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QUARTA-FEIRA
I. NÃO NOS DEIXEIS cair em tentação, mas livrai-nos do mal, rogamos aos
Senhor na última petição do Pai-Nosso.
“Tem-se a impressão de que o homem actual não quer ver esse problema.
Faz tudo o que pode para eliminar da consciência geral a existência desses
dominadores deste mundo tenebroso, desses astutos ataques do diabo de que
fala a Epístola aos Efésios. Contudo, há épocas históricas em que essa
verdade da Revelação e da fé cristã, que tanto custa aceitar, se expressa com
grande força e se deixa ver de forma quase palpável”2.
Jesus, nosso Modelo, quis ser tentado para nos ensinar a vencer todas as
provas e a crescer em confiança no meio delas. Não temos nele um pontífice
que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, antes foi tentado em
tudo à nossa semelhança, fora o pecado3. Seremos tentados de uma forma ou
de outra ao longo da vida, talvez tanto mais quanto maiores forem os nossos
desejos de seguir o Senhor de perto. A graça que recebemos no Baptismo e
aumentou pela nossa correspondência ver-se-á ameaçada até o último
momento desta vida. Devemos permanecer vigilantes, com a vigilância do
soldado que está de guarda.
Por outro lado, sempre devemos ter presente que nunca seremos tentados
além das nossas forças4. Poderemos vencer em todas as circunstâncias se
soubermos fugir das ocasiões e pedir os auxílios oportunos. E, “se alguém
argumenta que a debilidade da natureza o impede de amar a Deus, é
necessário ensinar-lhe que o Senhor, que requer o nosso afecto, derramou nos
nossos corações a virtude da caridade por meio do Espírito Santo (Rom 5, 5), e
que o nosso Pai celestial dá esse bom espírito aos que lho pedem (cfr. Lc 9,
13). Por isso, Santo Agostinho suplicava com razão: Dá o que mandas e
manda o que queiras. O auxílio divino está à nossa disposição [...], não há
motivo para assustar-se com a dificuldade da obra; porque nada é difícil a
quem ama”5.
II. TENTAR NÃO É senão tactear, pôr à prova. Tentar o homem é pôr à
prova a sua virtude8. Tentação é tudo aquilo – bom ou mau em si mesmo – que
num momento determinado tende a afastar-nos do cumprimento amoroso da
vontade de Deus. Podemos sofrer tentações que procedem da própria
natureza, ferida pelo pecado original e inclinada ao pecado: nascemos com a
desordem da concupiscência e dos sentidos. Ora, o demónio incita ao mal
aproveitando-se dessa fraqueza, prometendo uma felicidade que não tem nem
pode dar. Sede sóbrios e vigiai, adverte-nos São Pedro, pois o vosso
adversário, o demónio, anda ao redor de vós como um leão que ruge,
buscando a quem devorar9. Só “quem confia em Deus não teme o demónio”10.
O demónio, por sua vez, alia-se ao mundo e às nossas paixões, que nunca
deixarão de acompanhar-nos. Quando dizemos mundo, temos em vista tudo o
que afasta de Deus: as pessoas que parecem viver exclusivamente para o seu
amor próprio, para a sua vaidade e sensualidade; as que têm os olhos postos
apenas nas coisas da terra: o dinheiro e um desejo desordenado de bem-estar
material. Para essas pessoas, o necessário desprendimento das coisas da
terra, a amável austeridade cristã, a castidade... são loucura e coisa própria de
outros séculos. A mortificação voluntária, sem a qual não é possível dar um
passo na vida cristã, é encarada como um disparate. Estão incapacitadas para
entender as coisas de Deus e gostariam de inculcar nos outros os critérios
pelos quais se regem: um sentido da vida em que Deus não tem lugar ou
ocupa um posto muito afastado e secundário. Por meio de palavras, e
sobretudo pelo seu exemplo, empenham-se em levar os outros pelo largo
caminho que elas percorrem. Não raras vezes tentam desanimar os que
querem ser consequentes com os princípios cristãos, e zombam deles, da vida
e das ideias que professam.
III. PARA VENCER, temos de pedir ajuda a Nosso Senhor, que está sempre
do nosso lado na hora da luta. Ele é omnipotente: Tende confiança, eu venci o
mundo12. E, junto de Cristo, podemos dizer: Tudo posso naquele que me
conforta13. O Senhor é a minha luz e a minha salvação: a quem temerei?14
Além disso, devemos ter em conta que é mais fácil resistir no princípio,
quando a tentação começa a insinuar-se, do que se permitimos que vá
ganhando corpo, “porque nos será mais fácil vencer o inimigo quando não o
deixamos entrar na alma, enfrentando-o logo que bater à porta. Por isso
costuma-se dizer: «Resiste no princípio; o remédio chega tarde quando a
chaga é velha»”17. Se bem que, mesmo quando “a chaga é velha”, se pode,
com humildade, encontrar o remédio oportuno.
(1) São Pedro Crisólogo, Sermão 67; (2) João Paulo II, Homilia, 3.05.87; (3) Hebr 4, 15; (4) cfr.
1 Cor 10, 13; (5) Catecismo Romano, III, 1, n. 7; (6) Ti 1, 12; (7) Bem-aventurado Josemaría
Escrivá, Caminho, n. 707; (8) cfr. São Tomás de Aquino, Sobre o Pai-Nosso; (9) 1 Pe 5, 8; (10)
Tertuliano, Tratado sobre a oração, 8; (11) Tob 12, 13; (12) Jo 16, 23; (13) Fil 4, 13; (14) Sl 26,
1; (15) Sl 90, 11; (16) Eclo 3, 27; (17) Tomás de Kempis, Imitação de Cristo, I, 13, 5.