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DOMINGO
Cada cidade é nova cidade assim que nela
caminhamos, assim que por ela vamos com os
nossos pés escreventes. Esta rua: melhor chamá-la
rua Walter Benjamin. Esta praça: melhor chamá-l a
praça José Cardoso Pires. Esta avenida: melhor
chamá-la avenida Wander Piroli.
Auto-Retrato Sem Molduras:
Pessoas de Romance é a
expressão que aplico a meus
interlocutores em sombras,
figuras de boa conversa e
amável convivência,
escreventes quando querem
e quando necessitam, pois a
escrita, para eles, é da ordem
das necessidades
imperativas e degustativas.
Ei-los: Lucas Baldus, João
Serenus, Rubem Focs, Cida
La Lampe, Vicente Gunz,
Vicente Almas, Vicente
Pass, Lírio da Luz, Severus
Cândido ou a Mulher da
Aura Azul.
um escritor pode ter pólvora nas mãos
do mesmo modo que um bandido Publico livros desde 1979,
um-ninguém bandido mas o primeiro texto
umqualquer vandido (um) sem-ninguém assinado, inaugural, no
então Suplemento Literário
[bandido]
do Minas Gerais, foi no já
sexta-feira ou sábado nesta cidade (um escritor) distante ano de 1975. Ganhei
que rua que ruar ruínas [um bandido-escritor] vai dois prêmios nacionais de
pela rua [tal qual um reles bandido] literatura, o que, no Brasil,
a prima-matéria de um livro-opúsculo, um jeito não quer dizer
de subir-subir, esse caminho [subir] absolutamente nada. Em
2008, publiquei o romance
mais do que subir [a faca, o pulso, o corte, o sangue] O hipnotizador, pela editora
a vaidade não tem nome só tem fome Campo das Letras, de
[um escritor] tal qual um bandido pode ter a pólvora Portugal, mesma Casa por
no polegar [matar] um escritor não é inocente onde lancei, em 2003,
[prima-dona] ele não é [dói dizer-ou não dói] saber Pequeno tratado sobre as
ilusões, de contos, premiado
que um escritor pode ser símile [semelhante]
no concurso Minas de
ave [agourento pássaro] noite-qualquer na esquina Cultura (Guimarães Rosa),
[um passante] um homem-uma-mulher de 1998. Entre fevereiro e
uma criança [eis que o bandido] mora dentro abril de 2008, escrevi o
do escritor também o punho-teso [vai disparar] perfil biográfico do poeta e
ensaísta Fritz Teixeira de
o escritor dispara [todos os dias] um escritor
Salles, publicado em abril de
pode ter em mãos o tiro-prumo-agulha [este calibre] 2009 pela Editora Conceito,
tal qual um bandido [morrer por nada] publicar de Belo Horizonte.
(por nada) só o gozo do público [nada mais]
sobra [nada mais] resta [só o livro] só o tiro Sempre ganhei a vida com o
do bandido que escrevo. Sou jornalista
profissional, fui editor, fui
Postado por © Paulinho Assunção. All rights reserved. às 16:58 0 repórter de agência de
notícias, fui assessor de
comentários
imprensa. Hoje, em baião de
dois com a minha lavoura
literária, reviso, copidesco,
S E G U N D A- F E I R A
faço lanternagens em textos
alheios avariados. Sou
GANHEI UM PRÊMIO, COMPREI UM FUSCA casado, pai de quatro filhos.
Aprecio a cozinha. Lá
invento até o que já foi
inventado. E todos os dias,
logo que amanhece, faço
exalar pela casa o café que
eu mesmo preparo em
oferenda para as minhas
crianças."
1. foi assim: ganhei um prêmio nacional de poesia e
Outras Aventuras do Autor:
comprei um fusca.
Kafka em Belo Horizonte
2. ou melhor: ganhei em 1983 um prêmio nacional de SOU KAFKA DE
ONTEM E DE
poesia e comprei um fusca.
HOJE
5. ou melhor: com o prêmio nacional de literatura
cidade de belo horizonte, comprei um fusca bege. NO TWITTER:
7. ou melhor: o fusca era bege, movido a álcool, com
dois carburadores e muito rodado de mão em mão
até o ano de 1983 quando pus as minhas patas sobre
ele.
11. isto é: foi assim.
Postado por © Paulinho Assunção. All rights reserved. às 16:05 0
comentários
Q U A R T A- F E I R A
S E G U N D A- F E I R A
1. Hilda Hilst chegou pelas mãos de um carteiro
trêmulo. Eram tremores por isto ou aquilo. Ele tocou a
campainha, fez vênias e sorrisos, abriu mais sorrisos
antes de entregar a encomenda. Dava ares de nunca
ter lido um livro. Assim mesmo, solene, ele tirou Hilda
Hilst de dentro da bolsa, sorriu mais vezes, mais
vezes ele fez vênias, e seguiu o seu caminho. Ia muito
anjo de si, muito em paz com o seu coração de
tormentas.
2. Rimbaud veio desencapado pelas mãos de um
hippie velho e foi deixado sobre o tampo de uma
mesa. Era um bar de fim de rua, era um bar de fim de
mundo. Ali Rimbaud dormiu sob respingos de cerveja
e respingos de molho de carne. Sobreviveu, porém, à
noitada. No dia seguinte, alguém o pegou. Se foi lido,
não se sabe, mas de mão em mão ele zanzou pela
cidade. E jamais foi embora.
3. Drummond chegou de ônibus. A mala que o trouxe
era uma mala procedente de São Paulo. O casal vinha
com desilusões e bolsos vazios. Trazia ainda três
crianças muito magras. E Drummond, dentro de uma
antologia, foi descansar sobre um caixote em um
barraco emprestado. Ali passou semanas, talvez
alguns meses. Foi afinal reencontrado. E estava
perfeitamente legível, apesar do pó e do cocô de
passarinho.
Q U I N T A- F E I R A
O INTELECTUAL-COM-ENFADO
Tenho dúvidas se conseguiremos enrolar em dois
carretéis o fio da fala do Intelectual-Com-Enfado. A
fala dele tem tremores. E tem invisibilidades não
captáveis. Lucas Baldus usa um carretel de soltar
pipa; Rubem Focs usa uma carretilha de pescaria.
Estamos no lado do dia onde as coisas são foscas.
O bar não tem nome. Há quatro ou cinco viventes
em mesas esparsas, com seus cálices, suas
garrafas, seus pensamentos debulhantes. Sim, há
pensamentos que são debulháveis, assim como
quem debulha o milho de uma espiga. E o
Intelectual-Com-Enfado pede a nossa atenção com
Intelectual-Com-Enfado pede a nossa atenção com
a autoridade dos bichos entocados. Usa chapéu de
palhinha. Usa um paletó cinza de riscas sinuosas.
Tem os sapatos lustrados. Sem gravata. Mas
observamos que ele pinta as unhas de um
incolorido não fotografável. E ele fala. Não olha em
nossos olhos. A fala, com tremores, tem buracos e
abismos entre as palavras. Há pouco ele disse um
axioma sobre os nós, os nós cegos. Depois veio
com as premissas de um objeto redondo, oblongo,
o qual ele não nomeia com nome decifrável. Os
nossos carretéis já vão pela metade. Há muito
trololó ainda. O dia é longo. Nós somos mínimos
diante do Intelectual-Com-Enfado. De quando em
quando, Baldus olha para os próprios sapatos,
desbotados e gastos ali por onde as pedras são
chutáveis. Rubem Focs enrola a carretilha com a
fala do Intelectual-Com-Enfado e não percebe
sinais de peixe. A vida é assim: pétrea, gorgulhante,
imersa. O Intelectual-Com-Enfado tinge o dia de
melancolia.
T E R Ç A- F E I R A
Nemésio Aldón, em seu Sete lições para
desescrever um livro (Editora Pena de Pavão, 222
páginas, São Paulo, 1998), planejou este livro
quando ainda jornalista literário de alguns dos mais
importantes cadernos brasileiros do ramo, período
em que assinava os seus rodapés sob o
em que assinava os seus rodapés sob o
pseudônimo de Lev Artov. Segundo ele nos conta
na introdução, eram anotações minúsculas, em
cantinhos de papéis rotos, sem pretensão de que
aquilo, algum dia, pudesse compor um tratado de
desestímulo à carreira literária. Pelos meados dos
anos 90, depois de um acidente sofrido em uma
pescaria no Mato Grosso do Sul (tudo indica que
uma parte de seu calcanhar direito tenha sido
devorado pelos dentes de um cardume de
piranhas), Nemésio usou a folga para escrever. E
escreveu. E a sua catilinária, ácida, áspera, feroz,
publicada por uma casa editorial paulista sem
qualquer expressão, nos deixa perplexos da
primeira à última linha. Ora são aforismos, ora são
axiomas que, à maneira de Pascal, mas em tom
baudelaireano, ele nos põe diante dos olhos com
doses bem equilibradas de pessimismo erudito e
ironia avassaladora. À página 55, por exemplo, ele
diz: "Desescrever um livro é a mais sublime de
todas as artes. Poucos conseguem atravessar esse
rio em cujas margens cantam as desafinadas
sereias do sucesso. Desescrever um livro é tarefa
para gigantes. Marcel Proust não conseguiria ir
adiante nessa jornada, pois, fraco como era, só
podia escrever". Mais adiante, na página 145, no
capítulo "Receita para o Fracasso", e como se
usasse uma foice ao contrário de uma caneta,
Nemésio atira o fatal petardo: "A humanidade seria
outra se os escritores decidissem desescrever os
seus livros."
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