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TEMPO COMUM. VIGÉSIMA PRIMEIRA SEMANA.

QUARTA-FEIRA

78. AMAR O TRABALHO PROFISSIONAL


– O exemplo de São Paulo.

– A qualidade humana do trabalho.

– Amar a nossa ocupação profissional.

I. O TRABALHO É um dom de Deus, um grande bem para o homem, ainda 
que seja “o sinal de um bem árduo, conforme a terminologia de São Tomás [...]. 
E é não somente um bem útil ou para ser usufruído, mas um bem digno, isto é, 
um bem que corresponde à dignidade do homem, que expressa essa dignidade 
e a aumenta”1. Uma vida sem trabalho corrompe­se, e, no trabalho, o homem 
“torna­se mais homem”2, mais digno e mais nobre, se o realiza como Deus 
quer.

O trabalho é consequência do preceito de dominar a terra3 dado por Deus à 
humanidade, que se tornou penoso pelo pecado original4, mas que constitui o 
“eixo da nossa santidade e o meio sobrenatural e humano apto para levarmos 
Cristo connosco e fazermos o bem a todos”5. É como que a coluna vertebral do 
homem, que dá base de sustentação a toda a sua vida, e o meio através do 
qual devemos alcançar a nossa santidade e a dos outros. Um modo erróneo de 
equacionar o trabalho profissional pode repercutir em toda a vida do homem, 
mesmo nas suas relações com Deus.

Por   isso,   compreendemos   bem   os   males   que   a   preguiça,   o   trabalho   mal 


feito, as tarefas realizadas  pela  metade podem  ocasionar... “O ferro  que  jaz 
ocioso, consumido pela ferrugem, torna­se mole e inútil; mas, se é empregado 
no trabalho, é muito mais útil e belo, e não fica muito atrás da prata pelo seu 
brilho. A terra baldia não produz nada de útil, mas mato, cardos, espinhos e 
árvores infrutíferas; mas a que é cultivada coroa­se de suaves frutos. E, para 
dizê­lo   numa   só   palavra,   todo   o   ser   se   corrompe   pela   ociosidade   e   se 
aperfeiçoa pela operação que lhe é própria”6; o homem, pelo seu trabalho.

São Paulo, como lemos na primeira Leitura da Missa7, fala aos primeiros 
cristãos de Tessalónica do modo como se comportou com eles enquanto lhes 
pregava   a   Boa   Nova   de   Jesus:  Estais   lembrados  –   diz­lhes   –  dos   nossos  
trabalhos   e   fadigas;   trabalhando   noite   e   dia   para   não   sermos   pesados   a  
nenhum  de   vós...8  E mais  tarde,  na  segunda  Epístola:  Vós  mesmos  sabeis  
como deveis imitar­ nos; pois não vivi entre vós sem trabalhar, nem comi de  
graça o pão de ninguém, mas trabalhei e cansei­ me de noite e de dia para não  
ser pesado a ninguém9. O Espírito Santo, com este exemplo, inculcava­nos um 
princípio prático bem claro a seguir: Se alguém não quiser trabalhar, que não  
coma.

Hoje, na nossa oração serena e sossegada, temos que ter presente que o 
Senhor   também   espera   de   nós   esse   mesmo   espírito   de   laboriosidade,   de 
trabalho   intenso,   que   se   viveu   entre   os   primeiros   cristãos.   Um   dos   escritos 
cristãos  mais antigos  – a  Didaquê  – deixou­nos  este admirável testemunho: 
“Todo aquele que chegar a vós em nome do Senhor, seja recebido; depois, 
examinando­o,   vireis   a   conhecê­lo   [...].   Se   quem   chega   é   um   viajante,   não 
permanecerá entre vós mais do que dois dias ou, se for necessário, três. Mas, 
se quiser estabelecer­se entre vós, tendo um ofício, que trabalhe e assim se 
alimente. E se não tiver ofício, provede conforme a vossa prudência, de modo 
que não viva entre vós nenhum cristão ocioso. Se não quiser fazer assim, é um 
traficante de Cristo; estai alerta contra esses”10.

II.  NOS SEUS ANOS  de Nazaré, o Senhor deu­nos um exemplo admirável 


da   importância   do   trabalho   e  da   perfeição   humana   e   sobrenatural   com   que 
devemos realizar a nossa tarefa profissional. “Jesus, crescendo e vivendo como 
um de nós, revela­nos que a existência humana, a vida comum e de cada dia, 
tem um sentido divino. Por muito que tenhamos considerado estas verdades, 
devemos   encher­nos   sempre   de   admiração   ao   pensar   nos   trinta   anos   de 
obscuridade   que   constituem   a   maior   parte   da   vida   de   Jesus   entre   os   seus 
irmãos,  os homens.  Anos de sombra, mas, para nós, claros como  a luz  do 
sol”11.

A sua própria maneira de falar, as parábolas e imagens que emprega na sua 
pregação revelam um homem que conheceu muito de perto o trabalho; fala 
sempre “para quem se afana, para uma vida ordinária sempre regida pela lei da 
normalidade, pela aparição previsível dos mesmos problemas para as mesmas 
pessoas.   Este   é   o   ambiente   da   pregação   de   Cristo;   os   seus   ensinamentos 
ficaram   graficamente   inseridos   neste   contexto.   Não   era   o   “filósofo”,   nem   o 
“visionário”, mas o artesão. Alguém que trabalhava, como todos”12.

Durante a sua vida pública, o Mestre chamou para junto de si pessoas que 
estavam   habituadas   ao   trabalho:   São   Pedro,   pescador   de   ofício,   voltará   às 
suas tarefas de pesca logo que tiver a primeira oportunidade13; São Mateus é 
convidado a seguir o Senhor num momento em que estava ocupado no seu 
ofício   de   cobrador   de   impostos,   e   o   mesmo   aconteceu   com   os   outros 
Apóstolos.

Quando São Paulo partiu de Atenas e chegou a Corinto, encontrou um judeu 
chamado Áquila, originário do Ponto, e sua esposa Priscila. Juntou­se a eles. E 
como   era   do   mesmo   ofício,   hospedou­se   em   casa   deles   e   trabalhava   em 
companhia   de   Áquila;  ambos   eram  fabricantes   de   lonas14.  Foi   durante  essa 
estadia   de   ano   e   meio   em   Corinto   que   São   Paulo   escreveu   as   exigentes 
exortações que dirigiu aos cristãos de Tessalónica, convencido de que muitos 
dos   males   que   vinham   afligindo   aquela   comunidade   cristã   se   deviam   à 
circunstância de que alguns eram mais dados a falar e a andar de casa em 
casa do que a ocupar­se no seu trabalho.

Devemos examinar com frequência a qualidade humana do nosso trabalho: 
se   o   começamos   e   terminamos   no   horário   previsto,   ainda   que   alguns   dos 
nossos colegas, ou mesmo todos, não o façam; se o realizamos com ordem, 
sem   deixar   para   o   fim   os   assuntos   mais   difíceis   ou   menos   gratos;   se 
trabalhamos intensamente, procurando evitar conversas, chamadas telefônicas 
inúteis   ou   menos   necessárias;   se   procuramos   melhorar   constantemente   a 
qualidade desse trabalho com o estudo oportuno, procurando estar atualizados 
nas novas questões que surgem em todas as profissões; se nos excedemos 
em cumpri­lo, como acontece com tudo o que se ama, mas com prudência e 
rectidão,   sem   prejudicar   o   tempo   que   devemos   à   família,   ao   apostolado,   à 
nossa formação espiritual e religiosa... Numa palavra, contemplemos Jesus na 
sua oficina de Nazaré, peçamos licença ao Senhor para entrar ali com os olhos 
da fé, e então veremos se o nosso trabalho tem a qualidade e a profundidade 
que Ele pede aos que o seguem.

III. TEMOS QUE AMAR e cuidar do nosso trabalho porque é um preceito do 
nosso   Pai­Deus.   Mediante   o   trabalho   de   todos   os   dias,   a   personalidade 
desenvolve­se, ganha­se o preciso para as necessidades da família e para as 
pessoais,   bem   como   para   prestar   ajuda   às   boas   obras   de   formação,   de 
apostolado, etc. Temos que amar o trabalho e convertê­lo ao mesmo tempo em 
tema e campo de oração, porque, acima de tudo, é caminho de santidade.

Podemos oferecer todos os dias ao Senhor imensas coisas que procuramos 
que   estejam   bem   feitas:   o   estudante   poderá   oferecer­lhe   horas   de   estudo 
intensas   e   seguidas;   a   mãe   de  família,   a   solicitude   eficaz   pelos   filhos,   pelo 
marido, o cuidado dos mil detalhes que fazem da sua casa um verdadeiro lar; o 
médico, a par da competência profissional, o trato amável e acolhedor com os 
pacientes; as enfermeiras, essas horas cheias de serviço contínuo, como se 
cada um dos doentes fosse o próprio Cristo...

É   no   meio   e   na   execução   do   próprio   trabalho   que   devem   surgir   com 


frequência os pedidos de ajuda ao Senhor, as acções de graças, os desejos de 
dar   glória   a   Deus   com   aquilo   que   temos   entre   mãos...   Nós,   os   cristãos 
correntes,   os   simples   leigos,   não   nos  santificamos  apesar  do   trabalho,   mas 
através do trabalho; encontramos o Senhor nos mais variados incidentes que o 
compõem,   uns   agradáveis,   outros   menos,   mas   todos   eles   o   campo   por 
excelência em que se exercitam as virtudes humanas e as sobrenaturais.

O   amor   ao   nosso   trabalho   profissional   levar­nos­á   frequentemente   a 


permanecer, talvez por muitos anos ou por toda a vida, na mesma tarefa. Isto 
não significa que não devamos aspirar a conseguir uma situação ou um lugar 
de trabalho de mais destaque. Mas esse desejo legítimo, que faz parte da boa 
mentalidade profissional, não deve causar intranquilidade nem desassossego, 
como se o êxito profissional e financeiro fosse o único motivo que nos leva a 
trabalhar.   Os   cristãos   não   devem   medir   os   seus   trabalhos   unicamente   pelo 
dinheiro, como se fosse o que em última análise lhes importa. Enquanto não 
nos chegam essas oportunidades de subir na escala profissional, se fizemos 
jus  a  isso, devemos  santificar  precisamente  essas  tarefas  que  nos  ocupam, 
sem   uma   mentalidade   provisória   que   comprometeria   a   sua   eficácia 
santificadora.

E por fim, lembremo­nos de que São Paulo, no meio da preocupação por 
sustentar­se e não ser gravoso a ninguém, continuava a ser o Apóstolo das 
gentes, o eleito de Deus, e servia­se da sua profissão para aproximar os outros 
de   Cristo.   Assim   devemos   nós   fazer,   qualquer   que   seja   o   nosso   ofício   e   o 
nosso lugar na sociedade.

(1) João Paulo II, Enc. Laborem exercens, 14­IX­1981, I, 9; (2) ib.; (3) cfr. Gen 1, 28; (4) cfr. Gen 
3, 17; (5) Josemaría Escrivá, Carta, 14­II­1950; (6) São João Crisóstomo, Homilia sobre Priscila  
e Áquila; (7) 1 Tess 2, 9­13; Primeira leitura da Missa da quarta­feira da vigésima primeira 
semana do TC, ano I; (8) 1 Tess 2, 9; (9) 2 Tess 3, 7­8; (10) Didaquê ou Doutrina dos Doze  
Apóstolos; (11) Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, n. 14; (12) R. Gómez Pérez, La fe y los  
dias, pág. 20; (13) cfr. Jo 21, 3; (14) cfr. At 18, 1­3.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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