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TEMPO COMUM. VIGÉSIMA SEGUNDA SEMANA.

TERÇA-FEIRA

86. ENSINAVA COM AUTORIDADE


– Jesus ensina a sua doutrina com poder e força divinos.

– Ao lermos o Evangelho, é Jesus quem nos fala, ensina e consola.

– Como encontrá-lo na leitura do Evangelho.

I.  OS EVANGELISTAS  aludem muitas vezes à surpresa que a doutrina de 
Jesus e os seus prodígios1  causavam nas pessoas e nos próprios discípulos, 
os quais sentiam até certo receio de interrogá­lo...2  Era um temor reverencial 
suscitado pela majestade de Cristo, bem patente nas suas palavras e obras, e 
que   se   apoderava   das   multidões   e   as   cativava.   São   Lucas   relata­nos   no 
Evangelho   da   Missa3  que,   depois   de   Jesus   ter   curado   um   endemoninhado, 
todos ficaram atemorizados e diziam uns aos outros: Que palavra é esta, que  
manda com autoridade  e poder  aos espíritos imundos e  eles saem?  E São 
Marcos   diz   em   outra   ocasião   que   as   pessoas   estavam   admiradas   da   sua 
doutrina,  pois ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas4. 
Através   da   Humanidade   de   Cristo,   quem   falava   era   a   Segunda   Pessoa   da 
Trindade, e as multidões, conscientes do seu extraordinário poder, tentavam 
identificá­lo recorrendo aos nomes e às hierarquias mais altas que conheciam. 
Será   João   Batista,   Elias,   Jeremias   ou   algum   dos   Profetas?5  Ficaram   muito 
aquém.

O povo que escutava Jesus percebeu com clareza a diferença radical que 
havia entre o modo de ensinar dos escribas e fariseus e a segurança e força 
com que Jesus declarava a sua doutrina. Jesus não expõe uma mera opinião 
nem dá mostras da menor insegurança ou dúvida6. Não fala em nome de Deus, 
como o faziam os Profetas; não é mais um Profeta. Fala em nome próprio: Eu  
vos digo... Ensina os mistérios de Deus e como devem ser as relações entre os 
homens,   e   confirma   os   seus   ensinamentos   com   milagres;   explica   a   sua 
doutrina  com simplicidade  e  com  poder porque  fala daquilo que viu7, e não 
necessita   de   longos   raciocínios.   “Não   prova   nada,   não   se   justifica,   não 
argumenta.   Ensina.   Impõe­se,   porque   a   sabedoria   que   d’Ele   emana   é 
irresistível. Quando se consegue apreciar essa sabedoria, quando se possui o 
coração   suficientemente   puro   para   avaliá­la,   sabe­se   que   não   pode   existir 
outra. Não se sente a necessidade de comparar, de estudar. Vê­se.

“Vê­se que Ele é o absoluto; vê­se que diante d’Ele tudo é pó; vê­se que Ele 
é   a   Vida.   Assim   como   as   estrelas   se   apagam   quando   surge   o   sol,   assim 
acontece   com   todas   as   sabedorias   e   todas   as   escolas.   Senhor,   a   quem 
iríamos? Tu tens palavras de vida eterna”8.

Jesus continua a falar a cada um de nós, pessoalmente, na intimidade da 
oração, e de uma maneira palpável quando lemos o Evangelho... Temos que 
aprender a fazê­lo projectando os seus ensinamentos e apelos sobre o pano de 
fundo do nosso viver quotidiano.

“Quando abrires o Santo Evangelho, pensa que não só deves saber, mas 
viver o que ali se narra: obras e ditos de Cristo. Tudo, cada ponto que se relata, 
foi   registado,   detalhe   por   detalhe,   para   que   o   encares   nas   circunstâncias 
concretas da tua existência.

“– O Senhor chamou­nos, a nós católicos, para que o seguíssemos de perto; 
e,   nesse   Texto   Santo,   encontras   a   Vida   de   Jesus;   mas,   além   disso,   deves 
encontrar a tua própria vida.

“[...] pega no Evangelho diariamente, e lê­o e vive­o como norma concreta. – 
Assim procederam os santos”9.

II. A DOUTRINA DE JESUS tinha tal força e autoridade que alguns dos que 
o   ouviam   exclamavam   que   nunca   em   Israel   se   tinha   escutado   nada   de 
parecido10. Os escribas também ensinavam ao povo o que estava escrito em 
Moisés e nos Profetas, comenta São Beda; mas Jesus pregava ao povo como 
Deus e Senhor do próprio Moisés11.

As suas palavras estavam cheias de vida, penetravam até o fundo da alma. 
Quando João Batista o apontou a dois dos seus discípulos como o Cordeiro de 
Deus, estes seguiram­no e permaneceram com Ele naquele dia12. São João, o 
Evangelista que nos transmitiu os grandes diálogos de Jesus, neste momento 
do seu relato simplesmente cala­se. Limita­se a dizer que o encontraram  por  
volta   da   hora   décima,   cerca   das   quatro   da   tarde;   quando   escreveu   o   seu 
Evangelho,   já   velho,   quis   unicamente   deixar   assinalado   para   sempre   o 
momento preciso e inesquecível do seu primeiro encontro com o Mestre. O que 
o Senhor lhes teria dito? Só sabemos do resultado pelas palavras de André, o 
outro discípulo que seguiu Jesus:  Encontramos o Messias!13, diz ele ao seu 
irmão Simão. Naquela  tarde,  Deus penetrou  no  íntimo  do  coração  daqueles 
homens. O mesmo aconteceu aos que tinham sido enviados para prendê­lo e 
voltaram   sem   Ele14.  Por   que   não   o   trouxestes   preso?,   increparam­nos   os 
fariseus. E eles responderam rotundamente: Nunca homem algum falou como  
este homem.
As palavras de Jesus encerram uma sabedoria infinita, que é entendida pelo 
filósofo   e   por   aquele   que   não   tem   letras,   por   jovens,   crianças,   homens   e 
mulheres..., por todos. Fala das coisas mais sublimes com as palavras mais 
simples; a sua doutrina – profunda como jamais haverá outra – está ao alcance 
de   todos.   Na   sua   pregação,   recorre   com   frequência   a   figuras   e   imagens 
conhecidas   dos   ouvintes,   que   dão   à   sua   pregação   uma   atracção   e   beleza 
incomparáveis. Os pormenores mais corriqueiros servem­lhe para expressar os 
traços   mais   excelsos   de   uma   doutrina   nova   e   profundamente   misteriosa   e 
inabarcável.

Toda  a  vida  do  Senhor  foi  um  ensinamento  contínuo: “O  seu  silêncio,  os 
seus milagres, os seus gestos, a sua oração, o seu amor pelo ser humano, a 
sua predilecção pelos pequenos e pelos pobres, a aceitação do sacrifício total 
na Cruz pela salvação do mundo, a sua Ressurreição, são a actuação da sua 
palavra e o cumprimento da Revelação. Estas considerações [...] reafirmam em 
nós o fervor de que rodeamos Cristo que revela Deus aos homens e o homem 
a si mesmo: Ele é o Mestre que salva, santifica e guia, que está vivo, que fala, 
que   exige,   que   comove,   que   corrige,   julga,   perdoa   e   caminha   diariamente 
connosco na História; o Mestre que vem e que virá na glória”15.

No Santo Evangelho, encontramos diariamente o próprio Cristo que nos fala, 
ensina e consola. Quando o lemos – uns poucos minutos em sequência cada 
dia –, aprendemos a conhecê­lo cada vez melhor, a imitar a sua vida, a amá­lo. 
O   Espírito   Santo   –   autor   principal   da   Escritura   Santa   –   ajudar­nos­á,   se 
recorrermos   a   Ele   pedindo   ajuda,  a   ser   um   personagem   mais   na   cena  que 
lemos, a tirar dela um ensinamento, talvez pequeno, mas concreto, para esse 
dia.

III. “A TUA ORAÇÃO – ensina Santo Agostinho – é como uma conversa com 
Deus. Quando lês, Deus fala­te; quando oras, és tu que lhe falas”16. O Senhor 
fala­nos   de   muitas   maneiras   quando   lemos   o   Santo   Evangelho:   dá­nos 
exemplo   com   a   sua   vida,   para   que   o   imitemos   na   nossa;   ensina­nos   como 
devemos comportar­nos com os nossos irmãos; recorda­nos que somos filhos 
de Deus e que nada nos deve tirar a paz. Bate­nos à porta do coração para 
que   saibamos   perdoar   essa   pequena   injúria   que   recebemos;   pede­nos   que 
sejamos   misericordiosos   com   os   defeitos   alheios,   pois   Ele   o   foi   em   grau 
supremo; incita­nos a santificar o trabalho, realizando­o com perfeição humana, 
pois foi a sua única ocupação durante tantos anos da sua vida em Nazaré...
Todos   os   dias   podemos   tirar   da   leitura   do   Evangelho   um   propósito,   um 
ensinamento, um pensamento que depois nos venha à cabeça ao longo das 
horas de trabalho e de descanso. Esta a razão pela qual, sendo possível, é 
preferível reservar para esses breves minutos de leitura as primeiras horas do 
dia: assim poderemos “encontrar na Vida de Jesus a nossa própria vida”. Há 
até quem o leia de pé, recordando o velho costume dos primeiros cristãos, que 
aliás se mantém quando ouvimos o Evangelho na Missa.

Fará muito bem à nossa alma procurar que a leitura do Evangelho nos dê 
frequentemente tema para a oração: umas vezes, porque nos introduziremos 
na cena como se tivéssemos visto o grupo reunido em torno de Jesus e nos 
aproximássemos cheios de interesse, ou como se nos detivéssemos junto à 
porta onde Jesus ensinava, ou nas margens do lago... Talvez só nos tenha 
chegado aos ouvidos uma parte  da  parábola  ou  umas  frases isoladas, mas 
foram   suficientes   para   que   algo   de   muito   profundo   começasse   a   mudar   na 
nossa alma.

Em   outras   ocasiões,   atrever­nos­emos   a   dizer   ao   Senhor   alguma   coisa: 


talvez o que aqueles personagens lhe diziam ou gritavam, porque era grande a 
necessidade por que passavam: Domine, ut videam!17, que eu veja, Senhor; dá 
luz   à   minha   alma,   acende­me;  Ó   Deus,   tem   piedade   de   mim,   que   sou   um  
pecador18, suplicaremos, servindo­nos das palavras do publicano que não se 
sentia   digno   de   estar   na   presença   do   seu   Deus;  Domine,   tu   omnia   nosti... 
Senhor,  Tu sabes tudo, Tu sabes que eu te amo19..., e as palavras de Pedro 
ganharão  no  nosso  coração  um  tom  pessoal,  e  manifestaremos  a  Jesus  os 
sentimentos   e   desejos   de   amor   e   de   purificação   que   dominam   o   nosso 
coração...

Muitas vezes, enfim, contemplaremos a Santíssima Humanidade do Senhor, 
e   vê­lo  perfeito   Homem  há­de   animar­nos   a   amá­lo   mais,   a   ter   desejos   de 
ser­lhe mais fiéis. Vê­lo­emos trabalhar em Nazaré, ajudando José, cuidando 
mais   tarde  da   sua   Mãe...,   ou   cansado   porque   pregou   durante   muitas   horas 
nesse dia ou porque a caminhada foi muito longa...

Todos os dias, enquanto lemos o Evangelho, Jesus passa ao nosso lado. 
Não deixemos de vê­lo e ouvi­lo, como aqueles discípulos que se encontraram 
com   Ele   no  caminho  de   Emaús.  “«Fica   connosco,   porque   escureceu...»   Foi 
eficaz a oração de Cléofas e do seu companheiro.
“– Que pena se tu e eu não soubéssemos «deter» Jesus que passa! Que 
dor, se não lhe pedimos que fique!”20

(1) cfr. Mc 9, 6; 6, 51; etc.; (2) cfr. Mc 9, 32; (3) Lc 4, 31­37; (4) Mc 1, 22; (5) cfr. Mt 16, 14; (6) 
cfr. Sagrada Bíblia, Santos Evangelhos, EUNSA, Pamplona, 1983, nota a Mt 7, 28­29; (7) cfr. Jo 
3, 11; (8) J. Leclercq, Trinta meditações sobre a vida cristã, págs. 53­54; (9) Josemaría Escrivá, 
Forja, n. 754; (10) cfr. Lc 19, 48; Jo 7, 46; (11) São Beda, Comentário ao Evangelho de São  
Marcos, 1, 21; (12) cfr. Jo 1, 35 e segs.; (13) Jo 1, 41; (14) Jo 7, 46 e segs.; (15) João Paulo II, 
Exort. Apost. Catechesi tradendae, 16­X­1979, 9; (16) Santo Agostinho, Comentário sobre os  
Salmos, 85, 7; (17) Mt 10, 51; (18) Lc 18, 13; (19) Jo 21, 17; (20) Josemaría Escrivá, Sulco, n. 
671.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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