Você está na página 1de 12

Uma leitura de Mensagem

Aspetos gerais

Mensagem é o único livro de Fernando Pessoa – em língua portuguesa publicado em vida,


precisamente um ano antes da sua morte e em circunstâncias que ele próprio reconhece
ultrapassarem a sua vontade – “foi o primeiro livro que consegui, não sei porquê, ter
organizado e pronto. Como estava pronto, incitaram-me a que o publicasse: acedi.” Mensagem
vê, assim, a luz do dia a 1 de dezembro de 1934, exatamente um ano antes da morte do poeta,
que ocorre a 30 de novembro de 1935. Ao longo da sua vida, Pessoa publicou dispersamente
os seus poemas em vários jornais e revistas literárias, entre as quais se destaca Orpheu, revista
de que foi, juntamente com Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros, um dos principais
impulsionadores. Mas o prazer de ver o seu nome impresso em capa de livro surge somente
numa fase muito tardia da sua vida e em circunstâncias um pouco desfasadas daquele que foi
o seu percurso literário. [...]

Estrutura simbólica e constantes temáticas

Apesar de os poemas de Mensagem terem sido escritos ao longo de cerca de vinte e um anos,
a sua organização, enquanto produto final, obedece a uma lógica cuidadosamente estruturada
e de acordo com o ciclo da vida: nascimento/crescimento, realização e morte. E todos os
heróis e reis que desfilam na obra, desde o mito fundador ao Encoberto, são solidários numa
mesma empresa– o cumprimento de um dever divino.

A obra abre com uma epígrafe em latim – Benedictus Dominus Deus Noster qui dedit Nobis
Signum (Bendito Deus Nosso Senhor, que nos deu o Sinal) – que, inequivocamente, nos aponta
quer para a presença do elemento cristão, quer para a heroicidade do povo português, povo
eleito por Deus, para cumprir uma missão grandiosa, que o poeta reconhece como sendo uma
dádiva divina. As três partes que constituem a macroestrutura do poema – Brasão, Mar
Português, O Encoberto– abrem, igualmente, com uma epígrafe e cada uma delas corresponde
a um dos momentos fundamentais da História de Portugal: o seu nascimento, a sua realização
no contexto mundial e o seu declínio.

Na primeira parte, a epígrafe Bellum sine bello (Guerra sem guerra) remete para a idealidade
de uma pátria que se constrói pelo sonho e pela vontade inabalável de um povo eleito. Assim,
os dezanove poemas que integram a primeira parte enaltecem as figuras ligadas à fundação
mítica (Ulisses) ou histórica do país (D. Afonso Henriques, entre outros), bem como aquelas
que foram essenciais na definição da personalidade nacional (D. Dinis, O Infante D. Henrique,
entre outros).

O título dado a esta primeira parte – Brasão – é revelador da essência deste momento do
poema, uma vez que brasão é a marca distintiva de uma família, tal como as personalidades
aqui cantadas se distinguiram ao marcarem o nascimento e a evolução da nação. Brasão
constitui-se, assim, como a marca identitária da personagem central do poema, Portugal,
embora o Brasão descrito seja, na opinião de António Cirurgião, o do Infante D. Henrique e não
o de Portugal.

As cinco subpartes de Brasão – Os Campos, Os Castelos, As Quinas, A Coroa, O Timbre –


correspondem aos vários elementos que integram o brasão que simboliza Portugal.

É assim que António Cirurgião explica a estrutura de Brasão: Cada uma das secções é
constituída por tantos poemas quantos são os elementos representados pelos componentes
do brasão. Assim há dois poemas para os campos: o dos castelos e o das quinas; há sete para
os
castelos, por, de acordo com a história e a tradição, sete serem os castelos que D. Afonso III
tomou aos mouros em 1249, por ocasião da conquista definitiva do Algarve; há cinco para as
quinas, por cinco serem as chagas de Cristo que essas quinas emblematicamente representam
no escudo do Infante D. Henrique (e no de Portugal); há um para a coroa; e há três para o
grifo, sendo um para a cabeça e dois para as asas. Mar Português, a segunda parte do poema,
é constituído por doze poemas que glorificam a saga dos descobrimentos e a construção do
grande império marítimo de quinhentos, daí a epígrafe escolhida, Possessivo Maris (A posse do
mar). Os poemas de Mar Português evocam as grandes figuras da aventura marítima dos
séculos XV/XVI (O Infante, Padrão, Fernão de Magalhães, Ascensão de Vasco da Gama) ou os
momentos mais marcantes dessa epopeia (O Mostrengo, Ocidente, Mar Português). No
entanto, o último poema desta segunda parte (Prece) deixa já adivinhar a decadência e o
desencanto que perpassam nos textos de O Encoberto, bem como a esperança de que
Portugal caminhe para uma nova era, não já marcada pelas conquistas geopolíticas e pelas
descobertas dos mares, mas imbuída de um espírito de renovação espiritual e cultural. A
escolha do título desta segunda parte tem uma justificação evidente: foi no mar que Portugal
atingiu a sua maturidade e se realizou enquanto povo e nação.

Finalmente, a última parte – O Encoberto – abre com a epígrafe Pax in Excelsis (Paz nas
Alturas) e integra treze poemas organizados em três subpartes: Os Símbolos, Os Avisos, Os
Tempos. Historicamente, os poemas, incluídos nesta terceira parte, situar-se-iam após o
desastre de Alcácer Quibir, que conduziu ao inevitável descalabro do império e à
descaracterização do país.

Não esqueçamos que muitos destes textos foram escritos durante o período conturbado da
Primeira República, época em que o país viveu momentos difíceis, igualmente marcados pela
dispersão e pela falta de valores éticos, momentos que o próprio poeta vivenciou. O fio
condutor dos poemas desta terceira parte baseia-se na denúncia da passividade e do
desencanto do presente e na necessidade de fazer renascer Portugal através da construção de
um novo império, o Quinto Império, caracterizado pela expansão eterna e universal da língua e
cultura portuguesas, daí a razão da epígrafe que a inicia.

Partindo do pressuposto acima enunciado, poder-se-á compreender os subtítulos e o título da


terceira parte de Mensagem. Assim, em Os Símbolos são referidos figuras/conceitos que
marcaram o passado e que são essenciais à construção do novo Portugal; em Os Avisos, estão
presentes duas personalidades – Bandarra e António Vieira – que, aliadas à voz do poeta, são
figuras que transmitiram, nas suas épocas, uma visão profética e mística do Portugal futuro;
finalmente, em Os Tempos (que prenunciam um novo tempo), os poemas organizam-se desde
o negro da Noite (a dor do presente) até ao promissor Nevoeiro, aquele que envolve o
Desejado/o Encoberto e que encerra em si a esperança de um novo Portugal, ânsia presente
na exclamação final: É a hora!

Para uma leitura mais profícua dos poemas de Mensagem, convém, ainda, esclarecer alguns
conceitos que atravessam toda a obra: herói, sebastianismo e Quinto Império. Em Mensagem,
o conceito de herói distancia-se do tradicional conceito épico presente, por exemplo, em Os
Lusíadas. Na verdade, enquanto no poema camoniano o herói é feito de “carne e osso” e, à
medida que vai ultrapassando os vários obstáculos, eleva-se a uma dimensão divina, no poema
pessoano, o herói reveste-se, desde logo, de uma dimensão mítica, presente ao longo de todo
o seu percurso. O herói é escolhido por Deus, um eleito, a quem é conferida uma missão que
deve ser cumprida. Daí que o sujeito poético afirme, no poema O Infante, “Deus quer, o
homem sonha, a obra nasce”. Ou seja, o herói de Mensagem avança impelido por uma força
divina que o habita, mas que, simultaneamente, o transcende, e, perseguindo o sonho, este
herói cumpre a tarefa para a qual foi talhado. Outro vetor estruturante de Mensagem é o
inovador conceito pessoano de sebastianismo. Com efeito, Pessoa não nega o anterior
conceito de sebastianismo nem o de messianismo a ele inerente, mas confere-lhe uma
roupagem nova. Não prescindindo da figura inspiradora do rei, Pessoa retira ao sebastianismo
o seu carácter estático, voltando-o para o futuro e transformando-o na principal mola
impulsionadora, a par do sonho e da poesia, da construção de um novo Portugal, aquele que
encabeçará o Quinto Império.

Sublinhe-se que o mito do Quinto Império não é uma criação pessoana, remontando aos
tempos da Bíblia. [...]

Embora o mito do Quinto Império não entre no imaginário nacional pela mão de Pessoa (com
os poemas O Bandarra e António Vieira pertencentes a O Encoberto), é ele que lhe confere a
sua verdadeira dimensão nacional. Assim, para Pessoa, o ressurgimento de Portugal não
passaria por uma dimensão material e geopolítica, mas partiria da difusão da língua e cultura
portuguesas, difusão operada pelo poder da poesia e do sonho. A originalidade de Pessoa vai
ainda mais longe, ao afirmar, em outros textos teóricos, que o líder deste império seria não um
guerreiro, mas um Super-Camões, sem dúvida, Pessoa ele mesmo.

Mensagem configura-se, assim, não só como um texto de fervor patriótico, mas, sobretudo,
como o esboço de uma nova ideia de pátria marcada pela espiritualidade, pela poesia e pelo
poder da força da língua, ilustrando de forma inequívoca as palavras de Bernardo Soares: “Não
tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento
patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa.”

Quinto Império

Poema interpelante, cuja mensagem final assenta no desenvolvimento de verdades vindas do


movimento perpétuo da História: “Triste de quem é feliz!” “Ser descontente é ser homem.”
Da visão profunda que, na escuridão, vê já a luz, brota a certeza profética de um novo domínio,
de um quinto império: “...o dia claro, que no atro / Da erma noite começou”. É da morte de D.
Sebastião que nasce o “sonho” que faz a “brasa” “mais rubra”. Desperta-se a evidência de
estar no intervalo entre os impérios que já foram e o “quinto império” que há de vir e há de
ser português, animado pelo “sonho”, pelo “erguer da asa”, “pela visão que a alma tem”, um
império espiritual, “dia claro” a inventar.

Da Terceira Parte/O Encoberto (D. Sebastião), este é o segundo símbolo, o do Quinto Império
que iluminará a alma nacional revelando-lhe grandeza futura.

Formalmente, o poema apresenta-se como uma despretensiosa série de quatro quintilhas,


aparentemente simples, mas densas de significado, a fazer lembrar as quintilhas de Sá de
Miranda ao seu rei D. João III. Fernando Pessoa não tem rei a quem as enviar. Escreve-as para
fazer nascer um império. Lança um pregão, um desafio a um povo que tem de reencontrar o
seu domínio: “Quem vem?... que morreu D. Sebastião.” O ritmo do verso, a tradicional
redondilha maior, integra-se perfeitamente nesta intencionalidade.

A imagística (“vive em casa”; “contente com o seu lar”; “a brasa da lareira”; “a lição da raiz”)
traduz a perceção da rusticidade, da domesticidade de um destinatário – povo, adormecido,
domado, cego, imerso na “erma noite”, “Quem”; “Quem?” – é o pronome que, no seu
mistério, concentra o nome que não desvenda: ninguém e todos. Este é o sujeito que o
enunciado encobre: não o escolhe e não o indica. Chamamento envolto em mistério,
destinado a quem seja capaz do “sonho”, do “erguer da asa”.

Este poema proclama reiteradamente a tristeza nas duas primeiras estrofes: “Triste de quem
vive em casa...”; “Triste de quem é feliz”, enfatizando esta proclamação com o paralelismo
sintático das vozes, como quem canta. Aqui a lição da História é a vitória do homem sobre o
tempo: “E assim”, conclui. “A terra será...”, profetiza. Finalmente chama o ator a que venha
ocupar o seu lugar, o lugar que o tempo dominado lhe destinou.

O discurso, no seu tecido verbal, vai poetizando o pregão:

 “rubra a brasa”, em que as sonoridades combinadas da labial e da vibrante sopram e


explodem, acendendo plasticamente a imagem;
 “triste e feliz”, em que o oxímoro, ao confundir, aviva o engano, desmascara a ilusão;
 A ordem sintática buscada na expressão popular: triste de mim, triste de ti, “triste de
quem...”, onde a implantação idiomática do “de” torna a toada lamentosa, afadistada,
de cantiga da rua;
 As palavras repetem-se, enleiam-se em jogos que as sublinham (“vive/vida/vida”;
“eras/eras/eras”), ganham o recorte da expressão feita do falar popular: “eras sobre
eras”.

A linguagem é entretecida de jogos (“ser é ser”; “o dia claro” e “erma noite”) que, pelo seu
poder encantatório, caucionam verdade poética, atração, fascínio para os ouvidos para que
preparam o repto final: “Quem vem...?”

A simbologia numérica

Os poemas da Mensagem agrupam-se em blocos mais restritos, a que correspondem os


números 1, 2, 3, 5, 7 e 12, num total de 44 poemas. A divisão foi consciente por parte de
Fernando Pessoa, encerrando a mesma e os números referidos um significado muito próprio,
associado ao sentido dos poemas.

Número 1 – número que simboliza o Ser, por excelência, a Revelação. Ele concentra,
igualmente, a ideia harmónica entre o consciente e o inconsciente, realizando a união dos
contrários, pelo que se liga à Perfeição. Os polos opostos unem-se numa totalidade que os
concilia e da qual resulta uma energia que dá ao humano a comunhão com o transcendente.

Número 2 – número que pressupõe a dualidade, seja ela expressão de contrários ou de


complementaridade. Simboliza, pois, o dualismo sobre o qual se apoia qualquer dialética,
qualquer esforço ou combate, qualquer progresso.
Número 3 – número que remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem, pelo
que representa a Totalidade. Remete para a ordem intelectual e espiritual em Deus, no
cosmos ou no Homem. É o número da Perfeição, aliado a valores cristãos (a Santíssima
Trindade). Por outro lado, sugere ainda as fases da existência: nascimento, crescimento e
morte.

Número 5 – número da Ordem, do Equilíbrio e da Harmonia, já que se situa no meio


dos nove primeiros números.

Número 7 – número que corresponde à totalidade das energias, após a completude de


um ciclo (por exemplo, a semana, período temporal unificante). Logo, representa a conclusão
e a renovação cíclicas.

Número 12 – número que remete também para uma unidade, ou um universo na sua
complexidade interior (por exemplo, um ano, com doze meses). É igualmente o número
da eleição do povo de Deus e remete para as realizações, mutações, até na própria evolução
do Universo. Alude aos ciclos que se fecham e aos quais se sucede um renascimento.

Mensagem é uma obra dividida em três partes estruturantes – “Brasão”, “Mar Português” e “O
Encoberto” – em que cada uma remete para uma fase do percurso vital que a
obra simboliza (nascimento, vida e morte). Sendo o três o número da perfeição, esta divisão
representa um equilíbrio e uma ordem superiores, a união entre Deus, o Universo e o Homem.
Na primeira parte, “Brasão”, encontramos cinco subpartes, simbolizando a harmonia do
momento aludido (a fundação da nacionalidade). Dessas, a primeira (“Os Campos”) é
composta por dois poemas, numa dualidade que remete para os polos opostos que formam a
totalidade: o poema “O dos Castelos” alude às grandezas materiais do reino e “O das Quinas”
aos mártires dos sonhos. A subparte “Os Castelos” contempla sete poemas representativos de
um ciclo perfeito, unificante, com referência a figuras históricas e míticas ligadas à fundação e
renovação da pátria. Já na subparte seguinte, “As Quinas”, deparamo-nos com cinco poemas,
numa alusão simbólica ao equilíbrio deste número, personificado em cinco mártires,
representantes, por sua vez, das cinco chagas de Cristo. São figuras que contribuíram para a
salvação e consolidação da nacionalidade com o seu sofrimento em nome de Cristo.
A subparte “A Coroa” integra um único poema, dedicado a Nun’Álvares. Sendo o número um o
símbolo da perfeição, da totalidade entre o humano e o transcendente, esta figura histórica
representa a unidade, o centro harmonioso e sobre-humano a partir do qual se processa a
evolução.
A última subparte, “O Timbre”, é formada por três poemas, simbolizando cada uma parte do
Grifo que está representado no sinal. A tríade representa a realização e a marca que anuncia
uma nova fase na História nacional: as três figuras escolhidas nos poemas (Infante D. Henrique,
D. João II e Afonso de Albuquerque) são as que formam a ideia de expansão, a desenvolvem e
concretizam.
A segunda parte de Mensagem é constituída por doze poemas. Esta parte, apresentada sem
subpartes, simboliza uma certa complexidade interna, associada à ideia de ciclo que se fecha e
a uma nova realização, compreensível quando associada às figuras contempladas nos poemas,
figuras ligadas aos Descobrimentos e que participaram na sua planificação e concretização. Os
doze poemas remetem, pois, para o ciclo dos Descobrimentos.
A terceira parte, “O Encoberto”, é formada, mais uma vez, por três partes, numa perfeição e
num equilíbrio associados à simbologia do momento da obra: o advento de uma nova era
harmoniosa em si mesma.
A primeira subparte, “Os Símbolos”, integra cinco poemas, bem como a última, “Os Tempos”,
partes que pretendem evidenciar sinais de um equilíbrio anunciado e de harmonia de um novo
tempo que chegará.
A subparte intermédia, “Os Avisos”, colabora com as restantes na configuração da ideologia a
transmitir – sobretudo na divulgação de um Quinto Império Espiritual em breve concretizado –
sendo formada, em coerência com as restantes subpartes, por três poemas associados a
figuras míticas e anunciadoras do novo tempo de perfeição (Bandarra, António Vieira e um
“eu”). A última subparte apresenta cinco poemas, remetendo para a harmonia a atingir no fim
de um tempo imperfeito, que será substituído pelo equilíbrio de uma nova era anunciada no
“Nevoeiro”.
O mito

Seria difícil encontrar uma definição de mito que fosse aceite por todos os estudiosos e, ao
mesmo tempo, acessível aos não especialistas. Aliás, será possível encontrar uma única
definição suscetível de abranger todos os tipos e todas as funções dos mitos, em todas as
sociedades arcaicas e tradicionais? O mito é uma realidade cultural extremamente complexa,
que pode ser abordada e interpretada em perspetivas múltiplas e complementares.
Pessoalmente, a definição que me parece menos imperfeita, por ser a mais lata, é a seguinte: o
mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo
primordial, o tempo fabuloso dos “começos”. Noutros termos, o mito conta como, graças aos
feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade passou a existir, quer seja a realidade total, o
Cosmos, quer apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento
humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narração de uma “criação”: descreve-se como
uma coisa foi produzida, como começou a existir.

O mito só fala daquilo que realmente aconteceu, daquilo que se manifestou plenamente. As
suas personagens são Seres Sobrenaturais, conhecidos sobretudo por aquilo que fizeram no
tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, pois, a sua atividade criadora e
mostram a sacralidade (ou, simplesmente, a “sobrenaturalidade”) das suas obras. Em suma, os
mitos descrevem as diversas e frequentemente dramáticas eclosões do sagrado (ou do
“sobrenatural”) no Mundo. É esta irrupção do sagrado que funda realmente o Mundo e o que
faz tal como é hoje. Mais ainda: é graças a intervenções dos Seres Sobrenaturais que o homem
é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural.
[...] O mito é considerado como uma história sagrada, e, portanto, uma “história verdadeira”,
porque se refere sempre a realidades. O mito cosmogónico é “verdadeiro” porque a existência
do Mundo está aí para o provar; o mito da origem da morte é também “verdadeiro” porque a
mortalidade do homem prova-o, e assim por diante.
Pelo facto de o mito relatar as gestas dos Seres Sobrenaturais e a manifestação dos seus
poderes sagrados, ele torna-se o modelo exemplar de todas as atividades humanas
significativas.

O Pessoa da Mensagem

Falar de Fernando Pessoa é falar de uma identificação Poeta/Poesia como estranha força
dialética dinamizadora, bem explícita num dos milhares de inéditos guardados na sua, já hoje
famosa, arca: “Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: Navegar é preciso, viver não é
preciso”. “Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o
que sou: viver não é necessário, o que é necessário é criar.” Criar foi, de facto, a sua missão no
sentido da descoberta que foi a sua vida tornada, não raro, na missão eterna do Portugal a
descobrir. “Emissário de um rei desconhecido, cumpriu informes instruções de além” e,
esperando e preparando a Hora, proclamaria convictamente: “A nossa grande raça partirá em
busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que
os sonhos são feitos. E o seu verdadeiro e supremo destino, de que a obra dos navegadores foi
o obscuro e carnal ante arremedo, realizar-se-á divinamente”.
É este “sentimento de febre de ser para além doutro oceano” que enforma as páginas de
Mensagem – única obra publicada nos seus breves 47 anos de vida, em 1934, apenas um ano
antes de morrer, e à qual foi atribuído um prémio de segunda categoria do Secretariado de
Propaganda Nacional – em que dá voz simbólica ao conteúdo anímico da sua pátria bem como
à sua aventura espiritual. O seu ser anda associado ao ser da pátria, num projeto incessante de
demanda realizável num tempo e num espaço transcendentes, de destinos identificáveis.
O pessoal e o coletivo associam-se numa progressão anímica rumando a uma mesma procura
daquelas aventuras espirituais não sobrepostas, mas recorrentes. Procura e encontra Pessoa a
sua identidade na união com a pátria que lhe é propiciada por uma ligação anímica vivida,
sofrida, profunda que ele denomina como “o meu intenso sofrimento patriótico”, gerado nos
laços de uma supraconsciência coletiva.
Em Mensagem, o poeta sente em si o apelo de captação da voz recôndita de uma realidade
que
urge verbalizar – a realidade pátria. Dela tem um conhecimento não teórico, mas sim aquele
que propicia o caminho para uma clarividência do seu próprio ser vivente, dando voz à sua
mitologia através de um único dom inato, que é a abertura de espírito em face dos mitos.
Assim assume Fernando Pessoa o mais alto mistério do homem que é o de “ser um criador de
mitos”. Não se trata de um ato de passagem do inconsciente ao consciente, posto que tudo
seja
supra-humano, menos ainda de um ato redutor de mistério. Outrossim, intuindo da
veracidade
dos mitos, transmite-os sem os interpretar, conferindo-lhes a voz explicativa que se perpetua
no tempo.
Deste modo poetiza na mensagem os mitos acionados pelos descobrimentos, crente que eles
revelam as estruturas do real e as multimodais formas de estar no mundo. Por isso “Ulisses”,
lendariamente fundador da cidade de Lisboa, é título do poema de carácter silogístico em que
as premissas unificadoras do abstrato e do concreto através de vertiginosos oxímoros,
denunciadores, estes, do carácter utópico de toda a verdade, desaguam numa conclusão que
pronuncia a existência da realidade, apenas e só quando fecundada e sustentada pela lenda.
Sobre esta mutação do real sobre um real mais verdadeiro, o poeta mergulhará a partir da
génese da sua pátria, num movimento ascético assimilador desde as origens para, por virtude
de uma tomada de consciência através dos seus tempos, tentar a captação da sua identidade,
elemento sobrevivente e incólume à força corrosiva do tempo e do devir. Vergar-se sobre si
próprio, num processo retrospetivo, será meio único para o refazer da sua história.
Assim não se perspetiva na Mensagem um desenvolvimento realista da história; há, sim, uma
rigorosa estruturação da lógica, que faz existir tão-só os factos e os homens possuidores de
uma
essência paradigmática. Por isso, ao debruçar-se o poeta sobre a pátria em transformação não
o faz numa perspetiva intencionalmente historicista, mas antes numa formulação simbólica e
numa conceção trans histórica que remeterá toda a realidade para além das coordenadas do
tempo. A perene atualidade não é histórica; a cronologia não pertence a um mundo real, mas
antes ao do desenvolvimento interno duma aventura no mundo e no tempo da alma. Por isso,
os heróis se movimentam numa paisagem extramundana e os seus efeitos erguem-se num
halo de eternidade. Transcreve-se na Mensagem a história de uma nação transfigurada em
história mítica que acede a um outro plano da realidade. Perspetiva-se a eternidade pátria
numa peculiar história de Portugal criada num jeito mítico-poético para além do tempo e do
espaço formulado como ideal último a atingir.
Recuperando os arquétipos dos antepassados, génese da criação dum ente coletivo,
Mensagem
é mito e rito da criação de uma pátria levando a cabo um projeto cosmogónico.
Do primeiro mito – Ulisses – já se constatou não pertencer ao tempo e ao espaço, mas ter
agido
na criação pátria. Também o desastre de Alcácer Quibir não é uma realidade de um tempo
pro-
fano, mas marca do fim do mundo por um cataclismo mítico este, sim, purificador, porque
confiante na esperança de uma recriação de um outro mundo renovado. Por isso, no poema
“D. Sebastião” é o próprio rei que, num discurso de primeira pessoa, tenta controlar a
ansiedade
dos Portugueses transmitindo-lhes a necessária esperança do retorno de quem, como ele,
possui desígnios ultraterrenos. D. Sebastião é mito tido “com raízes profundas no passado”,
cuja renovação urge, para se dar “na alma da Nação o fenómeno imprevisível de onde
nascerão as Novas descobertas, a criação do Mundo Novo, o Quinto Império”.
E a sua vinda apocalíptica, esperança de regeneração, carregando tradições céltico-bretãs e
arturianas, judaico messiânicas e cristãs-cavaleirescas e templárias, far-se-á também numa
outra realidade sacralizada, n’“A Última Nau”, que tendo partido do Império para o Mistério,
se crê, “a névoa finda”, regressará por virtude da fé da “alma atlântica”, do Mistério para o
Império.
É óbvio que esta história transfigurada de um povo consciente e orgulhoso da sua história real
ganha cariz universal, por via, também, da interceção das raízes da espiritualidade. Assim, à
mitologia histórica, tal como foi a dos romanos, à cósmica como a dos celtas, ela-se a judaica
que perspetiva a visão da história de uma nação submetida à vontade de Deus, porque por ele
eleita. Por isso, sagrado o herói – “O Infante” –, criado português, cumprido o mar, missão
primeira de que foi incumbido, ele pressente que a renovação do império só será possível pela
crença de que “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.
Logo, no âmago da Mensagem, está contida a visão abissal do que está para além do poeta e
da
realidade empírica e profana do mundo, cujos limites são humanamente, não ignorados, mas
inconscientes. É o mais fundo e secreto de um povo que espera a voz poética e profética para
a
sua desocultação e formulação rumando a uma libertação.
Fernando Pessoa não explicou, mas evidenciou os mitos fundamentais da sua pátria erguendo
o próprio povo a um mito significativo e sacralizando aqueles que, sendo propulsores dos
descobrimentos, propiciaram a sua verdadeira realização num gesto de universalidade. Por
isso, na Mensagem só terão direito à imortalidade homens e feitos dotados de mitos
significativos. Por isso ainda, as raízes do desenvolvimento desta entidade apresentam-se num
projeto triádico: regresso ao paraíso, realização do impossível, espera do Messias.
No paraíso estão os antepassados que ergueram a pátria plasmando-a na sua própria alma
como é o caso de “D. Dinis”, “o plantador de naus a haver”, em demanda do “oceano por
achar”,
gestação profética da futura epopeia marítima de quatrocentos e quinhentos. E também o
poeta, o pai da poesia, aquele que completou Portugal no seu aspeto ontológico, por isso, lhe
é dado o número seis, o da perfeição, bem como a grandeza do decassílabo.
Ainda no paraíso, além de outros heróis que simbolizam os castelos, as quinas, a coroa e o
timbre do brasão português, estão as Mães, as que deram origem às duas dinastias: “D.
Tareja”, a “mãe de reis e avó de impérios” que, com a coragem da loba que amamentou
Rómulo e Remo,
deverá, lá do hiperurânio, do supramundo, tornar “eterno infante” o homem que envelheceu;
também “D. Filipa de Lencastre” que o poeta tuteia, não sem através de hipérbatos e
interrogações retóricas mostrar a sua incredulidade pela conceção da Ínclita Geração. Porque
foi o “Humano ventre do Império”, a “Madrinha de Portugal”, compete-lhe, ainda hoje, zelar
por ele. Imortais são também os heróis navegantes cumpridores de um dever individual e
pátrio que percorreram o mar em busca da imortalidade. Entre muitos, surge Diogo Cão que,
erguendo o “Padrão”, o contempla em êxtase, ciente de que “O esforço é grande e o homem é
pequeno”, mas ciente também de que “O mar sem fim é português”. Por isso, cheio de uma
“febre [...] de navegar”, freneticamente demanda “O porto sempre por achar”. E, finalmente,
depois desta missão cumprida, surge a voz profética daqueles que anunciam a chegada do
regenerador da pátria moribunda. Escuta-se a “voz que vem no som das ondas / Que não é a
voz do mar”, procura-se o “Galaaz com pátria”, “O Mestre da Paz” para que “Revele o Santo
Gral”, almeja-se progressivamente a aurora, o dia e o sol, ocultos por enquanto na “Rosa do
Encoberto”.
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a de um mito é, concomitantemente, a de uma pátria
configurada no nascimento, vida e morte a que se seguirá o renascimento. Por isso, se
desenvolve como uma ideia completa a que é dada uma forma simbólica tripartida: Brasão,
Mar Português e Encoberto.
Em Brasão estão representadas as figuras que correspondem aos fundadores ou nascimento e
que coincidem com os Campos, os Castelos, as Quinas, a Coroa e o Timbre do brasão
português; são os mitos paradigmáticos do Portugal profundo, arquétipo, que se afirmou na
guerra santa, por isso a epígrafe inicial “Bellum sine bello”.
Mar Português, que corresponde à realização ou vida, é a parte que mais lembra a missão
cumprida enquanto missão divina, o investimento do divino na pátria, mas também o
sofrimento, preço devido a esse investimento. É o retrato épico e dramático da grandiosa,
porque também universal, mas simultaneamente dolorosa “Possessio maris”.
Por fim, O Encoberto aposta na regeneração nacional pelo espírito, pelo mito e pelos Símbolos.
Aí estão também os Avisos num processo profético de apelo à paz – “Pax in excelsis”. É o fim
das energias latentes ou morte, esta que conterá em si como gérmen a próxima ressurreição, o
novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império.
A última parte de O Encoberto, Os Tempos, é sem dúvida a mais aliciante pela misteriosa
esperança de que está imbuída. Por um lado, ela é a “Noite” propiciadora de uma viagem,
apenas de ida, por um “mar ignoto”, é a “Tormenta” desse “Portugal, o poder ser”, metáforas
de um fim e de uma desintegração. Por outro, serão os avisos, os pressentimentos de forças
latentes prestes a virem à luz que a “Ilha próxima e remota” “Que guarda o Rei desterrado” de
“Calma” e o apelo do mostrengo, no sentido de “Chamar Aquele que está dormindo”, de
“Antemanhã” preconizam.
Estes são, de facto, Os Tempos, Os Tempos em que a noite se converterá em Antemanhã em
que a tormenta dará lugar à calma. Os Tempos em que perpassará, em incessante fulgor, qual
evocação religiosa num coro pátrio, ainda que com modulações diversas, a nota hilariante de
esperança: “D. Sebastião”, “O Desejado”, “O Encoberto” ...
É a capacidade de penetração na alma pátria, na sua mitologia, na sua universalidade que
confere ao poeta uma peculiar força anímica desvendadora da essência do absoluto que faz
com
que, partindo do mítico caos, se rume ao novo mundo encontrando a HORA, não como um
pro-
cesso alegórico da história de Portugal, mas sim numa outra forma de esta nação se expressar,
numa forma de “navio-nação”, parafraseando Eduardo Lourenço, prestes a desvendar o
“Nevoeiro” [...].
O tom anafórico e antitético que enforma o poema é por de mais elucidativo de um Portugal
desgovernado, coletiva e individualmente mergulhado na apatia e na indefinição que Bandarra
havia profetizado. Todavia, por detrás do nevoeiro, urge, pelo menos, o apelo “distante e
perto”;
“É a hora!”, única e última, Hora por que demandou toda a Mensagem, Hora da ressurreição
do
ideal de fraternidade patriótico dos portugueses expresso no apelativo “Valete Frates”.
Toda esta procura do Paraíso, da imortalidade, se cumprirá numa sobrerrealidade, num mar
que aparece como país misterioso, onde se percorre o caminho que levará a esse centro
ansiado; o caminho que é iniciático, que ruma a uma identidade atingida, cumprindo assim
Fernando Pessoa esse amor pátrio a que um dia se referiu como “o fervor, a intensidade –
terna, revoltada e ardente”.
Mensagem é ponto culminante de toda a obra pessoana posto que, depois da angústia da
cisão
heteronímica, das isoladas meditações metafísicas, da experiência da sabedoria ocultista, seja
agora que o poeta se assuma nas suas multímodas formas de escritor, profeta, mitogenista...
com a bem definida missão de devolver a Portugal a grandeza perdida, através do regresso de
D. Sebastião, “regresso simbólico [...], mas em que não é absurdo confiar”.

A galeria dos heróis em Mensagem

A Mensagem reafirma a cada passo a mesma repugnância pelo carnal [...]. São as potências do
invisível, o mito (“nada que é tudo”), a lenda, a chama que desce a iluminar o herói, são essas
potências que, fecundando a realidade, tornam a vida digna de ser vivida, ou melhor,
transformam a existência, mero vegetar, em vida, quer dizer, promessa do que não há,
perseguição do Impossível, grandeza de alma insatisfeita. [...] Deus, ou os deuses, talharam o
destino dos povos. “As nações são todas mistérios. / Cada uma é todo o mundo a sós”. Sem
existir (as forças ocultas é que valem), Ulisses criou Portugal. Segundo o mesmo plano divino,
por instinto, D. Tareja amamentou o Fundador. Depois, a ideia foi encarnando sucessivamente
nos homens que fizeram Portugal. Nos momentos-cumes, o braço do herói é movido pela
vontade divina: “O homem e a hora são um só / Quando Deus faz e a história é feita”. [...] A
Mensagem é também um elogio do Português, desvendador e dominador de mundos. O que o
define não é a ânsia do poderio terreno, mas a fome de Absoluto, um ideal cujo escopo
pertence à “alma interna”. [...] Os heróis da Mensagem olham e agem obsidiados por um
misticismo de objeto longínquo, indeterminado. [...] A galeria dos heróis, que Deus sagrou “em
honra e em desgraça” para a nostalgia e demanda do Infinito (“O mar sem fim é português”),
está na Mensagem em função do futuro que nebulosamente prenunciam. Depois dos
medalhões do “Mar Português” vêm os símbolos e avisos do Encoberto. O passado, na lógica
misteriosa das nações, inclui o porvir. Os pinhais de D. Dinis, ao serem agitados pelo vento,
sussurram como
“um trigo de Império”, prefiguram o marulho das ondas que as naus profundas hão de sulcar.
O plano transcendente vai-se realizando, tem de ser. A predestinação nacional lê-se nas trovas
do Bandarra. Por isso o poeta sabe com íntima certeza que Portugal vai cumprir-se.

Nota Preliminar

O entendimento dos símbolos e dos rituais (simbólicos) exige do intérprete que possua cinco
qualidades ou condições, sem as quais os símbolos serão para ele mortos, e ele um morto para
eles. A primeira é a simpatia; não direi a primeira em tempo, mas a primeira conforme vou
citando, e cito por graus de simplicidade. Tem o intérprete que sentir simpatia pelo símbolo
que se propõe interpretar. A segunda é a intuição. A simpatia pode auxiliá-la, se ela já existe,
porém não criá-la. Por intuição se entende aquela espécie de entendimento com que se sente
o que
está além do símbolo, sem que se veja. A terceira é a inteligência. A inteligência analisa,
decompõe, reconstrói noutro nível o símbolo; tem, porém, que fazê-lo depois que, no fundo, é
tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia no exame dos símbolos, é o de relacionar no
alto o que está de acordo com a relação que está em baixo. Não poderá fazer isto se a simpatia
não tiver lembrado essa relação, se a intuição a não tiver estabelecido. Então a inteligência, de
discursiva que naturalmente é, se tornará analógica, e o símbolo poderá ser interpretado. A
quarta é a compreensão, entendendo por esta palavra o conhecimento de outras matérias,
que permitam que o símbolo seja iluminado por várias luzes, relacionado com vários outros
símbolos, pois que, no fundo, é tudo o mesmo. Não direi erudição, como poderia ter dito, pois,
a erudição é uma soma; nem direi cultura, pois a cultura é uma síntese; e a compreensão é
uma vida. Assim certos símbolos não podem ser bem entendidos se não houver antes, ou no
mesmo tempo, o entendimento de símbolos diferentes. A quinta é a menos definível. Direi
talvez, falando a uns, que é a graça, falando a outros, que é a mão do Superior Incógnito,
falando a terceiros, que é o Conhecimento e a Conversação do Santo Anjo da Guarda,
entendendo cada uma destas coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles
que delas
usam, falando ou escrevendo.
Tópicos de análise da obra Mensagem:

 Exaltação Patriótica:

 Sugue pela recuperação que Pessoa faz d toda história Portugal desde os mitos iniciais
que envolvem Ulisses, passando pela idade média, formação e consolidação do reino
lusitano pelo período histórico e os seus correspondentes heróis.
Os descobrimentos- glória universal que exalta Portugal, chegando ao Portugal do
século XX, o qual pessoa tenta reavivar e estimular.
 Por outro lado e num nível de interpretação simbólica da pátria, Fernando Pessoa
dedica-se em Mensagem a uma visão exotérica, misteriosa e oculta dos factos e das
personagens oferecendo aos seus contemporâneos exemplos que os motivaram a
atingir um novo império, o 5ºimpério, não geográfico mas de inteligência posta ao
serviço da humanidade, desta feita com o cunho português, trata-se de uma espécie
de novos reis D. Sebastião e descobridores, simbólicos e atuantes ao nível do
intelectual e espiritual. Estes dois níveis são, por si mesmos, exaltadores da pária
portuguesa.

 O Sebastianismo

Relativamente ao sebastianismo existem dois pontos importantes:

 Crença do regresso de El Rei D. Sebastião, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir


em 1578, à sua morte seguiu-se a perda da independência para os castelhanos, só
retomada em 1640, ou seja, 60 anos depois, o seu regresso aconteceria numa manhã
de nevoeiro de onde surgiria El Rei, já vitorioso, no seu cavalo branco
 Este mito revela poder, animo e esperança de que os portugueses dos séculos
seguintes, pudessem imitar a valentia, a luta e o patriotismo do rei jovem, fazendo de
Portugal uma nação novamente grandiosa

 O Imaginário Épico

Podemos sublinhar três aspetos importantes

 Natureza epicólica da obra: aqui a Mensagem exalta Portugal descobridor,


conquistador e lutador, qualidades que o levaram a feitos gloriosos à escala universal,
designadamente nas descobertas, motivo de epopeia camoniana. O lirismo
acompanha esses feitos porque Pessoa os comenta, valorizando ideias e sentimentos
críticos, tais como, os portugueses poderem voltar a ser grandes obreiros de glória,
não já de descobertas geográficas mas de descobertas intelectuais, cientificas e
espirituais formando um novo império, o 5º império.

 Estrutura: Esta obra é dividida em três partes: a primeira, os primórdios da nação,


desde a antiguidade até ao final da idade média, a segunda, o tempo magnifico dos
descobrimentos, e por último, a terceira, o contemporâneo de Fernando Pessoa e o
futuro de um Portugal envolvido em inércia, marasmo, apatia e diferença.

 Herói coletivo: O herói coletivo é simbolicamente Portugal, o povo português, que


movido pelo sebastianismo pode ser novamente grandioso e superior, este heroísmo
está espelhado em figuras históricas que Pessoa refere e caracteriza, lembra e exalta,
para despertar o português do século XX, dessa dormência, sonolência e apatia.

Você também pode gostar