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Caderno 2/A RENOVAÇÃO CONSERVADORA Page 1 of 6

Domingo,
24 de janeiro de 1999
A RENOVAÇÃO CONSERVADORA

ROLDÃO ARRUDA

Os críticos do padre Marcelo Rossi, localizados principalmente na ala


progressista do clero, atribuem parte de seu sucesso às concessões que faz
à mídia. Abdicando de um comprometimento maior com a fé cristã, ele se
teria tornado tão light e palatável que pode ser vendido em todo programa
de TV e qualquer mercado. "Ele sabe comunicar-se e é inegável que tem
valores, mas se adapta cada vez mais ao mercado, dentro da lógica de que
não se deve mudar ou melhorar aquilo que vende bem", afirma o monge
beneditino Marcelo Barros, escritor e pensador respeitado entre os
progressistas. "Será que a mídia daria tanta atenção a ele se falasse de
forma mais profunda sobre o comprometimento do cristão?"

Pode ser que não. É difícil imaginar o apresentador Fausto Silva, da


Globo, ou Gugu Liberato, do SBT, abrindo espaço de uma hora na
programação dominical para algum padre da Teologia da Libertação. Ele
poderia fazer a apologia da invasão de terras na zona rural, em vez de
eletrizar a platéia com cantos e palmas. Mas isso não é tudo que se pode
dizer a respeito.

O padre Marcelo Rossi já atraía multidões e lotava igrejas antes que


as redes de TV o descobrissem. O Estado registrou isso numa reportagem
publicada há mais de três anos, em julho de 1995, ao descrever uma
celebração conduzida por ele na Paróquia Nossa Senhora Aparecida, em
Moema, bairro de classe média na zona sul de São Paulo. Numa quarta-
feira à tarde, o padre, alto, de olhos azuis, faces rosadas e recém-saído do
seminário, manteve mais de mil mulheres num estado de transe místico
durante três horas.

Sopro divino - A atmosfera era tão envolvente que quando ele


invocou a presença do Espírito Santo sobre todos e pediu que soltassem a
língua, muitas começaram a exprimir-se de modo estranho, como se
falassem línguas diferentes - a exemplo do que aconteceu aos apóstolos
quando um sopro divino baixou sobre eles, logo após a morte de Jesus,
segundo os escritos cristãos.

O padre fez isso sem nenhuma pirotecnia televisiva, acompanhado por


uma banda simples, com órgão, violão e maraca. O mais surpreendente,
porém, era o fato de toda a cerimônia ser calcada num tipo de catolicismo
antigo e popular.

Entre outras coisas, durante a cerimônia em Moema o padre benzeu

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garrafas com água e pacotes de sal que as mulheres haviam trazido de


casa. Segundo a fé popular, o sal refinado e benzido destina-se aos
alimentos e ajuda a espantar doenças. Se for grosso, deve ser espalhado
por locais estratégicos da casa, para afastar o demônio. Água benta deve
ser servida a toda a família, ajudando a trazer paz e tranqüilidade.

O padre faz isso até hoje, mas numa escala incrivelmente maior. Boa
parte das centenas de milhares de ouvintes de seu programa na América
costuma colocar litros de água ao lado do rádio, para que sejam benzidos.
Ele também pode abençoar chaves da moradia e do automóvel, roupas de
enfermos, fotos. Há fiéis que ouvem a transmissão com a mão sobre o
rádio.

Nas missas realizadas no galpão de Santo Amaro, nada é mais


impressionante do que o momento em que o sacerdote, paramentado com
a pompa necessária ao momento, desce do altar e cruza a multidão
erguendo a hóstia consagrada num ostensório - invólucro de metal
dourado, com visor de vidro. Tudo de acordo com a mais rica tradição
católica de adoração do corpo de Cristo. Muitos fiéis choram. E entre os
objetos que exibem para ser abençoados naquele instante sempre se
destaca uma enorme quantidade de carteiras de trabalho de pessoas
desempregadas.

Milagres - Outra face notável das celebrações está ligada aos


milagres, que ocorrem aos borbotões, segundo relatos dos fiéis. "São sinais
visíveis da presença de Deus entre nós", ressalva o padre. Para demonstrar
isso, às vezes pergunta de cima do altar: "Quem de vocês chegou aqui com
dor de garganta e agora não sente mais nada? Levante a mão. " Depois
que os curados daquele mal atendem ao pedido, ele passa por outros
problemas, como dor de cabeça, artrite, dores na coluna, reumatismo. E
sempre encontra alguém curado.

O padre acredita que a maior parte das dores físicas - ele fala em
70% - está relacionada a problemas de ordem psicológica, especialmente a
depressão. É provável que as celebrações tenham um efeito relaxante ou
de valorização da auto-estima das pessoas, com reflexos no estado físico.
Isso não o impede de acreditar que no caso dos outros 30% os milagres
sejam reais, envolvendo até doenças de difícil cura, como o câncer.

Rossi não é um pregador de peso, capaz de arrebatar pessoas com um


sermão. Também não chegou a ser um aluno brilhante no seminário
diocesano de São Paulo, onde estudou. Suas notas podem ser classificadas
de medianas. Ele sempre demonstrou, porém, sensibilidade para perceber
as necessidades dos fiéis. E logo descobriu que a tradição católica no País é
marcada por milagres, como demonstram as abarrotadas salas de ex-votos
nos santuários de Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo; da Penha, no
Rio; de Nazaré, em Belém; e de vários outros locais.

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Edir Macedo - O peso dessa cultura é tão forte no Brasil que o bispo
Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, utiliza vários de seus
elementos para atrair seguidores. Boa parte dos rituais da Universal está
mais ligada ao catolicismo popular do que ao protestantismo, conforme já
observaram pastores de outras denominações religiosas.

"Milagres, exorcismos e curas de enfermos são coisas estreitamente


vinculadas à vida de Jesus Cristo, marcaram profundamente o cristiniasmo
primitivo e nunca foram deixadas de lado pelo catolicismo popular",
observa o sociólogo e especialista em assuntos religiosos Ricardo Mariano,
da Universidade de São Paulo (USP). "No Brasil, isso tem sido revalorizado
pela Renovação Carismática Católica, de inspiração pentecostal."

Os pais do padre Marcelo, que moram em Santana, bairro da zona


norte de São Paulo, fazem parte da Renovação. Esse grupo católico,
comandado por leigos e com um total de quase 10 milhões de seguidores
no País, se organiza principalmente em torno de pequenas células,
chamadas de grupos de oração. No Estado de São Paulo existem 400
células.

Atraído pela mãe, foi num desses grupos que o jovem Marcelo Rossi,
após um breve afastamento da Igreja durante a adolescência, reencontrou
a fé católica e os valores da religiosidade popular. Isso se vem repetindo
em todo o País, dando novo vigor à Igreja Católica.

Embora sem a notoriedade de Rossi, há vários outros padres de


inspiração carismática reavivando o catolicismo. Um deles, conhecido como
padre Macário, atua no pequeno município paulista de Estiva Gerbi, a 160
quilômetros da capital. As missas de cura que ele realiza no primeiro
sábado de cada mês chegam a reunir até 5 mil pessoas na Paróquia de São
José.

O jovem padre Zeca, que faz sucesso entre jovens do Rio, realizando
missas na Praia de Ipanema, também tem ligações com os carismáticos.
Sua história é semelhante à de Rossi. "Aos 13 anos, eu me afastei da
Igreja e só voltei aos 17, para cumprir a formalidade de um curso de
crisma", conta ele. "Aí, acabei ingressando num grupo de oração, em
Copacabana, e me reencontrei."

Racionalismo - É como se houvesse uma volta na roda da história.


Em meados do século passado, a Cúria Romana tentou de todas as
maneiras sufocar as manifestações católicas mais populares e que tinham
entre seus porta-vozes beatos, videntes, benzedeiras. Os curiais preferiam
valorizar a erudição, o latim e os ritos romanos, que giravam apenas em
torno do bispo e do padre, segundo o sociólogo Mariano.

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Até hoje a Cúria vê com desconfiança relatos populares de curas


inexplicáveis. As comissões pontíficias encarregadas de examinar casos de
milagres chegam a demorar mais de meio século para admitir a existência
de um deles.

Nos anos 60 deste século, os ventos renovadores do Concílio Vaticano


II tornaram a Igreja mais tolerante. Ao mesmo tempo, porém, a revestiram
de uma forte carga humanista, mais próxima do racional do que da fé
irracional. Foi no rastro dessa virada que despontou na América Latina a
Teologia da Libertação, corrente que teve grande influência no episcopado
brasileiro entre os anos 70 e 80 e fomentou movimentos sociais na
periferia das grandes cidades e no campo. Seu avanço também significou
uma influência maior do racionalismo e, mais uma vez na história, descaso
com os aspectos emocionais e populares da fé.

Indivíduos esquecidos - Hoje, a TL perde cada vez mais influência.


As comunidades eclesiais de base (CEBs), células que constituem a base de
organização dos movimentos católicos ligados a transformações sociais,
não têm mais o peso de anos passados.

Para o sociólogo Mariano, o declínio das CEBs deve-se a vários erros.


Entre eles cita o enfoque exclusivo na questão coletiva. "A CEB propõe uma
transformação econômica e política da sociedade, mas se esquece de
problemas pessoais, familiares, ou seja: não tem o que dizer aos
indivíduos." Outro erro, segundo o estudioso, seria a ausência de emoções.
"Na CEB predomina o catolicismo erudito."

Teria sido no váculo deixado pelos teólogos da libertação, no meio


popular e da classe média, que os carismáticos encontraram espaço para
crescer, com a revalorização das emoções, dos milagres, dos dons
concedidos às pessoas pelo Espírito Santo. O padre Marcelo surgiu e
destacou-se nessa onda - com ar de bom moço, voz modulada e muita
disposição física.

Elogios e restrições - Entre os bispos que o elogiam se encontra d.


José Carlos de Lima Vaz, jesuíta que dirige a Diocese de Petrópolis, no
Estado do Rio. "Ele não fala sobre sindicalismo durante a missa", observa
d. José. "O fato de rezar com o povo, falar de anjos e ir além da dimensão
física das coisas talvez ajude a explicar o seu sucesso."

Do outro lado está o bispo d. Pedro Casaldáliga, de São Félix do


Xingu, uma das figuras mais respeitadas entre os adeptos da TL no Brasil.
"Não sou contra a música nem a dança, mas tenho medo de que isso se
transforme num show para a mídia, cheio de emoção e aleluias, mas sem
nenhum comprometimento com a fé verdadeira e o projeto de Deus", diz
ele. "Como o bom samaritano, não se pode esquecer o comprometimento

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social e econômico."

É provável que o sucesso do padre Marcelo acabe provocando debates


na próxima assembléia-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil,
prevista para abril. Mais uma vez, progressistas e conservadores devem
dividir-se.

Tradicionalismo - O irônico dessa história é que padres como Rossi,


Macário, Zeca e outros que se multiplicam pelo País estão tendo uma
experiência direta com o povo, atingindo desde pessoas muito pobres e
analfabetas a integrantes da classe média alta, num largo movimento de
massas. No fundo, foi isso o que os representantes da TL sempre buscaram
sem muito sucesso.

Outra ironia é que o padre Marcelo, que surge como um furacão


renovador para o catolicismo brasileiro, é um conservador. Moderniza as
celebrações, mas a partir de uma concepção popular tradicionalista, que
sobreviveu entre os brasileiros apesar das pressões da Igreja.

Do ponto de vista de comportamento ele também é conservador. Reza


estritamente de acordo com a cartilha do papa. Não apóia relações sexuais
antes do casamento, combate o aborto em qualquer situação, acha o
divórcio impensável e recomenda aos homossexuais que se abstenham de
relações sexuais, para não atentarem contra a natureza.

Na área política está mais para o PSDB do que para o PT, como quase
todos os carismáticos. Em São Paulo, nas eleições passadas, a Renovação
pediu abertamente votos para dois candidatos do PSDB e conseguiu elegê-
los. Salvador Zimbaldi Filho foi o deputado federal mais votodo do PSDB no
Estado, com 182 mil votos, e José Carlos Stangarlini também chegou com
folga à Assembléia.

Críticos do padre Marcelo esperam que a superexposição a que está


sendo submetido na mídia acabe por desgastá-lo rapidamente. Seria uma
onda passageira.

Furacão pentecostal - Mas qualquer previsão sobre a extensão


dessa onda é bastante complicada. A Renovação Carismática é a vertente
católica do pentecostalismo - o furacão religioso, de inspiração evangélica,
que está varrendo o mundo com enorme velocidade.

No livro Fire from Heaven, ainda não traduzido no Brasil e dedicado


especificamente à análise desse fenômeno, o respeitado teólogo Harvey
Cox afirma que se trata do "movimento de crescimento mais rápido no
mundo", avançando numa velocidade maior do que a do islamismo ou de
seitas cristãs fundamentalistas.

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Estima-se que 410 milhões de pessoas ao redor do planeta já foram


atraídas de alguma forma por religiões pentecostais e neopentecostais,
como a de Edir Macedo. Desde a Reforma de Martinho Lutero (1483-1546)
não se via nada tão dramático no interior do cristianismo.

No Brasil, a Renovação já existe há quase 30 anos. Mas só agora


começa a caminhar de maneira acelerada. O sucesso do padre Marcelo
pode empurrá-la ainda mais.

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Domingo,
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A RENOVAÇÃO CONSERVADORA Interesse pelo uso de
marketing religioso cresce

Sucesso do padre Marcelo esquenta discussões entre líderes católicos


sobre como chegar aos fiéis

ROLDÃO ARRUDA

O sucesso do padre Marcelo Rossi na mídia esquentou as discussões


internas da Igreja Católica sobre formas de comunicação com os fiéis. Um
clima de inquietude perpassa toda a estrutura da instituição, a partir da
sacristia. Segundo um consultor da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), padre Alberto Antoniazzi, muitos sacerdotes brasileiros se
defrontaram nas últimas semanas com a seguinte pergunta: "Por que o
senhor não reza como o padre Marcelo?"

O debate não é novo e pode prosseguir por um bom tempo, uma vez
que remete a outra discussão, mais complexa, sobre a estrutura paroquial
da Igreja, herdada dos tempos da Idade Média. Se antes um padre tinha
poder sobre a área de sua paróquia, dizendo aos paroquianos como rezar e
comportar-se, hoje compete com outro padre que invade seus domínios
pela TV.

De imediato o debate beneficia a ala do clero que defende mudanças


na comunicação da Igreja e, principalmente, o uso do marketing na área
religiosa. É cada vez mais visível o grupo de padres e bispos que mostram
interesse em conhecer e difundir aquilo que os empresários já usam de
forma sistematizada há mais de 30 anos e os políticos também sabem
aproveitar com maestria: técnicas adequadas para vender o peixe.

Pela visão desse grupo, o clero deve promover adequações e tornar-se


mais flexível diante das necessidades dos consumidores - no caso os fiéis.
Eles criticam os padres que continuam aferrados a um tempo em que a
Igreja Católica detinha o monopólio da fé e atuava como uma estatal.
Bastava definir regras e esperar que os consumidores se adaptassem.

Segundo comentários de um defensor do marketing, há párocos que


nem sequer consultam a clientela sobre o horário das celebrações. "Um
padre que reza missa às 18h30 pode estar resolvendo o problema dele,
que deseja jantar, ver a novela das oito, mas não atende o trabalhador que
sai do serviço no fim da tarde."

Sinal de entusiasmo - Um dos sinais mais visíveis do entusiasmo do


clero com o uso de técnicas de mercado é o Instituto Brasileiro de

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Marketing Católico (IBMC), criado para estimular estudos e iniciativas


nesse terreno. Em maio, o instituto vai realizar em Salvador, na Bahia, um
seminário nacional para a discussão de marketing religioso. Entre os
convidados especiais do evento se encontra o bispo americano d. John
Patrick Folley, presidente do Conselho Pontifício das Comunicações Sociais,
organismo encarregado de estimular ao redor do mundo o uso de meios de
comunicação na tarefa de evangelização.

O seminário de Salvador será o quarto realizado pelo IBMC e, segundo


os organizadores, deverá reunir cerca de 600 católicos. Trata-se de um
número elevado, se comparado ao do primeiro seminário, em 1996, que
reuniu 150 católicos.

Animados, os dirigentes do IBMC já articulam o encontro do ano 2000.


Será no Rio, com o apoio do cardeal-arcebispo d. Eugênio de Araújo Sales.
Considerado o homem mais influente da Igreja no Brasil e bom
administrador, ele tem um perfil conservador, pouco adequado a
mudanças. Sinal disso é a missa que a Arquidiocese apresenta nas manhãs
de domingo na TV, em horário cedido pela Rede Globo - a maior do País. O
formato da celebração é tradicionalíssimo, gélido, se comparado às
catárticas celebrações de carismáticos como o padre Marcelo.

Mas aos poucos o cardeal tem aceitado e estimulado mudanças em


outras áreas, movido em grande parte pelo formidável avanço dos
neopentecostais no Rio. Em nenhum Estado brasileiro eles conquistaram
tanto terreno quanto lá, segundo pesquisas do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).

Com o apoio do Vaticano, d. Eugênio orquestrou a visita do papa João


Paulo II ao Rio, em 1977, como um grande show, ao qual não faltaram
artistas populares como Roberto Carlos e Fafá de Belém. Chegou a reunir
1,5 milhão de pessoas para a missa com o pontífice no Aterro do
Flamengo.

D. Eugênio também estimulou a ação dos carismáticos e o surgimento


de lideranças jovens, como o padre Zeca. Com 28 anos, ele realiza missas
animadas por bandas de música na Praia de Ipanema e no fim do ano
passado lançou Deus É Dez, um CD com músicas religiosas.

O cardeal do Rio também apóia a difusão de técnicas de marketing e


até incluiu a matéria nos cursos de reciclagem que regularmente organiza
para os padres da arquidiocese. No fim do ano passado, um professor da
Pontifícia Universidade Católica (PUC) deu uma aula sobre o assunto para
70 padres.

"O que se busca é o aprimoramento das formas de comunicação",


explica o jesuíta Jesus Hortal Sanchez, reitor da PUC. Segundo o padre, se

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antes os seminaristas aprendiam sobretudo a arte do sermão, a retórica,


hoje são obrigados a desenvolver outras maneiras de chegar aos fiéis.
"Ninguém mais quer ficar parado diante do púlpito, ouvindo o padre falar
durante uma hora."

Antigo desafio - Sanches enfatiza, porém, que não se deve confundir


o marketing religioso com aquele usado por industriais, comerciantes e
políticos. "Não se trata de manipular as pessoas, dourar a pílula ou criar
necessidades."

Falar adequadamente e tocar as pessoas tem sido o grande desafio


dos pregadores, desde a época de Paulo de Tarso, cidadão romano que se
transformou no primeiro grande missionário e principal responsável pela
expansão do cristianismo nos primórdios de suas existência. Ele escreveu
numa de suas cartas: "Ai de de mim se não evangelizar."

O bispo que preside o IBMC, d. Fernando Figueiredo, também mostra


cautela quando fala de marketing religioso. Ressalva que o importante é a
palavra de Deus, contida na Bíblia. "Ela está acima de tudo e atua por ela
mesma", diz o bispo. "Usamos técnicas de marketing para fazer essa
palavra chegar às pessoas, incluindo o grande número de católicos que
deixou de freqüentar as igrejas."

D. Fernando dirige a diocese de Santo Amaro, na região sul da capital


paulista, e é apontado como o bispo que dá asas e sustentação política
para o padre Marcelo Rossi - especialista em falar para multidões. Trata-se
de um apoio importante dentro da estrutura da Igreja. Embora muitos
bispos, tanto entre progressistas quanto entre conservadores, discordem
da forma como Rossi atua, quase ninguém se manifesta abertamente,
evitando atritos com d. Fernando.

O bispo de Santo Amaro, em cujo currículo se encontra um diploma de


licenciatura em ciências econômicas, também é visto no meio episcopal
como um exemplo de sucesso. Com a explosão do padre Marcelo e uma
administração eficiente, a sua diocese progride. Quando ele chegou à
região, em 1989, existiam 34 paróquias funcionando. Hoje são 65. Além
disso, ele tem dinheiro para comprar horários na TV e no rádio e publicar
jornais e revistas. Há pouco tempo, montou um estúdio para gravação de
programas de TV e comprou uma escola católica que enfrentava
dificuldades econômicas.

Cofres vazios - A situação dos cofres da Igreja é outro motivo que


torna padres e bispos mais receptivos às propostas de uso do marketing.
Ao contrário do que ocorre em Santo Amaro, a maioria das dioceses e
paróquias do País mal consegue manter o equilíbrio entre a receita e a
despesa. E a situação tende a piorar, com o afastamento de fiéis e a queda
no volume de doações que as organizações cristãs da Europa faziam ao

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Brasil. Os europeus agora preferem empurrar o cristianismo em locais mais


próximos, no Leste Europeu, e nas regiões miseráveis da África. A
recomendação de Roma é para que a Igreja do Brasil aprimore a forma de
arrecadar fundos.

Trata-se de outro desafio complicado. "Há padres que até hoje só


pensam em rodar o chapéu entre aquelas pessoas que tradicionalmente
fazem doações à Igreja e em organizar quermesses, com bingos e rifas",
observa o administrador de empresas Antonio Miguel Kater Filho. "Com
isso eles atingem apenas 1% do total de católicos dispostos a fazer
donativos."

Autor do livro O Marketing Aplicado à Igreja Católica e entusiasta da


Renovação Carismática Católica, Kater trabalha atualmente como consultor
de marketing de dioceses e paróquias. Viaja pelo País discutindo com
padres e bispos formas de renovar a pregação do Evangelho e de arrecadar
fundos."O povo católico é generoso, mas nem sempre é estimulado a
contribuir."

Há dois anos, Kater ajudou o então arcebispo de Fortaleza, d. Cláudio


Hummes, a organizar a campanha de fundos para instalação na cidade de
uma antena de retransmissão da Rede Vida - TV ligada à Igreja Católica
que hoje atinge quase todo o território brasileiro. Fez a mesma coisa em
Salvador, a pedido do cardeal Lucas Moreira Neves, que depois foi
transferido para Roma, onde trabalha como assessor do papa. "Nos dois
lugares, fizemos uma campanha de massa, na qual as pessoas contribuíam
com a compra de buttons", conta Kater.

D. Cláudio, que hoje dirige a Arquidiocese de São Paulo, acha que a


campanha de Fortaleza foi um sucesso. "A comunidade se envolveu e
surgiu uma forte expetactiva em torno da chegada da Rede Vida."

Entusiasmado, o arcebispo está seguindo a mesma linha de atuação


em São Paulo. À procura de dinheiro para colocar no ar a rádio Nove de
Julho, pertencente à arquidiocese, d. Cláudio pediu ajuda da Salles/DMB&B
- uma das maiores agências de publicidade do País. "Não é possível
falarmos a uma cidade como São Paulo sem recorrer ao marketing
moderno", justificou.

A volta do dízimo - Em vários locais do País está sendo retomada a


prática de arrecadação do dízimo, como fazem os pentecostais. A
Associação do Senhor Jesus, organização carismática que tem sede em
Campinas, interior de São Paulo, instituiu um sistema pelo qual os fiéis
fazem uma contribuição mensal, de qualquer valor. Hoje existem 80 mil
pessoas fazendo depósitos na conta da entidade. Isso permitiu a
montagem de uma poderosa máquina de comunicação, que inclui
produtoras de vídeo, de CDs e de programas de televisão, hoje

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transmitidos por 42 emissoras no País. A associação também é uma das


principais bases de sustentação da Rede Vida e já se prepara para colocar
no ar um canal próprio.

A Igreja Católica tenta reconquistar os fiéis e a influência que perdeu,


principalmente a partir dos anos 60 - quando 93% dos brasileiros se
declaravam católicos, segundo o IBGE. Hoje o número baixou para 76%. O
pior, na avaliação dos bispos, é que, desse total, a grande maioria é
constituída por católicos nominais, que não freqüentam as igrejas nem
vivem de acordo com a doutrina católica. D. Fernando, de Santo Amaro,
estima que apenas 7% dos católicos de sua diocese vão regularmente às
celebrações religiosas. No momento, ele trabalha para atingir a marca de
15% até o fim do próximo ano.

Nessa corrida da Igreja, o marketing e comunicadores como o padre


Marcelo serão cada vez mais valorizados.

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Domingo,
24 de janeiro de 1999
A RENOVAÇÃO CONSERVADORA Católicos tentam aumentar
participação na TV

Atrasada na corrida pela televangelização, em três meses a igreja vai


pôr no ar a sua quinta emissora

JÚLIO GAMA

A Igreja Católica largou atrasada na corrida pela televangelização e


agora tenta aumentar sua presença no vídeo. Dentro de três meses entra
no ar a TV Brasil Cristão, pelo canal 53, em UHF, apenas para os
moradores da região de Campinas. Comandado pela Associação do Senhor
Jesus, com sede em Campinas, o novo canal vai juntar-se à Rede Vida, o
maior grupo católico na TV, com presença em quase todas as capitais do
País por UHF, à TV Sudoeste, de Pato Branco, no Paraná , à TV Canção
Nova, de Cachoeira Paulista, e à TV Jornal, de Aracaju, Sergipe.

Fundada em 1980 pelo padre Eduardo Dougherty, a Associação do


Senhor Jesus é formada por católicos praticantes e carismáticos. "A Igreja
Católica ainda está fraca na distribuição do seu produto", avalia o padre
Eduardo, um dos primeiros a lançar mão da igreja eletrônica. "Estamos
fazendo aquilo que Jesus mandou: `Ide ao mundo evangelizar.'" A
associação tem uma produtora em Valinhos, numa área de 75 mil metros
quadrados, um prédio com auditório para 2,5 mil pessoas e ainda uma
cidade cenográfica para produzir novelas, além de quatro estúdios. Eles
produziram, entre tantas, a novela Irmã Catarina, com Miriam Rios, exibida
pela CNT, em 1994.

Ex-retransmissora da TVE, do Rio, a TV Canção Nova exibe


programação durante 24 horas para 42 cidades. "Hoje, o que não aparece
na mídia, não existe", diz Osvaldo Luiz Silva, responsável pelo
Departamento de Jornalismo da TV.

Os católicos, no entanto, precisarão de dinheiro e muita fé para


alcançar os evangélicos, o mais forte deles, a Igreja Universal do Reino de
Deus, do bispo Edir Macedo. O bispo comprou a TV Record falida em 1990
por R$ 45 milhões da família Machado de Carvalho e do empresário Silvio
Santos, transformou-a numa das maiores emissoras do País e começa a
montar sua rede no exterior.

Há quatro meses, o sinal da TV Record sai do Brasil pelo Intelsat e


chega à África e Europa. É o nascimento da Record TV Network, cujo
objetivo é, num primeiro momento, chegar a todos os países de língua
portuguesa (Portugal, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e

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Príncipe e Angola) e, depois, ao mundo todo.

A Record é dona de uma emissora geradora, a Rádio e TV Miramar,


canal 27, em Maputo, Moçambique. Em Luanda, Angola, a Record chega
via satélite pelo sistema DTH, digital, em sinal aberto (gratuito) que pode
ser captado por parabólicas. A meta é ter, em Angola, 5 mil famílias
recebendo o sinal da Record. Na África do Sul, a Record negocia com a
operadora local MNet a entrada do seu sinal em DTH, por assinatura.
Executivos da emissora calculam que a Record já alcance 1 milhão de
telespectadores na África.

A programação para a África dá ênfase aos programas religiosos e, na


prática, é a mesma do Brasil, à exceção do que não pode ser exibido por
contrato, como filmes e programas que ofendam a cultura local ou a
imagem brasileira. Já a programação religiosa da Igreja Universal do Reino
de Deus é exibida na íntegra na África.

Um dos projetos da emissora é a produção nos estúdios da Barra


Funda, em São Paulo, de programas para os canais do exterior. "Aos
poucos, a Record pretende ser no exterior uma distribuidora de
programação própria", diz o diretor de Engenharia e Operações da rede,
Roberto Franco.

Depois da África, o passo da Record TV Network será em direção à


Europa. Já possui um canal em UHF, em Madri, na Espanha. Em Portugal,
negocia a distribuição de sua programação por um canal a cabo. A
emissora do bispo não esqueceu dos EUA, onde o projeto é negociar o sinal
da Record com operadores de cabo. O sinal da Rede Família, em Limeira,
São Paulo, no entanto, já cobre os Estados Unidos.

A Rede Família foi criada pelo bispo Edir Macedo para abarcar a
programação religiosa que vem perdendo espaço na TV Record. A Rede
Record tem 17 emissoras nas mãos dos evangélicos e 71 emissoras
afiliadas, atrás apenas da Rede Globo, com 107 afiliadas em todo o País. A
rede Família surgiu com a compra da TV Thaty, de Limeira, pela qual a
Record pagou R$ 7 milhões.

"Com a criação da Rede Família, toda a programação religiosa da


Record vai paulatinamente para a nova rede", confirma o superintendente
da Record, Demerval Gonçalves. "A emissora ficará efetivamente fixada
apenas no mercado." A Rede Família atinge hoje 7 milhões de
telespectadores, mas em dois anos, segundo Gonçalves, a nova TV pode
triplicar seu público. "Estamos tentando uma retransmissora na capital e só
não conseguimos ainda porque há congestionamento", afirma o
superintendente. Em São Paulo, a Rede Família chegará a mais 17 milhões
de pessoas.

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Cad.../A RENOVAÇÃO CONSERVADORA Católicos tentam aumentar participação na T Page 3 of 4

O crescimento da Record obedece a uma ordem do bispo Edir Macedo.


"Quero que ela seja a primeira emissora do País", disse o bispo a seus
executivos, que não se esquecem da frase. "Garimpamos dia e noite atrás
de novas afiliadas", conta Gonçalves. O executivo explica o raciocínio do
bispo lembrando outra de suas falas: "O dia em que a Record tiver
prestígio, minha igreja vai ter prestígio; quero o pessoal na igreja porque a
pregação eletrônica não funciona."

A Igreja Universal tem uma das maiores forças políticas do País com
uma bancada de 17 deputados federais e 26 estaduais. "O bispo quer a
comunicação para levar as pessoas para a igreja, não para pregar
eletronicamente", diz Gonçalves. A recente parceria da Igreja Renascer em
Cristo com a TV Manchete não assusta a Record. "Esse acordo não dará
frutos, a não ser que tenha um grupo forte por trás da Renascer", prevê o
executivo. "Não dura 90 dias." A Renascer em Cristo é dona também da TV
Gospel e de mais seis rádios.

Número do último censo do IBGE, de 1991, dá a medida da


importância da TV para o crescimento da Universal do Reino de Deus,
fundada em 1977. Em 1991, a Universal tinha 800 templos e cerca de 260
mil fiéis e estava em nono lugar entre as igrejas evangélicas no País.
Passados nove anos, a igreja do bispo Macedo possui 1.850 templos no
Brasil e cerca de 1,5 milhão de fiéis e disputa o terceiro lugar no ranking
das maiores igrejas evangélicas do Brasil ao lado da Igreja Batista, com
cem rádios.

Segundo o sociólogo Ricardo Mariano, que finaliza tese de doutorado


sobre o crescimento dos pentecostais no Brasil, o número de fiéis da
Universal em 1990 poderia chegar a 500 mil. "Muitos negavam ser da
Igreja por causa da pressão sofrida em razão da compra da Record",
analisa. Se seguirmos o raciocínio do sociólogo, o número de fiéis da
Universal triplicou depois da compra da Rede Record.

Assembléia de Deus - "A participação da Assembléia de Deus na


mídia é muito tímida", avalia a o pastor Samuel Câmara, presidente da
Fundação Evangélica Boas Novas, de Belém do Pará, mantenedora das
emissoras da Igreja. São 37 canais de TV que retransmitem a programação
de duas emissoras geradoras, a TV Boas Novas, de Manaus, canal 8, e a TV
Boas Novas, de Belém, canal 4.

A Assembléia de Deus é a maior igreja evangélica do País, com 130


mil templos e cerca de 10 milhões de fiéis. "Pelo seu tamanho, a Igreja
deveria ter pensado em utilizar melhor os meios de comunicação", salienta
Câmara. "A não utilização dos meios de comunicação é um prejuízo no
crescimento e na integração da Igreja", ressalta Câmara. "Sem dúvida, a
Universal tem um crescimento maior que qualquer outra Igreja por causa

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da TV Record."

A Igreja do Evangelho Quadrangular, com 47 anos, 10 mil templos e


2,5 milhões de fiéis, foi a pioneira no uso da radioevangelização no País,
com missionários norte-americanos nos anos 50. Hoje, a Igreja controla
seis rádios e o canal a cabo TV Quadrangular, em Guarapuava, no Paraná.
"A Igreja que não faz uso dos meios de comunicação se tornará obsoleta",
acredita o pastor Davi Rodrigues. Políticos ligados à Igreja estão na disputa
por canais a cabo e UHF.

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Caderno 2/É só negócio a história dos padres cantores Page 1 of 3

Domingo,
24 de janeiro de 1999
É só negócio a história dos padres cantores

Não há religião ou estética em jogo: a conquista do público religioso


só respeita o lucro

MAURO DIAS

No fim do ano, Roberto Carlos desceu do pedestal que erigiu para si


mesmo e foi cantar, na periferia de São Paulo, ao lado do padre Antônio
Maria, que, na oportunidade, gravaria, ao vivo, um novo disco, a ser
distribuído pela gravadora Sony Music, ex-CBS (Columbia Broadcasting
System, quando seu dinheiro era o dólar), atualmente comandada por
capital japonês. O assunto não é música ou religião, mas negócio.

Não há negócio como o negócio de shows, reza a frase famosa, título


de um musical da Broadway que deu em filme, dirigido por Walter Lang,
com canções de Irving Berlin e com Marilyn Monroe como protagonista.
Estamos falando de grandes negócios, como se vê. E o que está
acontecendo com os padres cantores é isso: o negócio dos shows, a
indústria do entretenimento, descobriu a fonte rentável, muito rentável,
que eles representam - desde que se invista o necessário, o retorno é certo
e gordo.

Invista-se, portanto, o necessário. As igrejas sempre venderam seus


produtos - de Bíblias, biografias de mártires e heróis a calendários com
nome dos santos do dia - de forma discreta, atuando nas comunidades
religiosas de sua influência. Calendários religiosos foram, por exemplo, a
fonte de sustento da editora católica Vozes, de linha chamada progressista,
permitindo a edição de títulos de conteúdo político na época do regime
militar, ao qual era contrária.

A Vozes apoiava-se numa política de resultados, pragmática,


justificada pelo pano de fundo ideológico - e o raciocínio não difere muito
do que é praticado, hoje, pelos líderes da igreja carismática (sob o quase
total silêncio da ala mais tradicional, que por ele assume cumplicidade). A
palavra de ordem parece ser: vamos reconquistar espaço. Dados recentes,
obtidos em pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto de
Estudos da Religião (Iser) mostram que os integrantes de seitas
evangélicas, praticantes, são 20,2% da população do Grande Rio, enquanto
os católicos praticantes, desmentindo a imagem do "Brasil, País católico",
não passam de 14,5%.

O negócio da música entre a comunidade religiosa é tão antigo, no


Brasil, quanto o rádio. O decano dos padres cantores é o padre Zezinho,

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Caderno 2/É só negócio a história dos padres cantores Page 2 of 3

que já gravou 98 discos (vários deles reeditados em cinco idiomas) em


quase 30 anos de pregação musical e vendeu, deles, mais de 5 milhões de
exemplares. O disco do padre Antônio Maria, do qual (o muito religioso
cantor) Roberto Carlos participa, é o 22º de sua carreira. Outros padres
cantores estão no cenário há muitos anos, mas só sabia deles quem
freqüentava igrejas ou ouvia programas religiosos no rádio. A Igreja
Católica nunca estimulou ou deixou de estimular a atividade.

As igrejas pentecostais pensam diferentes. Não disfarçam que estão


no negócio da religião pelo negócio - e sabem que não há negócio como o
negócio de shows. São donas de emissoras de rádio e de televisão, que
servem para vender seus produtos: discos, bonés, livros, passeios,
encontros. Enquanto isso, o padre cantor Marcelo Rossi atraía multidões
para suas missas aeróbicas.

Foi a indústria do entretenimento - que não conseguiu entrar na


indústria do disco pentecostal - que descobriu e revelou para o grande
público o padre Marcelo Rossi. Descobriu-o como havia descoberto a banda
É o Tchan, o grupo Negritude Júnior e os outros símbolos da cultura de
massas do momento. Marcelo Rossi já tinha a base de seu público formada
(a comunidade religiosa para a qual pregava); era, é, dono de inegável
carisma; é jovem, bonito, alegre e canta coisas tão boborocas quanto
aquelas cantadas pelo Negritude Júnior ou pelo É o Tchan - e nos três
casos a música pouco importa, enquanto importa muito seu efeito de
contágio, sua marcação rítmica primária (que quase obriga a movimentos
de dança também primários, coreografados).

O que a gravadora fez foi, simplesmente, ampliar o círculo de


abrangência do padre cantor. Tirá-lo do gueto religioso para o palco
eletrônico voraz, criador de necessidades de consumo irrefletidas e, por
isso, voláteis. Daí que surjam sucedâneos, clones, semelhantes - a cultura
do negócio da cultura é vender o semelhante, não o diferente. Daí,
também, que os símbolos da cultura de massas durem tão pouco.

Contaminação - O produto Marcelo Rossi fez sua parte para o


sucesso do negócio. Deixou-se contaminar pelo método do negócio de
shows, que leva a inevitável cinismo. Não hesita em cantar em programas
de emissoras evangélicas - o Senhor, justifica, teria dito que importa a
pregação, não o lugar onde se prega. Em seu primeiro disco - está
lançando um segundo, com Salmos, que deve vir a abalar a até agora
isolada trajetória de Cid Moreira (o apresentador da Globo lê a Bíblia como
se falasse pela voz de Deus; Marcelo Rossi está mais próximo de quem
sabe muito bem que nem é Deus nem está tocado pela divindade).

Não deve haver, portanto, nenhum estranhamento quando se sabe


que as músicas de Marcelo Rossi (e possivelmente as do padre Zeca, seu
concorrente, seu clone mais imediato, que lança discos por outra

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Caderno 2/É só negócio a história dos padres cantores Page 3 of 3

gravadora, alimentando a nova aventura mercadológica, que deverá ser


aquecida por novos padres, de outras gravadoras) venham a ser cantadas
no carnaval de Salvador. Pois não há diferença entre o produto musical
oferecido pelos trios elétricos e o produto musical oferecido pelos padres
cantores. Não há religião, música, estética ali: é uma questão de negócio.

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