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Como Descobrimos
Que a Terra é
Redonda?
ISAAC ASIMOV
1973

Título original:
How Did We Find Out the Earth Is Round?

Tradução independente:
Kleber Kilhian

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Conteúdo
1. A Terra é Plana?.................................................................8
2. As estrelas desaparecidas................................................16
3. Os Navios Desaparecidos................................................25
4. A sombra da Terra............................................................33
5. O tamanho da Terra.........................................................39

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1. A Terra é plana?

Figura 1: A Terra plana sob a cúpula do céu

Antigamente, todos pensavam que a Terra era


plana. (Hoje em dia ainda há quem acredite). Isso
ocorria porque parecia plana. Se alguém estiver em
um barco bem no meio do oceano, a superfície da
água parece plana em todas as direções e o céu
parece se encaixar sobre ela como uma tigela de
cabeça para baixo. A linha onde o céu e a água se
encontram é chamada de “horizonte”. O horizonte
parece um círculo com o observador no centro.

Se alguém estiver em terra, a terra também se


estende até o horizonte. O horizonte em terra, no

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entanto, não é uniforme. Tem altos e baixos por
causa de casas, árvores, montanhas e outras coisas.

Alguns povos antigos suspeitavam que a Terra


estenderia para sempre. Eles pensaram que poderia
ser um enorme pedaço plano de terra e mar sem
fim algum.

Figura 2: O Sol sendo levado para o leste

Mas se fosse esse o caso, o que aconteceria com o


Sol? O Sol nasce no leste pela manhã. Ele viaja pelo céu e
seguindo para o oeste à noite. Então, na manhã seguinte,

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ele sobe novamente no leste. Algumas pessoas antigas
tentaram explicar isso dizendo que todas as manhãs um
novo Sol era fabricado e nascia. Quando se punha, era
destruído.

Outros diziam que o Sol se punha no oceano a


oeste. Então, durante a noite, era colocado em um barco
e seguia para o leste pela manhã, estando pronto para
nascer novamente.

Outros ainda pensavam que o Sol era uma


carruagem dourada e flamejante puxada por cavalos
mágicos que podiam voar pelo ar. Pela manhã, o deus-
Sol entraria na carruagem no leste. Então ele e seus
cavalos subiriam no ar, alcançando o topo do céu ao
meio-dia. Depois, eles correriam para baixo, alcançando
o distante solo ocidental ao anoitecer. De alguma forma
o deus-Sol voltaria para o leste durante a noite, quando
sua carruagem dourada e flamejante deixasse de emitir
luz.

As estrelas que estavam muito longe da Estrela do


Norte se moviam em círculos tão grandes que esses
círculos mergulhavam no horizonte. Essas estrelas
surgiam no leste e se punham no oeste.

A Lua também viajava pelo céu de leste a oeste. As


estrelas também. E essas coisas também tinham que ser

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explicadas. Mas as explicações antigas simplesmente não
faziam sentido.

Figura 3: O deus-Sol na carruagem

Suponha que temos uma Terra plana se


estendendo em todas as direções. Qual é a
profundidade? Suponha que você comece a cavar um
buraco. Você pode continuar cavando para sempre,
descendo e descendo sem fim? Ou a Terra é apenas uma
placa de material, talvez com um quilômetro de
espessura – ou dez quilômetros – ou cinquenta
quilômetros? Se for apenas uma placa de material, o que
a impede de cair?

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Figura 4: A crença indiana

As pessoas que viveram na Índia nos tempos


antigos decidiram que a Terra não caia porque estava
apoiada em elefantes enormes. Mas em que os elefantes
estavam apoiados? Eles disseram que todos os elefantes
estavam montados em uma tartaruga gigante! E em que
estava apoiada a tartaruga? Eles disseram que estava
nadando em um tremendo oceano.

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Bem, então, o oceano se estendia até o fim? Não
houve resposta para isso.

Como podemos ver, embora a Terra pareça plana,


pode não ser seguro decidir que é plana. Existem
problemas com o nivelamento.

As primeiras pessoas que pensaram sobre os


problemas da Terra plana foram certos gregos que
viviam cerca de 2.500 anos atrás, onde hoje é a costa
ocidental da Turquia. Um deles era um homem chamado
Anaximandro.

Ele não estava satisfeito com as histórias de deus-


Sol, carruagens em chamas e cavalos voadores. Em vez
disso, ele olhou para o céu noturno e se perguntou o que
realmente via. Em uma noite clara, ele viu as estrelas.
Durante a noite, elas pareciam viajar pelo céu.

Uma estrela, no entanto, não se moveu. Era a


Estrela do Norte. Ficou no mesmo lugar no céu do norte
a noite toda. Ficava ali noite após noite. As estrelas
próximas moveram-se em um círculo ao seu redor. As
estrelas que estavam muito próximas, moviam em
pequenos círculos. As que estavam mais distantes,
moviam em círculos maiores.

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Figura 5: A esfera do céu em torno de um eixo central

A coisa mais importante sobre o céu noturno para


Anaximandro era que as estrelas viajavam em padrões.
Elas não eram como um enxame de abelhas, em que cada
abelha move sua própria onda. Em vez disso, todas as
estrelas se moviam juntas.

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Anaximandro decidiu que o céu era uma enorme
bola oca, ou “esfera”. A esfera do céu girava em uma linha
invisível, ou “eixo”. Uma extremidade do eixo atravessava
o céu onde a Estrela do Norte estava situada. A outra
seguia pelo lado oposto da esfera, onde ele não podia
ver.

Todos os dias, a esfera do céu girava ou


“rotacionava”. As estrelas estavam todas grudadas no céu
e giravam com ele. É por isso que elas mantinham o
mesmo padrão. O Sol e a Lua também estavam grudados
no céu, e é por isso que eles nasciam e se punham.

Mesmo que o céu fosse uma esfera, ainda era


possível que a Terra fosse plana. Anaximandro achou que
era uma laje plana que se estendia pela esfera do céu em
seu centro.

À medida que a esfera do céu girava, o Sol nascia


no leste, viajava pelo céu e se punha no oeste. O céu
girando o carregava junto. Então, enquanto o céu girava,
o Sol foi levado para a parte inferior da esfera. Quando o
Sol brilhava no lado inferior da laje da Terra, acima era
noite. Quando o céu girando carregou o Sol para o leste,
ele nasceu e era dia novamente. A Lua e as estrelas
também se moviam. A ideia de Anaximandro fazia mais
sentido do que as ideias de pensadores anteriores. O Sol
não era destruído todas as noites, nem era levado de

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oeste para leste. No entanto, Anaximandro não estava
satisfeito. Ele continuou pensando.

2. As estrelas desaparecidas
Se a Terra fosse uma laje plana que se encaixasse
firmemente no meio da esfera do céu, poderíamos viajar
para o local onde a Terra e o céu se encontravam.
Poderíamos alcançar o local onde o Sol nascia no leste e
poderíamos estender a mão e tocá-lo (a menos que seu
calor não nos matasse).

Se viajássemos longe o suficiente para o oeste,


poderíamos chegar ao lugar onde o Sol se punha.

Algumas pessoas, séculos atrás, realmente


pensaram que isso poderia ser feito. Eles até fizeram
desenhos mostrando um homem chegando no lugar
onde o céu tocava a Terra. O homem poderia enfiar a
cabeça no céu e ver as máquinas que mantinham a esfera
do céu girando.

Os antigos pensadores gregos, no entanto, não


acreditavam realmente nisso. Afinal, não importava o
quão longe as pessoas viajassem para leste ou oeste, elas
nunca pareciam se aproximar do Sol, da Lua ou das
estrelas.

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Figura 6: O céu medieval

Talvez, então, a Terra não se estendesse de um


lado a outro do céu. Talvez seus olhos apenas os
enganaram quando mostraram o céu tocando a Terra no
horizonte.

Talvez a Terra fosse um disco plano bastante


grande, mas muito menor do que a esfera do céu. Se
fosse esse o caso, o Sol, a Lua e as estrelas estariam
longe da borda da Terra. Ninguém na Terra seria capaz

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de alcançá-los ou mesmo ficar particularmente perto
deles.

Mas, se a Terra fosse um disco plano no centro da


esfera celeste com o céu distante em todos os lados,
então por que os viajantes não chegaram à borda da
Terra?

Talvez porque a porção de terra da Terra estava


no meio de um disco plano e era cercada por água. Os
viajantes sempre alcançariam o oceano se viajassem
longe o suficiente. Foi o oceano, então, que se estendeu
até o fim da Terra. As pessoas, nos tempos antigos, não
viajavam muito longe do campo de visão. Talvez seja por
isso que nunca chegaram ao fim da Terra.

Mas então por que a água do oceano não


derramou pela borda da Terra?

Talvez a borda da Terra estivesse virada para


todos os lados, de modo que a água fosse retida. Talvez a
Terra não fosse exatamente uma laje plana, mas uma
tigela rasa.

Nesse caso, por que a Terra inteira simplesmente


não caiu?

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Ainda era difícil considerar a Terra plana, mesmo
que o céu fosse uma esfera enorme e o problema do
nascer e do pôr do Sol tivesse sido explicado.

Se a Terra não era plana, que outra forma pode


ter?

Suponha que olhemos para o céu novamente. No


céu, existem muitos objetos brilhantes, mas a maioria
deles são estrelas. As estrelas são apenas pequenos
pontos de luz para os olhos e os antigos pensadores
pouco sabiam sobre elas. Dois objetos no céu são
diferentes, no entanto. Eles são o Sol e a Lua.

Figura 7: A Terra como uma tigela rasa

O Sol é um círculo que emite luz o tempo todo,


mas a Lua não é. Às vezes é um círculo de luz, mas às

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vezes é apenas meio círculo. Às vezes, está entre um
círculo inteiro e meio círculo. Às vezes, é apenas uma
fina curva de luz chamada de “crescente”.

Os gregos que observavam a Lua, noite após noite,


notaram que ela mudava de posição em relação ao Sol.
Eles notaram que ao mudar de posição, também mudava
sua forma.

Quando a Lua e o Sol estavam em lados opostos


da Terra, a Lua era sempre um círculo completo de luz.
O Sol brilhava na Lua, além da Terra. Ele iluminava todo
o lado da Lua.

Quando a Lua e o Sol estavam no mesmo lado da


Terra, eles não podiam ver a Lua de forma alguma. O Sol
iluminava o outro lado da Lua, o lado que eles não
podiam ver. O lado visível não recebia luz do Sol e estava
escuro.

Os antigos estudiosos que observaram isso


decidiram que o Sol tinha luz própria, mas a Lua não. A
Lua brilhava apenas porque era iluminada pelo Sol. A Lua
brilhava por uma “luz refletida”.

Os gregos antigos começaram a se dedicar no


estudo da “geometria”, que lida com as formas dos
objetos. Eles consideraram as diferentes formas da parte
iluminada da Lua. Eles consideraram as meias-Luas, as

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Luas crescentes e outros tipos. Eles puderam facilmente
mostrar que, para a parte iluminada da Lua assumir as
formas que assumia, a Lua tinha que ser uma bola ou
esfera.

Então, o que dizer da forma do Sol? Ele iluminava


a Lua e fazia tão bem em todos os ângulos. Se a Lua e Sol
estavam em lados opostos da Terra, ou no mesmo lado,
ou qualquer coisa entre eles, a Lua recebia o mesmo tipo
de luz do lado que ficava de frente para o Sol. Isso só
poderia acontecer se o Sol também fosse uma esfera.

Com tudo isso em mente, Anaximandro pôde ver


que haviam três objetos no céu que tinham uma forma
particular. Havia o Sol, a Lua e o próprio céu inteiro.
Todos os três eram esferas.

Figura 8: Fases da Lua

Isso significava que a Terra também era uma


esfera? Isso significava que a Terra era redonda em vez
de plana?

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Não necessariamente. Talvez as regras fossem
diferentes para o céu e para a Terra. Só porque o céu e
alguns objetos no céu eram esféricas, não significava que
a Terra também fosse uma esfera. Afinal, o Sol estava
quente e brilhava forte, mas a Terra não. A Lua movia-se
no céu, mas a Terra não parecia se mover. O céu estava
cheio de estrelas, mas a Terra não.

Figura 9: Lua minguante

A fim de decidir sobre a forma da Terra, as


pessoas tiveram que considerar a própria Terra, e não
outros objetos.

Então, voltando para a Terra, fizeram a seguinte


pergunta: Seria possível ver as estrelas de forma
diferente em diferentes partes da Terra?

Não, somente se a Terra fosse plana. Suponha que


olhemos para o céu à noite. Veríamos todas as estrelas
no céu acima de nós se a noite estivesse clara. Se
estivéssemos em qualquer outro lugar em uma Terra
plana, ainda veríamos essas mesmas estrelas.

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Figura 10: Mudança na posição das estrelas

Mas não é assim que as coisas realmente são!

Houve muitas pessoas, nos tempos antigos, que


tiveram que viajar. As pessoas que viajaram para o norte
notaram que o céu à noite parecia um pouco diferente.
Algumas estrelas que costumavam ver perto do
horizonte ao sul quando eles estavam em casa, não
puderam ser vistos quando eles foram para o norte.
Então, quando eles voltaram para casa, aquelas estrelas
que eles não tinham sido capazes de ver apareceram
novamente logo acima do horizonte sul.

Pessoas que viajaram para o sul descobriram que


as coisas eram exatamente o oposto. Quando eles foram
para o sul, puderam distinguir estrelas logo acima do
horizonte sul que nunca tinham visto de suas casas.
Quando retornaram, aquelas estrelas desapareceram
novamente

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Isso também se aplicava ao horizonte norte. Em
casa, algumas estrelas mergulharam um pouco abaixo do
horizonte norte enquanto giravam com o céu. Se alguém
viajasse para o norte, as estrelas ficariam um pouco
acima dele. Se alguém viajasse para o sul, estrelas que
ficavam um pouco acima do horizonte norte,
começariam a mergulhar abaixo dele.

O fato é que as estrelas não eram vistas de todas


as partes da Terra, então a Terra não podia ser plana.

Figura 11: A Terra como um cilindro

Talvez a Terra tivesse a forma de um “cilindro”. É


exatamente assim que Anaximandro pensava que a Terra
poderia ser moldada. Ele pensou que era um cilindro no

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centro da esfera do céu. Quando as pessoas foram para o
norte, viajaram ao longo da curva do cilindro. Quando
olharam para trás, a curva escondeu algumas das
estrelas ao sul. Se fossem para o sul, também viajariam
ao longo da curva do cilindro. Quando olhassem para
trás, a curva esconderia algumas das estrelas ao norte.

Isso explicava a diferença na aparência do céu


conforme se ia de um lugar para outro.

3. Os navios desaparecidos
A teoria de Anaximandro de uma terra cilíndrica
levantava algumas questões.

Primeiro, se a Terra fosse cilíndrica, por que


parecia plana?

Isso não é difícil de responder. A Terra é tão


grande e nós somos tão pequenos que só podemos ver
uma pequena parte dela quando olhamos em volta. A
curvatura é tão pequena em uma parte muito pequena
da Terra que a superfície parece plana.

Para ver isso, imagine um grande balão inflado até


atingir alguns metros de largura. Imagine um pequeno
círculo no balão com 1 centímetro de diâmetro. Se um

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minúsculo inseto pudesse ver apenas essa parte do
balão, a superfície pareceria plana.

Aqui está uma segunda pergunta que é mais difícil


de responder. Se você estiver seguindo por uma curva
quando for para o norte ou para o sul, por que você não
sente como se estivesse descendo uma colina? Por que
você não começa a deslizar?

Você pode pensar que o solo é tão acidentado que


o impede de deslizar. Mas e se você não estiver viajando
em um terreno acidentado? E se você viajar de navio
para o norte ou para o sul sobre o oceano calmo?

Por que o navio não começa a deslizar para a


frente? Na verdade, por que todo o oceano não desliza
para baixo e todos a sua água escorre da Terra?

Anaximandro não tinha uma boa resposta para


isso. Ele apenas sentia que não havia outra maneira de
explicar a aparência do céu noturno do que supor que a
Terra tivesse uma forma cilíndrica.

Por que a Terra se curvava apenas se fôssemos


para o norte e para o sul? Suponha que fôssemos para o
leste ou oeste. A aparência das estrelas mudaria? As
estrelas desapareceriam atrás do horizonte ocidental se
fôssemos para o leste? Eles desapareceriam atrás do
horizonte leste se fôssemos para o oeste?

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Figura 12: Um pequeno círculo em uma esfera parece plano

Era difícil dizer. Desde que o céu girasse, as


estrelas estariam sempre aparecendo no horizonte
oriental e desaparecendo no horizonte ocidental. Viajar
para o leste e oeste não mudaria isso.

Se o céu parasse de girar, seria possível dizer se as


estrelas estavam aparecendo e desaparecendo no leste e

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oeste. Mas o céu nunca parava de girar nem por um
momento, então, isso não ajudaria em nada.

Mas não é muito bom tomar uma decisão só


porque não se tem provas. Para provar algo é preciso de
evidências.

Talvez houvesse alguma outra maneira de obter


informações sobre a forma da Terra, alguma forma que
não envolvesse o céu e a maneira como ele girava.

Esse tipo de informação poderia ser obtida na


praia sem envolver o céu.

Se a Terra fosse plana, um navio ficaria cada vez


menor à medida que navegasse cada vez mais longe da
costa. Finalmente, ele se tornaria um ponto e
desapareceria.

Isso, entretanto, não é o que acontece. Para


começar, alguém que observasse um navio partindo
poderia ver o navio inteiro. Ele ou ela veria o casco de
madeira do navio abaixo e as velas acima. Depois de um
tempo, porém, o casco desapareceria. A água subiria por
ele e tudo o que restaria seriam as velas e depois, apenas
o topo das velas, Então todo o navio desapareceria.

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Figura 13: Observação de um navio seguindo para o
horizonte

Será que o navio estava afundando? A água


subindo cada vez mais, cobrindo primeiro o casco e
depois as velas?

Isso não poderia ser, já que acontecia com todos


os navios que partiam e a maioria deles retornava com
segurança. Quando um navio voltava em tempos antigos,

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os marinheiros juravam que em nenhum momento a
água subiu acima do casco.

De que outra forma isso poderia ser explicado?

Havia uma maneira. Suponha que a superfície da


Terra seja curva. O navio então navegaria ao longo dessa
curva e gradualmente desapareceria atrás dele.
Naturalmente, a parte inferior desapareceria primeiro.

Figura 14: Uma esfera se curva igualmente em todas as


direções

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Os navios ficavam escondidos pela curva da Terra,
assim como as estrelas perto do horizonte ficavam
escondidas.

Mas havia uma grande diferença. Podia-se ver as


estrelas desaparecendo atrás da curva da Terra somente
se as pessoas viajassem para o norte ou para o sul. Em
outras direções, o giro do céu estragava as coisas.

Os navios, por outro lado, desapareciam primeiro


o casco, em qualquer direção para onde fossem: para o
norte, sul, leste, oeste ou qualquer direção intermediária.

Além do mais, sempre parecia que eles


desapareciam aproximadamente na mesma taxa. Se
estivessem a três quilômetros de distância, uma certa
parte do casco ficava oculta, não importava em que
direção navegassem.

Parecia que a Terra se curvava em todas as


direções e na mesma proporção.

Mas a única forma que se curva na mesma


proporção em todas as direções é uma esfera. Se você
marcar um ponto em uma bola grande e desenhar linhas
afastando-se desse ponto em qualquer direção, verá que
todas as linhas se curvarão da mesma maneira.

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A julgar pelo que acontecia com os navios, a Terra
não poderia ser um cilindro, mas uma esfera. É uma
grande esfera no centro da esfera muito maior do céu. Se
a Terra fosse uma grande esfera, então a pequena parte
que podia-se ver a qualquer momento parecia plana.

Mas isso ainda deixava a questão de porquê as


pessoas não escorregavam da Terra quando moviam e
porquê o ar e o oceano não escorregavam. Existia algo
mais que poderia dar uma prova da forma da Terra?
Existia alguma coisa, mas para isso temos que voltar para
o céu novamente.

4. A sombra da Terra
Às vezes a Lua perde seu brilho. Uma sombra
negra se move através dela até que tudo o que se pode
ver é um brilho avermelhado fraco. Depois de um tempo,
a sombra se afasta e a Lua está de volta, brilhando mais
forte do que nunca.

Quando isso acontece, diz-se que a Lua está


"eclipsada".

Nos tempos antigos, um eclipse da Lua assustava


as pessoas. Eles pensavam que a Lua poderia
permanecer escura para sempre e eles não queriam
perder a útil luz da Lua à noite.

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Aqueles que estudaram o céu cuidadosamente
tinham certeza de que isso não aconteceria. Eles
notaram, por exemplo, que um eclipse ocorreria apenas
na época da lua cheia. Nunca acontecia em qualquer
outro momento. Além do mais, só acontecia durante
certas luas cheias.

Os antigos gregos que estudavam o céu sabiam


que, quando a Lua estava cheia, ficava do lado oposto do
Sol em relação à Terra. O Sol brilhava além da Terra na
Lua. O Sol iluminava todo o lado voltado para ele e é por
isso que os gregos viam a Lua como um círculo de luz
completo e redondo.

Suponha, entretanto, que a Terra estivesse


exatamente entre a Lua e o Sol. Então a luz do Sol teria
que atravessar a Terra para chegar à Lua. Isso não
poderia ocorrer, é claro, então nenhuma luz chegaria à
Lua.

Outra maneira de dizer isso é que a Terra projeta


uma sombra. Durante um eclipse, a sombra da Terra cai
sobre a Lua e a escurece. De vez em quando, na época da
lua cheia, a Terra fica exatamente entre a Lua e o Sol, e
nesses momentos ocorre um eclipse.

Quando a Terra projeta uma sombra na Lua,


podemos descobrir algo sobre a forma da Terra. A
primeira coisa que notamos é que a borda de sua sombra

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é uma curva que se parece exatamente com uma parte
de um círculo.

Figura 15: Observação de um eclipse lunar

Os gregos assistiram a eclipses da Lua que


ocorreram em diferentes partes do céu. Eles assistiram a
eclipses quando a Lua estava alta no céu, ou baixa, ou no

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horizonte. Quando a Lua estava em posições diferentes
durante um eclipse, a luz do Sol atingia a Terra de
diferentes ângulos, mas a forma da sombra nunca
mudava. Não importava onde a Lua estivesse durante o
eclipse, a sombra da Terra, conforme se movia pela Lua,
sempre parecia parte de um círculo.

Isso significava que a Terra tinha uma forma que


projetava uma sombra circular em todas as direções
possíveis. Existe apenas uma forma que faz isso, e essa
forma é uma esfera.

Por volta de 450 a.C., um erudito grego chamado


Filolau, que vivia no sul da Itália, foi finalmente
convencido.

Ele reuniu todas as evidências. A mudança nas


estrelas, a maneira como os navios desapareciam à
medida que se afastavam e a sombra da Terra durante
um eclipse da Lua o levaram a uma conclusão: a Terra
era uma esfera localizada no centro da esfera muito
maior que era o céu.

Pelo que sabemos, Filolau foi o primeiro homem a


dizer que a Terra era uma esfera.

Mas isso ainda deixava dúvidas. Se a Terra fosse


uma esfera, porque as pessoas que viviam sobre ela não

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escorregavam assim que se afastavam do topo? Por que o
oceano não vazava e todo o ar foi embora?

Figura 16: A sombra da Terra na Lua

Vamos pensar um pouco sobre isso. As coisas


caem para baixo. Se deixarmos algo cair, ela cai. Mas o
que queremos dizer com "para baixo?" Se a Terra é uma
esfera e algo cai, está caindo em direção ao centro da
Terra.

Isso é verdade para cada pessoa na Terra, não


importa onde ela esteja. Uma pessoa pode estar em um
lado da esfera da Terra, ou no lado oposto, ou em
qualquer lugar entre eles. Onde quer que esteja, ela e
tudo o mais são atraídos para o centro da Terra. Onde
quer que ela esteja, o centro está sempre na direção de
seus pés, de modo que seus pés parecem estar “para
baixo” e sua cabeça “para cima”.

Por volta de 350 a.C., o erudito grego Aristóteles


apontou isso claramente.

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A visão de Aristóteles de que tudo era atraído para
o centro da Terra significava que a Terra tinha que ser
uma esfera.

Figura 17: Tudo é atraído para o centro da


Terra

Isso explica por que o oceano e o ar permanecem


na Terra esférica e não deslizam ou caem. Onde quer que
estejam, eles são puxados “para baixo” em direção ao
centro.

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5. O tamanho da Terra
Após o tempo de Aristóteles, os estudiosos
concordaram que a Terra era uma esfera. Quão grande
era essa esfera?

Uma maneira de uma pessoa saber era


caminhando. Se ela caminhasse até ter percorrido toda a
esfera e voltasse ao ponto de partida e se mantivesse o
controle de quão longe foi, ela saberia o tamanho da
Terra.

Mas não havia como fazer isso. Se uma pessoa


caminhasse em qualquer direção, ela chegaria ao oceano.
Para continuar, ela teria que navegar milhares de
quilômetros cruzando o oceano. Os gregos não tinham o
tipo de navio que navegasse tão longe.

Havia alguma maneira de descobrir o tamanho da


Terra mesmo estando em casa? Um estudioso grego
chamado Eratóstenes descobriu essa maneira por volta
de 240 a.C.

E foi assim que ele raciocinou.

Se a Terra é uma esfera, a luz do Sol deve atingir


diferentes partes dela em diferentes ângulos. Suponha
que na parte do mundo onde você está, o Sol esteja

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diretamente acima de você em um determinado
momento, de forma que a luz do Sol incida diretamente
sobre você. Mas a esfera da Terra se curva, de modo que
a luz do Sol atingindo o solo em um lugar a centenas de
quilômetros de você incide com uma certa inclinação.
Quanto mais longe um lugar estiver de você, maior será
a inclinação que a luz solar deverá atingir. Você pode
medir a inclinação pela sombra que ela projeta.

Figura 18: Calculando o tamanho da Terra

Suponha que você tenha uma haste de madeira


cravada verticalmente no solo. Se a luz do Sol estiver
vindo diretamente de cima, direto para baixo, a haste
não projeta sombra. Mas, se a luz do Sol está vindo em

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uma ligeira inclinação, a haste projeta uma pequena
sombra. Quanto maior for a inclinação, mais longa será a
sombra.

Nesse caso, imagine hastes de madeira do mesmo


tamanho, cravadas no solo em dois lugares separados
por 800 quilômetros. Suponha que o Sol esteja
diretamente sobre uma dessas hastes em um
determinado momento. Não lançará nenhuma sombra,
mas a outra lançará uma sombra curta porque a luz do
Sol a atinge de forma inclinada.

Se a esfera da Terra for muito grande, a superfície


se curvará apenas ligeiramente. A luz do Sol atingirá a
outra haste apenas com uma pequena inclinação e
lançará apenas uma sombra muito curta. Mas se a esfera
da Terra for muito pequena, a superfície se curvará mais
a uma distância de 800 quilômetros e a haste lança uma
sombra mais longa.

A partir da diferença de sombras em dois lugares


diferentes na Terra, que estão a uma distância
conhecida, o tamanho da esfera pode ser calculado pela
geometria.

Eratóstenes foi informado de que, ao meio-dia de


21 de junho, o dia mais longo do ano, uma haste de
madeira cravada na terra em Syene (uma cidade no sul
do Egito, atualmente Assuã) não projetaria sombra.

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Eratóstenes trabalhava em Alexandria, uma cidade no
norte do Egito. Ele sabia que naquele dia uma barra de
madeira cravada no chão lançaria uma sombra de um
certo comprimento. Ele também sabia que eram 800
quilômetros a distância entre Syene e Alexandria.

Trabalhando com essas informações, ele calculou


que a Terra tinha 40.000 quilômetros de circunferência e
12.800 quilômetros de diâmetro.

Figura 19: O tamanho da Terra

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Nem todos concordaram com os cálculos de
Eratóstenes. Muitos estudiosos gregos achavam que ele
tornou a Terra muito grande. Alguns fizeram novos
cálculos e decidiram que a esfera da Terra tinha apenas
28.800 quilômetros de circunferência, no máximo. Essa
parecia uma figura mais confortável para a maioria dos
antigos gregos.

Por volta de 150 d.C., um astrônomo grego


chamado Ptolomeu usou a esfera menor em um livro que
escreveu sobre geografia. Este livro foi considerado a
última palavra sobre o assunto e por mais de mil anos os
estudiosos concordaram que Ptolomeu deve estar certo.

Nos anos 1400, toda a questão da forma da Terra


tornou-se muito importante. As nações da Europa
Ocidental queriam muito negociar com terras do
Extremo Oriente. Eles queriam fazer comércio com a
Índia, China, Japão e as ilhas do sudeste da Ásia. Todas
elas eram chamadas de “Índias”.

Essas terras distantes tinham seda, especiarias e


muitas coisas de que os europeus precisavam.
Infelizmente, não havia maneira fácil de chegar às Índias.
Podia-se viajar muitos milhares de quilômetros por terra,
mas era difícil viajar naquela época. Além disso, grande
parte da viagem tinha de ser feita por meio de nações
hostis aos europeus.

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Figura 20: Mapa antigo do mundo conhecido,
1492

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Poderia ser mais fácil chegar às Índias por mar,
mas ninguém sabia ao certo como fazer isso. Uma forma
possível era navegar pela África, mas naquela época
ninguém sabia o tamanho e a forma da África.
Começando por volta de 1418, a nação de Portugal enviou
navios para explorar a costa da África. Só setenta anos
depois, em 1487, um navegador português finalmente
alcançou o extremo sul da África.

Enquanto isso, um navegador italiano chamado


Cristóvão Colombo se perguntou se era mesmo
necessário dar a volta na África. Era uma distância tão
longa para o sul até a ponta da África, e depois para o
norte até as Índias. Talvez houvesse uma rota mais curta.

Eram muitos milhares de quilômetros da


extremidade ocidental da Europa até a extremidade
oriental da Ásia. Esses milhares de quilômetros de terra
se curvavam em torno da esfera da Terra, talvez, se
curvando em quase toda a volta da esfera, de modo que
quase se tocaram.

Nesse caso, não seria mais rápido navegar


diretamente da Europa para o oeste e chegar às Índias
dessa forma?

Isso dependia do tamanho da Terra.

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Suponha que a Terra tenha 40.000 quilômetros de
circunferência, como dissera Eratóstenes, e que fosse
14.400 quilômetros da Europa Ocidental às Índias por
terra. Nesse caso, Colombo teria que navegar 41.600
quilômetros a oeste para chegar à Ásia. Não havia navios
naquela época que poderiam fazer isso.

Mas suponha que a Terra tenha apenas 28.800


quilômetros de circunferência, como disse Ptolomeu, e
19.200 quilômetros da Europa Ocidental às Índias por
terra. Então, seria apenas uma navegação de 9.600
quilômetros para cruzar o oceano. Supunha-se que
houvesse ilhas a leste da Ásia e ilhas a oeste da Europa.
Se fossem levadas em consideração, poderiam ser
apenas 4.800 quilômetros da Europa às Índias de barco.

Colombo persuadiu o rei e a rainha da Espanha de


que a distância era de apenas 4.800 quilômetros e, em
agosto de 1492, ele navegou para o oeste com três navios.

Acontece que Colombo estava errado. As Índias


estavam muito mais distantes do que ele pensava. O que
ele não sabia, no entanto, era que havia grandes
continentes entre a Europa e a Ásia. A borda oriental
desses continentes ficava exatamente onde Colombo
pensava que ficavam as ilhas do leste da Ásia.

Em 12 de outubro de 1492, Colombo chegou a uma


pequena ilha que ele pensava estar bem perto das Índias.

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Ele navegou e explorou certas ilhas maiores, que são, até
hoje, chamadas de “Índias Ocidentais” por causa do erro
de Colombo.

Colombo chamou as pessoas que encontrou


nessas ilhas de “índios”, e é assim que chamamos os
descendentes dos habitantes originais desses
continentes hoje.

Embora Colombo estivesse convencido de ter


chegado às Índias no mesmo dia em que morreu em
1506, outros não tinham tanta certeza. As terras que ele
encontrara não se pareciam em nada com as descrições
dadas por aqueles que viajaram por terra para a China.

Algumas pessoas pensaram que as terras que


Colombo descobriu eram novos continentes. Um dos
primeiros exploradores que disse isso foi um navegador
italiano chamado Américo Vespúcio.

Um geógrafo alemão, Martin Waldseemüller,


decidiu que Vespúcio estava certo e, em 1507, sugeriu
que os novos continentes fossem chamados de América
em sua homenagem.

Naquela época, Portugal havia chegado às Índias


navegando pela África. A Espanha havia alcançado
apenas os novos continentes e estes não eram tão ricos e
civilizados quanto as Índias.

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Houve um navegador português, no entanto,
chamado Fernão de Magalhães, que se sentiu enganado
por seu governo após anos de serviço leal. Ele foi para a
Espanha com raiva e disse ao rei espanhol que ainda
havia uma maneira de chegar às Índias sem dar a volta à
África ou ter que lutar contra os portugueses. Tudo o
que precisava ser feito era navegar para o oeste,
passando pelas Américas e seguir em frente.

Em 1519, Magalhães zarpou com uma frota de


cinco navios. Ele veio para a América do Sul e começou a
procurar uma maneira de superar isso. Ele finalmente
chegou ao extremo sul e viajou por uma passagem
estreita que até hoje é chamada de “Estreito de
Magalhães”.

Na outra extremidade, ele alcançou outro oceano.


Ele navegou por este oceano por semanas com tempo
calmo. Magalhães chamou esse novo corpo de água de
Oceano Pacífico porque sentiu que esse novo oceano era
“pacífico”. Este ainda é o seu nome, embora o oceano
Pacífico tenha tantas tempestades quanto qualquer
outro oceano.

Magalhães descobriu que o Oceano Pacífico era


grande e vazio. Ele teve que navegar por noventa e nove
dias sem ver terra. A tripulação ficou sem comida e água
e quase morreram antes de chegarem à pequena ilha de
Guam e encontrar alívio.

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Figura 21: A morte de Fernão de Magalhães

Os navios seguiram então para as ilhas Filipinas,


onde Magalhães foi morto em uma briga com os
moradores.

O resto da expedição continuou, no entanto.


Finalmente, em 1522, após uma viagem de três anos, eles
alcançaram a Espanha novamente.

Apenas um navio dos cinco originais conseguiu


chegar e só restavam dezoito homens a bordo.

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A expedição de Magalhães foi a primeira a dar a
volta ao mundo. Seus registros representaram a prova
final de quão grande era a esfera do globo. Descobriu-se
que Eratóstenes estava correto quando fez seus cálculos
a partir das sombras 1.800 anos antes.

A Terra tem 40.000 quilômetros de


circunferência. Ptolomeu e todos os outros que
pensavam que a Terra era muito menor estavam errados.

Ainda assim, se não fosse pela ideia equivocada de


que a Terra era menor do que realmente era, Colombo
poderia não ter pensado que seria mais prático navegar
para o oeste. A América poderia não ter sido descoberta
naquela época. Mesmo os erros podem ser úteis.

A viagem de Magalhães não é o fim da história da


forma da Terra.

A partir de 1961, os homens foram colocados em


órbita ao redor da Terra. Eles começaram a viajar
distâncias cada vez maiores no espaço e a ir cada vez
mais longe da Terra. Em 1969, os homens chegaram à
Lua.

Do espaço sideral, os homens podiam olhar para a


Terra e vê-la como um objeto no céu.

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Eles viriam que a Terra era redonda. O mesmo
poderia acontecer com qualquer pessoa na Terra que
visse as fotos tiradas do espaço sideral.

A Terra é redonda e os antigos estudiosos de


riachos que a raciocinaram há quase 2.500 anos
estudando estrelas, navios e eclipses estavam
absolutamente certos.

FIM

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