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Resbook de Psicologia I (Freud)

CADINA, Rafael. Sócio-fundador & 20º colocado na Feira de Marketing Sustentável


TORRES, Samuel. Sócio-fundador & 20º colocado na Feira de Marketing Sustentável
SHIGUIHARA, Daniel. Sócio-prime & bicampeão do Supply Chain Game
LEITE, Diogo. Escritor & Editor deste Resbook
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Capítulo I
Religião -> sentimento peculiar, que pode se encontrar atuante em milhões de pessoas
-> sentimento oceânico (comum)

-> Energia religiosa

Sentimento Oceânico: vínculo indissolúvel, de ser uno com o mundo externo como um
todo. Forma de uma indicação da vinculação com o mundo.

Não há nada que possamos estar mais certos do que o sentimento do próprio eu, do
próprio ego (que parece ser algo autônomo e unitário).
O ego parece ter linhas de demarcação bem claras e nítidas com o exterior. Só há um
estado em que ele não se apresenta assim: no auge do sentimento de amor. Neste a
fronteira entre o ego e o objeto ameaça desaparecer, confusão entre o “eu” e o “tu”.
Quando há problemas na fronteira entre o ego e o mundo externo, se dá a patologia.

O ego desenvolve-se no ser humano, a criança não tem ego quando nasce. Princípio da
realidade -> separar o ego (interno) do mundo externo.

O ego utiliza o método para afastar desprazeres do exterior também para afastar
desprazeres do interior. -> ponto de partida para importantes distúrbios patológicos.

O sentimento oceânico é então a junção do ego com o mundo externo.

No mundo da mente, o sentimento primitivo, que deu origem ao ego, continua


preservado na mente ainda. Ambas as partes continuam convivendo no mesmo lugar
(exemplo de Roma: se quisermos representar a seqüência histórica em termos
espaciais, só conseguiremos fazer por justaposição no espaço).
A suposição de que tudo o que passou é preservado se aplica, mesmo na vida mental,
só com a condição de que o órgão da mente tenha permanecido intacto e que seus
tecidos não tenham sido danificados por trauma ou inflamação.
Da mesma forma se dá o desenvolvimento humano, as fases primeiras foram
absorvidas pelas posteriores, as quais forneceram material para estas últimas. Só na
mente é possível a preservação de todas as etapas anteriores do desenvolvimento.
Tudo que se passou na vida mental PODE ser preservado, não sendo
NECESSARIAMENTE destruído.
Assim podemos afirmar que o sentimento oceânico existe em muitas pessoas e nos
inclinamos a fazer sua origem remontar a uma fase primitiva do sentimento do ego.
Que direito tem então esse sentimento de se fazer fonte das necessidades religiosas?

por Diogo Leite 2


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Necessidade de proteção na infância: pai, na vida adulta: destino, medo da morte. A


origem da atitude religiosa pode ser remontada até o sentimento de desamparo
infantil.
O sentimento oceânico se vinculou à religião posteriormente. “A ‘unidade com o
universo’, que constituiu seu conteúdo ideacional, soa como uma primeira tentativa de
consolação religiosa, como se configurasse outra maneira de rejeitar o perigo que o
ego reconhece e ameaçá-lo a partir do mundo externo.”

Capítulo II
A religião tem apenas a função de personificar um “pai”, uma figura a quem
responder, em substituição aos pais da infância. Respondemos e nos dirigimos a Deus
do mesmo jeito que nos retratávamos aos nossos pais quando criança.

A vida é árdua demais, com muitos sofrimentos e decepções e para suportá-la,


temos que usar algumas medidas paliativas. Uma delas são os derivativos poderosos,
que nos fazem extrair luz da nossa desgraça; outra são as satisfações substitutivas,
que a diminuem; e a última são as substâncias tóxicas, que nos tornam insensíveis a
ela.

Exemplo de satisfações substitutivas: arte (são ilusões), que são tão eficazes
graças ao papel que a fantasia assumiu na vida mental. Já as substâncias influenciam
nosso corpo e alteram sua química.

A religião responde à questão do propósito da vida: “qual o sentido da vida?”.


Uma das buscas pelo homem pode ser a da felicidade, ou para ter momentos de
prazer, ou ao mínimo para evitar os momentos de desprazeres. O que decide o
propósito da vida é o princípio do prazer, que domina o funcionamento do aparelho
psíquico desde o início.

“O que chamamos de felicidade no sentido mais restrito provém da satisfação


(de preferência, repentina) de necessidades represadas em alto grau, sendo, por sua
natureza, possível apenas como uma manifestação episódica.” Só entendemos o
prazer por haver um contraste, ou seja, em comparação com o momento anterior. Por
isso nossas possibilidades de felicidade são restringidas por nossa própria constituição.

Já o sofrimento de infelicidade é menos difícil de experimentar, pois pode vir


do nosso próprio corpo (decadência, envelhecimento), do mundo externo (ambiente,
forças, natureza – fragilidade do homem) e dos nossos relacionamentos com os
outros homens, que talvez seja o mais penoso.

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Contra o sofrimento que pode advir dos seres humanos, a defesa mais imediata
é o isolamento voluntário. Com isso pode-se buscar a felicidade da quietude, a
felicidade de se evitar a infelicidade.

No entanto, todos os métodos para evitar o sofrimento interferem no nosso


próprio organismo, ou seja, todo sofrimento nada mais é do que uma sensação, só
existe na medida em que sentimos. O mais grosseiro e o mais eficaz método é o
químico.

Além disso, nossa estrutura mental admite outras formas de influências. Uma
delas é a busca do prazer, da felicidade, pela realização dos instintos, para se satisfazer
sensorialmente.

Porém, tal satisfação dos instintos é controlada pelos agentes psíquicos


superiores, diminuindo a satisfação pela realização do instinto. -> “O sentimento de
felicidade derivado da satisfação de um selvagem impulso instintivo não domado pelo
ego é incomparavelmente mais intenso do que o derivado da satisfação de um instinto
que já foi domado”.

Outra técnica para afastar o sofrimento consiste no deslocamento da libido que


nosso aparelho mental possibilita. -> reorientar os objetivos instintivos, tornar
independente do mundo externo por processos psíquicos internos

Há outro procedimento em que a distenção do vínculo com a realidade é ainda


maior: a satisfação das ilusões, vindas da vida da imaginação.

Outro processo é ainda mais enérgico: considera a realidade como a única


inimiga e a fonte de todo sofrimento, de modo que se quisermos ser felizes, temos que
romper com a realidade. Cria-se um mundo à parte, isento dos desprazeres da
realidade.

A última técnica de conseguir felicidade e afastar o sofrimento é a “arte de


viver”, o indivíduo passa a ser independente do “Destino”, e localiza a satisfação nos
processos mentais internos. Obtém sua felicidade pelo apego aos objetos do mundo
externo. Esta é a modalidade de vida que faz o amor o centro de tudo, que busca toda
a satisfação em amar e ser amado. No entanto é a forma mais vulnerável, nunca os
achamos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, tão
desamparadamente infelizes como quando perdemos nosso objeto amado.

Uma das formas de fruição da felicidade é a da busca pela beleza, que é uma
derivação do campo do sentimento sexual. Amor pela beleza -> impulso inibido

“A felicidade, no reduzido sentido em que a reconhecemos como possível,


constitui um problema de economia da libido do indivíduo.”

por Diogo Leite 4


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Assim criam-se três tipos de homem: o predominantemente erótico, que dará


preferência aos relacionamentos emocionais; o narcisista, que é auto-suficiente, e
tende a procurar suas satisfações em seus processos mentais internos; e o homem de
ação, que nunca abandonará o mundo externo, onde pode testar sua força.

No entanto não devemos buscar a nossa felicidade em uma única dessas


fontes.

Caso uma dessas fontes por algum motivo se mostre inviável, uma das
conseqüências é a fuga para a enfermidade neurótica, ou a intoxicação crônica.

Com isso a religião impõe um único caminho para a busca da felicidade e da


proteção contra o sofrimento, consistindo em depreciar o valor da vida e deformar o
quadro do mundo real de maneira delirante. Com isso a religião consegue poupar
muitas pessoas da neurose individual.

No entanto, nenhuma dessas formas de buscar a felicidade é perfeitamente


segura, nem mesmo a religião.

Capítulo III
Duas das três formas de infelicidade (poder superior da natureza e a fragilidade
de nossos próprios corpos) nos forçam a reconhecê-las e a se submeter ao inevitável.
Já a terceira fonte, a fonte social de sofrimento, não a admitimos, não entendemos
por que os regulamentos estabelecidos por nós mesmos não representam, ao
contrário, proteção e benefício para cada um de nós. Podemos perceber aqui que há
também uma parcela da natureza inconquistável, dessa vez uma parcela de nossa
própria constituição psíquica.

Há um argumento que diz que a civilização é a grande responsável por nossas


desgraças e que seríamos muito mais felizes se voltássemos à vida primitiva. No
entanto todas as coisas que buscamos para nos proteger da infelicidade são oriundas
da civilização.

A origem da insatisfação com a civilização vem então de alguns acontecimentos


históricos específicos. Um desses fatores pode ser o relacionamento hostil do
cristianismo com as religiões pagãs, e sua posterior vitória sobre estas. Outra ocasião
foi quanto o progresso das navegações conduziu o contato com raças e povos
primitivos. A última ocasião foi quando as pessoas tomaram conhecimento das
neuroses, que ameaçam solapar a pequena parcela de felicidade do homem civilizado.
-> “descobriu-se que uma pessoa é neurótica porque não pode tolerar suas frustrações
que a sociedade lhe impõe, a serviço de seus ideais culturais, inferindo-se disso que a
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abolição ou redução dessas exigências resultaria num retorno a possibilidades de


felicidade.”

Outro fator de desapontamento é o crescente poder sobre a natureza, pelo


progresso científico, que não aumentou a fonte de felicidade do homem. Assim o
poder sobre a natureza não é a única condição para a felicidade, assim como não é o
único objetivo do esforço cultural.

O progresso científico traz sim felicidade (exemplo do telefonema ou do


telegrama para aliviar a saudade), mas na visão pessimista, de que adianta tais
progressos, de que adianta uma vida longa se ela se revela difícil e tão cheia de
desgraças que só a morte é reconhecida por nós como uma libertação.

Parece certo que não nos sentimos confortáveis com a civilização atual, mas em
que grau os homens das civilizações anteriores se sentiram mais felizes? No entanto, a
felicidade é algo totalmente subjetivo, não é possível comparar assim as felicidades
que diferentes homens de diferentes épocas sentem.

É necessário agora, portanto, descrever a origem da civilização. A palavra


“civilização” descreve as realizações e regulamentos que distinguem nossas vidas das
de nossos antepassados animais e que servem a dois intuitos: de proteger o homem
contra a natureza e de ajustar seus relacionamentos mútuos.

Primeiramente, reconhecemos como culturais todas as atividades e recursos


úteis aos homens, por lhes tornarem a terra proveitosa, por protegem-nos contra a
violência das forças da natureza, e assim por diante. Os primeiros atos da civilização
foram a utilização de instrumentos e o controle sobre o fogo. Através destes
instrumentos, o homem recria seus próprios órgãos ou amplia os limites de seu
funcionamento. “O Homem tornou-se assim uma espécie de ‘deus de prótese’”. Com
esses progressos o homem se sente mais semelhante ainda à Deus, contudo, o homem
não se sente feliz em seu papel de semelhante a Deus.

Portanto, reconhecemos que os países que atingiram maior nível de civilização


são os que utilizam tudo que pode ajudar na exploração da terra e na sua proteção
contra as forças do mundo é útil para ele.

O homem também tem um anseio por beleza, a sujeira de qualquer espécie nos
parece incompatível com a civilização. Da mesma forma entendemos nossa exigência
de limpeza com o corpo humano. É o anseio por ordem, que é uma espécie de
compulsão a ser repetida, que decide quando e como uma coisa será efetuada. Com
isso, há os benefícios da ordem, de o homem utilizar o espaço e o tempo para seu
melhor proveito, conservando ao mesmo tempo as forças psíquicas nele.

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Com isso, a limpeza, a beleza e a ordem ocupam uma posição especial entre
as exigências da civilização. Outro bom caracterizador das civilizações são a estima e o
incentivo em relação às mais elevadas atividades mentais (realizações intelectuais,
artísticas e científicas). Entre essas idéias estão os sistemas religiosos, as especulações
da filosofia e os “ideais” do homem, suas idéias a respeito da possível perfeição do
homem.

O aspecto da civilização, e último, a ser analisado é a maneira pela qual os


relacionamentos mútuos dos homens são regulados. O elemento da civilização entra
em cena com a primeira tentativa de regular esses relacionamentos sociais. A
substituição do poder do indivíduo pelo poder da comunidade constitui o primeiro
passo da civilização, a vida humana só se torna possível quando se reúne uma
maioria mais forte do que qualquer outro indivíduo isolado e que permanece unida
contra todos os indivíduos isolados. Para isso os membros dessa civilização devem
renunciar as possibilidades de satisfação individuais e se submeterem à lei, à garantia
de que esta não será violada em favor de um indivíduo.

Com isso, a liberdade do indivíduo não constitui o dom da civilização. Esta era
muito maior antes da existência de qualquer civilização. A civilização impõe restrições
a ela e a lei garante que ninguém fuja a essas restrições.

Grande parte dos conflitos da civilização se centralizou na tarefa única de


encontrar uma acomodação conveniente. Um dos problemas é saber se essa
acomodação pode ser alcançada por meio de uma forma específica de civilização ou se
esse conflito é irreconciliável.

Há uma grande semelhança existente entre o processo civilizatório e o


desenvolvimento libidinal do indivíduo. Outros instintos são induzidos a deslocar as
condições de sua satisfação, a conduzi-la para outros caminhos. Em alguns casos esse
processo coincide com os da sublimação com que nos achamos familiarizados. A
sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do
desenvolvimento cultura, é ela que torna possível às atividades psíquicas superiores,
científicas, artísticas ou ideológicas, o desempenho de um papel tão importante na
vida civilizada.

Outro ponto é que é impossível desprezar o ponto até o qual a civilização é


construída sobre uma renúncia do instinto, o quanto ela pressupõe exatamente a não-
satisfação de instintos poderosos. Essa frustração cultural domina o grande campo
dos relacionamentos sociais entre os seres humanos e é a causa da hostilidade
contra a qual todas as civilizações têm de lutar. Não é fácil compreender como pode
ser possível privar de satisfação um instinto, e se a perda não for economicamente
compensada, pode-se ficar certo que sérios distúrbios ocorrerão disto.

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Capítulo IV
Depois que o homem primitivo se deu conta de que sua sobrevivência estava
em suas mãos, percebeu que seria vantajoso se unir a outros homens. Aí se deu a
formação da família, onde o macho sentiu a necessidade de estar ao lado da fêmea e
esta a necessidade de ficar junto de seus filhos, ficando também com o macho mais
forte. No entanto nessa família primitiva, a vontade do pai era irrestrita. A vida
comunitária dos seres humanos teve, portanto, um fundamento duplo: a compulsão
para o trabalho, por necessidades externas; e o poder do amor. Com isso Eros e
Ananke (amor e necessidade) se tornam os pais também da civilização humana.

Viver e obter felicidade somente do amor pode ser perigoso, portanto, as


pessoas que optam por isso, acabam por necessitar de alterações mentais de grande
alcance na função do amor. Com isso tais pessoas deslocam o que mais valorizam no
ser amado para o amar, voltam seu amor não para objetos isolados, mas para todos
os homens.

O amor que fundou a família continua a operar na civilização, tanto em sua


forma original como em sua forma modificada. Continua a sua função de reunir
consideráveis quantidades de pessoas de um modo mais intensivo do que o que pode
ser alcançado através do interesse pelo trabalho em comum.

O amor genital conduz a formação de novas famílias e o “amor inibido em sua


finalidade” cria as amizades. No entanto no decurso do desenvolvimento a relação de
amor e civilização perde sua falta de ambigüidade. O amor se coloca em oposição aos
interesses da sociedade e a sociedade ameaça o amor com restrições substanciais.

Quanto mais os indivíduos de uma família se sintam ligados entre si, mais
dificuldades terão de se unir aos outros de fora da família. As mulheres também se
opõem à idéia de civilização, pois estas representam os interesses da família e da vida
sexual e o trabalho de civilização tem se mostrado cada vez mais masculino. O
trabalho masculino mina as energias da libido e a mulher se sente relegada a
segundo plano pelas exigências da sociedade.

A sociedade deve e age fortemente contra a libido, contra o amor sexual. A


energia psíquica da libido é direcionada a outras áreas, pois é economicamente
vantajoso. A vida sexual do homem civilizado encontra-se severamente prejudicada.
Às vezes somos levados a pensar que não se trata apenas de pressão da civilização,
mas de algo da natureza da própria função que nos nega satisfação completa e nos
incita a outros caminhos.

Capítulo V

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As frustrações da vida sexual são precisamente aquelas que as pessoas conhecidas


como neuróticas não podem tolerar. O neurótico cria satisfações substitutivas para si.

O amor libidinal basta para dois amantes (o casal de namorados que não quer
saber do resto do mundo). E teoricamente o amor libidinal entre pares e o vínculo com
o mundo externo pela força do trabalho seriam suficientes, mas a civilização visa unir
os membros da sociedade de maneira libidinal também, e usa todos os artifícios para
que dois indivíduos sintam vontade de se unir.

A pista da origem disto pode ser: “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. No
entanto é difícil sentir amor por algum desconhecido, só é possível quando há
identificação, quando é possível que o homem se possa amar amando aquela pessoa.
Seria injustiça também colocar estranhos no mesmo patamar onde estão os que
realmente amamos, pela valorização do amor que os amados dão em amá-los. Se devo
amar a todos só por existir, então caberá a todos apenas uma pequena parcela de
amor. (Inflação do amor, que é desvalorizado pela banalização)

No entanto esse estranho pode provocar mais o sentimento de ódio do que de


amor, só por ser estranho. Parte-se do princípio que o outro, o estranho, não se
importa comigo e pode fazer qualquer coisa para satisfazer seus desejos, logo, deve-se
agir de maneira recíproca também. Do mesmo modo, o mandamento “Ama seu
próximo como a ti mesmo” é o mesmo que “ama teu inimigo”, pois o próximo pode
ser considerado um inimigo.

Além disso, mesmo se tal mandamento fosse respeitado, de amar o outro como
a si mesmo, há diferenças nos seres humanos no que é classificado como bom ou mau,
há diferenças éticas.

O elemento a que todos estão dispostos a repudiar é que “Os homens são
criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se
quando atacadas”, levando a crer que os dotes instintivos do homem possuem uma
poderosa quota de agressividade. Com isso o próximo não é só apenas um ajudante
potencial, um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele
sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação.

A existência da tendência para a agressão, que podemos detectar em nós


mesmos e supor com justiça que ela está presentes nos outros, constitui o fator que
perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a civilização a um tão
elevado dispêndio de energia. Com isso a sociedade civilizada se vê permanentemente
ameaçada pela desintegração. A civilização tem de se utilizar de esforços supremos a
fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas
manifestações sob controle por formações psíquicas reativas. Vem daí o emprego de
métodos destinados a incitar as pessoas a identificações e relacionamentos amorosos

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inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí também o mandamento
de amar ao próximo.

No entanto os comunistas acreditam que o homem é inteiramente bom e bem


disposto com o seu próximo, mas a instituição da propriedade privada lhe corrompeu a
natureza. A propriedade privada concede poder ao indivíduo, e com ele, a vontade de
maltratar o próximo.

Se a propriedade privada fosse abolida, tudo seria de todos e não haveria


motivos para interpretar o próximo como um inimigo. No entanto a agressividade não
foi criada pela sociedade e estava presente desde os primórdios, quando mal havia o
conceito de propriedade.

Além disso, não é fácil aos homens abandonar a satisfação dessa inclinação
para a agressão. Um grupo só se sente coeso quando há membros de fora deste a
quem descontar a agressividade dos membros do grupo. É o caso de territórios
adjacentes com rixas constantes, o “narcisismo das pequenas diferenças”.

Se a civilização nos impõe sacrifícios tão grandes, tanto pela sexualidade como
pela agressividade, fica claro porque é tão difícil viver nessa civilização. Na verdade o
homem primitivo se acha em situação melhor sem conhecer as restrições de instinto.
No entanto, para este, os momentos de felicidades eram muito tênues. O homem
civilizado trocou, portanto uma parcela de suas felicidades pela possibilidade de viver
em segurança.

Podemos efetuar em nossa civilização alterações tais que satisfaçam melhor


nossas necessidades e escapem às nossas críticas.

Capítulo VI
Teoria dos instintos: “São a fome e o amor que movem o mundo”, a fome pode
ser vista como os instintos de sobrevivência ao passo que o amor visa à perpetuação
da espécie.

A neurose foi caracterizada então como o resultado de uma luta entre o


interesse da autopreservação e as exigências da libido, luta da qual o ego saiu
vitorioso, ainda que ao preço de graves sofrimentos e renúncias.

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Conceito de narcisismo: o próprio ego se acha catexizado1 pela libido, de que o


ego, na verdade, constitui o reduto original dela e continua a ser, até certo ponto, seu
quartel-general.

“Ao lado do instinto para preservar a substância viva e para reuni-la em


unidades cada vez maiores, deveria haver outro instinto, contrário àquele, buscando
dissolver essas unidades e conduzi-las de volta a seu estado primevo e inorgânico.”->
Instinto de morte, de destruição. As ações da vida podem ser explicadas pela ação
concorrente dos dois instintos. No entanto o instinto de morte é mais reprimido, mais
escondido e, portanto mais difícil de ser observado.

Uma parte deste sentido é desviada ao mundo externo e vem à luz como um
sentido de agressividade, de destruição. Com isso o instinto pode ser compelido a
destruir algo ou algum organismo, ao invés de destruir a si mesmo. Com isso qualquer
tentativa de barrar essa agressividade estaria fadada a se tornar autodestruição.

O nome “libido” é utilizado para denotar as manifestações de poder do Eros e


distingui-las da energia do instinto de morte. A satisfação do instinto é acompanhada
por um alto grau de fruição narcísica, devido ao fato de presentear o ego com a
realização de antigos desejos de onipotência deste último. O instinto de destruição,
portanto, moderado e domado, inibido em sua finalidade, deve se dirigir a objetos
para proporcionar ao ego a satisfação de suas necessidades vitais de controle sobre a
natureza.

A inclinação para a agressão é, portanto, uma disposição instintiva


original e auto-subsistente, e ela é o maior impedimento à civilização.

Logo “a civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é


combinar indivíduos humanos isolados, depois famílias e, depois ainda, raças, povos e
nações numa única grande unidade, a unidade da humanidade.” Tais reuniões devem
estar libidinalmente ligadas umas às outras, a necessidade, as vantagens do trabalho
não as manterão, por si só, unidas.

No entanto o instinto de agressividade do homem se opõe a esse programa da


civilização. Tal instinto de agressividade é o derivado e o principal representante do
instinto de morte.

O significado da civilização é de representar a luta entre o Eros e a Morte, o


instinto de vida e o instinto de destruição. Portanto a evolução da civilização pode ser
descrita como a luta pela vida.
1
Houaiss: Rubrica: psicologia, psicanálise: investir energia mental ou emocional na representação precisa
de (algo); catectizar

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Capítulo VII
Os animais não possuem tal luta cultural, entre Eros e morte. Isso se dá, pois
um equilíbrio temporário foi alcançado entre as influências de seu meio ambiente e os
instintos mutuamente conflitantes dentro deles, ocorrendo assim uma cessação de
desenvolvimento. Uma das hipóteses é que, no homem primitivo, um novo acréscimo
de libido tenha provocado um surto renovado de atividade por parte do instinto
destrutivo.

Uma das formas de inibir a agressividade (e permitir a civilização) é introjetá-la,


internalizá-la, enviar de volta para o lugar de onde proveio, ou seja, ela é dirigida no
sentido do próprio ego. Surge então daí o SUPEREGO, que se coloca contra o resto do
ego, e sob forma de consciência luta com a mesma agressividade rude contra o EGO.
Esta tensão causada pelo conflito entre os dois é o chamado sentimento de culpa,
expressando-se como uma necessidade de punição. Deste modo a civilização
consegue desarmar o indivíduo enfraquecendo-o e estabelecendo dentro de seu
interior um agente para cuidar dele (SUPEREGO).

Tal sentimento de culpa pode vir não só quando uma pessoa cometer um ato
que esta considere má, como também apenas por ter a intenção de fazer algum ato
ruim. Surge então a questão de o porquê de a intenção ser considerada equivalente
ao ato. O que uma pessoa considera bom ou mau não é necessariamente o que pode
ser bom ou mau para ela, para seu ego, e o que ela considera como mau pode até ser
bom para seu ego. Está aí presente então uma influência estranha, uma influência
externa que nos diz o que é bom e o que é mau.

Um desses fatores externos é o medo da perda de amor, ou seja, o medo da


perda de contato com outros seres humanos. Se esta pessoa perde o amor de uma
pessoa que é dependente, fica também desprotegida de uma série de perigos,
sobretudo o perigo de que uma pessoa mais forte mostre sua superioridade sob
forma de punição.

O sentimento de culpa é, portanto aquilo que, com a perda de amor, faz os


homens se sentirem ameaçados. No entanto este perigo só se instaura quando a
autoridade descobrir a atitude má. As pessoas só se sentem seguras a fazer alguma
coisa má se as autoridades não descobrirem, que no caso da criança são os próprios
pais e do adulto a sociedade como um todo.

Uma grande mudança só se realiza então quando a autoridade é internalizada


através do conhecimento do superego, pois os fenômenos da consciência atingem um

por Diogo Leite 12


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estado mais elevado2. Neste ponto o medo de ser descoberto se extingue e, além
disso, a distinção de fazer algo mau e desejar fazê-lo se extingue, já que nada pode ser
escondido do superego. “O superego atormenta o ego pecador com o mesmo
sentimento de ansiedade e fica à espera de oportunidades para fazê-lo ser punido pelo
mundo externo.”

Neste estágio de desenvolvimento, quanto mais virtuosa uma pessoa é, mais


severo e desconfiado é seu comportamento. Outro fator que acentua a influência do
superego é a má sorte – no campo da ética – isto é, a frustração externa. Quando
ocorre tudo bem com um homem, a sua consciência é lenitiva, mas quando o
infortúnio lhe sobrevém, ele busca sua alma, reconhece sua pecaminosidade, eleva as
exigências de sua consciência, impões abstinência e se castiga com penitências.

Neste caso o Destino é encarado como um substituto do agente parental. Se


um homem tem má sorte, ele não é mais amado por esse poder supremo. Isso se
torna especialmente claro quando o Destino é encarado como uma Vontade Divina.
Isso fica claro quando povos passam por catástrofes, sua religiosidade não diminui e
até aumenta, sendo mais fervorosos e mais punitivos consigo mesmos por terem tido
falta de religiosidade e ter causado a ira do Todo Poderoso.

Há duas origens, portanto, do sentimento de culpa: a que se origina por medo


da autoridade (medo de perder o amor de quem é dependente) e o medo do
superego. A primeira exige apenas uma renúncia às satisfações instintivas, já a
segunda, faz isso também e ainda exige punição. Esta severidade do superego pode
ser entendida apenas como uma extensão da autoridade externa.

Com o desenvolvimento do superego, não bastou apenas a renúncia ao


instinto, ocorrendo um sentimento de culpa, representando uma desvantagem
econômica na construção do superego (na construção da consciência). A infelicidade
externa foi, portanto, transformada em infelicidade interna, pela tensão do
sentimento de culpa.

Toda renúncia ao instinto torna-se, portanto, uma fonte dinâmica de


consciência, e a cada nova renúncia aumenta a severidade e a intolerância desta
última. Portanto, paradoxalmente, a consciência é o resultado da renúncia instintiva
e a renúncia instintiva, imposta a nós de fora, cria a consciência que impõe mais
renúncias.

“O relacionamento entre o ego e o superego constitui o retorno, deformado


por um desejo, dos relacionamentos reais existentes entre o ego, ainda individido, e
um objeto externo.” O superego é mais severo, pois representa nossa própria
agressividade contra o ego.

2
Como a idéia do panopticom de Michael Foucalt
por Diogo Leite 13
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Há duas teorias que explicam então o sentimento vingativo do superego: ou ele


pode vir do próprio instinto agressivo do homem ou pode ser internalizado devido
aos mecanismos punitivos que a sociedade impõe. Neste sentido, a agressividade
vingativa da criança será determinada pela quantidade de agressão punitiva que
espera do pai.

Portanto, na formação do superego e no surgimento da consciência, fatores


constitucionais inatos e influências do ambiente atuam de forma combinada.

O nome do sentimento apropriado quando se fica com o sentimento de culpa


por ter feito uma má ação seria o remorso, pois este pressupõe a consciência, pois a
presteza de se sentir culpado já existia antes de o ato ser cometido.

Esse sentimento de remorso é resultante da ambivalência de sentimentos.


Depois que o ódio é satisfeito pelo ato da agressão, o amor vem para o primeiro plano,
no remorso pelo ato cometido.

Há, portanto, uma grande influência exercida pelo papel do amor no


sentimento de culpa. Como o homem obedece a esse impulso de amor para viver em
grupo, a civilização só pode alcançar seu objetivo através do sentimento de culpa.

Capítulo VIII
O sentimento de culpa é o mais importante problema no desenvolvimento da
civilização. O preço que pagamos por nosso avanço em termos de civilização é uma
perda de felicidade pela intensificação do sentimento de culpa.

Em alguns casos de neuroses é o sentimento de culpa que se faz ruidosamente


ouvido na consciência, domina o quadro clínico e também a vida do paciente. É e
necessidade inconsciente de punição.

No entanto o sentimento de culpa nada mais é do que uma variedade


topográfica da ansiedade, e em suas fases posteriores, coincide completamente com o
medo do superego.

O sentimento de culpa concebido pela sociedade permanece inconsciente ou


aparece como uma espécie de mal-estar. As religiões, por exemplo, nunca
desprezaram o papel desempenhado pelo sentimento de culpa, que chamam de
pecado.

O superego é um agente que foi por nós concebido e a consciência constitui


uma função que, entre outras, atribuímos a esse agente, que é de manter a vigilância
sobre as ações e as intenções do ego e julgá-las, exercendo sua censura. O

por Diogo Leite 14


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sentimento de culpa, a severidade do superego, é, portanto, o mesmo que a


severidade da consciência.

É a percepção que o ego tem de estar sendo vigiado dessa maneira, a avaliação
da tensão entre os seus próprios esforços e as exigências do superego. O medo desse
agente crítico constitui uma manifestação instintiva por parte do ego, que se tornou
masoquista sob a influência de um superego sádico, é, por assim dizer, uma parcela do
instinto voltado para a destruição interna presente no ego.

Quanto ao sentimento de culpa, temos que admitir que exista antes do


superego, e, portanto, antes da consciência também.

O sentimento de culpa era a conseqüência dos atos de agressão de que alguém


se abstivera, em outro, porém, constituía a conseqüência de um ato de transgressão
que fora executado. No entanto, com a instituição da autoridade interna, o superego,
altera-se radicalmente a situação. Antes disso o sentimento de culpa coincidia com o
remorso, mas posteriormente, devido à onisciência do superego, a diferença entre
uma agressão pretendida e uma agressão executada perdeu sua força, daí em diante
o sentimento de culpa poderia ocorrer não só por um ato realmente efetuado, como
também um ato pretendido.

Primeiramente foi descrita a neurose como satisfações substitutivas para os


desejos sexuais não realizados, mas talvez a neurose oculte uma quota de sentimento
inconsciente de culpa, o qual, por sua vez, fortifica os sintomas. Logo, quanto uma
tendência instintiva encontra repressão, seus elementos libidinais são transformados
em sintomas e seus componentes agressivos em sentimentos de culpa.

O desenvolvimento do indivíduo parece ser um produto da interação entre


duas premências, a premência no sentido da felicidade, que geralmente chamamos de
“egoísta”, e a premência no sentido da união com os outros da comunidade, que
chamamos de “altruísta”.

Há uma analogia que pode ser feita ao comparar o processo de constituição do


superego do indivíduo com o superego de uma época de uma civilização, que se baseia
na impressão deixada pelas personalidades dos grandes líderes.

Outro ponto de concordância entre o superego cultural e o individual é que o


primeiro, tal como o último, estabelece exigências ideais estritas, cuja desobediência é
punida pelo “medo da consciência”.

A ética pode ser considerada uma tentativa terapêutica da civilização de fazer o


papel do superego.

Ao compararmos o desenvolvimento da civilização com o do indivíduo, e se


emprega os mesmos métodos, não temos nós justificativa para diagnosticar que, sob
por Diogo Leite 15
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influência de premências culturais, algumas civilizações, ou algumas épocas da


civilização, se tornaram “neuróticas”?

A questão fatídica para a espécie humana é até que ponto seu


desenvolvimento cultural conseguirá dominar a perturbação de sua vida comunal
causada pelo instinto humano de agressão e autodestruição. Os homens adquiriram
sobre as forças da natureza tal controle, que, com a sua ajuda, não teriam dificuldades
em se exterminarem uns aos outros, até o último homem. Sabem disso, e é daí que
provém grande parte de sua atual inquietação, de sua felicidade e de sua ansiedade.
-> A origem do mal-estar da civilização

por Diogo Leite 16

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