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CAPÍTULO 2

Avaliação da Realidade
2.1 - CONHECIMENTO DA REALIDADE LOCAL pram mais alimentos in natura, em feiras e sacolões.
Seu lixo, portanto, terá muito mais resíduos orgâ-
O levantamento de informações gerais sobre o nicos que recicláveis. Já as famílias de renda mais
município e a região é importante instrumento na alta consomem mais e adquirem mais produtos in-
avaliação prévia das possibilidades de implantação dustrializados, gerando um lixo com maior quantida-
de um projeto. Essa primeira aproximação com a de de embalagens.
realidade local e regional deverá permitir: Informações sobre população e renda média po-
• avaliar se a cidade apresenta condições favorá- dem ser obtidas na própria Prefeitura ou nos orga-
veis para o desenvolvimento desse tipo de em- nismos de produção de estatísticas municipais e es-
preendimento; taduais, além das associações locais, comerciais e
• o planejamento das atividades com base na de serviços.
realidade e não em suposições;
• a previsão de dificuldades e a discussão e defi- As atividades econômicas
nição de ações para evitá-las ou enfrentá-las. A presença de indústrias e de um setor comer-
Para tanto, é necessária a obtenção e sistematiza- cial e de serviços dinâmicos e bem desenvolvidos
ção das informações apresentadas a seguir. indicam vigor econômico. Esses dados ajudam a
avaliar as possibilidades de apoio ao projeto. As em-
A População da cidade e a renda média presas poderão participar não somente através de
por habitante patrocínio (caminhão, cartazes, panfletos, cestas
Quanto maior o número de habitantes, maior básicas, passes, equipamentos, móveis, etc.), como
será a geração de lixo e materiais recicláveis, assim também poderão contribuir doando seus resíduos
como a quantidade de recicláveis no lixo é direta- para a cooperativa - o lixo seletivo proveniente das
mente proporcional ao nível socioeconômico da co- indústrias e do comércio é economicamente mais
munidade geradora. Famílias com menor poder interessante que o das residências. Municípios ou
aquisitivo, de modo geral, consomem menos e com- regiões menos dinâmicos tendem a apresentar me-

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Capítulo 2 - Avaliação da Realidade - COOPERATIVA DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS - GUIA PARA IMPLANTAÇÃO

nores chances de apoio ao projeto. Além do fato


de que a falta de indústrias processadoras na re-
gião implicará em custos de frete, o que reduz a
competitividade da cooperativa ante outras mais
bem localizadas.
Uma atenção especial deve ser dada a cidades ou
regiões com apelo turístico. Essas localidades têm
interesse por projetos que melhorem a sua imagem
e a destinação correta do lixo, incorporando a cole-
ta seletiva. Este é um ponto bastante sensível para a
obtenção de recursos financeiros públicos.
Informações sobre a atividade econômica do mu-
nicípio e da região podem ser obtidas nas associa-
ções locais, Prefeitura, sindicatos, etc.

Os catadores
Um simples passeio pelas ruas do município será
suficiente para que se verifique a existência ou não
de catadores. Se houver um lixão na cidade, há gran-
Conversando com os catadores...
des chances de que haja um grupo de pessoas reali-
zando a catação. Para obter mais informações, é a-
conselhável entrar em contato com as entidades que
atuam junto à população carente, assim como se diri-
gir à Prefeitura, pois é possível que os órgãos munici-
pais de promoção social e de saúde já tenham desen-
volvido ações anteriores com os catadores, principal-
mente se a destinação do lixo da cidade for um lixão.
É importante verificar se esses trabalhadores estão
organizados ou não e qual a entidade apoiadora. De-
pendendo da situação, o grupo poderá ou não ser
aproveitado no projeto. ...Planejando um futuro melhor

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O panorama do lixo na cidade


INFORME-SE TAMBÉM NOS MUNICÍPIOS VIZINHOS
As informações principais referem-se à quantida-
A existência de catadores organizados nas cida-
de de lixo gerada na cidade, à forma de coleta, à
des vizinhas é um dado a ser investigado, pois
destinação, às experiências anteriores de coleta sele-
poderá permitir a realização de programas con-
tiva e à existência de legislação municipal a respeito.
juntos com benefícios econômicos significativos,
como compartilhar equipamentos, otimizar re-
Quantidade de lixo e forma de coleta
cursos e reduzir despesas de implantação, pro-
A quantidade de lixo é a base para os cálculos de
porcionar maior rapidez na formação e venda
geração de renda (ver item 2.2). Este dado é obtido
de cargas, aumentar o poder de barganha junto
normalmente com os responsáveis pela coleta. Em
aos compradores, etc.
alguns locais, esse serviço é realizado por fun-
cionários municipais, em outros por empresas ter-
ceirizadas. Neste caso, podem ocorrer duas situa-
O mercado de materiais recicláveis ções:
A estrutura de comercialização de materiais 1) Resistência à implantação do projeto, por par-
recicláveis é extensa e complexa. Normalmente, os te da empreiteira contratada que teme perder
recicláveis passam por diversos intermediáros an- renda com a redução da quantidade de lixo co-
tes de chegar à empresa que irá transformá-los em letada. Poderá haver dificuldade na obtenção
um novo produto. Dela fazem parte os sucateiros, de informações; portanto, caberá aos respon-
donos de ferros-velhos e aparistas e, no fim da ca- sáveis pelo projeto detectar resistências e pla-
deia, as indústrias. É importante verificar a presen- nejar ações para reduzi-las ou superá-las.
ça, no município e na região, dos vários tipos de 2) Apoio da empresa ao projeto - essa situação
compradores e, principalmente, de empresas reci- ocorre quando a empreiteira percebe os be-
cladoras, dada a possibilidade de venda direta, su- nefícios em termos de imagem junto à opinião
primindo etapas de intermediação. pública ou quando verifica que a retirada dos
materiais recicláveis do lixo (parcela mais leve
e volumosa) pode ajudar o rendimento da co-
DICA
leta na medida em que eleva a densidade do
Esses dados podem ser obtidos na Prefeitura, as-
lixo coletado, apesar disso não alterar signifi-
sociações e sindicatos locais ou regionais, através
cativamente a quilometragem percorrida pe-
dos catadores e dos próprios compradores.
los caminhões coletores.

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pactos causados ao meio ambiente e à saúde da po-


INFORME-SE SOBRE A COLETA DE LIXO
pulação. Se for um aterro, convém investigar as ques-
É importante procurar saber sobre os dias de
tões relativas às condições de operação, problemas
coleta, os trajetos realizados, o transporte e os
de localização, vida útil, etc. Às vezes, os aterros
equipamentos utilizados. Estes dados auxiliam, fu-
são bem operacionalizados, mas têm problemas de
turamente, no planejamento da coleta seletiva e
vida útil; outros estão sendo ameaçados de fecha-
nas negociações sobre possíveis parcerias.
mento pelo avanço da ocupação urbana. Esses da-
dos são úteis nas discussões com o poder público,
com vistas ao estabelecimento de parcerias.
Destinação do lixo
Outro aspecto a ser observado é a destinação Experiências anteriores
do lixo: aterro ou lixão. Se a cidade tiver um lixão, Deve-se também procurar conhecer as experiên-
esse fato pode ser um estímulo para o investimento cias anteriores de implantação de coleta seletiva na
da prefeitura no projeto. As pressões para o fecha- cidade: se já ocorreram, quais foram seus resulta-
mento de lixões por parte dos órgãos ambientais e dos e quais os motivos de sua suspensão. Analisar as
do Ministério Público têm aumentado devido aos im- dificuldades encontradas em projetos precedentes

Catadores de materiais recicláveis em lixão

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auxiliará a evitar os mesmos erros e a buscar solu- ção da proposta enquanto um projeto próprio. Aos
ções alternativas. Além disso, populações que já fo- administradores municipais pode parecer, à primeira
ram envolvidas em programas de coleta seletiva fra- vista, que o projeto é simples. Na prática, entretanto,
cassados tendem a ser mais resistentes a iniciativas será preciso envolver diversas Secretarias, mobilizar
semelhantes. Nesse caso, será preciso prever traba- recursos humanos de diferentes áreas do governo mu-
lho mais intenso de sensibilização da população. nicipal, disponibilizar verbas, empenhar-se na busca do
apoio da comunidade, dar visibilidade ao projeto,
Legislação sobre resíduos disponibilizar área, equipamentos e transportes, entre
A legislação municipal referente aos resíduos sóli- outros. Essas demandas devem ficar muito claras no
dos é um dado que revela os esforços já realizados ou contato com as administrações locais. Por outro lado,
em andamento por parte da administração pública. Per- o projeto trará benefícios concretos ao município com
mite verificar em que medida as leis já existentes ou a criação de emprego e renda, além de permitir uma
em tramitação podem interferir no projeto. É bom solução contemporânea para os problemas relaciona-
procurar indagar se foram encaminhados projetos re- dos à geração e disposição do lixo.
lacionados à gestão de resíduos sólidos na cidade, com A parceria com a Prefeitura é interessante, pois
a perspectiva de obtenção de recursos federais, esta- permite a utilização da estrutura de serviços públi-
duais e outros. Caso positivo, deve-se verificar a pos- cos como suporte ao projeto. Para citar alguns bene-
sibilidade de inserir o projeto nas negociações. fícios, é possível ter acesso a recursos orçamentári

DICA PREPARE-SE
Esses dados podem ser obtidos na Secretaria Relacione as vantagens que o projeto poderá tra-
de Obras da Prefeitura ou outro departamen- zer ao município como geração de postos de tra-
to que seja responsável pela limpeza pública, balho, aumento da vida útil do aterro, diminuição
Câmara de Vereadores, Promotoria Pública, dos gastos com a limpeza pública. Organize uma
Secretaria de Meio Ambiente e de Turismo. lista com os itens prioritários a serem solicitados,
acompanhados de uma previsão de desembolso.
Isso é importante para que os administradores
O Apoio da Prefeitura municipais possam avaliar as possibilidades de
No contato com a Prefeitura, o importante é iden- aporte de recursos públicos.
tificar as possibilidades reais de apoio ou de assimila-

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Apresentando o projeto na Prefeitura

os públicos, à estrutura de saúde e educação munici- ministrativa: um projeto muito atrelado à Prefeitura
pais para atender aos catadores, por exemplo, com pode correr o risco de ser suspenso, se novas elei-
programas alternativos de alfabetização, inserção em ções mudarem os rumos da política local.
programas de assistência social, como cestas bási-
cas e passe; possibilidade de utilização de espaços
públicos, como áreas cobertas e ociosas de aterros
PENSE EM ALTERNATIVAS DE APOIO
sanitários ou outros galpões desativados, e acesso a
Se os recursos a serem disponibilizados pela
cadastros de secretarias.
Prefeitura forem insuficientes ou o interesse
É importante estar ciente de que o vínculo com a
pelo projeto for pequeno, o melhor é iniciar a
administração local implicará na inserção do projeto
busca de suporte junto a outras instituições.
na burocracia pública, com seus prazos de licitações
Obter patrocínio leva tempo e quanto mais
e procedimentos legais, o que pode reduzir a flexibili-
cedo for iniciado o processo, maiores serão as
dade na tomada de decisões e emprestar certa
chances de sucesso.
morosidade ao processo de implantação. Há ainda
que se levar em conta a questão da continuidade ad-

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O potencial de mobilização da comunidade quantas são e que tipo de atividades desenvolvem,


local destacando as mais atuantes. A Prefeitura, geralmen-
O envolvimento da população da cidade terá pa- te, possui uma lista dessas organizações.
pel importante para o projeto, não só porque caberá No contato com essas entidades, é importante
aos moradores separar seus resíduos para destiná- explicitar os objetivos do projeto e deixar espaço
los à cooperativa, mas também porque as entidades para a incorporação de sugestões que vierem a sur-
organizadas da sociedade civil poderão contribuir para gir, bem como citar exemplos de possibilidades de
sua implantação, pressionando as autoridades, pres- participação – formação de um grupo de apoio para
tando auxílio voluntário e ajudando na divulgação. a busca de recursos, alfabetização, colaboração nos
O número de entidades existentes em uma locali- diversos itens de capacitação dos catadores, confec-
dade é, por si só, um indicativo do seu grau de ção dos uniformes e divulgação do projeto. Outro
organização. Portanto, é interessante saber quais e ponto a considerar é a atuação das instituições

Conversando com a Comunidade

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religiosas na cidade, seja qual for o credo. Em alguns


FIQUE ATENTO
locais, as igrejas, muitas vezes, são as fornecedoras
Embora os levantamentos propostos possam
da infra-estrutura e do suporte administrativo ne-
dar indicações para o planejamento e permi-
cessário para o início do trabalho.
tam avaliar a viabilidade do projeto, algumas fra-
gilidades e dificuldades só se manifestarão real-
mente no desenrolar dos trabalhos, como as
VERIFIQUE dificuldades de entrosamento entre os órgãos
É aconselhável verificar a idéia que os morado- da Prefeitura, administração pública muito
res fazem dos catadores que circulam pela ci- centralizadora, comunidade local pouco
dade. Se houver um sentimento geral de rejei- participativa, disputas entre os catadores, de-
ção, esse dado deverá ser levado em conta nas bilidade da rede de comercialização e dificul-
ações de mobilização. Se, por outro lado, já dades de obtenção de patrocínio.
houver na cidade um certo hábito espontâneo
de colaboração com os catadores de rua, esse
fator será positivo na implantação do projeto,
pois demonstra predisposição da comunidade 2.2. AVALIAÇÃO DO POTENCIAL DO
EMPREENDIMENTO
em apoiar a cooperativa.

A estimativa preliminar das receitas e a avaliação


do potencial de geração de postos de trabalho são
O Segmento educacional informações valiosas quando se pretende iniciar um
O conhecimento sobre as escolas e universida- projeto de fôlego como é o caso de uma cooperati-
des do município será extremamente útil ao proje- va de catadores.
to, em função da divulgação, do trabalho voluntário, Um dos momentos em que essa informação é
pontos de coleta (PEVs - Postos de Entrega Volun- importante é o da formação do grupo inicial. Seria
tária), participação na capacitação dos catadores, etc. temerário criar expectativas sobre a possibilidade
O fato de que as escolas de Ensino Fundamental e de incluir todos os catadores se não há certeza, por
Médio devem, por determinação do Ministério de exemplo, sobre a disponibilidade de material sufici-
Educação e Cultura, realizar atividades relacionadas ente para gerar a renda (ver item 3.2) ou mesmo
ao meio ambiente pode ser um elemento facilitador sobre a capacidade de gerar alternativas de renda
para a inserção do projeto junto a esse público. adicionais à coleta e comercialização de materiais.

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A avaliação do potencial do empreendimento • manutenção de equipamentos, como esteiras,


comporta três componentes principais: estimativa prensas, carrinhos;
da receita, da despesa e definição de um rendimen- • pagamento de impostos e taxas, como INSS,
to médio por catador. ISS, ICMS e outros;
Os custos de amortização de investimentos não
Estimativa da receita são incluídos, partindo-se do pressuposto que são
A receita depende das quantidades comercializa- aportados através de parcerias com a iniciativa públi-
das e dos preços de venda que, por sua vez, depen- ca ou privada.
dem do tipo e da qualidade do material coletado, da
oferta de recicláveis no mercado e do preço das
matérias-primas virgens.
POR QUE APOIAR OS INVESTIMENTOS DA
O conhecimento do lixo da cidade - volume e com-
COOPERATIVA
posição - propicia uma noção da máxima quantidade
Apesar de estudos realizados junto a algumas
de recicláveis teoricamente passível de comercializa-
cooperativas apontarem sua viabilidade econô-
ção. Para realizar uma estimativa conservadora, con-
mico-financeira a partir de determinadas escalas
vém não cogitar a possibilidade de obtenção de re-
de produção, a maioria delas encontra dificul-
ceitas alternativas como as de artesanato com mate-
dades para atingir esse patamar, especialmente
riais ou peças descartadas, de objetos para reuso ou
no período de incubação, quando sequer ad-
mesmo de contratos de prestação de serviços.
quiriram a experiência gerencial necessária. O
aporte de investimentos público ou privado é
Estimativa da despesa
fundamental para sua consolidação. Reforça essa
Para esse levantamento, são levados em conta,
idéia o papel econômico e ambiental que os ca-
essencialmente, os custos operacionais relativos ao
tadores desempenham. A título de ilustração,
dia a dia da cooperativa, que envolvem a coleta sele-
se uma cooperativa tivesse de ser remunerada
tiva, a triagem e a comercialização, além da adminis-
por esse trabalho, teria um ganho significativo,
tração. Esses custos correspondem a:
apenas considerando-se os custos médios pra-
• eventual contratação de mão-de-obra especia-
ticados para esse serviço no mercado, de cer-
lizada – um contador, por exemplo;
ca de R$ 40,00/t para a coleta e R$ 30,00/t
• itens de consumo, como água, materiais, com-
para a disposição final.
bustíveis, fitas para fardos, EPIs (equipamen-
tos de proteção individual), alimentos;

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Definição de rendimento possíveis e será acompanhado de um exemplo para


É justo e desejável elevar o padrão de vida dos uma cidade de 61.540 habitantes, desenvolvido pas-
catadores, mas é prudente não criar falsas expectati- so a passo.
vas. Para isso, a definição dos rendimentos espera-
dos deve considerar a realidade socioeconômica lo- 1 . Estimar a produção diária de lixo
cal e regional, e referenciar-se na renda média A melhor forma de descobrir a produção média
auferida pelos catadores e empreendimentos simi- diária da cidade é através de informações sobre a pe-
lares, em especial no início de operação, bem como sagem do lixo coletado pela Prefeitura ou pela em-
no padrão de rendimentos de categorias que desen- preiteira terceirizada, diariamente. Se esses dados não
volvam trabalhos semelhantes. estiverem disponíveis e não houver possibilidade de
realizar as pesagens regulares, a estimativa pode ser
feita com base na pesagem de uma carga típica, como
um caminhão. Multiplica-se esse valor pelo número
FIQUE ATENTO
de cargas transportadas num período, por exemplo,
Há uma solução de compromisso entre a
de 30 dias, e divide-se o resultado por 30.
quantidade de material coletada, o número de
Para que os valores sejam mais representativos,
catadores, a receita e o rendimento individual.
convém que o peso da carga típica resulte da média
Maior rendimento exige maior receita e, por-
das pesagens de vários caminhões.
tanto, maior quantidade de material. Mas, se
Outra forma é multiplicar o número de habitan-
para elevar a quantidade é necessário maior
tes pela geração de lixo por habitante. Esta pode
número de catadores, haverá maior número
ser obtida de duas maneiras: a partir da literatura
de pessoas para dividir a receita auferida. Como,
(ver Quadro 1 no ítem 1.1) ou com base na pesagem
então, o rendimento pode crescer? Aumentan-
do lixo de uma amostra de residências, dividindo-se
do a produtividade e o preço dos materiais pela
o resultado pelo número de pessoas que as habi-
agregação de valor em diferentes formas (ver
tam, conforme mostrado adiante em Procedimen-
capítulo 5).
tos para Caracterização do Lixo, onde também
se ensina como caracterizá-lo.
Exemplo:
Roteiro de avaliação Com base no Quadro 1 e em informações de cidades seme-
Este roteiro orienta a avaliação preliminar dos lhantes, adota-se 0,650 kg/dia por habitante. Consideran-
rendimentos e do número de postos de trabalho do-se a população de 61.540 habitantes, tem-se:

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61.540 x 0,650 = 40.000 kg/dia ou 40t/dia, ou ainda TENHA PRESENTE


1.200 t/mês de lixo Normalmente, os dados disponíveis e predo-
minantes referem-se ao lixo residencial. Nes-
2 . Estimar a quantidade de materiais sas condições, as quantidades calculadas não in-
recicláveis presentes no lixo cluem os materiais oriundos dos serviços, do
Para isso é necessário caracterizá-lo e, não haven- comércio e de algumas indústrias. Isso sinaliza
do possibilidade de fazê-lo com uma amostra repre- a possibilidade de ampliar a coleta, não consi-
sentativa, pode-se adotar dados de literatura, como derada neste roteiro. Quando se faz uma ca-
os constantes na Figura 4 ou de alguma cidade seme- racterização específica do lixo da cidade, deve-
lhante. Os dados da Pesquisa Ciclosoft, disponibili- se avaliar a possibilidade de levar em conta tam-
zados pelo CEMPRE - Compromisso Empresarial bém esses materiais.
para Reciclagem, no site http://www.cempre.org.br,
também são muito úteis.

Figura 4. Composição média da coleta seletiva em cidades brasileiras.

Vidro Rejeitos Diversos Alumínio


13% 6% 8,5 % 1,5 %

Metais
10,5 %

Longa vida
1,5 %
Papel/Papelão
41 %
Plásticos
18 %
Fonte: CEMPRE 2000
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As quantidades de materiais recicláveis descarta- como exemplo os dados para papel/papelão, tem-se:
das, assim calculadas, são também a máxima quantida- 420 x 41/100 = 172,2 t/mês
de potencialmente reciclável, correspondendo, por- Calculando, de modo análogo, para os demais materiais,
tanto, à maior renda potencialmente auferível com a obtêm-se os seguintes resultados, em toneladas por mês:
venda dos materiais. Materiais t/mês
Exemplo Papel/papelão 172,2
A partir da informação do Quadro 2 (ver ítem 1.1), que indica Plástico 75,6
Vidro 54,6
35% de presença dos materiais recicláveis, em peso, no total
Embalagem cartonada 6,3
do lixo brasileiro, calcula-se a máxima massa de materiais,
Metais 44,1
teórica ou potencialmente, disponível no município:
Alumínio 6,3
35 x 40 t/dia/100 = 14 t/dia ou 420 t/mês Diversos 35,7
Utilizando-se os dados da Figura 4, pode-se calcular a dispo- Rejeitos 25,2
nibilidade máxima mensal de cada material. Tomando-se Total 420,0

Quadro 4. Planejamento de metas para coleta seletiva

Metas de coleta (t/mês) Potencial


Materiais máximo
Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 5 Ano 10 (t/mês)
Papel/papelão 14,76 24,59 49,20 73,80 147,60 172,2
Plástico 6,48 10,80 21,60 32,40 64,80 75,6
Vidro 4,68 7,80 15,60 23,40 46,80 54,6
Embalagem cartonada 0,54 0,90 1,80 2,70 5,31 6,3
Metais 3,78 6,30 12,60 18,90 37,80 44,1
Alumínio 0,54 0,90 1,80 2,70 5,31 6,3
Diversos 3,06 5,10 10,20 15,30 30,60 35,7
Rejeitos 2,16 7,20 7,20 10,80 21,60 25,2
Total 36,00 60,00 120,00 180,00 360,00 420,0
Metas anuais 3% 5% 10% 15% 30% 35%
(% do lixo total)

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3. Estabelecer metas para a coleta seletiva Exemplo:


É recomendável programar a implantação da cole- No Quadro 4, apresentam-se as metas para a coleta seletiva
ta seletiva, num ritmo que leve em conta, além da dos diversos materiais ao longo do período planejado.
necessidade de renda, os recursos disponíveis e a Tome-se como exemplo os dados relativos ao Ano 3. Para esse
experiência organizada de cada grupo. Isso é espe- ano, a meta estabelecida é recolher materiais recicláveis em
cialmente relevante quando se trata de projetos de quantidade equivalente a 10% do lixo total da cidade, ou seja:
maior envergadura, como a coleta para o conjunto 10 x 1.200/100 = 120 t/mês de recicláveis
de um município. Se o material considerado for papel/papelão, que representa
No exemplo foi adotada a hipótese de que a cole- 41% dos recicláveis, tem-se para esse material a meta de:
ta seletiva seria implantada em 10 anos e que no Ano 41 x 120/100 = 49,20 t/mês de papel/papelão
10 seria possível coletar materiais recicláveis em Analogamente, calculam-se as metas para os demais ma-
quantidade equivalente a 30% do lixo, o que é dificil- teriais. As metas da última coluna correspondem ao poten-
mente factível. cial máximo ou teórico de 35%.

Quadro 5. Exemplo de estimativa de receita

Ano 1
Materiais Quantidade Preços* Receita
(t/mês) (R$/t) (R$/mês)
Papel/papelão 14,76 110,00 1.623,60
Plástico 6,48 250,00 1.620,00
Vidro 4,68 140,00 655,20
Embalagem cartonada 0,54 100,00 54,00
Metais 3,78 100,00 378,00
Alumínio 0,54 2.700,00 1.458,00
Diversos 3,06 ----- -----
Rejeitos 2,16 ----- -----
Total 36,00 5.788,00
(*) CEMPRE, dezembro de 2002.

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4 . Estimar as receitas brutas previstas, e, portanto, das receitas, sejão realmente alcançadas.
Uma vez definidas as metas, é possível fazer uma Dessa forma, para o Ano 1, ter-se-á uma receita mensal de:
estimativa da receita potencial bruta, ou seja, de re- 70 x 5.788,00/100 = R$ 4.051,60
ceita obtida caso as metas de coleta e comercializa-
ção sejam atingidas. 5 . Estimar a receita líquida
É importante, no entanto, atentar que: Para estimar a receita líquida potencial é necessá-
• nem todos aderem à coleta seletiva; rio conhecer as despesas. No entanto, é muito difícil
• nem todo o lixo reciclável é sempre separado estimá-las no início, pois dependerão das caracterís-
nos domicílios; ticas específicas de cada experiência, como o apoio
• sempre há algum índice de rejeito no proces- da sociedade, o envolvimento dos órgãos públicos, a
so de triagem (sugere-se em torno de 10%, prática gerencial adquirida, etc. Dessa forma, é ra-
podendo chegar a 30%, a depender da quali- zoável admitir uma estimativa das despesas baseada
dade da coleta e da triagem). em experiências vividas por outras cooperativas.
Assim, o cálculo de receita bruta máxima seria mais Para o caso de inexistência de informações confiá-
realista se fosse adotado um coeficiente redutorque veis de empreendimentos conhecidos, pode-se ado-
levasse esses aspectos em conta. tar as recomendações a seguir, obtidas em levanta-
Para a estimativa também é necessário dispor dos mentos realizados em algumas cooperativas do Esta-
preços praticados no mercado, preferencialmente no do de São Paulo:
município ou na região. A consulta à tabela de cotação • despesas com insumos, como eletricidade, te-
de preços do CEMPRE é também muito útil, pois ofe- lefone, água, combustível, manutenção, materi-
rece uma visão nacional dos mesmos. ais de escritório, consomem cerca de 20%
Exemplo: No Quadro 5, são apresentados os preços unitári- das receitas das vendas;
os extraídos do site do CEMPRE e as metas por material previs- • pagamento do INSS eleva as despesas para cer-
tas para o Ano 1. Considerando-se o caso do papel/papelão, sua ca de 30%;
receita potencial mensal pode ser calculada como segue: • contabilizando-se impostos, como ICMS, IPI,
14,76 x 110 = R$ 1.623,60 IPTU, essas despesas podem alcançar cerca
Calculando de modo análogo para os outros materiais, ob- de 60% do faturamento total com as vendas
tém-se a receita potencial mensal de R$ 5.788,00, apresenta- de materiais.
da no Quadro 5. Exemplo:
Neste exemplo, será adotado um coeficiente redutor de 70%, Tomando o exemplo do Ano 1 (Quadro 5) e adotando um
ou seja, será considerado que apenas 70% das metas máximas fator para a despesa de 30% da receita bruta, tem-se:

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Despesa = 30 x 4.051,60/100 = R$ 1.215,48 envolvendo vários agentes da localidade, em especi-


Receita Líquida = Receita Bruta – Despesa ou al aqueles conhecedores da realidade socioeconô-
4.051,60 – 1.215,48 = R$ 2.836,12/mês mica e experientes em programas sociais.
Exemplo:
6 . Definir o rendimento esperado e postos Estabelecendo-se um rendimento por catador de
de trabalho R$ 200,00 e considerando a receita potencial média de
Considerando os critérios anteriormente apre- R$ 2.836,12 mensais, para o Ano 1, tem-se:
sentados, define-se um valor para o rendimento espe- 2.836,12/200 = 14,2
rado e verificam-se quantos postos de trabalho a ou seja, o empreendimento, potencialmente, seria capaz
renda líquida é capaz de suportar. Convém fazê-lo de manter no Ano 1 quatorze postos de trabalho.

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CARACTERIZAÇÃO DO LIXO COM BASE EM AMOSTRAS


Antes de tudo deve-se ter presente a necessi- rão pesados. Assim, é possível estimar tanto a
dade de obter uma amostra representativa para participação em peso dos diversos materiais, co-
análise, ou seja, coletar uma quantidade de resíduo mo o volume, já que se conhece a dimensão das
que apresente características e propriedades mais células. Por exemplo, se a altura da célula é 0,80
próximas possíveis do total de lixo gerado no m terá um volume de 0,80 m x 1,00 m x 1,00 m.
município ou área de interesse. O procedimento Somando-se o peso de todos os materiais sepa-
recomendado é o quarteamento, que consiste em rados será possível saber a densidade da célula.
escolher-se alguns caminhões de áreas pobres, clas-
se média e rica, em dias representativos, evitando
fazê-lo depois de feriados prolongados. Figura 5. Esquema de amostragem de um
O caminhão escolhido despeja o lixo em um caminhão com cerca de seis toneladas.

local plano, de forma que a pilha formada tenha


uma altura média em torno de um metro. Esse 1 6 7 12 13 18
material é cubado e em seguida estabelecem-se
células com base quadrada de 1m x 1m através 2 5 8 11 14 17
da demarcação com ponteiras de ferro. Serão
sorteadas três por caminhão, evitando-se mais 3 4 9 10 15 16
de uma das bordas. Por exemplo, amostram-se
as células 2, 8 e 15 (Figura 5). Todo objeto ou
material que estiver mais de 50% dentro da li-
nha da célula será incluído na mesma para a carac- É desejável trabalhar-se com, pelo menos, um
terização. O lixo contido em cada uma será espa- caminhão de lixo. Caso não seja possível, faça a-
lhado sobre uma lona plástica, procedendo-se à mostragem em, no mínimo, 50 residências. Uma
separação dos diversos tipos de materiais, como vez obtido o material, siga os procedimentos in-
plásticos, papelão, etc. Após sua separação se- dicados no roteiro apresentado no Quadro 6.

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Quadro 6. Roteiro de procedimentos para caracterização do lixo.

1. Pese a quantidade de resíduo inicialmente obtida. Utilize este valor e faça os cálculos, aplicando a fórmula a
seguir (valores em kg/habitante.dia):

Peso total da amostra (kg)


Geração per capita = x 100
Número de habitantes da área amostrada (kg)

2. Descarregue o material no local previamente escolhido (pátio pavimentado ou coberto por lona, à sombra).
3. Proceda ao rompimento dos sacos de lixo e misture todo o material. Considerar os materiais rolados (latas, vidros, etc.).
4. Colete quatro subamostras de 100 litros cada (utilize tambores), três na base e laterais e uma no topo da pilha
resultante da descarga. Considere todo o material, caso a quantidade inicial seja menor que 1,5 t.
5. Pese os quatro tambores de resíduos coletados ou o total utilizado, descontando o peso próprio dos tambores.
6. Despeje os tambores de resíduos coletados sobre uma lona. Proceda à separação nas várias frações de materiais de
interesse (borracha, madeira, ferro, alumínio, papel, papelão, plástico duro, plástico filme, vidro, etc.). Pese cada
fração obtida e faça os cálculos utilizando a fórmula a seguir:

peso da fração de interesse (kg)


Fração de interesse (%) = x 100
peso total da amostra (kg)

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