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Direito de integração, internacionalização da

justiça e duas palavras sobre o Mercosul

Carlos Fernando Mathias de Souza

Sumário
1. Introdução. 2. A realidade da integração
e o direito conseqüente. 3. A internacionaliza-
ção da Justiça. 4. Algumas observações sobre o
Mercosul.

1. Introdução
Sem que implique, desde logo, aceitar-se
plenamente a idéia da aldeia global (a que
se refere MacLuhan), também na área do
direito, observa-se que é chegada a hora e a
vez do internacional.
Afonso Arinos, em seu Curso de Direito
Constitucional Brasileiro, fala em inter-
nacionalização do Direito Constitucional
e em constitucionalização do Direito
Internacional.
Com efeito, todas as constituições mo-
dernas consagram preceitos de Direito
Internacional (vejam-se, por exemplo, os
artigos 4º, com seu parágrafo único, e o
parágrafo 2º do art. 5º da Constituição
Brasileira de 1988), e, enquanto isso, os
organismos e organizações internacionais,
à guisa de tratados fundadores, adotam
verdadeiras constituições internacionais.
A rigor, desde o que a História do Direito
designa por constitucionalismo (séculos
XVIII e XIX) já se podia observar esse
fenômeno da internacionalização, só que
Carlos Fernando Mathias de Souza é por outras motivações.
Professor Titular da Universidade de Brasília e Nos Estados Unidos e na França, para
Juiz do Tribunal Regional Federal da Primeira citarem-se dois significativos exemplos,
Região. foram razões de ordem interna (os Estados
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Unidos, interessados na paz com a Ingla- Assinala Jessup, em trabalho intitulado
terra e a França, envolvida em uma espécie Transnational Law (Yale University Press,
de guerra européia) que os levaram a trazer, 1956): (...)
para seus sistemas constitucionais, normas I shall use, instead of ‘international
do direito das gentes. law’, the term ‘transnational law’ to
Posteriormente, o que se verifica é o include all law which regulates actions or
contrário, posto que não se trata mais – como events that transcend national frontiers.
problema maior – de consolidar a ordem Both public and private international law
jurídica interna dos Estados e sim colaborar are included, as are other rules which do
e participar da organização jurídica inter- not wholly fit into such standard categories.
nacional, objetivando, natural e principal- O que, em linguagem cabocla, poderia
mente, uma estrutura estável. ser dito assim:
Foi dentro dessa óptica que Mestre “Usarei em vez de direito interna-
Afonso Arinos sintetizou que, na primeira cional, a expressão direito transnacio-
fase (séculos XVIII e XIX), a tendência era nal para incluir todas as leis (ou nor-
trazer para o direito interno princípios e mas) que regulam ações ou fatos que
normas do direito internacional; já no transcendem fronteiras nacionais.
mundo do século XX, tem-se a criação de Ambos, o direito internacional públi-
órgãos permanentes, que (muito embora não co e o direito internacional privado,
sendo superestados) imitam na estrutura e estão incluídos (compreendidos),
no funcionamento as Constituições estatais, como estão outras normas (ou regras)
gerando a constitucionalização do Direito que não se enquadram totalmente (in-
Internacional. Fala-se, hoje, mesmo em um teiramente) nessas categorias clássi-
Direito Constitucional Internacional (Mirkine cas”.
- Guetzévitch tem até, lembre-se como mero
exemplo, um trabalho com o título (Droit
2. A realidade da integração e o direito
Constitutionnel International).
Todavia, o mundo contemporâneo conseqüente
parece revelar fenômeno ainda mais signi- No Direito Transnacional, enquadra-se
ficativo em matéria de internacionalização perfeitamente o que se designa Direito
no direito, inclusive conduzindo a um Comunitário, em uma linguagem mais
repensar sobre a própria idéia ou conceito européia, ou Direito de Integração, expres-
de soberania. são mais usada entre os latino-americanos.
Hans Kelsen, em seu importante estudo Aliás, fala-se também hoje em Comuni-
A Paz por meio do Direito, mostrou como dades de Direito.
poderia ocorrer o primado do Direito Inter- Em verdade, criadas pelo direito, as
nacional sem sacrifício para a soberania: comunidades se querem como Comunidade
“O Estado é soberano desde que de Direito, segundo a expressão cuja pater-
está sujeito ao Direito Internacional e nidade é atribuída a Walter Hallsfein,
não ao Direito Nacional de qualquer primeiro presidente da Comissão Comuni-
outro Estado. A soberania do Estado, dade Econômica Européia.
sob o Direito Internacional, representa Recorde-se, de plano, que o Direito
a independência jurídica do Estado Comunitário ou de Integração não se
em relação a outros Estados”. confunde com o Direito Internacional
Acontece que, hoje, repita-se, observa-se clássico (tanto o Direito Internacional
a ocorrência de algo de maior amplitude, no Público quanto o Direito Internacional
particular, a tal ponto que Philip C. Jessup Privado) e, tampouco, colide com o direito
fala em um Direito Transnacional (Trans- nacional dos integrantes (Estados membros
national Law). ou participantes) das comunidades.
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Não há necessidade sequer, ao tratar-se que será de Roma sem seus inimigos?”
desse novo direito, de se invocarem as Enquanto o conflito Leste/Oeste desa-
clássicas teorias monista e dualista, tanto pareceu, muitas guerras e conflitos setoriais
sobre suas fontes (ou sobre a origem delas) continuaram pelos quatro cantos do mundo,
quanto sobre o primado de suas normas, como a nova questão balcânica, a guerra do
quando se tratar, efetivamente, de tutela de Golfo, e o que está ocorrendo em alguns
relação jurídica cuja norma de referência seja países africanos, por exemplo.
comunitária. Assim, paradoxalmente, vêem-se, de um
A propósito, Joël Rideau, em sua relati- lado, disputas com assinalada afirmação de
vamente recente obra (junho de 1995) Le etnias ou de afirmações (ou reafirmações)
Droit des Communautés Européennes, observa nacionais, enquanto, por outro lado, países
sobre a dupla hierarquia normativa: aglutinam-se em blocos, em que é inevitável,
“La prééminence des traités constitutifs ou melhor, indispensável a integração.
sur les autres sources de droit est une Com respeito a esse último aspecto – e
donnée fondamentale de l’ordre juridique seria até desnecessária qualquer ilustração
communautaire, mais sa nature et ses –, tem-se a União Européia e o incipiente
conséquences doivent être précisées. Mercosul, para citarem-se apenas dois
L’analyse de la hiérarchie interne aux actes significativos exemplos.
de droit communautaire dérivé s’impose De passagem, observe-se que o direito
pour compléter la présentation de la resultante do Mercosul ainda não é direito
hiérarchie des sources”, dito de integração, mas sim (ainda) direito
o que, em latim vulgar mais próximo da internacional público clássico.
brasílica gente, poder-se-ia dizer assim: Permita-se, agora, uma indagação: como
“A preeminência dos tratados ficarão (ou como já ficam) os direitos
constitutivos sobre as outras fontes de nacionais em face dessa nova realidade
direito é um dado fundamental da or- jurídica, ou seja, na efetiva realidade
dem jurídica comunitária, mas sua comunitária ou de integração?
natureza e suas conseqüências devem Veja-se, desde logo, que não se trata de
ser precisadas (bem definidas). A aná- invocar, nesse quadro, o direito internacio-
lise da hierarquia interna sobre os atos nal privado como garantidor do exercício
de direito comunitário derivado im- de direitos de alienígenas e solucionador de
põe-se para completar a apresentação conflitos da aplicação de leis no espaço.
da hierarquia das fontes”. A questão, aí, evidentemente, é outra.
Assim, à toda evidência, a humanidade Trata-se, a rigor, de um novo tempo em
vive hoje uma experiência, em matéria de que países, no exercício de sua soberania,
direito, para além da norma nacional e do integram-se com outros para formar uma só
clássico direito internacional. É o novo comunidade, o que, naturalmente, não se
tempo do Direito Comunitário, de Integração realiza sem problemas.
ou Transnacional, conforme se queira Todavia, o que se percebe é que nessas
designá-lo. comunidades, concebidas como entes
Acrescente-se, por outro lado, que, após supraestatais, os seus membros estão
a queda do muro de Berlim – tome-se-o como abrindo mão de muitos comportamentos ou
símbolo –, desaparece o conflito Leste/Oeste. práticas tradicionais, gerando até mesmo
A rigor, como lembra Jean-Chisthofe um novo conceito de soberania, em seu
Rufin, em obra (a um só tempo polêmica e próprio benefício e em prol de objetivos
interessante) sob o título L’emipre et les comuns.
nouveaux barbares, seria o caso de fazer-se Caberia aqui uma outra indagação:
coro com Catão, quando de forma irônica, ficarão os direitos nacionais integralmente
após a destruição de Cartago, indagava: “O comprometidos? Comprometidos parece
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que sim, mas não desaparecerão, como não vive momento mais de aprofundamento do
desaparecem os direitos nacionais nas que de alargamento.
Confederações, ou determinados direitos Da óptica brasileira, recorde-se, de outra
autonomizados nas Federações. parte, a integração não é uma opção, por
Certamente, e a realidade o tem demons- exemplo, de política internacional, mas um
trado, muitos direitos já não serão mais imperativo constitucional, que tem por
nacionais (ainda que do nacional de per se), comando que o Brasil “buscará a integração
tampouco serão internacionais (como se econômica, política, social e cultural dos
entende o direito internacional clássico), países da América Latina, visando à
mas sim comunitários. formação de uma comunidade latino-
Assim, nada de estranho ou de excepcio- americana de nações” (parágrafo único do
nal a assinalar diante desse quadro novo art. 4º da Constituição).
de direitos nacionais (civil, penal, comercial
etc.) convivendo, coexistindo e, mais do que 3. A internacionalização da Justiça
isso, integrados com o direito, por exemplo,
De outra parte, observe-se o fenômeno
civil, penal, comercial e comunitário.
da internacionalização da Justiça que parece
Haverá, pois (aliás já tem existido), leis
ser um dos mais significativos do século XX.
tipicamente nacionais e outras tipicamente
A experiência pioneira – é dizer-se, da
comunitárias ou de direito de integração,
existência de um órgão de jurisdição inter-
como, em um estado federativo, existem nor-
nacional e com caráter de permanência –,
mas de direito municipal, estadual e federal, como se sabe, foi a da Corte de Justiça Centro-
dependendo do nível de esfera legiferante, –Americana, criada em 1907, por tratado
em face, obviamente, da competência para entre Costa Rica, El Salvador, Guatemala,
legislar. Honduras e Nicarágua. Durou apenas dez
Observe-se, para ficar-se tão-só com uma anos, mas foi importante.
ilustração, que, no Brasil, o direito federal é Como uma das conseqüências da paz
o direito mais aplicado pelas justiças resultante do término da Primeira Guerra
estaduais, como o Código Civil, o Código Mundial, adviria, em 1920, a Corte Perma-
Penal e os Códigos de Processos etc. nente de Justiça Internacional (Haia), que, a
Para esse tempo novo, surge, evidente- rigor, não era propriamente um órgão da
mente, um direito novo. Sociedade das Nações (ainda que o Tribunal
O desafio dos juristas será o de se estivesse previsto no artigo 14 do Pacto da
adaptarem a essa nova realidade, mas não Sociedade).
de forma acomodada, e sim participativa, Essa Corte, primeira (efetivamente) com
elaborando, construindo, descobrindo, ou vocação internacional, duraria até 1939,
aplicando esse novum jus. cessando suas atividades, obviamente, por
Nesse particular, a família romano- ter eclodido a Segunda Grande Guerra.
germânica (recorde-se a expressão de René- Com o mesmo espírito, ressurgiria o
David) não pode estar separada. órgão, com a Carta de São Francisco, agora
Em outras palavras, o que ocorre na com o nome de Corte Internacional de
Europa hoje, em termos de direito de Justiça, também com sede em Haia.
integração ou de direito comunitário, é Prescreve, expressamente, o seu Estatuto
subsídio indispensável (veja-se bem que não que a Corte Internacional de Justiça, estabe-
se fala em modelo ou figurino) para, por lecida pela Carta das Nações Unidas, é o
exemplo, o Mercosul, que está dando os seus principal órgão judiciário das Nações
primeiros passos. Unidas. Isso porque há outros órgãos
Como se sabe, o Mercado em destaque judiciários (ou assemelhados) previstos
está apenas na fase de união aduaneira e para atuação em plano internacional.
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Só Estados podem ser parte em questões responsáveis por órgãos ou departamentos
perante a Corte (art. 34 do Estatuto respectivo). governamentais.
Basicamente, a competência do órgão em Evidentemente, a condenação (de caráter
destaque abrange todas as questões que as penal-militar) em Nuremberg recaiu sobre
partes lhe submetam, assim como todo e indivíduos e não sobre Estados.
qualquer assunto previsto na Carta das De passagem, lembre-se que, sob a
Nações ou especificamente em tratados e inspiração da Corte de Nuremberg, foi criado
convenções. o Tribunal do Extremo Oriente, para julgar
Ademais, os Estados-partes, em qualquer os criminosos de guerra japoneses.
momento, podem declarar que reconhecem Esse tribunal, que funcionou a partir de
como obrigatória, 1946, por vários meses foi organizado pelos
“ipso facto e sem acordo especial, em Estados Unidos, Reino Unido, antiga União
relação a qualquer outro Estado que Soviética e China e contou com a cooperação
aceite a mesma obrigação, a jurisdição e participação da Austrália, Canadá, França,
da Corte em todas as controvérsias de Filipinas, Holanda, Índia e Nova Zelândia.
ordem jurídica que tenham por objeto: Há, como se sabe (e, aliás, já observado),
a) a interpretação de um tratado; b) outros tribunais internacionais, previstos ou
qualquer pacto de direito internacio- já em funcionamento.
nal; c) a assistência de qualquer fato A convenção das Nações Unidas sobre
que, se verificado, constituiria viola- o direito do mar, por exemplo, prevê a
ção de um compromisso internacio- existência de um órgão jurisdicional de
nal, e d) a natureza ou a extensão de caráter internacional.
reparação devida pela ruptura de um De outra parte, organizações internacio-
compromisso internacional”. nais, como a OIT, a OEA e a ONU, possuem
A Corte tem competência contenciosa e tribunais administrativos para dirimirem
consultiva.
questões decorrentes do exercício da função
De outra parte, observe-se que, por vezes,
pública de caráter internacional.
um tribunal internacional pode ter um
A Constituição brasileira, no art. 7º do
caráter temporário e específico.
Ato das Disposições Constitucionais Tran-
Ao término da Segunda Guerra, como se
sitórias, dispõe que “o Brasil propugnará
sabe, os governos dos Estados Unidos, da
França, do Reino Unido e da antiga União pela formação de um tribunal internacional
Soviética firmaram acordo (8 de agosto de dos direitos humanos”.
1945) objetivando a criação de um Tribunal A propósito, no concernente aos conten-
Militar para “processar e punir os maiores ciosos internacionais, relativos especifica-
criminosos de guerra”. Daí surgiria o célebre mente aos direitos humanos, já existem a
(e muito criticado – recordem-se as reflexões Corte Interamericana, sediada em Costa
de Nelson Hungria) Tribunal de Nuremberg. Rica, decorrente da Convenção sobre Direitos
Esse Tribunal Militar deveria julgar: Humanos de 1969 (o Brasil aderiu à Con-
a) crimes contra a paz; b) crimes de guerra, venção em setembro de 1992), e a Corte
em sentido estrito, e c) crimes contra a Européia, com sede em Estrasburgo (Con-
humanidade. venção de 1950).
Ademais, o seu Estatuto dispunha que Em dezembro de 1995, sob o alto patro-
nenhum acusado estaria isento de respon- cínio da Universidade de Roma La Sapienza
sabilidade pelo fato de ter agido em cumpri- e da Universidade Livre Internacional de
mento de ordem de seu governo ou de seu Estudos Sociais (Libera Universitá Interna-
superior e, de igual modo, não se eximiriam zionale degli Studi Sociali), realizou-se um
aqueles que exerceram funções de chefe de seminário cujo tema central não foi outro
Estado ou que foram funcionários grados, que não From the ad hoc International Criminal
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Tribunals to a Permanent Court (dos Tribunais internacionalização da Justiça parece uma
Internacionais ad hoc a uma Corte Perma- onda, que vai aumentando a cada dia.
nente).
Essa Corte Internacional, com a denomi- 4. Algumas observações sobre o
nação (em português, evidentemente) de Mercosul
Tribunal Penal Internacional, acaba de ser
Por fim, registre-se que, muito embora
aprovada pela ONU. De passagem, lembre-
ainda não seja tão pacífica a aceitação da
se a existência do Tribunal de crimes de
idéia da criação de um tribunal inter-
guerra das Nações Unidas, sediado em
nacional para o Mercosul (observe-se o
Haia, Holanda, sobre o qual a imprensa deu
Protocolo de Brasília), tem-se que, não só a
grande destaque, por motivo do julgamento
experiência do Tribunal de Luxemburgo (ou
dos líderes servo-bósnios, em particular melhor, como fruto da experiência da União
Radovan Karadzic, acusado de comandar Européia), mas principalmente quando o
a limpeza étnica de muçulmanos. Mercosul der passos mais largos e deixar
Os crimes sob jurisdição do novo Tribu- de ser uma simples Zona Aduaneira,
nal Penal Internacional serão (o verbo aqui fatalmente advirá uma Corte com caráter
está empregado no futuro tão-só pelo fato permanente.
de que algumas providências ainda pendem A propósito do referido Protocolo de
para sua instalação): genocídio, crimes de Brasília, para a solução de controvérsias,
guerra, crimes contra a humanidade e recorde-se que ele prevê negociações diretas
agressão. (Capítulo II), intervenção do Grupo Merca-
Observe-se que o exercício da jurisdição do Comum (Capítulo III) e procedimento
da Corte em destaque sobre o crime de arbitral (Capítulo IV).
agressão está condicionado à aprovação de As controvérsias em destaque são as
uma emenda ao Estatuto do Tribunal, “que surgirem entre os Estados-Partes
isolada ou no contexto de uma conferência sobre a interpretação, a aplicação ou
de revisão, que inclua a tipificação do o não cumprimento das disposições
referido crime e estabeleça o papel a ser contidas no Tratado de Assunção, dos
desempenhado pelo Conselho de Segurança acordos celebrados no âmbito do
da ONU. mesmo, bem como das decisões do Con-
Ademais, tem-se a internacionalização selho do Mercado Comum e das Reso-
da Justiça por decorrência do fenômeno das luções do Grupo Mercado Comum”.
Comunidades ou Nações. Particularmente, sobre os Tribunais ad
Em verdade, como manifestação do hoc previstos pelo Protocolo de Brasília, vale
chamado direito comunitário (e até mesmo dizer Tribunais Arbitrais, deviam eles ser
para garantir sua eficácia), tem-se a impor- constituídos, em cada caso, para conhecer e
tante Corte de Justiça das Comunidades resolver as controvérsias surgidas no âmbito
Européias, com sede em Luxemburgo. do Mercosul (e daí, obviamente, a designa-
Essa Corte não tem seu acesso restrito ção ad hoc) e terão como sede a cidade de
apenas aos Estados-membros da União Assunção.
Européia, mas, ao contrário, ela existe De outra parte, parece oportuno regis-
também (ou principalmente) para dirimir trarem-se os passos que têm sido dados no
conflitos em que sejam as partes particulares que se poderia designar cooperação institu-
(indivíduos, empresas ou outras pessoas cional, no âmbito do Mercosul.
jurídicas). Assim, tem-se o Protocolo de las Leñas
Acentue-se bem esse novo tipo de tribunal sobre a cooperação e assistência jurisdicional,
internacional. Já não se trata mais de uma em matéria civil, comercial, trabalhista e
Corte restrita a Estados. E esse fenômeno de administrativa (e seu acordo complementar),
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o Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos encargos ou compromissos gravosos
Penais, o Protocolo de Medidas Cautelares, o ao patrimônio nacional”.
Protocolo de Buenos Aires sobre jurisdição O mecanismo adotado, a observação é
internacional em matéria contratual e o do professor titular da Universidade de São
Protocolo de São Luiz em matéria de respon- Paulo, Luiz Olavo Baptista,
sabilidade civil emergente de acidente de “para a incorporação dos acordos
trânsito entre os estados-partes do Mercosul. internacionais é o da aprovação pelo
De outra parte, recorde-se que o Judiciário legislativo, (art. 49, I) e depois sua
brasileiro, nos diferentes graus de jurisdição, promulgação pelo executivo, que os
vem aplicando, com regularidade, as negociou, celebrou e é, também, quem
normas do Mercosul. os ratifica.
O juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública O tratado segue um iter, que tem
(sentença de 13-1-98) concedeu segurança início pelas negociações, passa pela
impetrada por uma empresa importadora sua assinatura, e pela remessa ao
de laticínios do Rio Grande do Sul, em que Poder Legislativo com o pedido de
foi pleiteado, como líquido e certo, o direito aprovação, (atos esses da competência
de efetuar importações de leite enlatado do exclusiva do Poder Executivo, a quem
Uruguai, sem recolhimento do ICMS, similar incumbe a condução da política
ao produto nacional, com fundamento no externa do país). Prossegue com o
Tratado de Assunção. imprescindível exame pelo Poder
Sem diminuir o mérito do juiz senten- Legislativo, a quem cabe constitucio-
ciante e, mais ainda, sem extrair-lhe o mérito
nalmente examinar e, querendo,
de pioneirismo (em termos de aplicação de
aprovar o tratado, terminando com
norma do Mercosul), a decisão, em si, não
sua promulgação, também ato de
contém muita novidade e está na esteira de
competência do Executivo.
velha posição firmada pelo STF e, mais
Trata-se de antiga tradição no
recentemente, pelo STJ (q.v. Súmulas nos 20 -
direito brasileiro.
71 dessa última Corte citada).
Por mera ilustração, transcrevam-se seus A razão deste procedimento é
verbetes: explicada pelo Prof. Vicente Marotta
“A mercadoria importada de país Rangel:
signatário do GATT é isenta de ICM, ‘com a audição dos poderes Executivo
quando contemplado como esse favor e Legislativo, atende-se à consideração
o similar nacional” (Súmula nº 20, do de que o tratado possui a natureza de
STJ) e “o bacalhau importado de país lei e se respeita, por outro lado, o
signatário do GATT é isento de ICM” princípio da distinção dos poderes
(Súmula nº 71, do STJ). governamentais’.
Em nível de Suprema Corte, tem-se A aprovação na Câmara dos Depu-
decisão relativamente recente, em que foi tados deve ser por maioria absoluta
prontamente atendida carta rogatória (com de votos (C.F. art. 47), e a ela segue
aplicação do Protocolo de Las Leñas), carta, um projeto de Decreto Legislativo
aliás, por equívoco encaminhada a um juiz que será enviado ao Senado, que o
estadual. aprovará ou rejeitará. Se a aprovação
De qualquer modo, deve-se registrar que, for sem emendas, o Presidente do
a teor do art. 49, I, da Constituição brasileira, Senado promulga o Decreto Legislativo
“é da competência exclusiva do (RIS, Título IX, Cap. IV, art. 48, item
Congresso Nacional (I) resolver defi- 28). Se ocorrerem emendas, volta à Câ-
nitivamente sobre tratados, acordos ou mara, cabendo a esta decidir se aceita
atos internacionais que acarretem as emendas ou mantém seu projeto.
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O Presidente do Senado é que promul- Finalmente, registre-se que tudo isso bem
gará o Decreto Legislativo, em qual- se harmoniza com o Protocolo de Ouro Preto,
quer caso. que, em seu art. 42, contém expressamente:
À edição do decreto Legislativo, “As normas emanadas dos órgãos
que é a aprovação do acordo, seguem- do Mercosul previstos no artigo 2 deste
se a ratificação e a promulgação através Protocolo terão caráter obrigatório e
de Decreto presidencial que incorpora deverão, quando necessário, ser incor-
o tratado ao direito brasileiro, atos poradas aos ordenamentos jurídicos
esses privativos do Presidente da nacionais mediante os procedimentos
República (C.F. art. 84, VIII). previstos pela legislação de cada país.”
Cabem só ao presidente estes dois
últimos atos do procedimento de
inserção do tratado na legislação Bibliografia
brasileira, porque – como bem explica ARINOS, Afonso - Curso de Direito Constitucional
Cachapuz de Medeiros na sua obra Brasileiro - Teoria Geral, Rio, Forense, 1958.
definitiva sobre a matéria – ‘pertence BAPTISTA, Luiz Olavo - artigo, São Paulo, 1998.
ao executivo a competência para DAVID, René - Os grandes sistemas de direito
contemporâneo, São Paulo, Martins Fontes, 1986.
declarar internacionalmente a vontade DE ARAÚJO, Nadia; Marques Frederico V.
do Estado’. Magalhães e Reis, Márcio Monteiro – Código do
A importância da ratificação é MERCOSUL – Tratado e Legislação, Rio de Janeiro,
destacada por Celso de A. Mello e Renovar, 1998.
JESSUP, Philip C. - Transnational Law, New Haven,
classificada pelo autor como ‘a fase Yale University Press, 1956.
mais importante do processo de KELSEN, Hans - La Paz por medio del derecho, Buenos
conclusão dos tratados’, e a necessi- Aires, Losada, 1946.
dade da promulgação ressaltada por REZEK, Francisco - Direito Internacional Público –
Curso Elementar, São Paulo, Saraiva, 4ª Edição
autoridades como J. F. Rezek e o Prof. revista e atualizada, 1994.
João Grandino Rodas, para quem ‘a RIDEAU, Joël - Le Droit des Communautés Européennes,
promulgação atesta a adoção da lei Paris, P.U.F., 1995.
pelo legislativo, certifica a sua exis- RUFIN, Jean-Chisthofe - L’Empire et les nouveaux
barbares, Paris, Éditions Jean-Claude Lattès, 1991.
tência e o seu texto, e afirma, finalmen- SOUZA, Carlos Fernando Mathias de - Algumas
te o seu valor imperativo e executório’. reflexões sobre Estado, Nação, Sistemas Jurídicos,
Por isso, é com a promulgação pelo Internacionalização do Direito, Direito Comunitário
e Internacionalização da Justiça. Notícia do Direito
Presidente da República que culmina
Brasileiro, nº 2 (nova fase), Revista da Faculdade
a inserção dos tratados no direito de Direito da Universidade de Brasília, 2º
brasileiro.” semestre, 1996.

Referências bibliográficas conforme original.


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