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Capitulo Décimo

FERIDAS
- Vejo que estás mais calmo – Verificou Jennifer quando
se preparava para sair dali. - Sim, estou, mas claro, calmo
não é bem como me sinto. Depois de tudo que disses-te...
Ela agarrou na minha mão e olhou para o chão, preparando-
se para falar.
- Se precisares de mim sabes que estou aqui. E quanto
mais, podemo-nos tornar grandes amigos. Somos da
mesma turma e tu ajudaste-me, por isso estou em dívida
para contigo. Se calhar... Fiquei ansioso por saber o que ela
estaria a planear.
O jeito dela fascinava-me os sentidos e em
perspectiva, queria saber mais. Podia pôr-lhe a alcunha de
"professora" sem que ela se ofendesse com isso.
- Que tal vires até minha casa para um jantar? Assim
conhecemo-nos melhor.
- Sim – Concordei com alegria e um sentimento de
grande leveza a invadir-me
- Aceito.
Estranhamente, o vento tornou-se agressivo e as
pedras pareciam começar a sair do lugar.
Era de tanto nível que tive de me agarrar à rocha com
os dedos bem vincados para não ir para o lago. Mas,
Jennifer nem um milímetro se mexeu, e, virando-se para o
lado oposto ao rio, para onde ficariam as maiores árvores e
a parte mais sombria da floresta, ficou estática, com as
mãos fechadas e a respiração irregular.
Estava a ver algo que a assustava, talvez.
- Daniel, sai daqui! Foge – Gritou vindo na minha
direcção a gesticular e a apontar para o lado de onde
viéramos.
- Mas... – Não entendia a razão para estar assim. O que
viria aí? Então comecei a correr e decidi não olhar para trás.
Por outro lado ainda vacilei para poder ajudar Jennifer no
que a preocupasse e, por momentos parei a olhar para ela.
Porém, um nevoeiro intenso apareceu e não vi mais nada,
nem me lembrara de conseguir sair dali.
Acordei no pátio da escola, com milhares de gente à
minha volta, mas não sabia porque razão. Jennifer não
estava, Anna, não estava, e Sally... segurava a minha
cabeça nos joelhos.
- Sentes-te bem Daniel? - Perguntou ela de rompante.
- Sim. - A minha voz parecia normal, o que me deixou
mais descansado.

A cara de Sally estava dura.


A seguir, Jennifer apareceu, visivelmente cansada,
assim como Kelvin, com uma pedra na mão, que, apesar de
pequena e redonda parecia ser extremamente perigosa.
Jennifer agachou-se e de uma maneira delicada puxou a
minha mão; imediatamente me doeu. Jennifer permaneceu
concentrada em mim, de maneira protectora, quase não
sentindo eu a sua preocupação.
- O que aconteceu? - Suspirei.
- Nada de mais – Disse mentindo. No entanto, a sua
cara estava seria e dura; os maxilares cerrados
demonstraram a ferocidade de algo que a preocupava e
que, talvez tivesse acontecido.
- Não precisas de te preocupar – Declarou - O pior já
passou e tu estás bem. Vai tentando levantar-te para ver se
estás bem fisicamente. Se tens alguma coisa partida.
Estremeci quando Sally a olhou por cima do ombro, o
que me enervou.
- Está tudo bem – Insistiu Jennifer. - Porque és tão
teimosa? - Reclamei chateado.
Sally decidiu falar.
- Jennifer, é melhor que saias daqui porque ele está
tenso. De certeza que já está zangado o suficiente por estar
nesta situação, e, neste momento, não irá mesmo desistir
de te fazer perguntas.
- Pois - Concordou plenamente - Trata dele!
- É o melhor que sei fazer - insistiu Sally.
Os lábios de Sally formaram uma linha de tão fechados
que estavam, mas por fim, acenou e saiu dali, por entre a
multidão que não me deixava respirar.
Um repentino ardor e fraqueza fizeram-me ceder os
sentidos. Apesar de estar bem desperto, levantei-me da
altura em que o nevoeiro aparecera, e Jennifer sumia no
interior.
Observei as feições de Sally. O seu rosto estava com
uma determinação diferente, enquanto ela me mantinha
aconchegado.
Sentia um vago tormento no meu ombro direito, mas
estava convicto a não me deixar habituar pela dormência
que ele tentava levar adiante.
Já sem forças, podia apenas ter uma aparência de
como estava frágil ali no meio.
Se Sally não me mantivesse acordado antes, nunca
teria visto Kelvin a sair quase sem se ver do meio da
multidão. Sorri um pouco e pareceu que antes de sair, os
seus olhos me pediam desculpa de algo.
- Pronto, já estamos a sós – Suspirou de alívio – E
agora já sei o que andas a fazer.
- Não há problema – Disse-lhe com um sorriso atrevido
– Não estás zangada. - Mas podia – Repeliu a minha ideia –
Mas, sei que não sou só eu a cometer erros.
Ela mostrou um sorriso vincado. A sua repentina calma
estava-me a deixar embalar cada vez mais, em contacto
com o tempo quente.
Não conseguiria permanecer muito mais tempo em
consciência do que estava a dizer. O único sentido de tudo,
além do meu bater do coração, era a suave respiração dela,
e dos agora murmúrios à nossa volta.
Não via a possibilidade de haver algum nervosismo ou
outro sentimento na sua cara. Ela de certeza que pensaria,
ao menos, mas de forma clara e profunda. Sem o
demonstrar.
- Como podes fazer tal coisa? - Interroguei admirado –
E a Jennifer, o Kelvin... Não acabei a frase de propósito.
Para a pôr à prova, já que conseguia ler a maior parte
das coisas que eu pensara até então. Seria certo de que
isso não era nada difícil, porque ela era... diferente.
- Controlo... auto controlo – Revelou-me – Não me
importo com a confusão.
- Penso que isso te pode tornar um pouco fria demais,
logo, se eu estiver muito em apuros, que farás? O mesmo
que agora?
- Certamente - As suas mãos tremiam um pouco, mas
tentava permanecer firmemente concentrada
- Não irá acontecer nada de tão grave, podes ter a
certeza. Afinal já te salvei um monte de vezes.
Senti-me na obrigação a olhar para cada sítio que me
doesse, para verificar se estava em muito mau estado; mas
tinha profunda noção que essa tarefa me levaria a não me
mexer novamente.
O seu sorriso era mais do que tranquilo.
- Hum. Isto está razoavelmente mau, mas eu dou-lhe
um jeito de qualquer das formas. Os meus dotes de cura
passam para muito daquilo do normal – Murmurou – É bom
saber que, graças a ti, a vida pode ser compensadora e até
as feridas como estas posso curar, que por vezes não
consigo sequer vê-las – Fez deste modo o diagnóstico do
meu braço
- Um dos inchaços que tens cura-se em dois, três dias
mas o resto só mesmo com uma pequena cirurgia.
Determinei que não podia correr perigo, e que se havia
alguma confiança entre nós os dois, teria eu de ser o
primeiro a dar-lhe verdadeiramente a minha.
Em seguida levantou-me e segurou-me nos braços, à
procura de táxis. De todas as maneiras, eu não olharia para
o braço.
- A Jennifer meteu-te num grande sarilho. Terei de lhe
dar uma palavrinha – Disse e eu logo estremeci, pensando
em mais confusões – O que pretendo será apenas saber as
razões para o qual ela te fez isto. Não vejo lógica, e no
entanto faz-te isso quando quer amizades.
- Não sei se fez por mal... – Discordei daquelas
palavras de puro ódio – Como se ela tivesse culpa. Teve de
o fazer em segundos, e o cenário não era razoável para
nenhum dos dois.
- Se o dizes, acredito em ti.
Voltou-se na minha direcção, olhando de lado o meu
braço.
- Parece estar melhor – Examinou com apenas um
pouco de vermelho a aparecer no lugar de uma ferida
aberta que jorrava sangue, antes - Estás pronto para outra.
O cheiro do meu braço era diferente.
Mas não me fez causar qualquer impressão, olhando
para o aspecto quase saudável deste.
- Mas.. Como? - Reclamei quando ela me agarrou mais
forte e deu um salto de um pequeno degrau. Mantive-me
junto a ela porque era confortável – Porque não me curas-te
como deve ser? Precisavas mesmo disto?
Os seus olhos viraram-se para o braço, novamente.
- A Jennifer contou-te mesmo, não foi?
- Tudo mesmo. Pelo menos acho que sim, e eu não te
julgo por isso.
Mostrou nervosismo e enervou-se porque me apertou
e eu senti-me sufocar.
- Estás... a sufocar-me – Queixei-me.
- Desculpa - Soltou os braços para eu me acomodar de
novo.
Tinha uma força incrível, mas não era demasiada para
que tivesse medo.
- Sei que isto é-te estranho, vindo de uma
desconhecida - Esboçou um sorriso largo e amável - Mas
tenho que dizer algumas coisas à Jennifer, apesar de a
conhecer bem, é um objectivo neste momento, que não
posso deixar escapar. É um pouco mau, eu sei – Murmurou
com um som quase inaudível – Tudo isto fez-me tomar
algumas medidas em relação a ti e a tudo que tu conheces,
ou por outras palavras, podes estar metida num monte de...
- Sarilhos. Já ouvi isso antes. Mas não vejo algum
problema em me dar com uma gargula?! É isto que és não
é? Além disso, não percebo bem o que és e como tens estes
dons todos, velocidade, força e mudas de cor e tudo.
- Nisso és o primeiro a ver como sou, e o único que
sabe a verdade.
- Ninguém mais sabe? - Perguntei surpreendido.
Jennifer não mentira, quero dizer, ainda não sabia a
sua resposta.
- O Ed estava certo. Ele pensava que tu fosses
perigosa para mim e agora podemos estar a correr perigo.
O diminutivo de Edward pareceu soar demasiado bem.
Conheciam-se? Vi na minha cabeça quando Edward tinha
ido ao hospital – Tão sinistro como ele era, seria capaz de
também pensar assim, nunca se sabia.
- Percebes o perigo de que te falei há já tanto tempo?
Abanei a cabeça com a teimosia de que era feito.
Ela suspirou.
- Eu sou assim. Eles são assim.
- Eles quem? Sei que o Edward é vampiro, e quem
mais?
- A Jennifer. Ela não é humana... como tu pensas – E
olhou para longe. Depois riu-se, tentando gozar.
- Ah, estou a ver. E agora?
- Agora, tenho de resolver este assunto com ela -
Depois relaxou e expirou fortemente
- Esta é a única parte que me assusta nisto tudo.
Penso que em termos gerais, será a melhor forma de
encarar está situação.
Enquanto falava, tentou verificar se eu estava em
condições de permanecer em pé.
- Estou bem – Quis desvia-la – Eu posso andar.
- Vamos para minha casa. Apesar de estares com o
braço curado, ainda pareces estar confuso.
- Com certeza senhora-chefe – Disse com um sorriso a
que ele respondeu rindo-se também.
Em contacto com a pele de Sally, o chão era
extremamente quente. Parecia ser bom estar tanto de um
lado como do outro. O corpo dela poderia ser frio, mas
fazia-me estar acompanhado e sempre seguro.
Normalmente isto deveria ser uma sensação sentida
por uma rapariga, mas, que mal faria se fosse eu a senti-lo?
Era sinal de que eu estava profundamente inserido no
mundo que nos abordava aos dois, e assim, o dia não
parecia ser tão obstante em que, todos os segundos
contavam, distantes de nós.
Desta vez, Sally não se tinha ficado apenas pelo meio
próprio ou de bicicleta, para não ir a pé para a escola. Tinha
uma mota. Muito idêntica à do meu pai, negra e prateada,
com dois lugares e com uns assentos demasiado
convidativos para não querer ir com ela.
- Vamos para minha casa. Lá repousas e depois
quando tiveres pronto, vens embora, vês na altura.
E o tempo foi curto, aliás, demasiado curto para que
pudéssemos ter tempo de falar, estando em quase
envergonhado por ela me ter encontrado naquele estado.
- Agora ficas aqui e quando eu voltar, vemos o que
fazer - Disse segurando a maçaneta da porta.
- Onde vais?
- Não te preocupes – Disse sorrindo - Thomas, Miriam
estão em casa. O Kelvin saiu, mas de certeza que a
companhia dele não deveria ser muito.. Positiva para ti.
Sempre que Sally decidia ficar longe de mim, não
parecia que fosse por muito tempo.
Notei que a sua face, apesar de tranquila, estava
perfeitamente preocupada. A cor do seu rosto parecia
descontrolado, vermelho e um pouco duro. «Não saias»,
aconselhou-me quase a mandar, uma voz rouca e a tremer.
«Hei-de obedecer», disse-lhe com o olhar para uma janela,
acenando de seguida.
A claridade era bastante, mas não tanta para que ele
se detivesse a ficar.
Em comparação com o seu tom brilhante, o
compartimento enorme, com armários clássicos e uma
grande mesa no meio, parecia mesmo triste.
Os seus olhos diziam tudo, e saber o que iria fazer
assustou-me. Saiu rapidamente e vi-o, através da porta que
passara antes. Fiquei feliz pois estava mais calmo.
Foi um pouco angustiante, mas sabia que ele
precisava disso.
- Ele vem rápido.
- Olá.
Desviei os olhos e vi, lívida que dois seres
extremamente brancos se aproximavam.
Era estranho vê-los ali, a descerem as escadas que
ficavam ao fundo da sala. Thomas e Miriam estenderam a
mão, prontos a agarrarem.

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