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3.

MECÂNICA DA FRATURA LINEAR ELÁSTICA (MFLE)

3.1 – TEORIA DE GRIFFITH

Em todo Capítulo 2, ainda nenhum conceito de Mecânica da Fratura foi introduzido. Portanto, ainda continua
válido o paradoxo de Inglis lançado no Capítulo 1, ou seja, nenhuma estrutura com defeitos, por menor que
sejam é capaz de resistir a mínimos esforços. A razão da inconsistência está no fato da Resistência dos
Materiais clássica não levar em consideração o tamanho da trinca, o que somente foi possível com a
introdução da teoria de Griffith.

Conforme Griffith, durante o incremento do comprimento de uma trinca, não pode haver mudança na energia
total do corpo, ou seja:

dE = dΠ + dS = 0 (3.1)

onde dE é a variação da energia total do corpo, dΠ é a variação da energia potencial e dS é a variação da


energia de superfície, que ocorre com a progapação da trinca. Considerando um corpo de espessura unitária,
pode-se dizer que:

dS = γ 2da (3.2)

onde da é o incremento no comprimento da trinca, (2da representa portanto o incremento em superfície) e γ é


a energia de superfície por unidade de área, que é uma propriedade do material. Logo, (3.1) pode ser reescrita
como:


− = 2γ (3.3)
da
ou

G = GC (3.4)

onde Gc=2γ e é denominada taxa de alívio crítica de energia e representa fisicamente a resistência à fratura do
material (será também aqui denominade de tenacidade). A equação acima representa a condição mínima
necessária para que ocorra um incremento do comprimento da trinca, ou a propagação. Na verdade a
propagação ocorrerá sempre que:

G ≥ GC (3.5)

Ou seja se há uma grande energia elástica armazenada na ponta da trinca, maior será o G, e maior será a
tendência à propagação. Observe que G depende de K, que depende das condições de contorno e do tamanho
da trinca a (ver item 2.6). Logo existirá, para um dado material (ou Gc) e determinadas condições de contorno,
um comprimento mínimo de trinca a, abaixo do qual não haverá a propagação. Para entender melhor esta
afirmação, seja uma situação similar a estudada no item 2.5, onde G é uma função (quadrática) do
comprimento da trinca (a) e da carga aplicada (P). Tal situação é indicada abaixo:
G, Gc
(energia/área)

G(a, P1) G(a, P2) G(a, P3)

Gc=2γ

a
a0 a1 a2 a3

Onde P1 > P2 > P3. Observe que para cada valor de carga, há um comprimento de trinca para o qual G>Gc, o
que indica propagação da trinca. Enquanto G<Gc não há propagação. Assim a teoria de Griffith permite
estabelecer comprimentos de trinca críticos, abaixo do qual não há propagação. Se o comprimento da trinca
for a0, para nenhuma das cargas acima haverá propagação. (Observe que existe o que se chama de
crescimento sub-crítico ou fadiga, no qual uma trinca pode propagar de forma lenta, mesmo estando o nível
de carga bem abaixo do valor crítico.)

3.1.1 – Avaliação da energia de superfície γ

O trabalho gasto para romper uma ligação atômica pode ser avaliado pela área da curva abaixo:

Tensão coesiva (σ)

σmáx.

Separação entre
b λ/2 átomos (x)
A curva acima fornece a relação tensão de coesão entre átomos e a separação entre os mesmos. b indica a
separação de equilíbrio entre os átomos (sem tensionamento). Para valores de x menores do que zero, tensões
repulsivas se formarão (atingem valores infinitos para x= - b) e para valores de x maiores do que zero, tensões
atrativas se formarão. Para que ocorra a ruptura, as tensões na ponta da trinca devem ultrapassar σmáx e os
átomos devem separa-se até que a tensão coesiva caia a zero. Portanto, a área sob a curva representa a energia
por unidade de superfície que deve ser introduzida no sistema para que se produza a ruptura. Usualmente a
curva acima pode ser aproximada por uma senóide, sendo λ/2 o meio comprimento de onda da rede. Neste
caso:

 2πx 
σ = σ máx sen  (3.6)
 λ 
Como, quando a fratura ocorre, todo o trabalho gasto na produção da fratura vai para a criação das duas novas
superfícies que caracterizam a trinca, temos que:

λ/2
2πx λ
2γ = ∫σ sen dx = σ máx (3.7)
0
máx
λ π

Uma estimativa do valor de σmáx pode ser feita sabendo que a declividade inicial é linear e relacionada ao
módulo de elasticidade longitudinal E:

dσ 2π  2πx  2π
= σ máx cos  = σ máx (3.8)
dx x =0 λ  λ  λ

dσ dε dσ dε
= = E (3.9)
dx x →0 dx dε x →0 dx x →0

onde ε é a deformação específica longitudinal sofrida pelos átomos e pode ser calculada como:

x
ε= (3.10)
b

dε 1
= (3.11)
dx x→0 b

Substituindo (3.11) em (3.9) e o resultado em (3.8) obtém-se:

E 2π
= σ máx (3.12)
b λ
assim,


σ máx = (3.13)
2πb
(Admite-se que b ≈ λ , logo σ máx ≈ E . Na verdade tal relação pode variar de E/10 até E/100 dependendo do
10
material). Comparando a equação (3.13) com (3.7), chega-se a relação abaixo:

 Eγ 
1/ 2

σ máx =  (3.14)
 b 

Tal relação permite a avaliação de γ .

3.1.2 – Propagação estável/instável e críticas à teoria de Griffith

A equação (3.5) fornece a condição para o início da propação, mas não permite saber se a propagação
continuará (uma propagação continuada denomina-se também de propagação instável). Isto ocorrerá desde
que a seguinte condição seja cumprida:

∂G ∂GC
≥ (3.15)
∂a ∂a
Ou seja, a propagação instável ocorrerá desde que a declividade da curva G x a for maior que a da curva Gc x
a. Observe no entanto que, para um material que obedece Griffith, ∂GC / ∂a é sempre igual a zero. Isto quer
dizer que, segundo Griffith, desde que o primeiro termo em (3.15) seja positivo, a propagação será sempre
instável. Ocorre porém que se verifica na prática a existência de propagação estável (trinca para de crescer),
mesmo que tal termo seja positivo,. Além disto, as conclusões de Griffith não tiveram imediata aplicação na
engenharia pois simplesmente forneciam tamanhos de trinca muito pequenos para os materiais usuais de
engenharia. (Apenas para o vidro, material originalmente testado por Griffith, os comprimentos críticos de
trinca eram válidos).

3.2 – CORREÇÕES DE IRWIN/OROWAN

Irwin e Orowan concluiram (de forma independente) que Gc era muito pequeno pois desconsiderava a
dissipação plástica e outros efeitos não lineares na ponta da trinca, assim, redefiniram Gc como:

Gc = 2γ + γ p (3.15)

onde γp é a dissipação plástica de energia. Tal dissipação pode ser avaliada conforme indicam as figuras
abaixo:

σmáx

σnom

ρ≈3b
Para um material totalmente frágil ou no qual a tensão de escoamento σesc é superior à σmáx (será aqui referido
como um material de “Griffith”), a tensão na ponta da trinca será dada pela equação (3.14). (Observe que - em
metais - isto só ocorrerá devido ao efeito de temperaturas muito baixas). Substituindo (3.14) em (1.1) é
possível estabelecer uma relação entre tensão na ponta da trinca e raio de curvatura da mesma (ρ) que vale
aproximadamente 3b (ou três espaçamentos atômicos). Se no entanto σesc < σmáx de certa forma a tensão na
ponta da trinca vai ser limitada pelo valor de σesc (ver capítulo 4, solução HRR para maiores detalhes).
Novamente devido a relação (1.1), isto levará a um aumento no raio de curvatura da ponta da trinca, conforme
mostra

σesc

σnom
ρ>>b

ρ≈rp

A zona em cinza na ponta da trinca é uma zona plastificada. A energia por unidade de volume pode ser
calculada como σesc εesc. A energia γp (energia por unidade de superfície), pode então ser calculada como:

γ p = σ escε esc ρ (3.16)

Tal energia será em geral muito maior que γ, o que corrige as discrepâncias encontradas nos cálculos de
Griffith. Observe no entanto, da equação (3.1) e (3.2), que Griffith assume uma linearidade da energia de
criação da trinca (dS) com o incremento da trinca (da). É possível ainda assumir esta linearidade, mesmo com
a correção plástica, desde que não haja uma significativa plasticação na ponta da trinca, ou desde que ρ <
30b. Neste caso Gc ainda será um valor constante ou independente de a.

Além da correção acima, Irwin na verdade foi o responsável por resgatar a teoria de Griffith e tentar aplicá-la
a casos reais de engenharia. Também foi o responsável pela idéia do fator de intensidade de tensões, que
devido as relações vistas no item 2.3, relaciona-se diretamente ao conceito de taxa de alívio de energia. A
idéia de fator de intensidade de tensões é de muito mais fácil entendimento, o que contribuiu para sua
aplicação e popularização na engenharia. Assim as equações (3.5) e (3.15), podem ser re-escritas como
(particularizadas para o modo I de propagação):

K I ≥ K IC ⇒ Condição de início de propagação (3.17)

∂K I ∂K IC
≥ ⇒ Condição para propagação instável (3.18)
∂a ∂∆a
Onde KIC é o valor crítico de KI, que relaciona-se a Gc, sendo portanto também uma propriedade do material.
Observe que para materiais que não são totalmente frágeis, ∂K IC / ∂∆a será maior que zero, ou seja há um
aumento da resistência à propagação (KIC) a medida de a trinca aumenta de tamanho (∆a). A partir desta
conclusão, o foco da Mecânica da Fratura passa a ser o estudo de fenômenos (não-lineares) que ocorrem na
ponta da trinca, mais do que o balanço energético propriamente dito. Além de Irwin, destaca-se os trabalhos
de McClintock, Barrenblat, Dugdale, Rice e Hutchinson, que serão estudados com mais detalhes no Capítulo
4. Sendo KIC uma função de (∆a) graficamente o processo de propagação de trincas pode ser representado
como:

KI, KIC

KI (a, P1)

KIC (curva R)

KIC (material de Griffith)

a0 a1 a

A curva de variação de KIC com ∆a é normalmente denominada curva R. Para KI definido conforme a curva
acima, a propagação tem início em a0. Como o material ganha resistência, a propagação para. A propagação
só volta a ocorrer – e de forma instável - para valores de tamanho de trinca maiores ou iguais a a1.

3.3 – PLASTIFICAÇÃO NA PONTA DA TRINCA E DETERMINAÇÃO DO KIC

Assumindo que há plastificação apenas na ponta da trinca, pode-se ter uma idéia de como é esta zona plástica,
apartir do campo elástico (eqs. 2.20 e 2.21). Aplicando von Mises, sabe-se que:

[ ]
1/ 2
1
σ esc =  (σ 1 − σ 2 )2 + (σ 1 − σ 3 )2 + (σ 2 − σ 3 )2  (3.19)
2 
Assumindo EPD/EPT,

2
σ 1  σ RR + σ θθ  σ RR − σ θθ  
2

= ±    + σ 2
Rθ 
σ 2 
(3.20)
2  2  

e
 0 ⇒ EPT
σ3 = 
ν (σ 1 + σ 2 ) ⇒ EPD
(3.21)

Resulta,

σ1  KI  θ θ
 = 1/ 2 
1 ± sen  cos (3.22)
σ 2  (2πr )  2 2

 0 ⇒ EPT
σ 3 =  2νK I ⇒ EPD (3.23)

 (2πr )
1/ 2

Substituindo (3.22) e (3.23) em (3.19), pode-se calcular o raio de plastificação como uma função do ângulo θ:

 2 
(1 − 2ν ) (1 + cos θ ) + 2 sen θ 
KI 3
rp ( θ ) =
2
⇒ EPD (3.24)
4πσ 2
esc

KI  3 2 
rp ( θ ) = 1 + cos θ + 2 sen θ  ⇒ EPT (3.25)
4πσ 2
esc

Para fins práticos, será assumido que o valor representativo de rp é aquele que ocorre a um ângulo θ=0. Logo,

KI
rp′ =
2πσ esc
2

na realidade o raio de plastificação real é maior do que este devido a uma redistribuição de tensões que ocorre
na ponta da trinca e que pode ser aproximada assumindo um material elasto-plástico perfeito, conforme figura
abaixo:

KI
σ θθ =
(2πr )1 / 2

σ esc

rp′ rp

Assim
rp′

∫ σ θθ dr = σ
o
r
esc p

resultando

KI
rp = 2r p′ = (3.26)
πσ esc
2

O gráfico correspondente as equações 3.24 e 3.25 são indicados na figura abaixo:

Numa chapa grossa, onde a trinca atravessa toda a espessura da chapa, nas bordas da chapa, tem-se EPT (σ3 é
a tensão normal à chapa e é nula na superfície). A medida que se avança em direção ao interior da chapa,
passa a predominar EPD, uma vez que agora é a deformação na direção da espessura que é nula. Tal situação
é indicada na figura abaixo:
Embora não seja objetivo deste capítulo estudar o que acontece dentro da zona plástica, pode-se fazer algumas
considerações simples a respeito da ruptura no interior desta zona, desde que se assuma a validade da teoria
de Tresca. Tal teoria assume que a plastificação ocorre nos planos de máxima tensão de cisalhamento. Tais
planos ocorrem a 45o do plano de máxima e mínima tensão normal (tenão principal). O resultado é indicado
na figura abaixo (a) EPT, (b) EPD:
Abaixo, é indicado as tensões principais (conforme eqs. 3.22 e 3.23 para θ=0) para ambos os casos e os
correspondentes planos de corte máximo:
σ = K I / 2πr
σ = K I / 2πr

σ = 2ν K I / 2πr σ = K I / 2πr
σ=0 σ = K I / 2πr

Para chapas muito finas, onde o raio de plastificação rp é igual ou maior que a espessura da chapa, pode-se
assumir que rp≈ t onde t é a espessura da chapa. Estes casos são considerados EPT puros. Lembrando da
equação 3.16, temos que:

Gc = σ esc ε esc ρ ≈ σ esc ε esc t (3.27)

Observa-se nestes casos então que a tenacidade é função linear da espessura e não pode ser considerada uma
propriedade do material. Isto explica porque é tão fácil o rompimento de determinadas chapas muito finas,
que pode ocorrer mesmo a níveis inferiores à σesc. Um gráfico de Gc em função da espessura é mostrado
abaixo:

Gc

GC(45)

GIC

ruptura 45o ruptura 45o mais ruptura plana ruptura plana t


2xc

para uma espessura aproximada igual a 2xc,(onde xc pode ser considerado aproximadamente igual a rp) passa-
se a ter total bloqueio das deformações no interior da chapa, conforme gráfico abaixo:
ν(σxx+σyy)

xc t

Para valores intermediários de espessura, (t/2>xc)o estado de tensões é uma mistura EPT/EPD. A ruptura
deixa de ocorrer (macroscopicamente) a 45o e passa a ter uma aparência plana no centro. A medida que a
espessura aumenta, esta zona plana vai aumentando. A tenacidade diminue com o aumento da espessura pela
diminuição da zona plástica. Por esta razão a zona interna rompe primeiro, facilitando as condições para uma
ruptura em EPT nas faces externas (é como se houvesse duas camadas finas de material nas laterais). O
aspecto da ruptura é indicado na figura abaixo:

Para valores de t ≥ rp 25, assume-se EPD puro. Importante aqui é que a tenacidade deixa de ser uma
característica da geometria e passa a ser unicamente uma propriedade do material. Tal propriedade é
denominada GIC ou KIC e é o valor empregado em projetos (é uma estimativa conservativa da tenacidade,
exceto para espessuras muito finas).

Observe que não se sabe apriori qual a espessura pois o verdadeiro raio de plastificação depende do valor de
KIC, ou seja, da equação (3.26), tem-se:

K IC
rp = (3.28)
πσ esc
2

Materiais mais tenazes necessitam corpos de prova maires, para que se garanta a condição de EPD, porém isto
só vai se saber após a elaboração do ensaio. (A região de fratura deve estar suficientemente plana, indicando a
condição predominante EPD). Abaixo indicam-se alguns ensaios mais comuns:

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