“lavrador” (v.2.) – deu ordens para continuar a plantação do pinhal de Leiria
o V.2. – “naus a haver” – metáfora – remete para os pinheiros mandados plantar por D. Dinis que
são já, virtualmente, as naus das descobertas – o futuro adivinhado. O rei aparece, assim, como
aquele que cria condições para as navegações, como uma espécie de intérprete de uma vontade
superior. Concluindo, foi a sua ação que preparou involuntariamente o futuro dos
Descobrimentos, tornando o seu contributo intemporal.
o Vv. 3 a 5 – O ambiente de mistério é criado pelo “silêncio múrmuro” (v.3.) e pelo “rumor dos
pinhais” (v.4.) que só o rei consegue ouvir, ou seja, só é acessível aos sonhadores.
▪ V.3. – Chamamento dentro dele – premonição – algo grandioso poderia acontecer
▪ V.4. – “rumor dos pinhais” – associa-se ao barulho das naus no mar
▪ Vv. 4 e 5 – o pinhal de Leiria é o ouro (“trigo”) do Império, pois permitiu a construção das naus
que deram origem aos Descobrimentos.
▪ Vv. 4 e 5 – “um trigo do Império” – sensação visual e metáfora – a origem do futuro teve início
em terra – tal como o trigo é a base do pão que alimenta os povos, os pinheiros permitirão a
construção dos barcos que alimentarão os Descobrimentos.
▪ V.5. – “ondulam sem se poder ver” – visualismo
• 2ª estrofe
o Vv. 6 e 7 – D. Dinis é apresentado como um pequeno rio (“arroio”) que corre em direção ao Mar
(“oceano por achar”); também estes versos encerram a ideia de que neste passado se adivinha já
o futuro e de que a partir de uma pequena ideia surgirá algo grandioso, os Descobrimentos
Portugueses.
o Vv. 8 a 10 – Esta sequência é uma escolha do poeta, que nos mostra D. Dinis como um herói
natural, espontâneo que, tal como convém aos heróis míticos, lança os fundamentos do que hão
de vir a ser os Descobrimentos
▪ V.8. – “marulho obscuro” – simboliza o Desconhecido

Sétimo (I) – D. João O Primeiro – O pai da Ínclita Geração, o início da dinastia de Avis; instrumento da
vontade de Deus.

Sétimo (II) – D. Filipa de Lencastre - Mãe da Ínclita Geração, apresentada, através da apóstrofe, como
“Humano ventre do Império” e “Madrinha de Portugal”. Desta forma, alude-se à sua demanda espiritual,
aos filhos que gerou e que iniciaram a conquista ultramarina; para além da estima de que gozava entre o
povo, respetivamente

III – As quinas
Primeira – D. Duarte, Rei de Portugal – O homem e o dever (primogénito de D. João I). A sujeição à
vontade de Deus.

Segunda – D. Fernando, Infante de Portugal – é evocado como herói, mártir e santo; suportou todos os
tormentos em nome da Fé, para tal estava predestinado. (Filho mais novo de D. João I)

Terceira – D. Pedro, Regente de Portugal – o pensamento, o sentimento e a vontade; é louvado pela


coerência entre o ser e o querer, com uma ideia clara, sábia, lúcida para Portugal (não só a conquista
material, mas principalmente a espiritual).

Quarta – D. João, Infante de Portugal – D. João possuía uma alma “Inutilmente eleita, / Virgemmente
parada”; contrariamente aos irmãos, não brilhou, mas teve o seu lugar no mundo.

Quinta – D. Sebastião, rei de Portugal – D. Sebastião adquire em Mensagem um valor simbólico que
ultrapassa a sua figura histórica. São os valores da determinação e da coragem que ele corporiza que
funcionam como mito inspirador.

“Loucura” - A anáfora, presente em “Louco, sim, louco” (v. 1), “Minha loucura” (v. 6) e “Sem a
loucura” (v. 8), permite ao “eu” poético enfatizar a ideia da loucura, uma vez que esse é o seu traço
caracterizador e o motor da ação humana. A metáfora, por sua vez, também pode ser encontrada no
vocábulo “loucura”, que assume aqui valores conotativos e uma dimensão positiva. Só esta força será
capaz de reerguer a nação.

• 1ª estrofe – O sujeito poético faz um apelo à loucura e à valorização do sonho.


o Vv. 1 a 3 – loucura e grandeza
▪ V.1. – A afirmação apresentada é verdadeira. Efetivamente, no poema considerado, o jovem
monarca D. Sebastião assume-se como o porta-voz da ação e autocaracteriza-se como
"Louco"
▪ Vv. 2 e 3 – se ficarmos à espera, nada vai resultar, o Destino não vai intervir – não é por
ficarmos à espera que D. Sebastião apareça que ele vai aparecer.
o Vv. 4 e 5 – esperança e proximidade – D. Sebastião fala para os leitores – ele morreu, mas a
sua força e o seu espírito, marcados pela coragem e determinação, persistem nos
portugueses, permitindo o ressurgimento anímico da nação.
▪ “Por isso onde o areal está / Ficou meu ser que houve” – morte física
▪ “não o que há” – mitificação e imortalidade de D. Sebastião – o sonho continua a fecundar a
realidade
• 2ª estrofe – O poeta faz uma espécie de elogio da loucura, exortando a que outros deem
continuidade ao seu sonho que o levou ao norte de África – o de ir mais além. Na base da “loucura”
referida, encontra-se o desejo de “grandeza” (ideal/sonho de descobrir aquilo que está “para além do
mar”, o desconhecido) que o sujeito poético assume com orgulho
o V.6. – É feita uma apologia da loucura, loucura essa que deve ser adotada pelas gerações
futuras com vista ao sucesso, às glórias e às conquistas
o Vv. 8 a 10 – O poeta ousa mesmo afirmar que a loucura é o motor do sonho e da ambição, a
característica que nos distingue de todos os restantes seres irracionais, que apenas se
destinam à procriação; a interrogação retórica faz referência à loucura enquanto energia
criativa que leva à intenção desta obra, que é a reconstrução nacional. É através do sonho que
o homem é capaz de seguir em frente sem temer a morte.

IV – A Coroa – a um único poema; uma coroa, símbolo da realeza


Nun’Álvares Pereira – figura simbólica de Portugal medieval, anterior aos Descobrimentos; fidalgo
guerreiro, herói e santo, segundo o ideal medieval de cavalaria. É aqui retomada a simbologia da espada –
combate o mal e ilumina o homem em busca da verdade. “S. Portugal”, Nuno Álvares Pereira, torna-se o
“Santo Condestável”.

V – O timbre – (marca pessoal, sinal; símbolo de poder legítimo)

A figura do Grifo, ser mitológico com cabeça e asas de águia, rainha dos céus, e corpo e garras de leão, rei
dos animais, simboliza a maior potência natural.

A Cabeça do Grifo – O Infante D. Henrique - “A cabeça” pois é a figura histórica, lúcida e visionária, que
idealizou a realização do império português. É representado como um deus, entre os astros, sabedor dos
caminhos do mundo, tanto os do passado quanto os do futuro.

Uma Asa do Grifo – D. João O Segundo - “Uma asa” pois representa a preparação para a realização do
sonho. Referido a partir de termos e figuras da terra – “mar”, “promontório”, “serra” – é qualificado pela
presença, que “enche” “o mar e o céu”; é o que rasga o véu, isto é, dá a conhecer o que ainda estava
oculto, desvenda o mistério.

A Outra Asa do Grifo – Afonso de Albuquerque - “A outra asa” por ser quem executa, age, concretiza o
império oriental português, indiferente à vida ou à morte, estoicamente empenha-se em mudar “o mundo
e a injustiça e a sorte” dos povos orientais conquistados.

SEGUNDA PARTE – MAR PORTUGUÊS

I - O Infante – O infante é tomado como símbolo das vontades e dos esforços anónimos dos navegadores,
mercadores e aventureiros, que ajudaram o Homem moderno a construir novas dimensões para a
perspetiva do mundo.

• 1ª estrofe
o V.1. – Gradação – O poeta exprime, através de uma gradação, a sua conceção messiânica da
História, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus como
causa primeira, o homem como agente intermediário e a obra como efeito, considerando que só
assim a renovação do Império seria possível.
Por outras palavras, é referido que Portugal, ao construir o Império, é movido como instrumento
de uma vontade maior, a de Deus, que guia as ações dos marinheiros e dos estrategas. Assim, os
Portugueses estão predestinados, apesar de serem impotentes na sua vontade, a cumprir a
missão divina de unir o mundo através do mar.

o Vv. 2 e 3 – O “eu” lírico refere que foi de Deus a ideia e o plano das Descobertas, das novas rotas
que dariam a conhecer o mar desconhecido e que permitiriam a união entre continentes e
povos.

o Vv. 4 e 9
▪ “sagrou-te” e “Quem te sagrou criou-te português” – a utilização da 2ª pessoa do singular
implica uma relação de proximidade e até de cumplicidade. Com o uso desta 2ª pessoa, o
sujeito poético dirige-se diretamente ao Infante e a Mar, mostrando que a relação de
proximidade pode ser entendida como um sinal de predestinação.
▪ “Sagrar” – esta forma verbal, para além da força decorrente da sua conotação religiosa,
evoca, quando associada à figura do Infante, a palavra Sagres. Sagres simboliza o início da
realização do grande sonho de cumprir o Mar, de fazer o Império. O Infante é o homem que
realizou o sonho, que era a vontade de Deus. Sendo assim, temos aqui a divinização do herói,
símbolo do herói universal.
• 2ª estrofe

o Vv. 5 a 7 – Exprimem a concretização da união entre continentes e povos, feita através do Mar,
pois, após os portugueses terem realizado todas as navegações, representadas metaforicamente
pela expressão “orla branca” (v.5), a Terra passou a estar totalmente percorrida pelos olhos
humanos.

o Vv. 7 e 8 – Os adjetivos “inteira” (v.7) e “redonda” (v.8) apontam para a Terra unificada – é a
concretização do desejo divino expresso no verso 2.
o V.8. – O adjetivo “redonda” remete-nos para a esfera, símbolo da unidade e da perfeição
cósmica
• 3ª estrofe
o Vv. 11 e 12 – Disfemismo – Em tom disfórico, o sujeito poético apela ao “Senhor” para que
contribua para a verdadeira realização de Portugal, o Império Espiritual / o Quinto Império

II – Horizonte – Evocação da época dos Descobrimentos: o Mar, que era temido e desconhecido pelos
navegadores, foi corajosamente desvendado. O que era desconhecido e abstrato tornou-se numa
realidade concreta de conhecimento; A definição do sonho, que não só permite alcançar o conhecimento,
mas também almejar o Quinto Império.

III – Padrão – Diogo Cão é abordado neste poema como um navegador que representa a pequenez do ser
humano, face à grandeza do seu esforço, pois este conseguiu trazer dados de viagens de reconhecimento
que permitiram, mais tarde, que o território da África do Sul fosse atingido. Após cumprir a sua missão, o
padrão torna-se símbolo da parte humana da missão portuguesa: a posse da terra pelos descobridores,
deixando o resto a cargo do Destino, já que o Homem não o pode controlar.

IV - O Mostrengo

Nota geral: Neste poema encontramos verbos no pretérito perfeito (na parte narrativa) e no presente do
indicativo (nas intervenções do Mostrengo e do homem do leme), contribuindo este último tempo verbal
para a grande força e vivacidade do poema, para o seu valor universal e para o tom épico, que culmina na
última fala do homem do leme. Este poema também mostra que os portugueses, ao chegarem ao cabo das
Tormentas, encontram o Mostrengo, que pretende aterrorizá-los para que não continuem a sua viagem.
Porém, o homem do leme enfrenta-o, neutralizando-o pela imposição da vontade de um povo que não
abdica da sua missão.

Simbologia nº3:

→ Em termos de conteúdo, quer o Mostrengo, quer o “homem do leme” falam três vezes.
→ Em relação à forma, o poema é constituído por três estrofes de 9 versos.
→ O nº3 é associado à perfeição da unidade divina, a totalidade a que nada mais pode ser adicionado,
contribuindo para lhe conferir um sentido oculto e esotérico
→ O nº3 tem um sentido pejorativo e um valorativo:
o Pejorativo – a ação do mostrengo a atormentar os navegadores portugueses
o Valorativo – as respostas do “homem do leme” que culminam na vitória dos portugueses, pois
dobram o Cabo das Tormentas
• 1ª estrofe
o V.1. – O mostrengo é caracterizado diretamente pelos adjetivos “imundo e grosso” (v.13);
indiretamente, caracterizam-no as suas ações, pois realiza movimentos circulares intimidadores
à volta da nau (vv. 3 e 4), e as suas palavras ameaçadoras (“caverna”, “tetos negros”, “medos do
mar sem fundo”). A palavra Mostrengo é derivada por sufixação (Monstro + engo). Este sufixo
tem um valor pejorativo. Mostrengo significa “ente fantástico”, geralmente considerado
perigoso e assustador, dotado de uma configuração fora do normal e desagradável.
o Vv. 3 e 4 - anadiplose
o Vv. 7 e 13 – adjetivação disfórica – os adjetivos caracterizam o medo que as pessoas sentem
quando viam o Mostrengo
o V.8. – O mostrengo simboliza os medos dos navegadores que enfrentaram o desconhecido e o
“homem do leme” é a figura do herói mítico, símbolo de um povo que, portanto, passa de herói
individual a coletivo, com uma missão para cumprir
• 2ª estrofe
o V.11. – Zeugma (não está presente um verbo)
o Vv. 12 e 13 – quiasmo e anadiplose
o V. 16. – Hipérbole
• 3ª estrofe
o V.21. – Às interpelações do mostrengo (estrofes 1 e 2), o “homem do leme” começa por
responder assustado (vv. 8 e 17), intimidado pelo tom aterrador das suas palavras e pelo
ambiente sinistro que o circunda, apenas com uma frase que invoca uma autoridade: “El-Rei D.
João Segundo”. Porém, à terceira vez assume-se como símbolo de um povo e responde-lhe com
convicção e determinação. Há, pois, uma espécie de gradação ascendente nas atitudes do
“homem do leme”, que nos permite adivinhar uma evolução contrária em relação às do
Mostrengo que, com a última resposta, é neutralizado.

V – Epitáfio de Bartolomeu Dias – O capitão que dobrou o Cabo das Tormentas, que marcava o fim do
mundo conhecido, abriu o caminho em direção ao Oriente e “o mar é o mesmo”. Depois de Dias, concluiu-
se que o fim do mundo era uma ilusão nascida do medo, não havendo razões para o temer.

VI – Os Colombos – O poeta refere que os “Colombos” (os outros povos navegantes), que ficaram com o
que faltava ser conquistado, já que os Portugueses não poderiam conquistar tudo, tentaram usurpar o que
era português e roubar a luz original dos Descobrimentos portugueses. Por isso, têm, como pena de querer
enganar o Destino, uma glória emprestada que é apenas um reflexo da luz das descobertas portuguesas.

VII – Ocidente – A descoberta do Brasil, seja esta deliberada ou não, não se faria sem a ciência e a ousadia
dos navegadores e sem a intervenção do Destino, pois foi este que imbuiu a força divina nos navegadores
que permitiu essa descoberta. Assim, as duas mãos, uma que afasta o véu da escuridão e do
desconhecimento e a outra que ergue um facho de luz e de conhecimento correspondem, respetivamente,
à ação humana e do Destino

VIII – Fernão de Magalhães – Os Titãs dançam, festejando a morte de Fernão de Magalhães na sua viagem
de circum-navegação ao serviço de Espanha, uma vez que este navegador tentou alcançar todo o
perímetro do planeta Terra (representado pela mãe dos Titãs, Gaia), durante a sua viagem. Contudo,
Pessoa considera que a força invencível e bravura deste navegador ficaram na memória dos marinheiros e
influenciaram o espírito de todos. Por isso, Magalhães, mesmo em espírito, comandou a armada até que o
seu objetivo fosse cumprido.
IX – Ascensão de Vasco da Gama – Os titãs consideram-se vencidos perante o início de uma nova época
marcada pelo espírito do amor cristão e a racionalidade científica. Para este facto, em muito contribuiu
Vasco da Gama, que foi um dos poucos humanos eleitos a desvendar o desconhecimento, buscando o
inacessível e o impossível. Gama surge no meio da batalha entre Titãs e Deuses, através do vale por onde
se ascende para os céus, onde se distingue por ser iluminado, escolhido e santificado por Deus e que acaba
por desvendar o caminho para os céus, que lhe permitiu tornar-se alma e imortalizar-se.

X – Mar português – o adjetivo utilizado no título (português) remete para a conquista e domínio dos
mares pelos portugueses, que os ligaram e fizeram com que existisse apenas o mar conhecido. Essa união
foi o resultado do sofrimento e da coragem dos lusitanos, daí o mar ser, para o poeta, português

• 1ª estrofe – estrofe circular – as duas apóstrofes (vv. 1 e 6) conferem uma espécie de circularidade à
estrofe, reforçando a ideia de que é no Mar que tudo começa e tudo termina.
Nesta estrofe, o sujeito poético apresenta, através formas verbais que remetem para o passado, uma
realidade épica – é a síntese da história de um povo e dos sacrifícios que teve de sofrer para
conquistar o mar. Além do mais, o eu lírico utiliza uma linguagem emotiva, marcada pelas contínuas
exclamações e pelo uso da segunda pessoa, estabelecendo uma aproximação afetiva ao mar.

o Vv. 1 e 2 – metáfora – Pessoa descreve, metaforicamente, um mar que é já de Portugal, cujo sal
advém das lágrimas vertidas pelos portugueses que, por sua vez, simbolizam o sofrimento e a
dor inerentes aos Descobrimentos.
o Vv. 3 a 5 – A repetição anafórica do “quantos” simboliza que foram inúmeras as pessoas que
sofreram. Com o uso desta repetição e de palavras do campo lexical de “sofrimento”, o “eu”
pretende aumentar a carga dramática e a comoção das situações narradas
• 2ª estrofe – com carácter reflexivo, pois o sujeito poético faz o balanço dos sacrifícios já mencionados,
concluindo que “valeu a pena”, pois o sofrimento conduz à conquista do absoluto. Assim, as frases de
tipo declarativo, em resposta a uma interrogação inicial que introduz a reflexão, apresentam as suas
conclusões sobre a importância da superação de contratempos na realização dos sonhos.
o V.7. – Interrogação retórica – refere-se à 1ª estrofe
o Vv. 7 e 8 – Aforismo – O sujeito poético considera que todos os sacrifícios são justificáveis se o
objetivo for nobre
o Vv. 9 e 10 – ensinamento (didatismo) – o Bojador simboliza o ultrapassar do medo, do
desconhecido, o primeiro grande passo para o conhecimento
o V.11. – Anástrofe
o Vv. 11 e 12 – O mar é símbolo de sofrimento e de perdição (“perigo e abismo”), mas também é
símbolo do Absoluto, já que foi nele que Deus fez espelhar o “céu”, que simboliza a realização do
sonho e da glória. Assim, através da utilização de verbos no pretérito perfeito, o poeta pretende
recuperar a ideia de que apenas quem ultrapassar as adversidades e for capaz de conquistar o
mar acederá ao divino e alcançará a imortalidade.

XI – A última nau – Em “A última nau”, Pessoa começa a expressar diretamente o lamento que lhe vai na
alma. Ele encarna os que ficaram na praia a ver a expedição de D. Sebastião partir, com o objetivo de
cumprir o Império tão desejado. Aqueles que viam o Rei partir pela última vez e, com ele, o Império
Material choravam. Além disso, o poeta mostra uma situação extremamente negativa de Portugal,
embora, ao mesmo tempo, se note o sinal de esperança na renovação do país e do sonho.

XII – Prece
→ São exaltados os acontecimentos e os heróis das descobertas marítimas portuguesas, constituindo,
também, um prenúncio da linha temática estruturadora da última parte de Mensagem – “o Encoberto”.
→ Este poema é, assim, uma súplica a uma entidade divina e superior (“Senhor”), para que seja
alimentado o sonho dos portugueses, que estão sem esperança, perante uma realidade falhada e uma
sorte impiedosa.
→ Contudo, neste poema, o poeta renova o sonho da posse de um Império, agora Espiritual.

• 1ª estrofe – dominada por um sentimento de desencanto e disforia do poeta, no presente, em relação


à história de Portugal.
o Vv. 1 e 2. – o poeta refere que naquele momento só há morte, nada do que era antes o Império
material existe. Apesar das descobertas terem sido feitas por motivos errados, estas levaram a
fins certos e foram bem visíveis os sacrifícios e a força de vontade dos portugueses para
conquistar o Império, embora em vão
o Vv. 3 e 4 – O poeta realça que, com o fim do “Mar Português”, nada resta, só silêncio e saudade.
O mar tornou-se universal, unido pelas nossas rotas e conhecido por todos, mas isso revela-se
irrelevante para o espírito ambicioso dos portugueses.

• 2ª estrofe

o Vv. 5 e 6 – Pessoa defende que há, ironicamente, na morte, uma réstia de esperança. Isto
porque este diz que depois da morte há nova vida, novos planos e objetivos e, sobretudo, uma
nova esperança, uma “chama” à espera de ser reavivada. A esperança, no entanto, é resultado
de aceitarmos a morte, que é essencial para a ressurreição, já o essencial, nunca se perdeu com
a morte.
o V.7. – Pessoa refere que a esperança (“a chama”) foi ocultada pela morte em mistério (“em
cinzas”).
o V.8. – O vento, que destrói as cinzas, pode voltar a erguer a chama, uma vez que depois da
morte, tudo é possível, sendo que, para a “chama” volte a aparecer, é preciso que as cinzas
desapareçam, ou seja, para que exista novamente esperança de restaurar a grandeza perdida, é
necessário que o mistério seja revelado. Além disso, tanto a metáfora como a personificação
evidenciam a ideia de que ainda pode haver esperança de construir algo maior, porque ainda é
possível que o sonho de recuperar o passado grandioso e de avançar para um futuro promissor e
positivo volte a comandar a ação dos portugueses. Assim, “A mão do vento” é a mão de Deus,
que guia os homens nas suas ações e pelos mistérios.

• 3ª estrofe – surge “o pedido” endereçado por Pessoa ao infinito.

o Vv. 9 e 10 – Depois de explicar nas outras estrofes o motivo porque iria pedir, Pessoa pede
finalmente, que uma força ou um movimento, levantem as cinzas, a que se refere na segunda
estrofe. Considera, assim, que é preciso revelar o mistério e recomeçar do início, para que a
volte a aparecer a esperança e que os portugueses voltem à antiga vontade pura de descobrir.
o Vv. 11 e 12 – o poeta refere que os portugueses ainda podem conquistar a distância de uma
outra linha ainda mais indefinida e misteriosa do que a linha do horizonte. O “eu” considera que
pode ser a do mar, apesar de saber que já não é possível ambicionar possuir novamente o mar, a
posse terá de ser de algo superior, de um Império que já não é físico, mas indefinido e imaterial,
o Império Espiritual.

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