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Universidade do Porto – Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

1. Défices cognitivos e as principais funções cognitivas

A capacidade cognitiva é uma confluência de memória, linguagem, praxis, abstracção, e


funcionamento executivo, e contém múltiplos determinantes, incluindo a constituição genética, estado
nutricional, estado da saúde, educação formal, e os processos desenvolvimentais relacionados com a idade
(Lyketsos, Chen, & Anthony, 1999). As principais funções cognitivas envolvem atenção e orientação,
aprendizagem e memória, linguagem, entre outras (Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2002).
A vida adulta é a etapa mais longa de toda a vida psicológica. Estando situada entre os 20 e os 22
anos e os 65 a 70 anos, é uma época rica em mudanças cognitivas (Lourenço, 2005). O desempenho
cognitivo alcança, de uma forma geral, o seu pico nos inícios da idade adulta (Zec, 1995). Nas pessoas de
meia-idade é frequente observarem-se dificuldades de memória e nos adultos mais velhos é frequente
observar-se uma certa dificuldade em memorizar e adquirir novos conhecimentos (Parente & Wagner,
2006). Segundo Schaie (1996), os resultados para as capacidades numéricas aumentam até aos 39 e 46
anos. À excepção da fluência verbal, que acusa uma queda significativa a partir dos 53 anos, as outras
aptidões não decrescem antes dos 60 anos, enquanto aos 67 anos todas as aptidões declinam.
Os autores de orientação psicométrica, apesar de aceitarem que a inteligência fluida, ou a
capacidade de raciocínio abstracto, declina potencialmente a partir dos 20 anos, também apoiam a hipótese
de que durante a vida há um ganho em inteligência cristalizada, uma inteligência mais relacionada com a
aquisição de conhecimentos específicos e com a resolução de problemas da vida do dia-a-dia (Sternberg,
Wagner, Williams, & Horvath, 1995). É reconhecido que existem mudanças em todas as capacidades
cognitivas, embora os resultados dos testes de vocabulário e de informação possam permanecer estáveis
ou até melhorar ao longo da maior parte da vida, declinando muito mais tarde na velhice. Pode ser
concluído que, conforme as pessoas envelhecem uma miríade de mudanças ocorre, tanto a nível biológico,
como físico, mudanças que podem ser positivas ou negativas.
É premente referir de uma forma resumida algumas dessas funções cognitivas e a sua relação com o
declínio cognitivo. Comecemos pela atenção. A atenção é um processo cognitivo básico, mas que está
envolvido nos outros domínios cognitivos, menos nas actividades que de alguma forma estão mecanizadas
(Glisky, 2007). Um declínio na atenção tem efeitos no dia-a-dia de um indivíduo. Craik e Jennings (1992)
sugeriram as seguintes divisões da atenção: atenção selectiva, atenção dividida, atenção sustentada.
Existe um declínio no processo atencional com a idade, pois os idosos têm défices significativos em tarefas
atencionais que requerem a divisão da atenção em múltiplas tarefas. No entanto, demonstram uma
preservação relativa do desempenho em tarefas que requerem selecção de estímulos relevantes, e, apesar
de serem mais lentos que os jovens adultos, são também capazes de manter a concentração durante
longos períodos de tempo (Glisky, 2007).

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Quanto à orientação, esta é a consciência do próprio sujeito em relação ao mundo circundante,


requerendo integração consistente e válida da atenção (Lezak, 1995). Segundo Lezak (1995), problemas na
atenção ou retenção podem resultar num défice global da orientação. Além disso, problemas a nível da
orientação são uma forte sugestão de disfunção cerebral.
O envelhecimento afecta principalmente a memória episódica, nomeadamente a memória para
eventos específicos ou experiências que ocorreram no passado (Glisky, 2007). Enquanto as investigações
parecem sugerir que o declínio da memória a longo prazo não é um fenómeno característico do
envelhecimento, existem indicadores de haver declínio na memória a curto-prazo, apresentando um défice
maior com a idade, situando-se a principal diferença ao nível do tempo que é necessário para evocar a
informação memorizada (Fonseca, 2006). Os problemas na memória episódica experienciados pelos idosos
podem dever-se a uma codificação, armazenamento ou processo de recuperação deficiente (Glisky, 2007).
Num estudo sobre a actividade cognitiva de adultos de meia-idade, Miller e Lachman (2000) observaram
que os adultos de meia-idade, apesar de demonstrarem um ligeiro declínio no processamento de
informação, tiveram resultados que não demonstram declínio na memória a curto-prazo relativamente aos
jovens adultos.
No que diz respeito à memória semântica, esta refere-se ao armazenamento do conhecimento geral
sobre o mundo, incluindo informação factual, de cada pessoa (Glisky, 2007). Normalmente os adultos mais
velhos não têm défices significativos na memória semântica. De facto, o conhecimento sobre o ambiente
circundante excede frequentemente o dos jovens adultos. Isto sugere que, apesar do acesso à informação
ser mais lento, a organização do sistema de conhecimento parece inalterável com a idade (Glisky, 2007).
Dificuldades na memória a curto-prazo e na concentração podem influenciar o desempenho dos
sujeitos em tarefas aritméticas. Problemas nestas competências podem mesmo evitar que pacientes
dotados matematicamente tenham um bom desempenho num teste oralmente administrado (Lezak, 1995).
Os sujeitos normalmente têm um bom desempenho nas questões que envolvem uma operação, poucos
elementos e relações simples e familiares entre números. A discalculia ocorre em estágios precoces da
doença de Alzheimer e progredindo com as fases da doença (Martin et al., 2003). Começa de uma maneira
hierárquica, isto é, começa nas capacidades aritméticas mais complexas e, posteriormente, estende-se às
operações mais básicas. O desempenho na aritmética pode sofrer com as atitudes e experiências negativas
nos primeiros anos de escola de uma pessoa (Lezak, 1995). McFie (1975) notou que sujeitos com algum
tipo de dificuldade com a compreensão verbal podem confundir-se com as palavras do problema e falhar
por esta razão recomendando que a questão seja repetida.
A memória operatória é um constructo cognitivo multidimensional que é, possivelmente, uma fonte
fundamental de défices relacionados com a idade numa variedade de tarefas cognitivas, incluindo a
memória a longo-prazo, linguagem, resolução de problemas, e tomada de decisão (Glisky, 2007). Repetir
dígitos em ordem inversa requer uma reorganização ou manipulação da informação conservada na

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memória operatória, capacidade que demonstra défices com a idade (Glisky, 2007). Para Bender (1979) a
capacidade de evocar inversamente os dígitos, ou soletrar uma palavra ou recitar uma sequência de letras
inversamente é, provavelmente, característica de uma função cognitiva normal.
No que se refere à linguagem, centrar-nos-emos na fluência verbal. Os testes que dizem respeito à
fluência verbal semântica medem o número de elementos de uma mesma categoria que um sujeito pode
evocar num tempo determinado. Por exemplo, existe uma tarefa que diz respeito à nomeação de animais
em apenas um minuto. Uma pessoa normal pode produzir cerca de 12 palavras começando com uma letra
específica, e cerca de 16 palavras correspondendo a uma categoria semântica, dentro de um minuto
(Spreen & Strauss, 1998). Apesar de não haver provas consistentes de que existam diferenças de idades
nestas provas, é frequente os sujeitos mais jovens terem melhores desempenhos (Bryan, Luszcz, &
Crawford, 1997), além de que há evidências de ser uma prova influenciada por variáveis socioeducativas
(Sáez-Zea, Carnero-Pardo, & Gurpegui, 2008).
Muitas destas funções cognitivas são alvo de avaliação, principalmente, em sujeitos idosos, pois pela
sua idade são um grupo de risco para o desenvolvimento de demências. A demência é uma síndrome
clínica caracterizada pela deterioração progressiva de diversas funções cognitivas, incluindo a memória, a
capacidade de raciocínio e julgamento, na ausência de delírio ou obnubilação de consciência e persistente
por um período não inferior a seis meses de gravidade suficiente para interferir com o funcionamento diário
(American Psychiatric Association [APA], 2002). A demência de Alzheimer é o exemplo mais conhecido,
sendo a principal forma de demência, representando 60 a 70% dos casos de demência (Nunes, 2005). Em
Portugal, calcula-se que o número de casos de demência seja de cerca de 92,470 e cerca de 48,706
pessoas têm a demência de Alzheimer (Garcia et al., 1994).
Existem indivíduos com quadros demenciais bem definidos, contudo foi observado um grupo de
indivíduos com as actividades do dia-a-dia intactas, assim como a sua cognição global, mas com
compromisso objectivo e subjectivo da memória. No seguimento desta identificação, Petersen e
colaboradores (1999) classificaram as dificuldades cognitivas maiores do que as esperadas para o
envelhecimento normal como o Declínio Cognitivo Ligeiro (DCL). É consensual que o DCL é um importante
tópico de estudo, mas não existe concordância quanto à uniformidade da sua definição pelas publicações
de doenças médicas e psiquiátricas. Esta falta de consenso na terminologia e nos critérios específicos de
diagnóstico do DCL coloca problemas aos clínicos no seu trabalho com os pacientes e com as famílias,
assim como para a investigação científica sobre o fenómeno (Busse, Bischkopf, Riedel-Heller, &
Angermeyer, 2003). É importante saber que nomenclaturas existem para designar estas dificuldades
cognitivas maiores do que as esperadas para o envelhecimento normal.

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2. Declínio Cognitivo Ligeiro: Terminologias

Tal como referido anteriormente, existem diversas terminologias que se referem a dificuldades
cognitivas que apesar de não serem parte de um envelhecimento normal, não podem ser referenciadas
como sendo demência. O conceito de Esquecimento Benigno no Envelhecimento (Benign Senescent
Forgetfulness) (EBE), introduzida por Kral (1962), é um dos conceitos mais antigo, cujas características
clínicas incluem uma incapacidade de evocar detalhes mínimos de acontecimentos, mas sem problemas de
memória graves. Em 1986, o National Institute of Mental Health (NIMH), nos Estados Unidos da América
(EUA), criou um grupo de trabalho internacional para o estudo dos critérios de diagnóstico e do tratamento
das perdas de memória ligadas ao envelhecimento, sob a designação de Défice de Memória Associado à
Idade (Age-associated Memory Impairment) (DMAI) (Crook, Ferris, Whitehouse, Cohen, & Gershon, 1986),
sendo a primeira tentativa para estandardizar critérios de diagnóstico formais para as mudanças cognitivas
relacionadas com o envelhecimento.
Levy e colaboradores (1994), em colaboração com Internacional Psychogeriatric Association (IPA)
e a Organização Mundial de Saúde (OMS) fizeram a proposta de um conceito alternativo ao DMAI, o
Declínio Cognitivo Associado ao Envelhecimento (Aging Associated Cognitive Decline) (DCAE). Este
conceito refere-se a uma grande amplitude de funções cognitivas (atenção, memória, aprendizagem,
pensamento, linguagem e funções visuo-espaciais) em que o desempenho tem como referência as normas
apropriadas à idade. Os critérios de diagnóstico para a DCAE são os seguintes: a pessoa deve estar
consciente de estar perante um declínio cognitivo há pelo menos 6 meses, ter provas objectivas de declínio
cognitivo na aprendizagem, na memória, na atenção, no pensamento, na linguagem e nas capacidades
visuais-espaciais com um valor de pelo menos 1 Desvio Padrão abaixo do valor da média relativa à idade e
à educação.
A American Psychological Association (APA) (1998) elaborou o conceito de Declínio Cognitivo
Relacionado com a Idade (Age-related Cognitive Decline) (DCRI), que se refere a um declínio objectivo do
funcionamento cognitivo devido ao processo fisiológico do envelhecimento. Para a APA, no DCRI o declínio
é considerado como fazendo parte do processo fisiológico de envelhecer e não um atributo de um estado
físico geral. O DCRI é presentemente definido como queixas de dificuldade em evocar nomes e eventos ou
queixas na resolução de problemas, que não pode ser relacionado com um problema mental específico ou
uma perturbação neurológica.
A quarta edição revista do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV-TR)
(APA, 2002) propôs uma entidade semelhante, a Perturbação Neurocognitiva Ligeira (Mild Neurocognitive
Disorder) (PNCL), que inclui não apenas as dificuldades de memória e de aprendizagem, mas também
funções motoras-perceptuais, linguísticas e executivas centrais. A PNCL no DSM-IV-TR está como proposta
de categoria de diagnóstico, que necessita de estudo, e é caracterizada como um défice no funcionamento

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cognitivo, evidenciada pelos testes neuropsicológicos ou pela avaliação clínica quantificada. Esta
perturbação só deve ser considerada se os défices cognitivos forem melhor explicados pelos efeitos
directos de um estado físico geral do que por uma perturbação mental.
Ao longo dos últimos 20 anos, um grupo de investigadores, da Clínica Mayo, tem estudado o
envelhecimento e a demência na população de Minnesota. Com o avançar das investigações foi
identificado um grupo de indivíduos que tinham um défice de memória superior ao que seria esperado para
a sua idade, mas que não preenchia os critérios de diagnóstico de demência, progredindo para,
provavelmente, uma demência tipo Alzheimer a um ritmo acelerado (Petersen, 2005). Foi neste contexto
que Petersen e colegas (1999) utilizaram o termo DCL, inicialmente para caracterizar queixas de memória e
demonstração anormal do funcionamento da memória para a idade, com um funcionamento cognitivo geral
normal e capacidades conservadas para conduzir as actividades do dia-a-dia. Mais tarde, definiram DCL
como sendo um desempenho fora do esperado para a idade e para o nível educacional (Petersen et al.,
1999). Os critérios do DCL são a existência de um estado clínico com défices de memória, mas que por
outro lado têm um bom funcionamento e não preenchem critérios de demência, como queixas de memória,
de preferência corroborado por um informante, a presença de défices de memória objectivamente provados,
relativamente à idade e ao nível educacional, um funcionamento cognitivo geral normal, actividades do dia-
a-dia intactas e não estar demenciado (Petersen et al., 1999).
Segundo Collie e Maruff (2000), os dados não são consensuais sobre a prevalência do DCL, o que
não facilita a retirada de conclusões dos estudos sobre este declínio. Por exemplo, Barker, Jones, e
Jennison (1995) apresentaram dados que demonstram que a prevalência varia entre 5,8 e 18,5%
dependendo dos critérios utilizados para definir défice de memória. Estes factores lançam a confusão sobre
a questão: será o DCL um estádio pré-clínico da doença de Alzheimer ou um défice benigno e estático da
memória? Petersen (2007) defende mais uma vez o conceito de DCL, argumentando que este serviu para
refinar a sensibilidade clínica sobre as características das várias demências.
Em Portugal ainda não existem dados definitivos de prevalência de DCL, mas um estudo no Norte
do país estimou um valor de 2,8% na população com idades entre os 55 anos e os 79 anos (Nunes, 2005).
Tem sido comentado que sabe-se que existem factores de risco associados à demência, como a
própria idade e a existência do gene APOE ε4 (Yao et al., 2004), mas também há indicadores de haver uma
relação com a escolarização e ocupação, que iremos de seguida explorar.

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3. A educação e a ocupação como factor protector contra a demência

3.1. A educação

A educação tem sido um dos mais importantes pilares da sociedade ao longo dos anos, uma das
mais importantes conquistas da sociedade moderna, uma preocupação dos actuais governos. Provém da
palavra latina dux, transmitindo a ideia de chefe, guia, derivando o verbo ducere, que significa conduzir,
guiar, e os compostos educere, que por sua vez tem o significado de elevar, tirar, dar à luz, e educare, ou
seja, criar, alimentar (Barros de Oliveira, 2005).
Alguns estudos indicam que a educação pode ter uma acção protectora contra a demência (Orrell &
Sahakian, 1995). Um follow-up de 11,5 anos foi realizado por Lyketsos e colaboradores (1999) numa
comunidade com sujeitos entre os 18 e maiores de 71 anos na coorte original. A conclusão chegada foi
que, durante um longo período, o declínio cognitivo ocorreu em todos os grupos etários, apesar de ter sido
maior no grupo etário acima dos 71 anos. Contudo, o facto de ter mais de 8 anos de educação formal
estava associado a um menor declínio, mas ter mais de 9 anos de escolaridade, ou educação adicional,
não estava associado com uma redução maior no declínio cognitivo.
A autora De Ronchi (2005) fez uma revisão de quinze estudos e encontrou uma associação entre um
baixo nível educacional e défices na cognição. Na sua investigação, em que a analisava a relação entre a
doença de Alzheimer e outras demências com a educação em 282 idosos, os resultados demonstram que
não ter qualquer educação formal está associado ao facto de ter demência, independentemente do género,
ocupação e hábitos de vida. Um estudo português (Guerreiro, Castro-Caldas, Reis, & Garcia, 1996)
comparou o desempenho em provas neuropsicológicas de doentes de Alzheimer analfabetos e de doentes
de Alzheimer alfabetizados com o desempenho de pessoas saudáveis analfabetas e alfabetizadas,
concluindo, posteriormente, que até a um estádio intermédio da evolução da doença, as pessoas doentes
letradas têm um declínio regular e homogéneo nas diversas funções cognitivas e mantêm as funções por
mais tempo, mesmo alteradas, enquanto nos analfabetos há maior variabilidade, e as suas funções
cognitivas encontram-se mais gravemente alteradas.
Outro exemplo de um estudo que dá ênfase ao papel protector da educação foi realizado por
Shimamura, Berry, Mangels, Rusting, e Jurica (1995). Este estudo teve como participantes professores
universitários, onde o declínio cognitivo das funções de memória associado ao processo de envelhecimento
apresentou menos mudanças evidentes do que a população em geral, apesar de existirem indícios de
declínio. Para Shimamura e colaboradores (1995) estas mudanças foram mitigadas por os professores
universitários serem indivíduos activos cognitivamente. As conclusões do estudo anterior estão de acordo
com o que Gatz e colaboradores (2007) observaram, isto é, a maneira como a educação influencia o risco
de demência parece reflectir influências mediadoras ambientais.

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A educação actua como um factor protector contra o aparecimento da demência através de dois
mecanismos: Interferindo com os processos patogénicos ao retardá-los, e, igualmente, atrasando a
expressão clínica da demência (Orrell & Sahakian, 1995), e pode aumentar a reserva cerebral aumentando
o número de neurónios e a densidade sináptica (Katzman, 1993). Paralelamente, um maior nível
educacional conduz a uma maior estimulação cognitiva e à aquisição de melhores estratégias cognitivas e
estratégias compensatórias (Mortimer, 1997).

3.2. Actividade de trabalho

Mais recentemente, tem sido apoiado que, mais que o nível educacional, a própria actividade
realizada pela pessoa pode ser um factor protector ou de risco em relação à demência. O período formativo
de uma pessoa tem lugar em idades mais jovens e a demência desenvolve-se geralmente em idades mais
tardias e, como é do conhecimento de todos, o trabalho é a actividade na qual os adultos estão mais
envolvidos ao longo do dia.
Para Bosma, van Boxtel, Ponds, Houx, e Jolles (2003b) uma grande parte da associação entre um
baixo nível educacional e o declínio cognitivo acelerado parece ser mediado por algumas exigências
mentais presentes no trabalho entre os participantes com baixa escolaridade, isto é, o risco de declínio
nestes participantes com baixa educação pode ser atenuado pelo aumento de estímulos e desafios mentais
colocados no seu trabalho. Ainda para estes autores, a associação entre o nível educacional e o declínio
cognitivo pode ser explicada por capacidades intelectuais baixas e uma exigência mental no trabalho baixa,
como é o caso de trabalhos repetitivos, mais comum em pessoas com um baixo nível educacional.
No entanto, os efeitos da educação e os efeitos da ocupação são difíceis de distinguir (Callahan et
al., 1996), por isso é importante ter em conta que a falta de educação formal é o estado natural de todas as
pessoas, e mais do que considerar o baixo nível educativo como um factor de risco, deve-se considerar a
educação como um factor protector (Carnero-Pardo, 2000). Porém, parece ser necessário ir além de uma
educação formal, tendo em conta o que Orrel e Sahakian (1995) sugerem: use it or lose it, postulando que
os estímulos mentais durante a idade adulta são protectores contra o declínio cognitivo prematuro.
No entanto, tal como Katzman (1993) afirmou, há que ter em conta que a demência de Alzheimer e o
declínio cognitivo em geral são processos democráticos vitimando pessoas com uma escolaridade elevada
e com ambientes exigentes e estimulantes.

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4. A realidade portuguesa

Estes factores de risco (idade, escolaridade) que têm sido apontados leva-nos a pensar na realidade
portuguesa e no risco de demência que poderá estar presente. No que diz respeito ao factor risco idade, de
acordo com o Censo Populacional de 2001, comparando com o anterior Censo de 1991, houve um
aumento da idade média da população (actualmente é de 40,9 anos, mas em 1991 era de 38,2) e a
população de idosos aumentou de 13,6% para 16,4% (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2002). Este
aumento da população de idosos tem tendência a aumentar em Portugal, havendo previsões do INE de que
existe 243 idosos para cada 100 jovens, atendendo que em 2002 eram 106 pessoas idosas para cada 100
jovem (INE, 2004). Quanto à escolaridade, Portugal tem a população com menos escolaridade da União
Europeia, por exemplo, em 2000 apenas 21,5% da população dos 25 anos aos 64 anos completou pelo
menos o ensino secundário. Contudo, tem sido animador observar que os jovens estão crescentemente
melhor qualificados que a geração anterior (INE, 2003). Outro dado interessante, e como foi comentada a
importância de uma actividade de trabalho intelectualmente estimulante, é que a população empregada se
concentra nas profissões associadas a baixos níveis de qualificação, além de que apresentam reduzidos
níveis de habilitações escolares (INE, 2003).

5. O rastreio de défices cognitivos e o Mini-Mental State Examination (MMSE)

Com o aumento da longevidade, como tem sido referido, em muitos países a prevalência de casos de
demência aumenta desde 1% com a idade de 60 anos e cerca de 40% com a idade de 85 anos (Bolla,
Filley, & Palmer, 2000). A demência está sub-diagnosticada nos EUA, pois segundo Tariq, Tumosa,
Chibnall, Perry, e Morley (2006) 50% das pessoas com demência nunca receberam qualquer diagnóstico de
demência por parte dos seus médicos.
Diferenciar perturbações como a demência, nas suas fases mais precoces, pode ser difícil quando
são apenas visíveis défices ligeiros na memória (Helmes & Miller, 2006). A detecção precoce da DCL, uma
espécie de preâmbulo demencial, com um tratamento proactivo poderá ter o poder de retardar o começo da
doença de Alzheimer, no futuro, em populações mais vulneráveis (Tariq et al., 2006). É importante, então,
detectar a PNCL e providenciar aos clínicos, principalmente para o uso de cuidados primários, ferramentas
de rastreio cognitivo simples, eficientes, sensíveis e específicas para auxiliar no diagnóstico (Tariq et al.,
2006).
Uma das chaves da estratégia para a saúde pública reduzir os encargos com a doença e retardar os
processos que conduzem ao défice nos idosos é o rastreio precoce de variáveis da saúde que são
potencialmente tratáveis (Heyn, Nakamura, Tang, Raji, & Kuo, 2006). Os médicos não conseguem predizer
a função cognitiva do paciente baseando-se apenas na rotina (Burleigh, Reeves, McAlpine, & Davie, 2002;

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Harwood, Hope, & Jacoby, 1997). A avaliação cognitiva é uma das ferramentas mais preciosas que um
clínico pode fazer uso, por facilitar o diagnóstico de perturbações que provocam défices e permite
estimativas mais rigorosas sobre a capacidade funcional do paciente, podem auxiliar no diagnóstico
diferencial das causas, e avaliam o grau da gravidade da perturbação, além de monitorizarem o progresso
da doença (Woodford & George, 2007).
Na avaliação cognitiva, o clínico pode usar dois tipos de instrumentos neuropsicológicos. O clínico
pode usar uma bateria extensa de testes neuropsicológicos ou pode usar instrumentos de rastreio cognitivo
breves. Estes últimos, que são testes úteis como um primeiro passo na avaliação clínica das funções
cognitivas, permitem uma avaliação global do estado mental no mais curto período de tempo, auxiliando o
diagnóstico (Pasqualetti et al., 2002). Um estudo recente, referido por Ismail e Shulman (2006), alerta para
o facto de que a demência não foi detectada em dois terços dos casos pertencentes aos cuidados de saúde
primária, possivelmente devido à não implementação dos rastreios cognitivos como rotina. Ainda segundo
os mesmos autores, um instrumento ou uma bateria de rastreio cognitivo ideal para administrar nos
cuidados de saúde primários deveria ter uma duração muito rápida (para os autores cerca de 2 a 3 minutos)
e ser simples de administrar e de cotar, não deveria causar demasiada perturbação, ser independente de
variáveis que causem confusão, como a cultura, linguagem e mesmo a educação, ter características
psicométricas adequadas, e que avalie um conjunto significativo de funções cognitivas, tendo sempre em
consideração de que as diferentes formas de demência podem afectar diferentes áreas cerebrais.
É importante deixar claro que estas ferramentas de rastreio cognitivo breves não são testes de
diagnóstico, mas são testes que permitem avaliar o funcionamento cognitivo com rapidez e são parte do
processo de avaliação e de diagnóstico (Bravo & Herbert, 1997).
Shulman e colaboradores (2006) realizaram um estudo com o objectivo de determinar os
instrumentos de rastreio utilizados na rotina dos médicos, enfatizando os aspectos neuropsiquiátricos
ligados à velhice, e quais os considerados pelos clínicos como mais úteis. A conclusão foi que os médicos
usavam na sua rotina um número relativamente pequeno de instrumentos de rastreio cognitivo breves. O
instrumento mais utilizado foi o MMSE, seguido do Teste do Relógio, da Evocação diferida, do Teste de
Fluência Verbal, do Teste de Semelhanças e, finalmente, do Teste de Trilhas.
Portanto, o instrumento de avaliação cognitiva breve mais usado é o MMSE, desenvolvido em 1975
por Folstein, Folstein, e McHugh. Inicialmente foi elaborado com o objectivo de distinguir perturbações
cognitivas ‘orgânicas’ das ‘não-orgânicas’, e mais recentemente, tem sido utilizado como um teste de
rastreio cognitivo e de monitorização do desenvolvimento da demência e do delírio (O’Keeffe, Mulkerrin,
Nayeem, Varughese, & Pillay, 2005). A sua cotação pode variar de zero (0) pontos até trinta (30) pontos. A
sua administração é de cerca de oito minutos em idosos hospitalizados (Swain, O’Brien, & Nightingale,
1999). O MMSE tem 11 questões e inclui os seguintes domínios cognitivos: Orientação (10 pontos); Registo
(3 pontos); Atenção e Cálculo (5 pontos); Memória (3 pontos) e Linguagem (9 pontos) (Ismail & Shulman,

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2006). A cotação do MMSE pode ser influenciada pelo nível educacional, pelas barreiras da linguagem e da
cultura, o que pode levar a que muitos pacientes com baixos níveis educacionais possam ser classificados
de modo erróneo como tendo demência, além de que o MMSE não tem muita capacidade para avaliar as
funções frontais/executivas ou visuo-espaciais e tem uma capacidade limitada de detecção de demências, à
excepção da demência de Alzheimer, tais como défice cognitivo pós-AVC, demências fronto-temporais ou
subcorticais nas suas fases mais precoces (Woodford & George, 2007).
As suas propriedades psicométricas têm sido estudadas por muitos investigadores, por exemplo,
numa síntese de Tombaugh e McIntyre (1992) foi revelado que tem uma fiabilidade moderada e uma
validade razoável em relação aos critérios e constructos. Estes autores também enfatizaram a influência da
idade e da educação na cotação do teste, chegando à conclusão de que dificulta a tarefa de interpretação
de uma cotação baixa obtida por um paciente idoso com um baixo nível educacional.
Como anteriormente foi referido, o MMSE tem sido utilizado sobejamente na investigação. De um
modo geral, o MMSE tem uma boa correlação com a cotação de outros testes de rastreio cognitivo, e
razoavelmente boa com um certo número de testes neuropsicológicos (Tombaugh & McIntyre, 1992).
Contudo, é frequente a publicação de artigos que dão conta de provas com maior sensibilidade e
especificidade na detecção de défices cognitivos do que o MMSE e da dificuldade de administrar este a
outras culturas (Brito-Marques & Cabral-Filho, 2005). A maior parte das críticas feitas ao MMSE são a falha
que este teste tem em discriminar pessoas com uma demência ligeira (Pasqualetti et al., 2002) e pessoas
que não estão demenciadas, a capacidade limitada deste teste em detectar perturbações causadas por
lesões focais, particularmente no hemisfério direito, demasiados itens simples reportando-se à linguagem,
reduzindo a sensibilidade a défices ligeiros na linguagem e um grande número de erros falsos-positivos
devido à tendência de classificar indivíduos com uma baixa educação como tendo défices cognitivos
(Tombaugh, Mcdowell, Kristjansson, & Hubley, 1996). Segundo Nasreddine e os seus colaboradores
(2005), muitas investigações têm registado a existência de défices cognitivos ligeiros que não são
detectados pelo MMSE. Em muitos estudos os sujeitos preenchiam os critérios de défice cognitivo ligeiro,
mas obtinham uma cotação de acima de 26 no MMSE (uma cotação normal em sujeitos idosos) (Tombaugh
& McIntyre, 1992). Não obstante todas as desvantagens que o MMSE apresenta, continua a ser um teste
usado em todo o mundo, tendo sido citado em mais de 13000 ocasiões na literatura sobre medicina e
psiquiatria (Ismail & Shulman, 2006).
Em 1994, o MMSE foi adaptado para a população portuguesa por Guerreiro e colaboradores, sendo
definidos pontos de corte diferenciados consoante o nível de escolarização dos sujeitos. Assim, os autores
consideram existir défice cognitivo quando a pontuação é menor ou igual a 15 pontos para iletrados, 22
pontos para sujeitos com 11 anos ou menos de escolaridade e 27 pontos para pessoas com mais de 11
anos de escolaridade.

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Apesar da grande utilização do MMSE pelos clínicos, existem muitos outros testes de rastreio
cognitivo breves. De seguida serão apresentados alguns dos testes de rastreio cognitivo usados em clínica
e na investigação, com excepção do MMSE. Além disso, será apresentado o Saint Louis University Mental
Status (SLUMS), um teste que está numa fase de avaliação e aplicação a sujeitos e a amostras
diversificadas, por ser um instrumento recente (Pinto, 2007).

6. Testes de rastreio cognitivo breves

6.1. O Teste do Relógio (TR)

O Teste do Relógio (TR) é uma prova de rastreio desenvolvida para avaliar os défices visuo-
espaciais, de praxis e frontais/executivos, tendo sido usada nos seus primórdios por neurologistas para
avaliar a função do lobo parietal e visuo-espacial. Contudo, ultimamente o grande objectivo dos clínicos que
usam o Teste do Relógio é o rastreio da demência (Ismail & Shulman, 2006). A administração da prova é
muito simples, é apenas pedido ao sujeito que desenhe um círculo, e que depois coloque os números
nesse círculo como num relógio. Após esta fase, é pedido ao paciente que desenhe os ponteiros para
marcar uma hora específica, normalmente é pedido que coloque 11h10 (Woodford & George, 2007). É uma
prova que requer menos capacidades linguísticas e supõe-se que o desempenho nas funções executivas e
praxis devem ser menos protegidas pela reserva cognitiva (Peters & Pinto, 2008). A proporção de erros no
teste do relógio aumenta com a idade (Paganini-Hill, Clark, Henderson, & Birge, 2001) e uma disfunção nas
funções executivas pode preceder, na demência, problemas de memória (Juby, Tench, & Baker, 2002).
Concluindo, para um desempenho correcto no Teste do Relógio é necessário que o sujeito use várias
dimensões cognitivas, tais como a compreensão, o planeamento, a memória visual, a capacidade visuo-
espacial, a programação motora e executiva, o pensamento abstracto (o que envolve a utilização correcta
dos ponteiros para indicar o tempo), a concentração e a capacidade de inibir a tendência de se deixar
conduzir pelas características perceptivas de um estímulo (a indicação do ponteiro para a posição “10” na
instrução de marcar os ponteiros para as “11 horas e 10 minutos”) (Ismail & Shulman, 2006). A sua
administração varia entre um minuto e dois minutos (Woodford & George, 2007).
Pelo menos 15 sistemas de diferentes cotações têm sido testados (Agrell & Dehlin, 1998; Philpot,
2004). Na literatura existem provas de que quanto mais simples for o sistema de classificação, melhor
(Ismail & Shulman, 2006). O Consórcio para o Estabelecimento de um Registo para a Doença de Alzheimer
(CERAD) utiliza um sistema de 4 pontos, em que uma classificação de zero (0) é atribuído a um relógio
perfeito, um (1) significa um défice ligeiro, dois (2) é igual a um défice moderado, e três (3) é atribuído a um
défice grave. Segundo Woodford e George (2007) o mais simples é a escala de três pontos, uma marca por

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cada aspecto colocado correctamente: um círculo correctamente desenhado; números correctamente


espaçados; e ponteiros que indiquem o tempo correcto. Na opinião de Ismail e Shulman (2006), os erros
qualitativos podem ser tão importantes quanto a classificação quantitativa no Teste do Relógio, porque
pode ser observado a perseveração, o planeamento deficitário (em que o resultado é um espaçamento
incorrecto dos números à volta do relógio), défices conceptuais e de concretização durante a tentativa de
indicar a hora como “11 horas e 10 minutos”.
Uma das grandes vantagens deste teste é a relativa independência de influências de factores do
intelecto, linguagem ou culturais (Woodford & George, 2007). Tal como outros testes de avaliação breve, é
pobre na distinção dos vários subtipos de demência (Cahn-Weiner et al., 2003). Em estudos desenvolvidos
por Samton e colaboradores (2005) e de Juby, Tench, e Baker (2002) o Teste do Relógio foi capaz de
detectar défices cognitivos frontais/executivos em pessoas que têm resultados normais no MMSE.

6.2. O Rowland Universal Dementia Assessment Scale (RUDAS)

O Rowland University Dementia Assessment Scale (RUDAS) foi arquitectado como escala de
avaliação cognitiva multicultural por uma equipa de clínicos do sudoeste de Sidney e validado numa
população da mesma cidade (Rowland, Basic, Storey, & Conforti, 2006). O objectivo da construção do
RUDAS foi construir um instrumento de fácil adaptação às circunstâncias, de fácil administração pelos
médicos de Medicina Geral e Familiar e um instrumento válido em várias culturas (Storey, Rowland,
Conforti, & Dickson, 2004).
A sua administração é de cerca de 10 minutos (Rowland et al., 2006). A versão final, validada numa
amostra comunitária, onde 40% da população nasceu em países onde a língua maioritariamente falada não
era o inglês (Rowland et al., 2006), cobre os seguintes domínios: Memória: evocação de quatro itens de
lista de mercearia (8 pontos); Gnose: orientação corporal apontando para várias partes do corpo (5 pontos);
Praxis: tarefa punho-palma (2 pontos); Visuo-espacial: cópia do cubo (3 pontos); Raciocínio: o paciente
descreve como atravessaria uma rua movimentada e o examinador pontua de acordo com a referência à
segurança e ao cuidado com o trânsito (4 pontos); Linguagem: fluência de animais num minuto (8 pontos).
Rowland e os seus colaboradores (2006) compararam a capacidade do RUDAS e do MMSE no
diagnóstico de demência numa coorte multicultural de pessoas idosas. O primeiro demonstrou ser tão
rigoroso quanto o MMSE, não dando sinais de ser influenciado pela linguagem, educação ou género. O
RUDAS pode ser traduzido directamente para outras línguas, sem a necessidade de modificar a estrutura
ou o formato de qualquer item (Rowland, et al., 2006; Iype et al., 2006).

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6.3. O Montreal Cognitive Assessment (MoCA)

O Montreal Cognitive Assessment (MoCA) foi construído tendo em conta os domínios encontrados no
défice cognitivo ligeiro e para ser um instrumento para auxiliar os profissionais da área da saúde na
detecção da perturbação de demência ligeira em pacientes que tenham a cotação entre 24 a 30 pontos no
MMSE (Nasreddine et al., 2005). A sua cotação máxima é de trinta (30) pontos. O MoCA é composto por 11
itens e avalia diferentes domínios cognitivos: atenção e concentração, funções executivas, memória,
linguagem, capacidades visuo-construtivas, capacidade de abstracção, cálculo e orientação.
O MoCA, segundo os seus autores, é um teste de rastreio simples com uma sensibilidade superior,
que cobre domínios cognitivos importantes (Nasreddine et al., 2005), além de que o MoCA dá mais atenção
a tarefas de funcionamento frontal/executivo e atenção do que o MMSE, o que o pode tornar muito mais
sensível na detecção de demências que não sejam a de Alzheimer (Smith, Gildeh, & Holmes, 2007). A sua
administração é no total cerca de 10 minutos. O ponto de corte sugerido para o MoCA é de 26.
A versão final revista do MoCA contém os seguintes itens: memória a curto prazo (evocação de 5
nomes após 5 minutos, 5 pontos), funcionamento visuo-espacial (desenho do relógio, 3 pontos; e cópia do
cubo, 1 ponto), função executiva (tarefa de trilhas, 1 ponto; fluência fonémica, 1 ponto; abstracção verbal, 2
pontos), atenção, concentração e memória operatória (detecção de alvo usando palmada, 1 ponto;
subtracção em série, 3 pontos; sequência de números para a frente e para trás, 2 pontos), linguagem
(nomeação de animais pouco familiares, 3 pontos; repetição de frases, 2 pontos), e orientação temporal e
espacial (6 pontos) (Nasreddine et al., 2005).
Quanto às suas características psicométricas, o MoCA demonstrou ter fiabilidade no teste-reteste e
uma boa consistência interna, e a correlação entre o MoCA e o MMSE foi elevada (Nasreddine et al., 2005).
Segundo Ismail e Shulman (2006) o MoCA é um teste que tem dado provas de ser um instrumento de
rastreio eficaz e prático, recolhendo a informação necessária ao clínico.
Muitos investigadores têm traduzido a versão em inglês do MoCA para a língua dos seus países de
origem. A versão experimental portuguesa foi realizada por Simões, Firmino, Vilar, e Martins (2007), da
Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação da Universidade de Coimbra e dos Hospitais
Universitários de Coimbra (FPCE-UC/HUC).

6.4. O Saint Louis University Mental Status (SLUMS)

O Saint Louis University Mental Status (SLUMS) (ver Anexo A) é um teste de rastreio de aplicação
rápida, cuja duração média de aplicação em inglês é de sete minutos, para sujeitos idosos e, igualmente,
para adultos com queixas de natureza cognitiva, entre as quais se inclui a memória, a orientação, a atenção

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e as funções executivas, criada por Tariq et al., (2006). Distinguir adultos com um envelhecimento normal,
défice cognitivo ligeiro e doentes com Alzheimer é o propósito deste teste (Pinto, 2007). A sua cotação
máxima é de trinta (30) pontos, tal como no MMSE.
É um teste que pretende ultrapassar alguns défices do MMSE, como algumas deficiências de
diagnóstico, como quando é aplicado a participantes de um nível educacional elevado (Anthony, LeResche,
Niaz, von Korff, & Folstein, 1982). Neste momento, o SLUMS está numa fase de avaliação e de aplicação a
sujeitos e amostras mais diversificadas, pois é um instrumento relativamente recente.
O SLUMS é composto por onze questões com instruções próprias e normas de cotação precisas. O
material para a administração não é complexo, contudo este será apresentado no capítulo do Método. Este
teste foi aplicado, nos Estados Unidos da América, a 702 participantes cuja média de idades era de 75,3
anos. Foi a partir da análise dos resultados destes participantes dos EUA, que foi permitido estabelecer os
seguintes pontos de corte: Para participantes com frequência do ensino secundário ou superior, Normal (27-
30); Perturbação neurocognitiva ligeira (21-26); Demência (1-20). Para participantes com uma escolaridade
abaixo do ensino secundário, Normal (25-30); Perturbação neurocognitiva ligeira (20-24); Demência (1-19).
Após as análises dos resultados, os autores concluíram que em ambos os grupos de escolaridade e
nos grupos de diagnóstico, os autores observaram que as questões com maior poder discriminativo e mais
consistentes foram a fluência verbal (6), a evocação diferida (7), a amplitude de números (8), e a
recordação imediata da Narrativa (11), enquanto as questões que se referem à Orientação espacial e
temporal (2, 3) e a identificação e diferenciação do tamanho da figura (10) não contribuem de forma
significativa para o resultado global (Tariq et al., 2006).
Os autores do SLUMS compararam-no com o MMSE na capacidade de detecção da demência e da
PNCL usando os critérios DSM-IV.
Apesar de os autores terem chegado à conclusão de que tanto o SLUMS como o MMSE detectam a
síndrome demencial com eficácia, foi observado que o SLUMS detectou “um grupo de pacientes com
PNCL, considerando os critérios do DSM-IV, que o MMSE não tinha conseguido reconhecer” (Tariq et al.,
2006). O SLUMS completa de certa forma o MMSE, com as tarefas que correspondem à atenção, cálculo
numérico, evocação imediata e diferida, nomeação de animais, amplitude de dígitos, desenho do relógio
(pois um dos domínios cognitivos que é afectado mais precocemente pela PNCL e na demência é a função
executiva (Royall, Cordes, Polk, 1998 cit in Tariq et al.), reconhecimento de figura/diferenciação de
tamanho, e evocação imediata de factos presentes numa narrativa.
Não obstante o SLUMS e MMSE poderem ser usados pelos clínicos para identificar a demência, o
SLUMS tem a vantagem de poder ser um auxiliar para os clínicos identificarem pacientes com PNCL, além
de que, como já foi referido, o MMSE traz grandes desvantagens no rastreio de sujeitos com uma
escolaridade elevada, tendo como consequência o efeito de tecto para este grupo (Tariq et al., 2006).

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Para além do estudo comparativo de Tariq et al. (2006) entre o MMSE e o SLUMS, uma outra
investigação alerta para a maior sensibilidade do último em relação ao primeiro. Existem estudos recentes
que apoiam a teoria de associação causa-efeito entre o grau de gravidade da perda visual e as principais
causas de demência (Giannakopoulos et al., 1999). Uma investigação levada a cabo por Heyn e
colaboradores (2006) quis investigar se o SLUMS era um teste de rastreio útil para a detecção de défice
cognitivo ligeiro, se demonstraria ser um instrumento mais sensível do que o MMSE no rastreio de défice
cognitivo ligeiro e, por último, se havia alguma associação entre os défices visuais e os défices cognitivos
(Heyn et al., 2006). Apesar de não terem sido encontradas associações significativas entre défices visuais e
défices cognitivos, os autores verificaram que o SLUMS demonstrou ser mais sensível na detecção do
défice cognitivo ligeiro do que o MMSE.
A tradução do SLUMS para português foi apresentada por Pinto (2007). O teste SLUMS inclui
informação da memória semântica e apresenta elementos culturais próprios, e a presença destes
elementos na prova SLUMS torna necessário algum cuidado na tradução e na adaptação a Portugal e à
língua portuguesa (Pinto, 2007). Alguns exemplos são o nome da moeda (os países de expressão
portuguesa terão de usar outra moeda), a divisão administrativa, que é diferente de país para país e a
influência da extensão das palavras nas provas de memória. Estas variáveis que afectam negativamente o
desempenho em provas de evocação de palavras (Pinto, 2007).

6.5. As aptidões avaliadas pelos testes de rastreio cognitivo

Resumidamente, é importante ter uma visão global das aptidões que os testes de rastreio cognitivo
mencionados abrangem (ver Quadro 7.1.). O MMSE avalia a orientação temporal e espacial, atenção,
cálculo, memória e linguagem, entre outras.
O Teste do Relógio cobre domínios como a compreensão, planeamento, memória visual, capacidade
visuo-espacial, funções motora e executiva, pensamento abstracto e concentração. O RUDAS abrange a
memória, gnose, praxis, capacidade visuo-espacial, raciocínio e linguagem.
O MoCA cobre a memória a curto-prazo, capacidade visuo-espacial, função executiva, atenção,
concentração, memória de trabalho, linguagem e a orientação temporal e espacial.
Finalmente, o SLUMS tem em conta domínios como a orientação temporal e espacial, atenção,
concentração, raciocínio numérico, linguagem, memória a curto prazo, memória operatória, coordenação
visual e destreza motora, memória semântica, etc.

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Quadro 7.1.
As Aptidões Avaliadas pelos Testes de Rastreio Cognitivo

Nota
As células a sombreado correspondem às aptidões avaliadas por cada teste.

O teste SLUMS é um teste usado, fundamentalmente, para avaliar participantes idosos, não havendo
muitos estudos que observem o desempenho dos jovens neste tipo de testes. O objectivo deste estudo é
observar o desempenho de jovens universitários e não universitários, no pico das suas capacidades
cognitivas, num teste de rastreio cognitivo onde um idoso normal obtém uma cotação em média de 25,7
pontos. Uma vez que a bibliografia aponta para a importância da educação na cotação deste tipo de testes,
outro objectivo é observar a influência do nível de escolarização nos resultados do SLUMS comparando
dois grupos de jovens, um grupo a frequentar a faculdade e outro com escolaridade até ao 12º ano, e dois
grupos de adultos, um grupo com licenciatura e outro com nível de escolarização até ao 12º ano.

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