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ideias c s

sexta-feira 25.9.2009
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opinio juris

Democratização gradual: como e quando?

R
Jorge Godinho* outro. Uma eleição só com um candidato é
indesejável. É preciso reformar o sistema para
Nestas eleições, a grande questão foi a
hojemacau@yahoo.com
que tal não possa suceder, por exemplo através
etomo hoje o contacto com os da imposição de um limite máximo ao número
leitores, com uma reflexão sobre as
eleições para a Assembleia Legisla- da democratização, e o problema reside de assinaturas necessárias para apresentar uma
candidatura. Quanto ao colégio eleitoral, dever-

agora em saber se tudo continuará de


tiva (AL), em que participei, pelo se-á, numa primeira fase, alargá-lo para o dobro
sufrágio directo, como segundo de modo a aumentar a sua representatividade,
candidato da lista 14, Voz Plural reflectindo de modo mais exacto a diversidade
Gentes de Macau.
O sufrágio directo para a AL é
modo mais ou menos semelhante na cultural de Macau bem como os múltiplos e
novos sectores sociais carecidos de adequada
evidentemente o grande exercício
democrático da RAEM e o baró- política de Macau ou se haverá uma representação.
Quanto à Assembleia Legislativa, sabe-
metro das principais preocupações
vividas. Teve grande afluência.
Foram umas eleições muito concorridas
evolução com significado se que as eleições pelo sufrágio indirecto
não são contestadas: surgem 10 candidatos
para 10 lugares, o que não é desejável e não
e participadas, com menos problemas do dignifica a Assembleia. Importa equacionar
que em 2005, o que é de saudar. O debate que tipo de reformas poderão ser introduzi-
político havido auxilia de modo efectivo o das. Por outro lado, o número de deputados
progresso da RAEM. eleitos pelo sufrágio directo deve aumentar
Um dos pontos negativos das eleições significativamente já nas próximas eleições,
continua a ser a arregimentação de trabalha- pelo menos para 18, para que a AL passe a
dores do sector privado para as campanhas ter uma maioria de deputados eleitos pela
eleitorais, designadamente para marchas ou população (18 em 35), o que não acontece de
através da obrigação de envergar as vestes de momento. Quanto aos deputados nomeados
uma certa lista no posto de trabalho. Importa pelo Chefe do Executivo, deve apontar-se
pôr cobro a estas práticas, salvaguardando para o seu gradual desaparecimento. Os
a liberdade de pensamento e de escolha po- critérios da sua nomeação, no entretanto,
lítica de todas as pessoas: os empregadores devem ser bastante consensuais, incidindo
não têm quaisquer direitos sobre as opções a nomeação em especialistas de várias áreas,
políticas dos seus trabalhadores. com grande reputação, e carácter indepen-
Sobre a lista 14, devo desde logo reconhe- dente, que não estejam no hemiciclo apenas
cer que não basta não fugir ao dever de par- para apoiar o Governo e aprovar sistemati-
ticipação e de intervenção cívica, apresentar camente as respectivas propostas e chumbar
um projecto alargado a várias comunidades, as de certos deputados.
e um extenso programa dirigido a todas as Quanto aos tribunais, a principal questão
camadas sociais e a todas as comunidades. consiste no facto de que o Tribunal de Última
Não basta ter um discurso claro, realista Instância (TUI) tem apenas 3 juízes, não tendo
e fundamentado, centrado em propostas nunca havido um voto de vencido no seu seio.
exequíveis. Apesar de a lista 14 ter sido bem Esta situação, acrescida da impossibilidade de
recebida pela opinião pública e ter o seu es- renovação dos juízes, que estão em funções há
paço próprio no espectro político de Macau, 10 anos e vão continuar, significa que não há for-
a votação obtida é apenas marginalmente ma de fazer evoluir a jurisprudência ou de criar
superior à das últimas eleições. A lista tem debates e correntes jurisprudenciais dentro do
de dar continuidade efectiva ao trabalho, próprio TUI. O debate faz-se apenas entre o
passado o acto eleitoral. Planeia fazê-lo: vai TUI e as instâncias inferiores, no momento. Por
continuar a lutar pelas ideias que teve ocasião outro lado, aAssembleia Legislativa parece não
de propor no seu programa. estar a prestar a devida atenção à forma como
Nestas eleições, a grande questão foi a da as leis que aprovou têm vindo a ser aplicadas
democratização, e o problema reside agora pelos tribunais, não havendo qualquer sinal
em saber se tudo continuará de modo mais de iniciativas legislativas visando corrigir cor-
ou menos semelhante na política de Macau rentes jurisprudenciais de que eventualmente
ou se haverá uma evolução com significado. discorde. Assim, importa aumentar o número
Se o sistema de governo da RAEM assenta na de juízes do TUI, desejavelmente para 7, para
separação de poderes (legislativo, executivo que haja debate no seu seio, bem como alargar
e judicial), a verdade é que todos os poderes consideravelmente as suas competências.
estão carecidos de desenvolvimento ou, se Em suma, o sistema de governo da RAEM
se quiser, de uma reforma que os torne mais tem múltiplos bloqueios. Chegou a hora de
abertos ao debate de ideias. Centrar-me-ei reconhecer a existência de um problema
apenas no desenho básico do sistema, deixan- constitucional e de pensar nas reformas
do de lado outros aspectos de funcionamento necessárias para o tornar mais aberto ao
igualmente carecidos de atenção. debate de ideias, com o qual todos temos a
As eleições para o Chefe do Executivo de ganhar. São reformas que a prática revelou
Julho de 2009 demonstraram as fragilidades serem necessárias.
do sistema vigente. O actual colégio eleitoral
é constituído por 300 elementos, dos quais
284 deram a sua assinatura a um candidato, *Professor auxiliar da Faculdade de Direito
impossibilitando o surgimento de qualquer da Universidade de Macau

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