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Coleção Romances no Rio N° 5 - As cartas de amor - Felipe Mancini e Dayse

Capítulo 1

Felipe Mancini olhou mais uma vez para a tela de seu computador e mais uma vez
apertou os olhos como se ao abri-los, algo diferente pudesse acontecer.
Nada mudava ´pirém. O nome de Dayse Theodoro continuava ali, bem a sua frente como
a desafiá-lo, em primeiro lugar, na lista dos aprovados, que iniciariam o
seu primeiro dia de trabalho naquele momento.
Trocou de arquivo em sua tela, e novamente, o nome de Dayse lhe
saltava aos olhos numa outra listagem. O que ela queria, afinal? Acabar com o sossego que
ele tinha, que levara anos para conseguir? Queria destruir as cercas que ele, dolorosamente
construíra ao redor de si, para evitar que pessoas como Dayse pudessem
invadir o seu espaço e deixá-lo a mercê de um mar de frustrações das quais ele morria de
medo?
Ele não queria mais sofrer. Uma paixão avassaladora já lhe destruíra o ânimo . E não fora
apenas isso. Tivera que aprender a cuidar de seus sentimentos, a fugir
dos problemas que o emocionavam desde cedo. sua mãe o forçava a isso.
Estava agora com trinta e seis anos. Era adorado por todos os seus funcionários por causa
de seu jeito sempre calmo, sereno, trenquilo. Visto como o rei da
paciência e da gentileza, tinha atitudes e gestos extremamente lentos, lânguidos e
ponderados. Demonstrava pensar muito antes de agir. E, para quem não o conhecesse,
poderia passar a imagem de pessoa indecisa, o que era uma inverdade quando se tratava de
assuntos relacionados ao trabalho. Contudo, sua vida pessoal vivia em total
estado de espera. Quase nunca sorria, embora não passasse a imagem de uma pessoa triste
ou melancólica. Simplesmente aparentava encontrar dificuldade em expressar
um amplo sorriso.
Era estremamente bonito e atraente. Alto, com 1,86 metros e um físico bem distribuído,
espalhava seu charme e sensualidade por onde quer que fosse, sem ao menos
se dar conta disso. Tinha cabelos na altura dos ombros, escuros e cacheados, quase sempre
presos por um rabo de cavalo. Seus olhos
castanhos dourados, eram estranhamente tristes e distantes. porém, sempre alertas.Por causa
da lentidão de seus gestos, muitas mulheres acreditavam que seria fácil
conquistá-lo. No entanto, essa tarefa se mostrava árdua demais, e como ele parecia imune
às cantadas e demorava tanto a perceber as investidas femininas, as mulheres
acabavam desistindo vencidas, pelo cansaço, após uma longa espera. Constantemente usava
óculos, não porque tivesse sérios problemas de visão, mas era mais uma armadura,
mais uma fonte de auto defesa.
Mulheres suspiravam por ele, pelo seu jeito lânguido de piscar os olhos com aquelas
pestanas
longas, espessas e terrivelmente escuras.
- Parece uma tartaruga perneta, de tão vagaroso que é. - Comentavam alguns desafetos.
- Parece. Mas não se fie muito nisso, pois seu cérebro, quando ele quer ou necessita,
viaja à velocidade da luuz. - Respondiam sempre a um comentário desagradável
sobre o reitor. - Quando ele tem um objetivo, nada consegue detê-lo. Basta observar todos
os obstáculos que precisou ultrapassar para chegar onde chegou.
Essa morosidade em seus gestos deixavam as mulheres completamente extasiadas.
Achavam-no
muito educado e o rei da gentileza. Acabavam confundindo seus gestos lentos em furtivas
cantadas, as quais Felipe Mancini ignorava completamente.
Na verdade, ele parecia totalmente alheio ao universo feminino.
Levantou-se e olhou por uma das duas janelas de seu gabinete. Este ficava na lateral do
prédio onde trabalhava. Na universidade onde ele há três anos era o reitor.
Aquela janela mostrava todo o prédio anexo ao colégio de aplicação que fazia parte dos
domínios daquela universidade. Lá funcionavam o ensino fundamental e médio,
além da educação infantil.
Era uma gigantesca universidade. Imensa em sua forma física e imensa em sua atuação
como uma das maiores universidades particulares do país e que contribuía
enormemente com o futuro da nação. E ele se orgulhava disso.
De sua janela, Felipe Mancini via os aprovados se dirigirem ao anexo onde o ensino
médio iria funcionar. Ainda não começara as aulas e os aprovados teriam algumas
reuniões antes da chegada dos alunos, que aconteceria dali há uma semana.
Viu Dayse Theodoro encaminhar-se para o anexo. Suspirou fundo. Amaldiçoou a si
mesmo. Voltou a sentar-se e olhou mais uma vez para o computador. Dayse concorrera
a duas vagas distintas para preencher os cargos que aquela universidade estava oferecendo.
Estavam iniciando um novo projeto, uma nova escola. As provas haviam
sido programadas para dias diferentes, a fim de que os candidatos pudessem concorrer a
mais de uma vaga.
Na verdade, os candidatos eram ex alunos daquela universidade e as vagas estavam sendo
oferecidas exclusivamente a eles.
E isso fora muito bom para Dayse. Ela se inscrevera para os dois cargos que eram
oferecidos. Passara em primeiro lugar em em ambos para desgosto de Felipe Mancini.
Ele não teria assim, nenhum argumento para deixá-la de fora.
Dayse concorrera a uma vaga na educação infantil. Ia trabalhar na Pré escola. Há cinco
anos era
professora em uma outra escola, desde que se formara no Curso Normal, mas era ali, perto
de Felipe Mancini que ela queria estar.
Também concorrera às vagas para o ensino fundamental e médio. Ia lecionar Geografia.
Fora a faculdade que fizera e onde Felipe fora seu professor. Amava-o
desde os seus quatorze anos quando fora sua aluna pela primeira vez, quando cursara o
primeiro ano do ensino médio, num colégio ali perto. Fora para a faculdade
onde ele lecionava só para estar perto dele. Conhecia a paixão dele por geografia, por
ciências política, por antropologia e sociologia. Seguira-lhe os passos se
especializando nas mesmas coisas que ele gostava. Não somente por ele. Gostava realmente
daquilo tudo. Ou talvez fosse por ele. Ela não saberia explicar. Só queria
estar onde ele estivesse, fazer com ele o que ele fazia. Amava-o desde sua adolescência.
Escrevia-lhe cartas falando-lhe de seu puro e ingênuo amor. Seguia-lhe os
passos onde quer que fosse. Se inscrevia em todos os cursos que ele dava, ia às mesmas
festas em que ele poderia ir e até em um simpósio sobre Ciências políticas
em Paris que ele fora participar, ela dera um jeito de estar lá também.
Felipe Mancini era um vício para Dayse. Onde quer que fosse, o que quer que estivesse
fazendo, era somente nele que ela pensava. Nada mais ocupava o seu pensamento.
Apenas eele. Via-o com seu sorriso lento, com seus olhos dourados como uma jóia rara, sua
voz possante e ao mesmo tempo suave e
seus gestos calmos e lentos. Ele era o seu homem tranquilo. Sempre com um ar distante.
Mesmo quando estava triste ou alegre, era difícil saber qual era o seu verdadeiro
estado de espírito. Era sempre amável e afetuoso. Suas emoções, caso existissem, ficavam
guardadas em algum lugar inatingível.
Quando, um ano após conhecê-lo, soubera que era um homem casado, quase morrera de
angústia. E, para seu azar, um dia o encontrara com a sua belíssima esposa,
no shopping em São Conrado, bairro onde ela sabia que ele morava e que, por obra do
destino, era ali que ela morava também. Vira nos olhos dele a adoração que sentia
pela mulher. Queria que aquela morena lindíssima e sofisticada caísse morta e se
incinerasse, desaparecesse da face da terra.
Em sua sala, Felipe Mancini se preparava psicologicamente para dar as boas vindas ao
primeiro grupo de professores que atuaria ali, naquele recém criado colégio
de aplicação. Fora uma de suas metas ao ser empossado à reitoria. Agora, um sonho antigo
estaria se realizando e ele estaria muito feliz, se Dayse não se encontrasse
ali para atrapalhar os seu sonho. Ela era o seu pesadelo. Não teria paz com aquela menina
por perto para lhe impor sua indesejável presença. Sim. Era isso que Dayse
era para ele: seu pesadelo particular.
Só de pensar em Dayse ele se arrepiava. Não era um arrepio de prazer e sim de horror.
Há oito anos que ele se via como o objeto de desejo daquela adolescente
louca que o seguia por todo o Rio de Janeiro e até em Paris, quando no ano passado fora a
um simpósio de educação.
A primeira vez que recebera sua cartinha de amor, ela tinha apenas quatorze anos. Era
natural. Já estava acostumado a essas demonstrações de carinho por parte
dos adolescente. Porém, no segundo ano, a menina continuara a lhe declarar o seu amor. Ao
final do terceiro ano, pensou que se livraria dela, mas qual não fora a
sua surpresa ao ao vê-la em sua classe de geografia, na faculdade onde ele lecionava e era o
diretor do curso.
Isso, sem contar que, durante as férias daquele ano, ela aparecia em quase todos os
lugares em que ele estava. Era a coisa mais normal que ele virasse a cabeça
e desse de cara com ela.
Certa vez, quando passeava com Vera, sua esposa, em um shopping perto de sua casa,
deu de cara com a adolescente e viu que ela não gostara do que vira. Chegou
ao absurdo de sentir-se culpado por estar ali com sua mulher.
Durante os quatro anos em que ela estudara na faculdade, ele tivera que aceitar sua
incômoda presença. Ao fim do último ano, já na reitoria, ele acreditava que
ela desapareceria de sua vida. Porém, ele mesmo lhe dera a munição necessária para que ela
o atormentasse pelo resto de sua vida ao dar prosseguimento aos projetos
guardados no fundo de uma gaveta, objetico do penúltimo reitor, que era a criação de um
colégio de aplicação no campus da universidade e, cuja obra já havia sido
iniciada anos antes e esquecida, após a morte daquele mentor.
E esse reitor, esse mentor tão adorado era o seu pai, fundador daquela universidade.
Felipe Mancini se propusera a dar seguimento aquela obra e, tão logo
tomara posse, foi disponibilizando tudo o que parecia ser necessário
para a continuação daquele projeto. Em apenas dois anos e meio, tudo estava pronto e
agora, ele teria que arcar com o resultado daquele concurso que abrira as portas
daquele colégio para Dayse.
E, para piorar a situação, a teria por perto pela manhã e pela tarde, pois ela passara nos
dois concursos que ele
mesmo propusera. O que ele podia fazer?
Viviam num ppaís livre e democrático!
Ele, que pudera respirar aliviado naqueles três últimos anos, pois, não dera aulas em
nenhum outro lugar, ficara fascinado diante da idéia de ter-se livrado
dela em parte. Após terminar o curso de graduação, ela voltara para fazer uma pós, mas
quase nunca se encontravam.
Ele não suportava mais tê-la como sombra. Ela nunca lhe dava trégua. Onde quer que
ele estivesse, lá estava ela: podia ser no restaurante, nos teatros, nas
casas de show, e até mesmo nas bancas de jornais que ele costumava frequentar.
Só conseguia despistá-la quando visitava seus avós em Florianópolis. Ela, nem ele sabia
bem o por que, nunca o seguira até ali. Talvez fosse por que nunca se
demorava por lá. Geralmente, gastava um final de seman ou um feriado prolongado e,
nessas ocasiões, sua mãe a levava para viajar também. Mais tarde, quando ela crescera,
ela costumava acampar ou fazer qualquer outro programa com seus inúmeros amigos.
Portanto, quando ia a Floripa, ele podia respirar aliviado, por mais breve que fossem
esses momentos. Lá, ele não corria o risco de dar de cara com Dayse todas as vezes que
atravessava uma rua, entrava num restaurante ou dobrava uma esquina.
Ela ainda parecia uma adolescente depois de tantos anos e ainda agia como se fosse uma.
Continuava a lhe mandar cartinhas todas as sextas-feiras e, eventualmente,
flores e bichinhos de pelúcia. Tinha dúzias deles. Mem tinha mais onde guardar.
Por fim, acostumara-se de tal forma a tê-la como sombra que não se assustaria se um dia
a visse deitada em sua cama ao fim de um cansativo dia de trabalho.
Porém, a presença dela ali, tão perto, todos os dias, poderia ser algo desastroso demais
para ele.
Desde que ele e Vera haviam se separado, há dois anos, ele não conseguira se envolver
com mulher nenhuma. Vera o destruíra. Não estava mais disposto a se envolver
com nenhuma outra. Menos ainda com aquela garota desmiolada que passara a
adolescência inteira atrás dele e se ele bobeasse, passaria a vida adulta também. E ele
não queria uma louca perturbando-lhe a paz de espírito que custara tanto para conseguir.
Que obsessão era aquela? Não podia ser algo normal. Nenhum de seus amigos de
profissão tinham uma história daquela para contar. Sabia que era natural que as
alunas se apaixonassem por seus professores. Passara por isso muitas vezes. Todos tinham,
pelo menos, uma experiência daquele tipo. Não importava a aparência física
e nem se o professor tivesse uma idade avançada; sempre aparecia, em algum momento,
uma declaração de amor em sua mesa. E sabia também, que a carência de alguns
de seus amigos os levavam a um romance com uma das alunas. E, muitas vezes, nascia ali
um amor verdadeiro. Alguns colegas seus haviam se casado com ex alunas. Porém,
o contrário também acontecia. Vira vários colegas serem demitidos por causa de
envolvimento com adolescentes ensandecidas de paixão. E ainda tinha aqueles que não
conseguiam dizer não a uma ninfeta de 15 anos que até um strip tease resolviam fazer na
ânsia de conquistar o professor amado. Felizmente, nunca passara por isso.
Alguns homens não conseguiam raciocinar com a cabeça certa e mantê-las em seu devido
lugar, quando meninas perdiam as suas. Eram crianças as voltas com suas primeiras
paixões e ele compreendia bem esses caminhos pelos quais, quase toda adolescente
passava. Afinal, ele era um professor e devia estar atenta aos distúrbios hormonais
desconhecidos que faziam mocinhas e rapazes perderem o pouquíssimo juízo que tinham.
Duvidava porém, que Dayse se encaixasse em qualquer um dos casos que ele já
tomara conhecimento.
De qualquer forma, fosse para ser um caso bem sucedido ou não, ele não queria
envolvimento com uma menina que há oito anos lhe jurava amor eterno e incondicional.
Aquilo, de certa forma, o incomodava bastante. Não sabia se era por que considerava a
garota, uma maluca de carteirinha ou por que, na realidade se sentia envaidecido
por aquele amor adolencente, cultivado ao longo dos anos.
Todavia, não podia levar aquilo tudo muito a sério. Com certeza, a garota deveria fazer
aquilo apenas para tirá-lo do sério. Na verdade, deveria ser uma garota
cheia de namorados, já que era tão bonita, atraente e sensual. Não iria jamais acreditar que
uma menina daquelas, que já deveria estar com vinte e dois anos, estava
esperando por ele, como ela fazia questão de frisar em suas infalíveis cartinhas de amor, as
quais ele recebia todas as sextas feiras, desde que a conhecera, há
oito anos.
Suas cartinhas nunca deixaram de chegar-lhe às mãos. Mesmo quando ainda era casado,
sempre as lera. Passara a esperar, ao longo dos anos, que as infantis cartinhas
de amor chegassem até ele. Lera todas. Pior! Guardara todas. E nem sabia por que. Só
sabia que eram bem mais que quatrocentas cartas.
O tempo passara. Dayse fizera quinze, dezesseis e assim por diante.
Se transformara numa exuberante mulher. Tinha cabelos compridos e castanhos, mas ela
mesma não crescera muito. Era baixinha e um pouquinho acima do peso. Nada que
comprometesse sua silhueta. Era até agradável para ele saber que ela não sequia a aparência
das modelos, como quase todas as meninas da idade dela. Suas formas eram
perfeitas e arredondadas nos lugares certos.
Muitas vezes se surpreendia admirando a beleza de Dayse. E muitas vezes, flagrara a si
mesmo pensando em levá-la para a cama e acabar com a curiosidade dela
e também com a dele.
Mas nunca faria uma coisa daquelas. A garota só lhe traria aborrecimentos e amolação e
ele não precisava de mulher nenhuma no seu pé. E tudo o que aquela desmiolada
poderia trazer-lhe era encheção de saco.
Além do mais, depois do que Vera lhe fizera, depoois do que Vera lhe causara, nunca
mais se envolveria com mulher alguma. O sexo feminino não era digno de confiança.
E ele não sabia realmente, quais eram as verdadeiras intenções daquela garota agora. Aos
quatorze anos, com toda a certeza, ela era uma menina ingênua e pura, para
quem a descoberta do amor era algo lindo. Agora, oito anos mais velha, mesmo jurando em
suas cartinhas de sexta-feira que ele era o seu único amor, sabia que não
podia confiar naquelas bobagens. Ela era uma garota antenada, que vivia indo às boates
com a sua turma, gostava de dançar e de se divertir e nada tinha de menina
tímida e ingênua. Muito pelo contrário. Era o que todos chamavam de descolada. Era, na
verdade, uma líder. Uma maluquinha cheia de idéias e que gostava de viver
a vida. Era óbvio que só podia ser uma piada aquelas declarações de amor eterno. Talvez
ela tivesse feito uma aposta ou coisa parecida. O fato é que nada no comportamento
daquela menina batia com as cartinhas amorosas e cheias de florzinhas que ela lhe enviava.
Parecia coisa de duas pessoas diferentes. Ela era muito esperta para
se prender aquelas bobagens românticas de meninas que tinham a cabeça cheia de sonhos e
que ainda acreditavam em princesas e príncipes encantados.
Mas, na realidade, não queria perder tempo pensando naquela garota e em suas cartinhas
absurdas. Ele era um reitor. Um magnífico reitor e tinha uma universidade
para comandar. Tinha milhares de problemas para resolver e não iria ficar ali, perdendo seu
precioso tempo, pensando numa mulher de vinte e dois anos que agia com
ele, como se ainda tivesse quatorze.Sem contar que com seus shortinhos e saias de dez
centímetros que deixavam suas coxas grossas à mostra, como poderria ele crer
que ela se guardava para ele? Devia rir dele quando escrevia as cartas dizendo que esperava
que ele fosse o seu primeiro homem!
Na verdade, não deveria perder seu precioso e escasso tempo pensando em fazer amor
com uma maluquinha. Ele tinha mais o que fazer!
Dayse não cabia em si de contentamento. Não lhe importava que Felipe Mancini não a
quisesse e nem ao menos tomasse consciência da presença dela. Só de estar
perto dele, tudo parecia ficar mais colorido.
Ela não se importava que ele amasse outras mulheres, que dormisse com outras
mulheres.
O seu amor era uma via de mão única. Totalmente unilateral e platônico, ela reconhecia.
E não se envergonhava por isso. Também não escondia de ninguém aquela paixão que não
fazia sentido a nenhum outro ser humano.
Sabia que era pura perda de tempo. Ele jamais a veria como mulher. Mas não se importava.
Era
dele. Seria dele eternamente. Nunca poderia ser de outro homem. Era a ele a quem amava,
muito
mais do que a si mesma. Seguia-o por onde quer que ele fosse. Colocava as mãos nos
mesmos
lugares onde ele colocasse as dele, na tola esperança de trcrbrt daquele objeto as mesmas
energias que o obejeto tivesse capturado dele. Olhava o céu de modo radiante ao
contemplar o
sol, a lua ou as estrelas e acreditar que o que via nos céus era a mesma imagem que ele via.
que aquele sol explendoroso fora visto por Felipe.
Estar no mesmo ambiente significava respirar a mesma atmosfera que ele. Tudo em seu
mundo girava em torno de Felipe Mancini. Como poderia ser diferente. Ele roubara seu
coração
e se negara a devovê-lo.
- Você é romântica demais! - Diziam seus amigos. - Isso não pode ser normal. Estamos
na
era da tecnologia de ponta. Não há espaço para esse romantismo ultrapassado!
Ela não se incomodava com as piadinhas dos amigos. Se não amasse Felipe, a vida não
teria
cor, os sons não teriam o menor significado.
Todos acabaram se acostumando aquele sentimento estranho que ela nutria por seu
professor. Com o tempo, já nem se importavam mais. Porém, muitos de seus amigos
acreditavam ser algo doentio. Não era natural que uma bela mulher nutrisse um sentimento
platônico por um homem que não lhe dava a menor confiança, numa cidade como
o Rio de Janeiro e em pleno século 21, por oito anos a fio e ainda por cima, sendo
infatilmente fiel a esse amor não compartilhado.
E, no entanto, para Dayse, amar a Felipe Mancini era a coisa mais natural do mundo.
Nem imaginava a sua vida sem aquele amor. Tinha certeza de que um dia ele
a enxergaria, não lhe importava quanto tempo aquilo iria demorar para acontecer. Aquele
amor fazia parte dela como o seu coração.
E, realmente, era fiel a ele. Jamais namorara um rapaz, nem por brincadeira, depois que o
conhecera.
Era até meio estranho, pois aos treze anos, já havia ficado com muitos meninos que
regulavam a idade com a dela e todos os adultoss lhe diziam que era muito
namoradeira, que seria um terror quandoficasse mais velha.
Entretanto, no dia em que se sentara naquela sala de aula e aquele homem maravilhoso
entrara, seu mundo se resumira nele. Nunca mais ficara com um garoto. Nunca
mais beijara ninguém.
Contudo, a recusa dele em olhá-la como uma garota, uma possível namorada e até
mesmo como sua esposa, não a trancara dentro de casa.
Não era deprimida por aquele amor não correspondido. Sentia-se fútil como quallquer
mulher vaidosa que se preocupava com manicure, cabelereiro, roupas e sapatos
da moda.
Gostava de se vestir como as garotas de sua idade. Pelo menos, assim ela pensava. Na
realidade, embora usasse roupas curtas e até um pouco provocantes, parecia
uma menina de tanto rosa e tons bebês que usava. Se vestia para ele. Queria que ele visse
como determinada roupa ficara bem
nela, como determinada cor lhe acentuava os olhos e de como seu cabelo que ia até a
cintura, exatamente como ele gostava, estavam brilhantes.
Até o perfume que usava, sem jamais trocar de fragrância, era com a intenção de que
onde quer que ele estivesse, se sentisse aquele cheiro, se lembraria dela.
No entanto, ela saía. Ia ao cinema, ao teatro, às danceterias. Tinha uma legião de amigos
pois sempre estava de bom humor. Nunca perdia a oportunidade de ir
à praia ou fazer qualquer coisa que a divertisse, desde que não a impedisse de poder ver o
seu objeto de desejo por alguns minutos. E era por essa razão que nunca
se ausentava do Rio de Janeiro. Tinha que vê-lo. Pelo menos u uma ou duas vezes por
semana.
E era assim que vivia a sua vida. Pensando em Felipe Mancini, respirando Felipe
Mancini, amando Felipe Mamcini. Não se preocupava com a opinião que algumas pessoas
tinham a respeito da sua obsessão por ele. Ela o amava e era isso o que lhe importava. Nem
mesmo o fato dele não se dar conta da existência dela lhe importava muito.
Ela sabia que um dia ele iria amá-la, tanto quanto ela o amava há esses anos todos.
Estar apaixonada por ele e não ser correspondida não era razão para viver infeliz,
arrastando uma carga invisível de dor, angústias e lamentações. Destestava a
autocomiseração.
Não tinha paciência para ficar sentindo pena de si mesma e chorando no ouvido de suas
amigas.
Era uma garota normal e feliz que amava um homem mais velho e que um dia iria se
apaixonar
por ela. Era tão simples que não conseguia compreender por que as pessoas não entendiam
algo
tão simples.
- Pelo amor de Deus, filha, pare com esse amor doentio! Isso não pode fazer bem a
ninguém! - Dizia sua mãe, quase em desespero ao vê-la escrevendo mais uma cartinha
e ficando em dúvida se mandava ou não flores para ele naquele dia.
- Mãe! - Suplicou ela. - Que mal eu estou fazendo a ele ou a você?
Eu apenas o amo. Não estou prejudicando a ninguém!
- Está prejudicando a você, minha filha!
- Não estou não. Sou tão felizz por amá-lo!
- Como pode ser feliz amando uma pessoa que não lhe dá a menor confiança?
- Um dia ele vai me notar e vai se apaixonar por mim.
- Vai ficar velhinha acreditando nisso. Quando perceber, a vida já terá passado e você
terá perdido seu tempo.
- Por favor, mãe, respeite a minha escolha. Escolhi amar a um homem que não me ama,
sei disso.
Talvez eu esteja me escondendo atrás desse amor para não ter que
enfrentar um relacionammento de verdade... Pode até ser... Não é isso que você vive me
dizendo? Mas é a minha escolha. Se eu tivesse me relacionando com um mal
elemento, você deveria ficar preocupada, mas não estoou envolvida com nenhum homem
perigoso ou coisas do gênero. Apenas amo um homem que não me ama!
- Apenas... Apenas... Acha pouco perder um tempo tão longo amando um homem que
não lhe quer?
- Você não perdeu um tempo muito maior amando o papai?
Dayse sabia que pegara pesado, mas queria que sua mãe a compreendesse ou mesmo,
que a deixasse em paz. Tinha consciência que magoara. Seu pai fora um grosso,
estúpido e violento. Agredira a ela e a sua mãe fisicamente por tantas vezes que tiveram
que fugir dele. E foi exatamente nessa época que conhecera o seu professor.
- Os homens não gostam que as mulheres os persigam. E você não dá uma folga para
esse tal
Felipe Mancini.
- Eu acredito em mim. Além disso, não existe nenhuma regra que diga que os homens
gostam
disso ou faquilo. Uns até dizem que detestam mulheres que lhes pegam no pé. Se for o caso
de
Felipe... Nas acho que não é...
- Como pode saber?
- Por instinto. quando um homem não quer uma mulher ele lhe corta todas as
oportunidades...
E ele não lhe cortou. Parece-me que perseguir um homem durante oito anos e não ser
correspondida deixa isso bastante claro.
- Antes eu era apenas uma criança.
- E mesmo depoiss da sua maioridade, ele continuou afastado.
- Sei disso. Mas ele nunca me evitou de um forma definitoiva, entende?
- Não! Não entendo! O que entendo é que ele nunca lhe deu esperanças. Tanto é verdade
que
há oito anos você se acaba por ele. Não percebe que o tempo está passando e ele daqui a
pouco
arruma uma nova esposa?
- E, dessa vez a esposa dele seri eu.
- Deus Meu! Como você é ingênua! - A mãe sofria com aquela teimosia. Por que sua
filha
era incapaz de enxergar a realidade que se apresentava a sua frente? Estava mais do que
claro
que aquele homem não a queria! Por que ela era tão cega? Que raio de obsessão era aquela?
Aquilo não podia ser nada bom! Nenhuma mulher normal ficaria tantos anos se
consumindo por um
amor que não iria a lugar algum! Como desejava que sua filha fosse capaz de enxergar a
verdade!
Ainda se lembrava do primeiro dia que tivera aulas com ele e chegara em casa gritando
para sua mãe que encontrara o homem com quem iria se casar e ter filhos.
- Quem é esse garoto e quantos anos tem essa maravilha? - Sua mãe perguntara
sorridente.
- É... É meu professor de Geografia. Tem... Sei lá... Minhas colegas dizem que ele é
velho.
De tanto falar com sua mãe sobre seu professor, ela resolvera ir conhecê-lo
pessoalmente. Poderia ser um aproveitador. Talvez até estivesse incentivando a sua
filha, sabe-se lá com que tipo de intenção.
E tanto sua mãe falara e falara na sua cabeça, que ela quase nem dormira naquela noite.
Dona Beth queria conhecer Felipe Mancini, talvez até tomar satisfações,
expulsá-lo da escola, acusá-lo de pedofilia ou coisa parecida. Ficara apavorada, naquele dia,
há oito anos, com a fúria que sua mãe demonstrara contra o seu amado
e querido professor.
Entretanto, ao ver os dois conversando amavelmente, sentiu ciúmes de sua própria mãe.
Pareciam ter a idade certa para namorarem. Pareciam feitos um para o outro
e ela passaria tranquilamente como a filha dos dois.
Quis morrer naquele dia. Era realmente uma criança. Talvez fosse por isso que ele não
respondia as suas cartinhas e nem ao menos a olhava com qualquer tipo de
interesse. Ele poderia ser acusado de qualquer coisa que poderia acabar colocando-o na
prisão.
Então, tomou a decisão de que esperaria fazer dezoito anos para forçá-lo a se interessar
por ela. Não demorou muito para descobrir que ninguém poderia ser forçado
a gostar de alguém. Como era complicado crescer! Era tão pouco o que ela queria da vida,
se foosse comparar com suas amigas que queriam ficar ricas, encontrar um
otário que as bancasse. Ela só queria Felipe Mancini. Ele era o seu tesouro, a sua riqueza, a
sua felicidade. E isso era tão difícil!
E foi pensando na vontade que tinha de ter aquele homem em seus braços, que ela e os
demais aprovados no concurso daquela universidade para o recém criado colégio
de aplicação se encaminhavam para o auditório, a fim de receber as boas vindas do reitor e
começarem a iniciar suas atividades.
Na verdade, nem queria lecionar para adolescentes. Quisera apenas se inscrever para a
Pré escola. Mas precisava mostrar a ele que se interessava pelas mesmas coisas que ele.
Assim,
aproveitara a oportunidade e se inscrevera também para o Fundamental e Médio. Contudo,
temia
entrar em uma classe e dar de cara com um bando de adolescente que não a respeitariam
por
causa de sua pouca idade. Mas precisava provar a Felipe e a si mesma de que era capaz.
E, quando ela o viu a sua frente, falando a todos que ali se encontravam, não foi capaz de
ver ou ouvir nada além das fortes e descompassadas batidas de seu
coração.
Era como se ali só estivessem ele e ela. Todos haviam desaparecido.
E mesmo depois dele ter saído dali, não conseguia pensar em mais nada a não ser no fato
de que estiveram juntos na mesma sala e que respirara o mesmo ar que
ele respirara.
Ao final daquela manhã, foi até a mesa onde ele se encostara enquanto falava com as
pessoas e passara a mão no mesmo lugar onde ele antes estivera. Era
como se a energia dele ainda estivesse ali e que ao tocá-la, ela e ele estariam na mesma
sintonia.
Embora todos a vissem como uma tonta quando ela falava de seu amor por aquele
homem, ela sofria. Demonstrava alegria e despreocupação para todos, mas aquela
paixão lhe corroía a alma. Há oito anos sofria por ele. Por que achavam que aquele amor
era uma bobagem? Só por que o amara na adolescência, seus sentimentos não
tinham valor? E agora que era adulta, que trabalhava, que pagava as suas contas, seu amor
por Felipe Mancini era alvo de piadinhas por que era visto como uma paixão
adolescente ou, como diziam alguns, um amor não correspondido não devia ser levado a
sério.
Estava tão invadida de amor pelo fato de ter estado no auditório no mesmo instante em
que Felipe que nem reparou no carro que parou ao seu lado enquanto saía
do colégio de aplicação, enquanto se dirigia ao restaurante onde sua mãe a esperava para
almoçar.
- Para onde está indo? - Perguntoou-lhe Felipe de dentro do carro.
Ela teve um acesso de tosse e quase morreu engasgada.
Ele saiu do carro e apressou-se para fazê-la sentar-se no banco do carona. Ela entrou
quase desfalecendo por causa da tosse e por que nunca havia tocado ou sido
tocada por ele. Tremia da cabeça aos pés e se ele não a sentasse no carro como se ela fosse
uma garotinha de três anos, cairia sem forças no chão.
Ele entrou no carro e prendeu o cinto de segurança dela e depoois o dele. Saiu rápido
dali.
Ela, contudo, não parava de tossir. Esquecera do que era necessário fazer para respirar.
Estava ao lado dele, no carro dele, sentindo o perfume dele, ouvindo a respiração dele. Ia
morrer! Ninguém poderia sobreviver aquelas sensações. eram muito fortes. A tremedeira
não
parava. E, agora, olhava-o escancaradamente o rosto. Não conseguia parar de olhá-lo.
Nunca
estivera tão próxima a ele. Ia morrer! Deus! Ia morrer ali ao lado do ser a quem mais amava
no mundo! Ia morrer de tanta felicidade!
"Idiota! Pare com essa tosse! O que esse homem maravilhoso vai pensar?" Com muito
esforço mental, acalmou sua garganta. Percebeu que ele a olhava de um modo
sério e daria tudo para saber o que ele estava pensando. Estaria ele preocupado com a sua
tosse? Estaria envergonhado após vê-la convulsionada por aquele ataque
que a faria cuspir os pulmões?
Dayse não conseguiu se lembrar que sua mãe a esperava no restaurante. Para dizer a
verdade, nem se lembrava do que era uma mãe. Estava extasiada. Olhava para
ele com adoração.
Logo chegaram a um pequeno restaurante. Era bastante próximo ao local de trabalho,
pois Felipe teria que retornar rapidamente para a reitoria. Havia muitas coisas
para resolver e ainda teria que dar as boas vindas ao segundo grupo de aprovados. Não que
precisasse fazer aquilo, mas queria saborear a inauguração daquela escola.
Queria estar ciente dos mínimos detalhes de seu funcionamento. Não que aquilo fosse uma
tarefa sua. Para bem da verdade, o grupo de diretores que iria administrar
aquela unidade de ensino, há muito fora escolhido pelo conselho da universidade. Mais
tarde, os docentes elaborariam seu próprio estatuto e a escola funcionaria
por conta própria. Porém, naquele dia, queria saborear o gosto daquela vitória, idealizada
pelo primeiro reitor e construída em tão curto prazo desde que assumira
aquela função, que, embora carregada de problemas, lhe dava imenso prazer. Devia aquilo
ao seu pai!
Só estava um pouco aborrecido por que, o seu irmão, Lucas Mancini, não poderia estar
presente naquele momento. Mas ele viria em breve e assumiria a direção daquele novo
empreendimento.
Ao abrir a porta do carro para que Dayse descesse, ela quase não sentia as próprias
pernas. Ziguezagueoou como se tivesse embriagada. Tentava alinhar seus pensamentos,
mas era impossível. Desaprendera tudo o que levara vinte e dois anos para aprender.
- Você está se sentindo bem? - Ele perguntoou preocupado. Ela parecia não estar
sentindo bem e ele já se arrependera de tê-la convidado para almoçar.
- Hã? Ah! Estou bem! Estou muito bem! - Disse ela quase não conseguindo suportar a
felicidade que sentia.
"Talvez ela nem tenha fome! Acho que eu a convidei num dia ruim. Mas não tem
importância. Não posso demorar mesmo!" Pensava ele enquanto a observava, preocupado.
Ela estava muito ausente, como se fizesse uma força sobrehumana para ficar ali, no planeta
terra.
- Tem certeza que está bem?
- Professor Felipe, o senhor não tem noção de como estou bem! Quase poderia voar por
todo o Rio de Janeiro de tão bem e leve que estou. Aliás, acho que estou
voando. O senhor pode verificar se meus pés estão encostando no chão? - Ela estava tão
feliz,
tão repleta de felicidade que se sentia enjoada.
"Realmente, ela não bate bem. Recebi cartinhas infantis de amor dessa garota por oito
anos, e, quando crio coragem para convidá-la para almoçar, ela age como
se usasse drogas!" E, de repente preocupou-se por saber que uma possível viciada
trabalharia na escola que ele brigara tanto para construir.
Entraram no restaurante, sentaram-se e fizeram seus pedidos. Curiosamente, Dayse
sentia uma fome avassaladora. Quase não conversou com Felipe, pois estava mais
interessada em fazer sumir toda a comida que colocara em seu prato. Infelizmente, a sua
ansiedade fez com que comesse rápido demais e, em pouquíssimo tempo, não
tinha mais nada a fazer, a não ser, esperar que Felipe terminasse sua refeição. Só então
conseguiu acalmar-se e voltar a ser ela mesma: a garota que o amava abertamente
e que não se sentia culpada por aquele sentimento, razão do deboche de todos aqueles a
quem ela conhecia.
- Desculpe-me, professor...
Ele levantou os olhos até ela. Estava arrependido por tê-la convidado. Ela se mostrara
uma decepção como ser humano. Não tinha assunto, não lhe demonstrava nenhum
interesse. Começara a duvidar se fora ela realmente que escrevera as infalíveis cartinhas de
todas as sextas-feiras. Ela não aparentava nenhum interesse por ele.
Apenas pelo prato de comida, ao qual ela atacara como um inimigo a ser derrotado, sendo
que, um pouco antes, parecia ter ingerido alguma bebida alcoólica ou algum
tipo de droga.
- Hã? Desculpar o que?
- Eu estava saindo no portão do colégio, muito distraída. Nunca, em meus mais loucos
sonhos, poderia imaginar que o senhor fosse me convidar para alguma coisa.
Pensei que ia passar mal. Fiz um esfoço enorme para não desmaiar em seu carro.
Ele se surpreendera com a naturalidade com que ela falava. De qualquer forma, suspirara
um pouco mais tranquilo. Mesmo sendo tão direta, sabia agora que o comportamento
anormal fora ditado pela emoção. Mesmo assim, ele ficara sem palavras diante da
objetividade dela.
- Sabe que sou louca pelo senhor há tanto tempo que... Fiquei emocionada demais. Como
não sabia o que dizer e nem como agir, resolvi atacar a minha refeição.
- Percebi... - Falou ele sorrindo. - Pensei que você ia se esconder dentro do prato. - Ele
começava a se descontrair.
- O senhor pode compreender bem essas coisas que acontecem. Deve receber milhares de
cartinhas iguais as minhas, todos os dias.
Ele a estudou com algum interesse. Não sabia muito bem com quem estava lidando. Ela
poderia parecer uma tonta, e não ser.
- De fato, recebi muitas cartinhas. Acho que isso é muito normal na vida de um
professor. Agora, no entanto, não há mais cartinhas. - Ele parou de repente.
Agora, realmente, não recebia mais as sonhadoras cartinhas das adolescentes do ginásio. As
cantadas tornaram-se mais diretas. Quase como o que ela tentava fazer
agora. Sendo direta demais, coisas que sempre o deixavam em guarda quando as mulheres
passavam a caçá-lo.
- Já não recebe cartinhas, não era isso o que ia dizer? As mulheres que estão a sua volta
são mais diretas, não é? Eu tenho muita concorrência?
Foi a vez dele se engasgar e tossir.
- Isso é contagioso! - Ele riu após se acalmar.
- Um dia você vai-me ver como mulher?
Ele a olhou intensamente.
- Quem sabe... - Respondeu por fim.
- Amo o senhor demais!
- Você vai-me deixar encabulado.
- Perto do senhor eu não sei nada da vida. Como poderia encabular o senhor?
- As mulheres atiradas me deixam sem graça.
- Não sou atirada. Amo o senhor há oito anos. Estou-me guardando para o senhor desde
então. Não acha que mereço uma chance?
Ele tornou a olhar para ela com aquele jeito intenso, de quem procura ver o que se
esconde por trás das palavras.
- Talvez... A gente saia um dia desses... Faloou sem muita convicção.
Na verdade, o amor que ela dizia sentir por ele o incomodava. E ele nem sabia se aqueles
sentimentos confessados por longos oito anos em cartinhas perfumadas
e cheia de florzinhas, por ursinhos que também tinham o mesmo cheiro das cartas e, que
por acaso, era o mesmo cheiro dela.
Conhecia aquele perfume de longe. Nunca o sentira em nenhuma outra mulher. Não
sabia qual perfume que ela usava, mas sabia que em todo o Rio de Janeiro, somente
ela tinha aquele cheiro tão agradável aos sentidos dele.
Ele admirava a sua beleza. Tinha cabelos longos e castanhos claros, exatamente como
ele gostava, na altura da cintura. Belíssimos olhos, também castanhos, cor
de mel, grandes e sonhadores, emoldurados por longos cílios. Seus lábios eram carnudos.
Seus seios grandes. Era uma delícia de mulher. Queria
prová-la. Queria saber se ela era capaz de causar nele as velhas sensações que nenhuma
outra mulher, depois que Vera o magoara, conseguia acordar nele. Estava carente
e precisando dos braços dela em redor de seu corpo. Mas não confiava nela. Era muito
bonita para perder tanto tempo atrás dele. Aquele quebra cabeças não fechava.
Faltava alguma peça. Por que uma mulher linda e maravilhosa se guardava para ele?
Ela o admirava descaradamente. Olhava-o de perto como nunca tinha estado antes.
Observava todos os mínimos detalhes para sonhar com eles mais tarde. Um sinal,
uma invisível mancha na pele... Tudo estava sendo excrutinado por ela. As ranhuras de
matizes douradas que ela via na iris, no interior de seus olhos adorados. As
sobracelhas espessas que lhe davam um ar severo e misterioso. A boca carnuda e suculenta
que ela queria beijar. Deus! Como amava aquele homem!
E, quando aqueles olhos dourados e tristes pousavam nos seus, ela quase enlouquecia de
desejo. Queria beijá-lo ali. queria fazer amor com ele ali mesmo, na mesa
do restaurante.
Ele tirara o óculos na hora do almoço e ela nunca o tinha visto sem óculos. Olhava os
seus cabelos compridos, quase pretos, presos por um rabo de cavalo. Via
o esforço que os cachos faziam para manterem-se presos ali. Olhava aquela boca, que ela
queria beijar, linda e sensual. As mãos grandes. Queria aquelas mãos percorrendo
o seu corpo. Não se cansava de olhá-lo. Não se cansava de desejá-lo. Como seria ter ele
dentro dela? Aquela expectativa ia matá-la.
Eles se olhavam e se observavam. Estavam fazendo amor com os olhos e Felipe estava
terrivelmente excitado. A vontade que tinha era a de sair dali e se dirigir
a um motel e fazer amor com aquela garota até que ela implorasse para que ele parasse. Ou
até que ele morresse de cansaço.
E eles ficaram um bom tempo se conhecendo no mais absoluto silêncio. Eram olhos de
um,
nos olhos e na boca do outro. E no meio disso, um imenso desejo de fazer amor, que
volta e meia os sacudia num orgasmo imaginário. Ela estremecia de desejo e paixão. Ele
estremecia de prazer por imaginar-se dentro dela. Era sexo explícito em pensamento.
O sexo dele, duro como aço ameaçava explodir ali mesmo, sem que nada o tocasse.
Apenas a
imaginação de que ela o tocava, segurava seu membro duro e pulsante.
Ela sentia um ardor entre as coxas. Seu sexo pulsava quente e úmido. Havia nela uma
necessidade desesperada de que ele a tomasse e a possuísse sem pena, selvagemente,
furiosamente. Somente a fúria acalmaria seus sentidos. Não sabia, até aquele momento,
como
era sentir desejo sexual. Em suas fantasias, sua imaginação nunca tinham ido tão
longe, embora sempre se acariciasse intimamente quando estava sozinha e
sonhava com o dia em que ele a possuiria de verdade.
Entretanto, agora, parecia real. Ou quase.
Ela abriu os lábios para ele e, de onde estava, do outro lado da mesa, ele sentiu que a
beijava, que invadia aquela boca indecente com sua língua esfomeada.
Por baixo da mesa, suas pernas se tocaram.
Ambos estremeceram. Sentiram-se atingidos por uma descarga elétrica.
Ela,instintivamente abriu as pernas e sentia como se ele a estivesse invadindo.
E ele sentia que a invadia, que a penetrava, que a possuía freneticamente.
Embora, por baixo da mesa nada de mais estivesse acontecendo,, a
cabeça dela dava voltas e mais voltas deixando-a com a sensação de que
estava embriagada. Bebera demais?
Era tudo imaginação!
Mas ela tinha vontade de se escancarar completamente e enfiar as mãos dentro de sua
calcinha e se liberar daquela tortura.
Felipe imaginou que a invadia em todas as posições que já lera no Kama sutra. Viu-se
sobre ela,
viu-a sobre ele...
Só não abriu o zíper de sua calça e pôs o seu membro para fora a fim de acariciá-lo, nem
sabia por que. Já se esquecera que havia pessoas a sua volta. Nada mais via além de Dayse
eo
desejo nos olhos dela.
- "OH! Tenho que ir embora! Tenho que sair daqui!
O ar condicionado do restaurante não conseguia evitar o suor que lhe escorria pela testa.
E o pior era parecer que só havia os dois ali.
E ela não parava de olhar para os olhos dele ou para a sua boca. Lia o desejo
dela em seus olhos.
"Céu Santo!" ele ia gozar ali!
Com a testa molhada de suor, pediu a conta e esforçou-se para se concentrar nas
atividades que teria por toda a tarde. Era um homem civilizado. Não podia agir como um
homem
das cavernas que se deixava levar pelos instintos.

Capítulo 2

A semana passou sem que mais nada de importante acontecesse para Dayse. Não o vira
mais depois da reunião daquela tarde. Sabia que ele estava por ali, na universidade,
mas não se deixara flagrar por ela nenhuma única vez.
Contudo, durante todos aqueles anos de perseguição explícita, isso sempre acontecia.
Volta e meia ela perdia a pista dele. E agora, cuja época de adolescente
se fora, com tantas responsabilidades que agora tinha, era bastante difícil segui-lo por muito
tempo. Seus amigos, que antees a ajudavam nessa tarefa, também não
mais podiam ajudá-la. Todos tinham agora as obrigações da vida adulta. Assim,
acostumara-se a perdê-lo de vista. No entanto, sabia que durante muitas horas do dia,
ele estava ali, na universidade.
Da janela da reitoria ele se martirizava diante do desejo de convidá-la para sair. Via
quando ela chegava e quando ela saía. E agora, o colégio de aplicação
não tinha mais nada a ver com ele. A direção funcionava a contento e já começara o
primeiro dia de aulas.
Na turma da tarde, onde Dayse lecionaria para a pré escola, havia um certo
aborrecimento nos olhos e atitudes da orientadora pedagógica. A bela Luciene estava
um pouco irritada com a interferência de alguns pais em seu trabalho e um dos problemas
parecia ser justamente com a turma que Dayse se preparava para conhecer.
- O que houve? Há algo errado? - Perguntou ela à orientadora pedagógica.
- Alguns. - Respondeu Luciene aborrecida. - Alguns pais fazem questão que suas
crianças fiquem na mesma classe.
- E isso é ruim?
- Não é bom que gêmeos fiquem na mesma turma. Mas sempre usam aquela
desculpa esfarrapada. O pai das crianças parece ter sido amigo de
infância do reitor. E daí? O que eu tenho com isso? No entanto, serei
obrigada a acatar os desmandos dessas pessoas mimadas que acham que os outros são
obrigados a
acatar suas vontades! Odeio essa gente que se acha dona do mundo!
Dayse começou a acreditar que a orientadora não agia com muito profissionalismo. Ela
não
deveria estar-se queixando daquela forma, diante de uma de suas professoras. Porém, deu
de
ombros. O que ela tinha a ver com isso?
- Gêmeos não devem ficar na mesma turma! - Gritou Lucienme como se estivesse
perdendo o
juízo e aquilo sobressaltou Dayse. A mulher parecia desiquilibrada. Não podem! Bão
podem! Eu
não quero! Eu não permito! Eu não aceito! Gêmeos não podem ficar na mesma turma!
- É mesmo? Não sabia! E por que não podem? - Perguntoou duvidosa. Estava
horrorizada com
o escândalo que a orientadora estava fazendo. Estivesse certa ou não, aquela atitude de
Luciene, com toda a certeza, não era o modo correto para abordar tal situação. Por que a
mulher estava tão fora de si. Que os gêmeos ficassem na mesma turma. Qual era o
problema?
Eram apenas bebês! Calou-se de repente. Estava apreensiva. Um casal entrava e trazia
três crianças com eles. Dayse ficara maravilhada com a beleza do casal. Ele, alto e moreno
e ela, com a pele bem clara e cabelos pretos num par de olhos violetas.
Entravam com uma menininha maior e dois meninos idênticos que eram a miniatura do pai.
A
menina, que se chamava Cristina, seria sua aluninha. E, ao observar ios gêmeos, percebeu
que
aquelas crianças eram o ponto de discórdia de Luciene.
- Esses são o senhor e a senhora Marcelo e Cibele Raniere. - Disse Luciene tentando
ocultar sua irritação.
Dayse não pode conter um suspiro de alívio ao perceber que a orientadora parecia ter-se
acalmado. E, por alguma razão que desconhecia, gostou imediatamente do casal.
Cumprimentou-os sorridente e nem reparou que a orientadora queria morrer. Pegou a
menininha
pela mão e levou a apreensiva criança a um cantinho onde começou a conversar com ela.
No entanto, perguntava-se por que Luciene não saía da porta de sua sala. Queria aquela
mulher
longe dela, antes que se descontrolasse outra vez e começasse a dar qualquer alteração na
presença dos ansiosos pais e das constrangidas crianças que se apresentavam, ainda
receosas,
para o seu primeiro dia de aula.
Felizmente, como era um período de adaptação, os pais poderiam ficar por perto e o
horário a cumprir seria de apenas uma hora, tempo que iria sendo ampliado com o passar
dos
dias, até que as crianças, e, logicamente, os seus pais, tivessem a coragem necessária para
que cada um seguisse as regras previamente estabelecidas de caminharem sozinhos. As
crianças
com os seus professores por todo o período da tarde, e seus pais em seus afazeres, de
preferência, bem longe de seus rebentos. Mas, até esse dia, o caminho seria longo e
tortuoso,
com muitas pirraças e beicinhos e muitos olhares maternos molhados de lágrimas e
apreensão.
- Bem, os gêmeos vão ficar com Rosângela. - Disse Luciene. - Os dois juntinhos!
Porém,
não fez nenhum gesto para encaminhar os ansiosos pais e o bebês para o lugar onde
deveriam
passar as suas tardes. Ao contrário. Parecia bloquear a saída de qualquer pessoa daquele
lugar.
Tanto os pais quanto Dayse não se incomodaram muito com a cara feia que Luciene
fazia
questão de demonstrar. Mesmo por que acabara de entrar mais três casais trazendo cada um
um pimpolho. Os casais Angelina
e Murilo Mamfrini; Dora e Bob Willians e Eliane e Rui Weber também haviam encontrado
uma certa dificuldade para manter suas crianças na mesma turma pois Luciene
acreditava que o fato das famílias estarem sempre juntas já que os três casais eram muito
unidos, não seria educativo para as crianças. Mais irritada ainda ficara
quando a cantora e atriz Anna Elis entrou com uma menininha que também queria que
fizesse
parte daquela turma onde estavam os filhos de seus amigos, Luciene berrou sem nenhum
controle.
Mas Dayse contornara a situação. Não conhecia aquelas pessoas e elas estavam fazendo
uma
bagunça na entrada de sua sala. Abraçavam-se como se não se vissem há anos. E, por essa
razão, não perceberam o trabalho que Dayse tivera para acalmar o semblante conturbado de
Luciene, que chegara a entortar os olhos, tão furiosa estava.
Por último, entrara Cristiano Nievre e sua esposa Márcia com a pequena Raíssa e um
outro
bebê de colo e sendo saudados por Marcelo Ranieri, com quem tinha negócios.
Dayse se divertia ao ver como sua sala se tornara um imenso jardim de crianças que já se
gostavam e de pais que pareciam ter muito amor pelo cônjuge, pelos amigos
e de estarem de bem com a vida.
E, o mais complicado era saber que as crianças pequeninas nem eram seus alunos. Eram
alunos de sua colega Rosângela. Por que então aquela confusão em sua sala?
Fizeram muita algazarra. Os adultos se sentiam em casa. Conversavam ruidosamente e
Dayse não se sentiu à vontade para expulsá-los de sua sala como MLuciene queria.
E a orientadora, que deveria, educadamente explicar para aquelas pessoas que aquela sala
não era o lugar onde os bebês ficariam, que eles poderiam dirigir-se ao espaço destinado ao
Maternal para
deixar ali as crianças menores, começara a balançar negativamente a cabeça como se não
pudesse compreender aquela confusão que se apresentava em seu caminho. Por outro lado,
a sala
de Dayse já contava com 18 crianças, sendo esses seus verdadeiros alunos, e não poderia
ausentar-se para chamar por Rosângela e nem encaminhar os ruidosos pais para a sala da
colega. Ela também estava perdida no meio de tanta bagunça e falação. Resolvera deixar as
coisas como estavam. Ia ser apenas uma hora mesmo e aquelas pessoas nem olhavam para
ela.
Estavam conversando entre si.
Na verdade, tudo parecia um desastre. Luciene sentara-se a um canto, completamente
vencida pela situação que lhe deixara horrorizada. Dayse lhe dera um copo dágua, enquanto
tentava fazer uma roda com as crianças sentadas num tapete a sua volta.
Por mais incrível que pudesse parecer, ela conseguira monopolizar a atenção das
crianças,
contando historinhas e, sem que nenhuma delas se levantasse ou tentasse chamar a atenção
dos
pais, conseguira dar conta do recado. Naquele curto espaço de tempo e mesmo do próprio
espaço físico, Dayse fizera as crianças falar e ouvir. ficara satisfeita com o resultado numa
situação tão fora do normal.
Alheios aos acontecimentos ao redor, os pais, no outro canto da enorme sala, ainda
carregando os seus bebês no colo, conversavam num tom de voz mais baixo a fim de não
atrapalhar o trabalho da professora.
Dayse ainda não analisara a situação. Deixaria para pensar naquilo, mais tarde. No
momento, queria apenas conhecer seus pimpolhos e tentar manter-se o mais distante
possível da
frustração de não poder ter mais tranquilidade em sua turminha.
Volta e meia, olhava para Luciene, que deveria estar atendendo as outras turmas e até a
outros pais.
- Fique tranquila. Tudo vai dar certo. - Dayse falava de forma conciliadora. Temia o
mau-humor daquela mulher.
Entretanto, respirara aliviada quando o horário de todos irem embora chegou. Os pais se
despediram numa tranquilidade assombrosa e Dayse duvidara se eles haviam ficado ali por
descuido ou confusão.
- Professora, não se zangue conosco. É nossa primeira vez. - Falou Cibele, dando a mão
para a sua filhinha Cristina, que fazia parte da turminha de Dayse.
Dayse ia retrucar. Havia pais demais e crianças de menos. Nem todos tinham filhos em
sua
sala. E não compreendia por que ficaram ali. Mas, como não haviam causado nenhum
tumulto e
todos pareciam conhecer-se, ninguém tinha reclamações sobre ninguém. Só não poderia
permitir
que aquela situação se repetisse.
- Fizemos o possível para observá-la em ação sem comprometer o seu primeiro contato
com
suas crianças. - Falava Márcia Nievre. - Você foi uma excelente aquisição para essa escola.
Espero que as outras profissionais sejam tão competentes quanto você. Especialmente numa
situação tão complicada como a que surgiu diante de seus olhos. Sabe se livrar com charme
de
uma saia justa. E isso é um dom. - E olhou com desdém para Luciene.
"Céus! Aquele primeiro dia não acabava nunca?" Felizmente não tivera nenhum
problemas em
sua primeira aula pela manhã quando enfrentara uma turma de adolescente do oitavo ano.
- Amanhã não faremos de sua vida uma confusão. Só queríamos observar alguem da
escola em
ação. - Disse Angelina com um sorriso simpático.
Então era só isso. Pais inseguros! Bem, ela também estivera insegura. Devia ser natural.
Se os pais não tinham um manual de instrução para lidar com os seus filhos, ela também
não
tivera um para lidar com uma sala cheia de gente estranha, cheia de crianças de qtrês anos e
com uma orientadora desorientada. Mas aquela era a sua profissão e tentara fazer o melhor
possível dentro daquelas circunstâncias. Era o que os bons pais também tentavam, mesmo
sem os
manuais. No fim, todos tentavam fazer o melhor. Ainda mais aquelas pessoas que passaram
uma
hora em sua sala. Pareciam felizes, bem ajustadas e preocupadas com o bem estar de seus
filhos.
O problema era que Luciene não suportava ver ninguém feliz e a felicidade daquelas
pessoas a enojava.
- Eles são ricos! Não têm contas a pagar! Nunca sofreram na vida! Por isso se acham no
direito de entrarem aqui e dar ordens, bagunçando todo o meu esquema.
Dayse não compreendia por que Luciene era tão ressentida contra tudo e contra todos.
Pensou em tentar ajudá-la, mas sabia que, naquele momento em que ela estava
tão irritada, seria pura perda de tempo. Deveria existir um meio para que ela pudesse
solucionar aquela situação sem maiores complicações. Tudo sempre tinha uma saída.
No fim da tarde, ao sair da escola, percebeu que o tempo fechara e que logo cairia uma
tempestade. Era típíco no finalzinho do verão, naquele início de ano,
que o mundo desabasse quase todas as tardes.
Pensou desolada que morava bastante longe e que o ônibus ia demorar uma vida para
chegar.
Sempre era assim nas segunda-feiras! Com chuva então! Deveria ter vindo com seu carro!
Aquela
mania idiota de andar de ônibus!
- QQuer uma carona antes que o mundo despenque?
Ela virou-se e viu Felipe, que já abria a porta de seu carro para que ela entrasse.
Ela não pensou duas vezes. Estava louca de saudades dele e nem esperou por uma
segunda chance. Atirou-se como pode carro adentro.
- Calma, menina. Assim você pode se machucar!
- Tenho que ser rápida! Vai que o senhor desiste de me dar a carona e arranca com o
carro!
- Jamais faria isso. Tem tanto medo de perder uma carona assim? - Ele brincou e ela riu.
Ele ficou encantado com o jeito despreocupado dela.
Taí uma menina sem problemas. Nunca pensei que conheceria alguém tão
verdadeiramente de bem com a vida"
- O que foi que eu fiz de errado? - Ela perguntou olhando para ele fingindo estar
espantada com o jeito que ele a olhava.
- Onde você mora? - Ele mudou o assunto. Por pouco ele não fora pego num deslize.
Estava admirando aquela maravilha de garota. Pensara nela por toda aquela semana.
Não que não pensasse antes. Os anos de faculdade, quando ele era seu professor, tinham
sido um verdadeiro suplício. Por sorte, sempre desconfiara que aquele amor
puro e singelo que ela descrevia em suas cartinhas, podiam ser apenas uma brincadeira,
uma aposta feita anos atrás. Ele não sabia. O certo era que desde sua separação,
o envolvimento emocional com outra mulher estava definitivamente fora de seu currículo.
Jamais se apaixonaria outra vez. Na verdade, até os seus relacionamentos
físicos tinham sofrido um revés. Saíra com uma mulher, logo após a separação e negara
fogo. Apavorado, saíra com uma outra mulher e nada! Ficara traumatizado. Tinha
medo de se relacionar com aquela garota e falhar na hora H. Seria apenas mais uma vez
para ele. Aquilo era um terror para um homem. Ainda mais com aquela garota
que podia apenas estar tirando um sarro com a cara dele.
- Não precisa me levar em casa. Moro muito longe daqui . Ia ficar muito fora de mão
para o senhor voltar e...
- Chame-me de Felipe...
- Certo. De qualquer forma, pode me deixar num ponto de ônibus aqui perto onde tenha
mais opções para mim e...
- Onde você mora? - Ele repetiu como se fosse uma ordem.
- No Bairro de Fátima. - Ela respondeu assustada com o tom de voz dele. Nunca
imaginara que ele lhe pudesse parecer hostil. Usara um tom em sua voz que mostrava
não ser muito paciente.
- Sua mãe mora com você? - Ele suavizou o tom de sua voz. - Pensei que vocês moravam
no meu bairro, em São Conrado.
- Não. Mamãe ainda mora em São Conrado, o mesmo bairro que você. Eu moro num
quarto e sala. É meu. Comprei. É pequenino, mas é o meu espaço. - Respondeu ela
cheia de orgulho de si mesma. - E é de frente!
- Vai-me convidar para um café?
- Se o senhor... Se você quiser, pode ficar para o resto da vida.
Ele virou-se rápido para a janela, fingindo que olhava um carro que estava atrás dele para
disfarçar que ficara sem graça com o comentário dela. Ele não conseguiria
conquistá-la, fazer aquele joguinho tão gostoso da paquera com aquela garota. Ela jogava
pesado! Não iria conseguir se interessar intimamente por ela. Aquilo seria
um desastre. Era direta demais! E, por que cargas dágua ele edtranhava. Ela nunca foea
sutil. Nem mesmo aos quatorze anos! Por que passaria a ser agora? Já não deveria estar
acostumado com o jeito dela? Nunca haviam estado tão próximos, isso era certo, mas... As
cartinhas dela de todas as sextas...
- Corro o risco de ser posto para correr pelo seu namorado? - Ele brincou para
disfarçar o fato de que estava ficando aborrecido diante daquela história de que nada daria
certo para ele, mais uma vez. E por que queria que algo desse certo? O que deveria dar
certo?
Estava ficando irritado consigo mesmo! O que estava realmente querendo?
- Sempre lhe escrevi tudo o que se passava em minha vida. Não tenho namorado e você,
se por acaso leu alguma de minhas cartas, sabe que estou a sua espera.
Ele mexeu-se incomodado ao volante.
"Droga! Não daria uma dentro?"
- Por que escolheu o Bairro de Fátima^? - Desviou o assunto propositadamente.
- Era o que eu podia pagar. Não queria pedir dinheiro a minha mãe. Ainda estou
pagando. tem certeza de que não vai ficar muito fora de mão me levar até lá?
- Pelo túnel chegaremos lá em pouquíssimo tempo. Nesse horário, o caminho para a
Zona Sul é bem mais complicado do que o inverso. - Sorriu suavemente para tranquilizá-la.
Ao chegar no pequeno apartamento, ele se admirou com a decoração infantil. Viu uma
cama de casal no quarto, que ficava bem em frente a porta e o chamava para
deitar-se ali com ela. Tinha um colcha rosa e milhares de bichinhos de pelúcia em cima. Na
sala não havia estofados. Apenas almofadões em vários tonsa de rosa,
num tapete rosa e numa parede cor de rosa. Temia ser engolido por tantos tons de rosa! Era
tudo
exageradamente romântico. Havia velas e flores em todos os cantos. Eram tantas as
florzinhas,
tantos os bichinhos, que ele temia ser engolido por alguma coisa daquelas!
- São artificiais. - Ela falou. Adoro flores, mas é um luxo muito caro. Não é pro meu
bico. Nas essas aí são lindas, não são?
Ele assentiu sem prestar atenção. Estava agora preocupado com outra coisa.
Com seu desempenho na cama, que ele sabia que iria acontecer em breve. Estava em ponto
de bala. Não aguentava esperar mais. Mas temia o jeito despojado dela. Aquilo
o intimidava. Se não conseguira antes... E havia um incômodo contraste entre o modo
atirado como ela conversava com ele e aquela decoração desoladamente infantil.
O que havia de errado com ela? Talvez nem quisesse ficar sabendo.
- Bem, vou indo... Já conheci seu gostoso apartamento, já bebi seu delicioso cafezinho...
- E colocou a xícara em cima de uma mesinha num canto. Levantou-se
para sair. Queria ir embora. Seu corpo não sentira nada de interessante, o que significava
que seu interesse por aquela garota fora pura perda de tempo. Pensara
que talvez pudesse ser diferente, já que ela não saíra de seus penssamentos durante aquela
semana. Enganara-se.
No dia em que almoçaram juntos, ele queria amá-la em qualquer lugar. Agora que tinha
a oportunidade... Não sabia se fora aquele
apartamento tão rosa que o oprimia ou se tinha sido o jeito descarado e desiniobido
dela que o intimidara. Queria ir-se dali o mais rápido possível. Ela não passava de uma
menininha que se recusara
a crescer emocionalmente.
Ela, que parara de se oferecer a ele, falando de seu amor, levantou-se para levá-lo até a
porta. Sonhara muito com aquele momento. O momento em que estaria
a sós com ele, que ele a beijaria e fariam amor. Mas ficara inibida diante da oportunidade. E
sentira que ele não tinha nenhum interesse enla. Nem sabia por que
ele a levara até sua casa. Ele parecia um lobo faminto e, de repente, virara um... um
cachorrinho tímido.
Ao passar pela porta, porém, a proximidade dela o perturbou. Ele hesitou, procurando
uma razão que o fizesse voltar. Nada lhe vinha a mente.
Ela sentia o corpo tremer de desejo, mas não sabia como tomar aquela decisão. Falar era
bem mais fácil.
O telefone dela tocou e ela voltou-se para atender. Ele aproveitou e entrou outra vez.
Sentia-se, de repente, vivo, interessado, excitado.
Esperou que ela falasse ao telefone. E, sem saber bem o que fazer, se ia embora ou se
voltava para dentro do apartamento, desejou ardentemente por uma razão para ficar.
- Era mamãe. Queria saber como foi meu primeiro dia com a turma. - Ela,
estranhamente ficara sem jeito.
- Você poderia me dar mais um café? Achoo que ... Estou querendo mais um pouquinho.
-
Decidiu-se a entrar e fechar a porta.
Ela virou-se para ir à pequena cozinha e ele foi atrás. Estava realmente excitado! Estava
nas nuvens, porém, baseado em sua eterna indecisão, jamais faria um
gesto do qual pudesse se arrepender depois.
Ela virou-se para falar qualquer coisa com ele e deu um encontrão nele, que estava logo
atrás dela. Então, ele a olhou com desejo. E ambos ficaram um bom tempo
se olhando, sem contudo, tomar a iniciativa. Os joelhos dela estavam moles e seu coração
parecia que iria arrebentar dentro do peito, tal era a força que usava para
bombear seu sangue, que corria vertiginosamente em suas veias e artérias.
Queria que ele a beijasse. Queria que ele tomasse a iniciativa e acabasse com aquele
tormento de uma vez. Sentia suas entranhas incharem-se e sabia que aquilo
era o excitamento diante da proximidade dele. Por que ele não a abraçava, beijava e fazia
amor com ela?
Ele estava mais interessado nas sensações que sentia do que na obtenção de seu próprio
prazer. Queria abraçá-la e levá-la para a cama, ali tão perto, diante
dos olhos dele. Mas, sentir aquele delicioso arrepio percorrendo o seu corpo, o estava
deixando louco. Fazia tempo que não sentia aquilo. Estava maravilhado consigo
mesmo. Seu corpo respondia aos estímulos como se ele estivesse livre e curado daquele
distúrbio que o atormentara desde que Vera, sua ex esposa o chamara de frouxo
e lhe dissera com todas as letras que ele não era homem para satisfazê-la e que por isso,
precisara recorrer a outros métodos para sentir-se viva.
Uma mulher não tinha a menor idéia do que palavras como aquelas podiam causar em um
homem!
Ele sofrera demais por que fora rejeitado. Um homem rejeitado? Isso era terrível! Saber que
não é másculo o bastante para satisfazer a própria esposa!
E agora? Aquela menina sempre lhe jurara amor. A decepcionaria?
Estava em êxtase total. Nem o pensamento em Vera e a lembrança de suas palavras
duras, o desestimularam.
E não conseguia compreender-se naquele momento. Sempre fora uma pessoa contida,
calma, tranquila. Jamais deixara transparecer as suas emoções, nem mesmo a Vera,
a quem amara de todo o coração.
Vera quase o destruíra. Ela fora a sua obsessão. Fora o único ser que por muito pouco
não o tirara do sério. Por isso, sofrera tanto com as palavras sujas que
ela jogara em sua cara. Se tivesse se mantido longe de sentimentos tão hostis e desprezíveis
como o amor, Vera jamais teria o humilhado tanto.
Não queria mais se sentir tão vulnerável. Um homem apaixonado não passava de um
joguete nas mãos de uma mulher. E fora assim que Vera o pegara. Não podia errar
outra vez. Não podia cometer o mesmo erro duas vezes. Seria uma idiotice total.
Além disso, não sabia quais eram as verdadeiras intenções de Dayse.
Nenhuma mulher iria ficar apaixonada por um homem por tanto tempo. Aquilo parecia
terrível! E se ela e seus colegas estivessem tramando ridicularizá-lo de alguma
forma.
Ele não podia evitar o receio que tinha de sempre achar anormal aquelas cartas que lhe
chegavam às maõs, todas as sextas-feiras. Embora jamais tivesse destruído
alguma delas, sabia que uma adolescente não poderia ficar tanto tempo apaixonada por um
homem, quando este mesmo homem não lhe dava nenhum tipo de sinal positivo
e nem lhe acenava com qualquer tipo de esperança.
E ele não sabia ao certo, o que ele deveria fazer naquele momento, pois se sentia meio
perdido, flutuando em emoções desconhecidas.
O desejo estava ali, presente. Não duvidava mais das reações de seu corpo. Duvidava, no
entanto, se deveria ou não entregar-se aquele desejo que latejava, que
pulsava, que já começava a ser tornar febril.
Já não era mais o dono de seus sentidos. Sentia-se enredado por uma necessidade
premente de possuir aquela mulher. Era uma luta desigual entre seu corpo e seu
cérebro. Uma parte dele queria esquecer o mundo emergulhar naquele mar de sensações,
das quais ele necessitava como um peregrino perdido no deserto precisa de água
para sobreviver. Outra parte de si dizia-lhe que deveria ir embora naquele momento,
enquanto ainda era dono de sua própria razão, pois, se ultrapassasse aquela linha
tênue, jamais teria controle sobre si mesmo.
Seria aquela garota, aparentemente tão ingênua como queria mostrar em suas cartinhas?
Provavelmente não. Era descolada demais para ser aquela pureza que lhe
contava nas cartas. E desehava que não fosse tão inocente. Não queria deflorar uma garota
e depois sentir-se culpado por ter cometido um ato indgno. Indigmo? Violar
uma virgem, sem se casar com ela era indigno! Mas, por que diabos pensava naquelas
bobagens? Nenhuma garota de vinte e dois anos era virgem no Roio de Janeiro! Ele
deveria estar maluco por pensar que aquela menina a sua frente tinha algo de tão ridículo
para lhe oferecer, numa cidade como aquela onde a luxúria vivia,caminhava
e pulsava em cada esquina.
Mas nem era esse o caso naquele momento em que a encarava e via sua boca entreaberta,
a espera de que ele a beijasse. Estava apavorado!
Por que um homem como ele, sempre tão ponderado, sempre tão consciente de seus
passos e atitudes, um homem que jamais se exasperava, que jamais perdia o controle,
não conseguira prever que seus pensamentos iriam caminhar por outras paragens, naquele
instante?
Era um hábito seu, bastante antigo, que vinha da infância, para fugir dos rompantes de
ódio de sua mãe. Conseguira aprender a desviar seus pensamentos de qualquer
coisa que ameaçasse a fazer com que suas emoções explodissem e transparecessem para
quem quer que
fosse. Era um homem sem sentimentos. Era um homem forte. Ninguém
jamais o faria sofrer. Nem mesmo Vera conseguira ver-lhe o que sentia enquanto ela
escarnecia dele.
Assim, por que não decidia logo o que faria? Fora ali para seduzi-la. Sabia que acabaria
com ela na cama, no momento em que ela entrara em seu carro, desde que
sentisse que seu corpo poderia corresponder a altura. E tudo saíra como o planejado. Seus
membros parecia que ia explodir e isso o deixava satisfeito, aliviado e
maravilhado. Por que então não saltava em cima daquela garota e a arrastava para a cama
que o chamava ali tão perto?
De que tinha medo? Já revira toda a situação. O que mais faltava?
Dayse estava ali, linda, maravilhosa, jovem e fresca como uma flor
molhada pelo orvalho de manhã. Não poderia resistir mais. Já tinha tosas as forças minadas.
Já não era mais uma questão de prudência, de sensatez. Não dava mais
para ser tão sério, tão paciente, tão devagar para agir. Ela o olhava, implorando amor.
Implorando seus beijos. Ela mesma já esperara demais. O que tinha a perder,
senão seu juízo? E, não suportando mais a espera, beijou-a.
A princípio, com um certo receio. Depois, foi intensificando mais e mais, a profundidade
daquele beijo. Até que não se conteve e levou-a até a cama que o chamava,
que o queria ali.
Ela quase não acreditou. Esperara oito anos por um beijo dele. E agora ele estava a
beijar-lhe com uma paixão desenfreada. Parecia que queria engoli-la de tão
desesperados que eram os beijos dele. E ele queria mais, Sempre mais. Ela qeria mais.
Ele, ainda em dúvida, ora aprofundava suas carícias, ora recuava.
Não queria se descontrolar. Tinha que pensar no que fazia. Precisava ter paciência.
Ela se perdia entre gemidos roucos e sensuais que teimavam em minar sua serenidade,
seu jeito tranquilo, contido e eqilíbrado.
Ele estava quase descontrolado diante dos gemidos e dos sussurros dela. Como poderia
ele resistir? Há muito não fazia amor. Tinha que pensar com calma para
não perder a cabeça. Não era um homem de perder a cabeça.
Tirou-lhe a blusa e acariciou-lhe os seios. Aquilo era, em sua opinião, um gesto muito
ousado de sua parte. Afinal, há muito pouco tempo ela não passava de uma
menina. Como ele conseguiria esquecer tal fato?
Mas... Os seios dela ali, a sua frente... Eram perfeitos.
- Ai... Ai... - Ela gemia.
Ao ver os seios dela, tão perfeitos e maravilhosos, duvidou que seria capaz de raciocinar
como um homem cheio de reservas.
conseguiria. A visão daquela perfeição, aliada aos gemidos desesperados dela o
atormentavam tanto que sabia que o limite entre a loucura e a lucidez seria ultrapassado
com a maior facilidade do mundo.
Precisava da calma que sempre o acompanhara. Precisava de seu interminável
autocontrole. Não poderia deixar-se levar por seus instintos, logo agora, que queria
saber o que estava fazendo. Não gostava de agir por impulsos, por reações do momento.
Cottemplou-lhe os seios demoradamente. O tempo foi tão longo que Dayse pensou que
ele iria embora sem lhe tocar nem mais um fio de cabelo.
Havia algo errado com eles? Não gostara do que via? Por que ele demorava tanto a fazer
qualquer coisa?
- Você é perfeita. Tem os seios mais lindos e sensacionais que já vi. São imorais, de tão
lindos.
Ela não poderia corar mais. Já estava vermelha antes que ele tivesse dito qualquer
palavra. Porém, não tinha certeza se conseguia respirar corretamente. Algo
em seu corpo lhe acenava que aquilo era algo muito difícil de se fazer.
Ajoelhou-a na cama e beijou-lhe a boca com muita calma e delicadeza. Ela, que desde a
pré adolescência não beijava ninguém, sentia que suas forças a abandonavam
ao receber a língua dele em sua boca.
As mãos dele exploravam a parte de cima de seu corpo, indo desde às leves carícias nos
seios a suaves puxões em seus cabelos.
Durante muito tempo, que parecia a eternidade para Dayse, ele roçou os lábios por toda a
parte superior de seu corpo. Parecia que ele a media, centímetro a centímetro
com a língua. Ela perdera a maior parte de seu juízo sob aquela boca que ora lambia, ora
sugava.
Quando ele, por fim, resolveu tirar-lhe a saia, ela quase já não conseguia pensar. Mal
entreabria os olhos.
Então, uma nova sessão de deliciosa tortura começava. Ele beijava suas pernas, desde
seus pés, até aquele tufo de pelos escondido por sua calcinha rendada.
Ela não conseguia mais gemer, não conseguia mais sussurrar. Tinha enlouquecido.
Ele, por fim, sem tirar-lhe a calcinha, levou-a a um orgasmo longo
onde quase a desfaleceu, após acariciar-lhe aquele botãozinho empinado que se escondia
entre aquele emaranhado de pelos.
Ele arrependeu-se porém, pois queria fazer algo diferente. Mas, ao vê-la contorcer-se de
prazer quando tocou-lhe o sexo úmido, não resistiu. Precisava dar-lhe
algum alívio antes de continuar com a sua investigação.
Logo porém, voltou ao seu objetivo. Não que a virgindade ela fosse algo imprescindível
para ele. Só queria ter a certeza de que ela não estava brincando com
ele, que aquelas cartinhas, onde lhe jurava fidelidade, eram verdadeiras. Tudo aquilo lhe
parecia tão inverossímil, que ele precisava ser cauteloso. Ela poderia
estar-lhe pregando uma peça. E ele não queria ser a piada do momento. Não tinha mais
idade e nem disposição para isso. Ela ainda podia ser uma criança inconsequente.
Era jovem. Muito jovem. Ele não.
Continuou a beijá-la e a lamber-lhe o corpo, tirando dela sussurros do fundo de sua alma.
Concentrou-se no que deveria fazer. Tirou-lhe a calcinha e quase sucumbiu.
Ia penetrá-la. Que se danasse se fosse uma brincadeira de mal gosto. Ele não queria mais
saber. Ia penetrá-la e sentir aquele prazer que ansiava. Já não suportava
mais vê-la contorcer-se embaixo dele.
Respirou fundo, apertou os olhos, trincou os dentes. Moveu suas mãos por entre as
pernas dela. Sempre lhe acariciando o sexo, arremeteu seu dedo. Sentiu o que
queria sentir. Sorriu para si mesmo. Ela não mentira. Contudo, ela estava a beira de outro
orgasmo e ele não a
privaria do prazer que chegava com fúria. Levou-a outra vez onde ela queria.
Ficou satisfeito ao vê-la cansada. Poderia levantar-se e ir embora. Ela estava satisfeita. E
era a primeira vez que os dois se encontravam
tão intimamente. Por que não parar antes de se arrepender mais tarde?
Mas pressentia que ela esperava por mais. Por tudo o que ele poderia lhe dar.
Aquela mulher nua e perfeita embaixo de seu corpo o desesperava.
Queria penetrá-la com urgência, por fim aquela agonia que o estava consumindo e via que
ela também estava nas mesmas condições. Ela o excitava se abrindo para ele,
desejando, oferecendo. Ele já estava dominado para recuar agora. Seu controle já estava por
um fio, talvez menos, até.
O que lhe acontecia? Era só uma garota! Por que não ia embora agora? Tudo seria
menos complicado se agisse dessa maneira. Ela realmente se guardara para ele
e se ele fosse até o fim, isso lhe dificultaria as coisas. Por que não conseguia pensar com
clareza?
- Quero você... Quero você... - Ele ofegava confuso diante de sensações que o
assustavam. Estava perdendo o controle e não queria perdê-lo. Não ainda.
Entre tantas carícias, tantos arrepios e tanto ardor, Dayse não sabia mais o que fazer. Não
aguentava mais esperar. Desde que tivera consciência de que era uma
mocinha, amava aquele homem, esperara por ele. Sonhara com o dia que seria dele. Não
aguentava esperar mais. Já não gemia, já não sussurrava. Gritava de prazer,
ante o climax de ser totalmente dele. Tinha que ser dele e tinha que ser naquela noite.
Talvez não tivesse outra oportunidade.
Será que não era capaz de excitá-lo o suficiente para que ele a possuísse de forma
completa?
Estava cheia de medos e de dúvidas. Não tinha a experiência necessária para levá-lo ao
descontrole. Como deveria agir para que ele fosse até o fim?
E a boca dele ainda lhe torturava enquanto lhe sugava os seios, as costas, a nuca, o corpo
todo. Aquela boca estava em todos os lugares. Cada vez mais indecente,
cada vez mais faminta, cada vez mais ousada. Ele mordia os bicos e passava a língua ao
redor das auréolas e ela se arqueava em desespero, indo cada vez mais para
perto dele. Por que ele fugia toda a vez que ela se abria para ele? Não queria apenas a
penetração de seus dedos experientes. Queria ele dentro dela!
No entanto, ele ainda Parecia indeciso. Ela se impacientava. Quando ele chegaria a uma
decisão? Nunca? Por que tinha que pensar tanto? Afinal, ela se guardara
para ele! Ele não a desejava?
- Você não me quer? - Perguntou ela confusa e temerosa.
- Mais do que pode imaginar! - Ele respondeu trincando os dentes, com os olhos semi
cerrados. Estava louco para penetrá-la, para saciar-se naquele corpo fresco e virginal. Mas,
como poderia fazer isso? Precisava de controle. Precisava manter-se racional.
- Então... Por que não... Não sou do seu agrado? Não sou bonita o bastante para
interessá-lo? - Dayse ofegava. Temia ser rejeitada. Estar nua nos braços dele
e vê-lo ir-se embora porque não a desejara, por não ser o que ele esperava, ou por saber que
ele nunca a quisera, que nem queria estar ali...
Ele a observou em silêncio por alguns instantes. Estava quase se perdendo nela. Passou a
mão em seus braços e achou que a pele dela era maravilhosamente dourada.
Estava enfeitiçado por Dayse. Ela era uma fada que o encantara e que não o deixava
raciocinar com clareza. E, realmente, a achava a mulher mais bela e maravilhosa
do mundo. Olhou seus olhos, sua boca, seus seios. Não sabieria dizer o que era aquele
sentimento de desespero, de medo, de temer perdê-la. Era apavorante a idéia
de não poder tocá-la, de beijá-la, de abraçá-la.
- Você é linda! Uma fada dourada. Perfeita!
- Sou gorda, não é isso? - Ela parecia mais menina ainda. Estava tendo um terrível ataque
de insegurança.
- Você é perfeita. Chega a ser indecente de tão linda! Toda linda! - Ele agradeceu
secretamente por ela ter-lhe devolvido um pouco da calma. Se ela não o interrompesse,
talvez tivesse perdido a cabeça.
"Bendita insegurança feminina!" Pensou mais sossegado. Pode então concentrar-se em
dar e sentir prazer novamente, sem perder o controle. Desceu sua boca até
a parte interna de suas coxas. Levou-a a outro orgasmo deliciosamente descontrolado e
desmedido. Ela arqueava, se contorcia e se debatia de desejo e prazer. Seus
olhos haviam perdido o foco. Felipe agora sugava aquele botãozinho que pouco antes a
levara a loucura apenas com o toque das mão dele. Com a boca quente, com aquela
língua, era impossível sobreviver.
Aquilo, com toda a certeza, a mataria. Ela sabia que aquele prazer só poderia levá-la a
uma morte certa e lenta. Não poderia sobreviver aquele doce martírio,
aquela deliciosa tortura. Era impossível sair viva dali. Ou, pelo menos, não sairia com suas
faculdades intelectuais intactas. Ela enlouqueceria! Tudo já passara
do limite suportável. Tinha que acabar com aquele sofrimento. Aquilo acabaria? E como?
Não havia um meio de que tudo pudesse voltar ao normal. Ou será que teria?
Todas as mulheres passavam por aquilo? Como poderiam então viver suas vidas depois de
experimentar aquela dolorosa e formidável aflição? Só lhe restava chorar. Que
mais poderia fazer? E as lágrimas rolavam livres pelo seu rosto. Não podia fazer mais nada!
Então, ele, com toda a calma do mundo, começou a despir-se, sem, contudo,
parar de enlouquecê-la. Colocou a camisinha, que já deixara ali perto. Era
um homem precavido. Se posicionou sobre ela e a penetrou, lentamente. Que
delícia! Era daquilo que ela precisava. Algo que a preenchesse, que
invadisse aquele espaço vazio. Era muito bom sentir aquela sensação, mas precisava que
ele
fosse mais fundo. Ele sentiu a resistência do hímen e olhou para o rosto dela que estava
banhado em lágrimas.
"E agora? O que faço? Ela é realmente virgem! Vou ou não vou até o fim?"
Incrível como poderia ainda ter dúvidas depois de estar dentro dela! De que tinha tanto
medo afinal? "É isso o que ela quer e é isso que eu quero fazer agora!
Por que tenho medo?""
Conseguiria parar? Estava ali, pronto para arremessar-se para dentro dela e no momento
sentiu vontade de dizer um palavrão. Não podia parar agora. Era impossível.
Nenhum homem conseguiria chegar até ali e desistir... Levantar-se...
Vestir suas roupas, ir-se embora... Não! Não conseguiria fazer isso!
- Deus! O que faço agora? - Desesperou-se.
Mas o desejo nos olhos dela não o deixaram pensar mais. Rompeu aquela pequena
barreira e entrou naquela caverna, sem dó e sem piedade. Parou ao invadir aquele
espaço. Estava dentro dela. Viu que ela fizera uma careta de dor e o fitava nos olhos,
ansiosa como se perguntasse: é só isso? Tudo acaba aqui? Ainda não estou satisfeita!
Ele compreendeu o que lhe passava na mente e então começou a mover-se dentro dela.
Movia-se feito um louco aflito e descontrolado, entrando e saindo indo cada vez
mais fundo. Mais e mais, como se estivesse procurando um tesouro escondido no mais
longíquo interior de Dayse.
Dayse retribuiu muito além das expectativas dele. Entre lágrimas, gritos e sussurros, ela
revirava o corpo, mexia-se e remexia-se, subia e descia, provocando
nele sensações de puro êxtase e alucinação. Estava viciado! Ela o corrompera! Destruíra
todas as suas defesas e o levava ao infinito. Ela era sensacional. Pura dinamite!
Explodira seu cérebro, seu raciocínio, seu autocontrole!
- Dayse! Dayse! - Gritava ele alucinado.
- Que delícia! Não sabia que isso era tão bom! - Ela falava e isso o excitava ainda mais.
E ele queria ir maia e mais fundo.
Felipe já se perdera num vão da insanidade. Não encontrava o caminho de volta. Não
tinha problemas. Ela estava gostando e isso o fazia cada vez mais distante
da realidade.
Ela se desesperava ante o êxtase que tomava conta dela e tinha certeza de que não sabia
seu nome, pois Felipe fazia questão de repeti-lo sem parar. Sentiu necessidade
de dizer também o nome dele. Não por que ele o fazia, mas por que algo diferente estava
acontecendo dentro dela e do qual ela não tinha conhecimento. Precisava chamá-lo
para não perder aquele mínimo contato com a razão. Se não murmurasse o nome dele por
inúmeras vezes, talvez não pudesse retornar ao seu corpo, que flutuava de prazer
em meio a algo desconhecido.
Era uma angústia, uma agonia que a atemorizava e ela não sabia por que. Sentia que
estava indo para algum lugar alto, muito alto algo a fazia temer por não conseguir
chegar lá. Tinha medo de não conseguir. Sentia que estava perto, mas não chegava nunca.
Começou a intensificar seus movimentos embaixo de Felipe, como se quisesse
fazer parte dele. Não sabia por que, mas tinha certeza de que ele sentia o mesmo que ela.
E começaram então a subirem juntos para algum lugar, cada vez mais depressa,
cada vez mais rápido e, de repente, gritou. Alcançara as estrelas. Felipe também gritara.
Tinham chegado juntos ao paraíso!
Tinha sido a coisa mais maravilhosa que acontecera em toda a sua vida. Devia ser para
isso que existiam homens e mulheres, para chegarem juntos aquele lugar
plácido, fantástico, fenomenal.
Podiam dizer o que dissessem, mas duvidava, naquele momento, que existisse algo
melhor para se fazer na vida.
Porém, ainda não se sentia plena, embora pressentisse que atingira o tão falado
orgasmo. Estava exausta e banhada em suor. Felipe também estava. Praticamente
caíra em cima dela e agora, se arrastava para o seu lado, na cama.
Mas ele também, ainda não se sentia saciado. Tal como ela, há tempos necessitava de
algo assim. Ela, por se guardar para ele. Ele, por não se excitar com nenhuma
outra mulher. Voltou para cima dela e a possuiu mais uma vez.
Desta vez, no entanto, com mais carinho e com mais ternura. Embora, o desesspero
começasse a tomar conta do dois, mais uma vez, naquele momento estavam mais
acalmados e cansados por terem feito tanto esforço antes.
Mesmo assim, fora mágico! Dayse sentira a mesma sensação de subir em um lugar muito
distante, muito difícil de ser alcançado, muito penoso para caminhar e ao
chegar lá no alto, lançou-se precipício abaixo e fora, novamente, capturada por um monte
de estrelas.
Agora, estava acalmada. Sua noção de existência, voltava ao normal. A sensação de
arrebatamento dava lugar à saciedade, à tranquilidade, à felicidade, ao relaxamento.
- Foi lindo! - Disse a ele quando teve certeza de que poderia falar.
- Foi ótimo. - Disse ele com um tom meio seco.
- Fiz algo errado? - Perguntou insegura.
- Claro que não. Você foi sensacional!
Ela sentiu-se inflar de orgulho.
- Mas... Parece que você não gostou... - Sentia-se temerosa por alguma razão que não
sabia especificar.
- Adorei cada segundo. E você? Gostou? - Perguntou inseguro. As palavras de Vera
vieram-lhe, de repente, ao pensamento.
- Foi muito mais do que eu podia supor. Nunca imaginei que...
- Preciso ir. - Ele a cortou no meio da frase. - Lembrei-me que preciso resolver algo na
universidade. - E levantou-se aflito, como se tivesse muito atrasado
para um encontro.
Ele estava quase saindo quando ela, que puxara o lençol para esconder sua nudez falou:
- Eu te amo. Sempre amei. E sempre vou amar.
Ele já abrira a porta e saíra quase correndo. Não se voltou para responder. Nada queria
dizer. Só queria sair o mais rápido possível dali.
Ela parecia não perceber que ele fora indelicado, ou, se percebia, evitava pensar no
assunto. Estava feliz. Ele fizera amor com ela. Ele realizara o seu sonho.
E a felicidade que sentia não tinha tamanho, não tinha explicação. Era algo indescritível!
Estivera nos braços daquele homem a quem amava desde os 14 anos. Agora,
tudo seria diferente. Ele a amava também. Tinha certeza disso, mesmo que ele não tivesse
dito nem uma única vez que a amava.
De qualquer forma, fora dele e era isso o que importava. Amava-o e fizera amor com ele!

capitulo 3

Durante o restante daquela semana, não o vira. Sabia que ele estava na universidade, pois
via seu carro no estacionamento.
Contudo, distraía-se com sua turminha. Era certo que durante as manhãs ela lecionava
geografia para os alunos do ensino Fundamental e médio e gostava bastante daquela
atividade.
E ainda estava às voltas com sua tese de mestrado que ocupava-lhe algumas noites, durante
a semana. No entanto, o que mais lhe soava agradável,
era a sua turminha de pequeninos. Eram criancinhas de três aninhos. Era maravilhoso estar
com
aqueles anjinhos durante uma parte de seu dia. Adorava crianças! Um dia teria os seus
próprios filhos! Seus filhos com Felipe Manncini!
Isso, aliado ao fato de que a maioria dos pais de seus alunos eram pessoas mais que
agradáveis de se ver. Eram casais tão apaixonados que ela duvidava que pudesse
existir tanto amor depois de alguns anos de casados. Todos pareciam que haviam acabado
de se casar!
- Isso chega a ser nojento, sabia? Dissera Luciene ao ver o doutor Ranieri beijar a sua
esposa no estacionamento do colégio. - Vou proibir
essa pouca vergonha. Aqui é uma escola e não um lugar para esse tipo de indecência!
- Eles são casados! Não estão fazendo nada de mais! - Dayse argumentou sendo apoiada
por outras professoras que admiravam a cena do beijo.
- Isso é coisa de anormais! Coisas... Coisas erradas para uma escola. Eles que
façam isso em casa! - Luciene não se dava por vencida. - daqui a pouco vão transar ali no
pátio!
- Vou hoje mesmo fazer uma notificação à essa direção molenga que admite essas
safadezas aqui. Só por que eles são ricos! Não tolero esse tipo de indecências
aqui! E vamos saindo do lugar onde estão que o pais promíscuos estão chegando para
esfregar a felicidade comprada com o dinheiro deles em nossa cara. E ainda vão
nos deixar suas crianças riquinhas e mimadas para que as aturemos!
As professoras foram para suas salas, trocando olhares horrorizados umas com as outras.
A orientadora estava bastante irritada e nenhuma delas queria bater de
frente.
Dayse percebia que aquela mulher mal humorada só podia ser uma mal amada na vida.
Quem teria coragem de se envolver emocionalmente com uma pessoa tão cheia de
preconceitos. Por fim, também acabou se achando uma pessoa ruim por estar rotulando a
mulher. Entretanto, o mau humor de Luciene, aliado a falta de notícias de Felipe
a atormentaram o restante daquele dia.
Naquela semana, as crianças já mais familiarizadas com o ambiente escolar, ficavam a
tarde inteira.
- Para acabar com o meu dia, acabei de receber uma notícia odiosa: que esses malucos
estão pensando em ampliar as instalações do colégio para oferecerem ensino
em tempo integral. Isso é ridículo! É um absurdo! Fico irritada com essas coisas!- Luciene
gritava por trás de uma porta fechada.
Dayse ouvira Luciene reclamar com alguém na sala dos professores e desviou o
caminho. Ia até lá para beber um pouco de água, mas queria evitar a presença de
Luciene a qualquer custo. Entrou na sala de uma de suas colegas, que já se preparava para
sair.
- Sei que está com sede. Beba água na minha sala. - Disse a colega apontando para o
filtro.
- Como sabia que estou com sede? Agora pode ler os pensamentos das pessoas? - Dayse
perguntara sorrindo. Era comum que, antes do final do expediente, alguns
professores procurassem água nas sala dos colegas, quando o seus filtros estavam no fim.
Geralmente, iam procurar na sala dos professores, caso Luciene não estivesse
lá.
- A Janete acabou de sair daqui com a Helena. A água na sala delas também acabou e
elas não quiseram enfrentar a fera na sala dos professores. Preferiam sair
e beber água em qualquer outro lugar.
Dayse riu e pegou um copo descartável, servindo-se de água.
- Não se espante. Ela só está de mal humor. O namorado brigou com
ela. Vi os dois quebrando o maior pau na saída de uma churrascaria... - Riu divertida. -
Pareço uma fofoqueira de plantão, não é? - Continuou rindo esperando que
Dayse a desmentisse. Dayse a olhou com malícia e a colega riu alto. - Sou mesmo, não é?
Mas é certo que os vi ontem a noite, no estacionamento, aqui mesmo na Barra.
Brigavam feio! Quero dizer, ela brigava. Gritava feito uma louca desesperada e atraiu
alguns olhares... Ele só pedia que ela se acalmasse.
- Nunca imaginei que ela pudesse ter um namorado! Ela parece tão amarga! - Dayse
falou mais para si mesma.
- Calma lá, amiga! Ela é uma mulher muito bonita e sensual e os homens gostam disso! -
Disse a colega fingindo um tom reprovador.
- Apenas ser bonita não basta. Especialmente no caso dela. A mulher não gosta de nada e
ultimamente então...
Dayse não compreendia muito bem o que se passava com Luciene. Ela era uma mulher
de cabelos loiros, olhos verdes, um corpo perfeito. Nada sabiam dela, a não
ser que parecia uma pilha de nervos.Dayse a conhecera ali, como orientadora, logo após ter
passado no concurso. Luciene fazia parte da direção e fora escolhida juntamente
com os outros diretores por um corpo de conselheiros da universidade que construíra o
colégio.
Comentavam pelos corredores da nova escola, que ela não era competente para o serviço
de orientação e que nunca trabalhara em outra escola. Não tinha experiência
e não sabia lidar com as pessoas. Mas ganhara aquela vaga por que um figurão a colocara
ali.
Dayse não sabia sobre o figurão, mas reconhecia, como todos os outros, que Luciene
primava pela inabilidade, além de ser excessivamente hostil com todos. Fosse
com a direção, o corpo docente, alunos ou pais. Era uma pessoa intratável e muitos
reclamavam dela. Os serventes da escola fugiam dela. As crianças a chamavam de
bruxa.
Desconfiava, porém, que Luciene devia ser parente do diretor que ainda não assumira o
seu
cargo no Colégio de Aplicação. Sabia que era um dos professores da Universidade, alguém
da
Cadeira de Física ou Matemática, mas ainda não o conhecia. Ele ainda não aparecera no
colégio, embora alguns já dissessem que ele já assumira o seu posto na Universidade.
Talvez
o figurão estivesse esperando que um milagre acontecesse, que um furacão levasse Luciene
embora, que os funcionários a estrangulassem, picassem o seu corpo e escondesse todos os
pedacinhos ou, quem sabe, esperava que ela fosse abduzida. Aliás, todos naquela escola
ansiavam
secretamente por qualquer coisa que levasse Luciene para longe dali. Mas, será que o novo
diretor não assumira ainda o cargo por causa da loura fatal? Se perguntavam pelos
corredores.
- As vezes eu acho que a única qualidade dela é ser bonita. Quem é o louco que viveria
com uma mulher dessas? Tem certeza que era um namorado?
- Tenho. E é um dos melhores! Pode acreditar! - Disse Rosângela saboreando o espanto
de Dayse.
- Coitado dele, então! Deve deixá-lo louco com esse mau-humor todo!
- É. Realmente não há explicação para o mau humor da mocréia, a não ser que o gostoso
do Felipe Mancini não consiga dar conta do recado!
Dayse deixou o copo com água cair de sua mão. Empalidecera. Rosângela, contudo, não
reparou que a colega se sentara para não cair. Ali, em seu local de trabalho,
ela não comentara com ninguém sobre seu amor cultivado desde a adolescência por aquele
homem.
- Não acredita em mim? - Continuou Rosângela, sem prestar atenção a colega que
perdera a cor do rosto. - É a mais pura verdade. Como fico sempre até mais tarde
esperando meu marido vir me buscar, surpreendi o gostosão vir buscá-la todos os dias dessa
semana. Nem sabia que ele a conhecia! Agora entendo quem a colocou aqui!
Somente alguém como ele para fazer com que essa direção, e é claro, nós também,
tenhamos que aturar esse poço de antipatia!
Somente ele! Que lástima!
Dayse não conseguia ordenar seus pensamentos. Como Felipe começara a namorar
alguém sem que ela soubesse! Conhecia todos os seus passos, exceto os daquela última
semana, após ele ter feito amor com ela, quando ele desaparecera por completo. Nem seguir
seu carro, como sempre fizera, ela não conseguira mais. Quando ela chegava,
o carro dele sempre estava no estacionamento. Quando ela saía e corria para lá a fim de vê-
lo, seu carro já tinha desaparecido. Ela não o encontrava em nenhuma parte.
Nem montar guarda em frente o prédio onde ele morava não mais dava em nada. Mesmo
por que, ela não tinha mais tempo para isso. Trabalhava pela manhã e à tarde.
E, quase todas as noites, tinha algo a fazer por causa de sua pós graduação.
E como ele tivera coragem de arrumar uma namorada depois de ter feito amor com ela?
Na última cartinha que lhe escrevera, deixara claro que agora eles eram namorados.
Ela era dele!
Dayse compreendia porém que fora ela quem acreditara que agora eram namorados. Ele
não falara nada a respeito. Desde que saíra de seu apartamento, daquela maneira
abrupta, nem ao menos telefonara ou dera algum indício de que queria estar com ela uma
segunda vez.
A dor que sentia naquele instante era insuportável. Não saberia viver longe dele. Eles
tinham feito amor e ele...
- Hei! Estou saindo. Meu marido chegou. Você está bem?
- Eu... Hã? Estou... Estou sim... Também já voou indo...
E ao sair da sala de Rosângela para o corredor, sentiu uma leve cotovelada em suas
costelas. Rosângela chamava a sua atenção para o casal que saía de outra
sala. Eram Felipe e Luciene.
Com sua calma habitual, Felipe Mancini cumprimentou as duas professoras que também
se dirigiam à saída. Não deu uma olhada especial em Dayse e nem demonstrou
qualquer reação ao vê-la. Saíram os quatro, ao mesmo tempo e Dayse viu que Felipe parara
seu carro na frente do portão. Ele abriu a porta do carro para que Luciene
entrasse, deu a volta, entrou no carro e saiu dirigindo sem nem ao menos lhe dirigir um
olhar qualquer. Ela ficara ali, na frente do colégio, perto de onde ele estava.
Tão perto ficara que ele quase esbarrara nela.
Tivera vontade de lhe pedir explicações. Ele fizera amor com ela havia apenas uma
semana. Fora na segunda-feira anterior. E ela lhe escrevera em sua cartinha
de todas as sextas que agora eram namorados. E, para piorar, enviara para casa dele, um
belíssimo buquê de rosas vermelhas com um cartão agradecendo-lhe o imenso
prazer que ele lhe proporcionara ao lhe ensinar os mistérios do amor. Era ele que deveria
ter-lhe enviado flores e não ela a ele! Como fora burra! Devia ter rido
dela! Devia ainda estar rindo dela, por ver a cara de panaca que fizera ao vê-lo com a bela
Luciene. Com a insuportável Luciene! Por que ele transara com ela se
estava pensando na mau amada?
Chorou ali na calçada, enquanto o carro dele se afastava, levando consigo aquela mulher
estranha e mal humorada.
Rosângela também se fora.
Dayse foi até o ponto do ônibus um pouco desoriemtada. Sem perceber, fora na direção
oposta a sua casa no Bairro de Fátima. Quando percebeu, estava em São Conrado,
bairro onde Felipe morava. No entanto, sua mãe também morava lá. Foi visitá-la.
Preciisava de colo.
- Você o quê? Teve coragem de... NNem ouso repetir a burrada que você fez! - Gritava
sua mãe ao ouvir que ela fizera amor com Felipe Mancini. Na verdade, nem
sabia por que dissera tal absurdo para sua mãe. Sabia que ela jamais compreenderia.
Não que sua mãe acreditasse em coisas como virgindade, pureza e inocência. Ambas
sabiam que a honestidade não se vinculava a isso. Mas sua mãe odiava aquele
amor que ela dispensava ao Felipe.
De fato, Beth, sua mãe, não compreendia porque sua filha era tão obcecada há anos por
um homem que nunca a notara. Era certo que ele nunca a destratara e, quando
fora conversar com ele, anos atrás, ele parecia achar o amor de uma adolescente por seu
professor, algo muito natural e que com o passar do tempo, se extinquiria
naturalmente. Infelizmente, oito anos se passaram e a obsessão de Dayse não passara.
Pelo contrário: parecia crescer mais e mais a cada dia.
E agora, para complicar mais ainda aquele sentimento descabido, o tal professor
resolvera dormir com ela! Isso era o fim da picada!
- Aconteceu, mamãe. Ele me deu uma carona e... Foi sem intenção.
- Percebi a falta de intenção. Você trabalha com ele na Barra da Tijuca, ele mora em São
Conrado e, no caminho para a casa dele, ele a deixa no Bairro de Fátima. - Disse a mãe
debochando. - É tão pertinho... São Conrado e Bairro de Fátima, não é?
- Bem... Não é... Eu sei. Talvez ele quisesse mesmo estar comigo. - Disse animada.
- Então... Vocês estão namorando agora. - Disse Beth mais resignada do que satisfeita.
- Não.
- Não?
- Não. Ele desapareceu depois de termos feito amor e agora ele assumiu o namoro com a
minha orientadora pedagógica. - Dayse falara que haviam feito amor, mas
ainda se envergonhava um pouco, cada vez que ouvia essas palavras saírem de sua boca.
- Ele o quê? - Beth gritara espantada.
- Ele está... Ele está namorando Luciene... Corre um boato lá no colégio que foi ele quem
a colocou naquele cargo. E parece ser verdade pois ela não tem a menor
competência para ocupá-lo.
Beth abraçou a filha. Sabia que ela queria chorar e ofereceu seu ombro de mãe.
- Ele nem ao menos telefonou, mãe. A reitoria fica pertinho da escola... E eu lhe enviei
flores porque ele fez amor comigo... Estou me sentindo tão idiota! -
E Dayse chorava nos braços de sua mãe.
Na quarta feira, quando se preparava para retornar a sua casa após o rxxpediente, Dayse
encontrou-se cara a cara com Felipe no corredor.
- tudo bem? - Disse ele com a calma que lhe era característica.
- Eu... Eu... Acho que sim. - Ela estava tremendo. Os beijos que ele compartilhara com
ela, somente naquela noite em que fizeram amor, vieram-lhe à mente. Lembrou-se
dos braços dele ao redor de seu corpo nu e das sensações que sentira ao se entregar a ele.
Teve vontade de chorar, de pedir que voltasse ao seu apartamento, de que
ele nunca mais a deixasse sozinha. Como poderia ela viver sem aquele homem
maravilhoso, sem os seus beijos e sem a suas carícias. Ele era tudo para ela. Não saberia
viver sem ele. Era a mesma coisa que ficar sem ar, sem água, sem chão.
- Há algo errado com você? Está tão pálida! Quer uma água? - Perguntou ele
preocupado. Achou que ela ia desmaiar a qualquer momento.
- Quero você... - Ela disse.
- Não podemos conversar sobre isso aqui. - Ele olhou em volta
preocupado. A última coisa que queria era uma cena de cobrança, bem ali, bem agora.
- Amo você. Não me deixe. Por Deus, não me deixe. - As lágrimas rolavam por seu
rosto.
Eu... Eu morro se você não me quiser mais.
- Por favor... Aqui não...
- Volte a se encontrar comigo. Por Deus, não me deixe...
- Eu... Eu não posso ter você... É muito menina...
- Então, por que fez amor comigo?
Ela examinava o rosto dele nos mínimos detalhes. Gostava de olhar para ele. Se pudesse
nunca mais sairia de perto dele. Afastar-se dele, mesmo que por alguns minutos era
bastante
doloroso. Queria ficar pra sempre ao lado dele. Era muito bom estar com ele, sentir-lhe o
cheiro, o calor da pele.
Como amava aquele homem. Não podia ao menos cogitar a idéia de que jamais se
casariam, de
que jamais viveriam juntos. Ele pertencia a ela e ela pertencia a ele. Não tinha dúvidas
disso. Então, por que ele parecia não desejá-la mais? Aquilo não fazia o menor sentido.
Pertenciam um ao outro. Por que ele se negava a aceitar a realidade?
- Eu... Eu estava sozinho há muito tempo... Precisava...
- De uma mulher... De uma mulher qualquer e eu estava a mão, não é isso? - Ela
perguntou implorando aos céus que ele a desmentisse.
Ele apenas a olhou. Deixou explícito em seus olhos que fora isso. Ela sentiu que fora
apunhalada. Fez uma cara de dor tão intensa que ele se arrependeu do que
lhe transparecera.
Ela chorava. Estava desconsolada. Amava-o mais que a si mesma. Como poderia viver
sem ele? Não
suportaria aquela dor. Era muito grande para que pudesse aguentar aquilo. Aquilo não
podia
ser verdade. Ele fizera amor com ela! Ele tinha amor por ela! Ou não tinha? Imaginara
tudo?
Ele não era o homem de sua vida, o príncipe encantado pelo qual esperara desde seus
quatorze
anos? Não poderia ter-se enganado! Tinha certeza de que ele era o homem de sua vida. Era
ele!
Não havia dúvidas! Nascera para ele! Fora criada por Deus para ele! Estava escrito em
alguma
estrela, em alguma linha do destino. Não podia ser diferente. Ele não fizera amor com ela
por
que estava necessitando de uma mulher. De uma mulher qualquer. Ele não era assim. Se
fizera
amor com ela era por que a amava.
- Quero você... Se eu não puder ter você eu prefiro morrer. Não me deixe. Não me
deixe... - Ela sentiu sua voz morrendo, cada vez mais distante do próprio ouvido.
Quando voltou a si estava deitada no sofá da sala dos professores e quem estava com ela
era Rosângela.
- Eu... O que aconteceu? - Perguntou. Sabia que Felipe a deixara ali e desaparecera.
Talvez fora buscar alguma coisa para ela.
- O reitor saiu com a amargosa e pediu-me que tomasse conta de você. Rosângela falava
sem prestar atenção ao desapontamento de Dayse. As lágrimas rolaram por
seu rosto. Como ele tivera coragem de ir embora com Luciene e deixá-la ali, sozinha. Era
creuel demais.
- Há quanto tempo estou aqui?
- Faz um tempinho. O professor falou para você tomar um taxi. Mas ele não poderia
ficar. A mocréia estava irritada e ameaçava a fazer uma cena.
- Ele estava preocupado comigo? - Inquiriu esperançosa.
- Como vou saber. Ele já estava de saída quando me viu e pediu que eu viesse até aqui e
ficasse com você. Sorte que eu saí naquela hora. De outra forma ninguém
a encontraria ali, somente amanhã, já que não há turno a noite.
Dayse sentiu que algo dentro dela se quebrava. Levantou-se.
- Seu marido já chegou?
- Ainda não. Mas já deve estar perto. Por que desmaiou?
- Acho que... Devo ter esquecido de comer ... Estou atolada com a pós graduação.
Quando me lembro de alimentar-me, geralmente já estou na cama.
- Sei como é. Quase terminei minha tese, mas com a chegada dos meus bebês...
Beth estava muito preocupada com sua filha. Não queria vê-la sofrendo tanto. A menina
já passara por maus momentos antes delas se mudarem para o Rio, oito anos
antes.
Naquela época, fugiam de seu marido. Era um homem vingativo e violento. Passara anos
sendo agredida por ele. Tinha medo de deixá-lo e ele matá-la depois. Ele
jurara isso a ela. E não se sentia tão confiante a ponto de não acreditar nas ameaças que ele
fazia.
Porém, quando ele passou a agredir Dayse, ela começara a criar coragem. Mesmo assim,
demorou dois anos para que fugisse dele levando sua filha. E foi no momento
exato em que seu ex marido, bêbado como um gambá, atirava feito um louco pela casa
afora. Por pouco não as matara. Naquele dia, ele havia comprado uma pistola.
Depois de agredir sua filha, brincara com a arma, apertando-a contra a fronte da garota. Era
apenas uma menina de quatorze anos! E seu pai alcoolizado brincava de
atirar na cabeça da própria filha! Que loucura era aquela? Ele fora preso e elas fugiram
para o Rio de Janeiro.
Não tinham mais ninguém. Não fora difícil para Beth destruir qualquer rastro a fim de
que eles não as seguissem. Haviam saído de Brasília e seu marido nunca
pensaria em procurá-la no Rio, já que, quando sóbrio, sempre a ouvira falar que tinha medo
de morar em cidades grandes e populosas.
Desde que Dayse fizera doze anos, exatamente no dia de seu aniversário, enquanto
recebia as colegas para sua festinha, seu pai chegara bêbado e a espancara,
pois não havia gostado de encontrar a casa cheia de gente. Felizmente, tivera o bom senso
de esperar os convidados irem embora. E isso aconteceu bem rápido, pois
todos já conheciam a sua fama. Sua mulher vivia com manchas roxas pelo corpo.
Porém, nesse dia, sua fúria se voltara contra sua filha. Agredira a menina com tanta
cólera que quebrou-lhe o braço em dois lugares. A partir desse dia, revezava
sempre. Agora, eram mãe e filha a desfilarem com manchas roxas por todo o corpo.
No dia da fuga, ele fora além. Chegara em casa mostrando uma arma que havia
comprado e logo depois enfiou o cano da arma nas têmporas de Beth, obrigando-a a
confessar quem era o seu amante, o verdadeiro pai de Dayse. Com muito ódio, resolvera
que mataria a menina, caso ela não confessasse a verdade.
Como nada dizia, ele a empurrou para o chão e pegou a menina, que estava horrorizada
diante do fato de que seu pai mataria sua mãe ali, bem diante de seus olhos.
Puxou-a pelos longos cabelos e começou a torturar a criança, jurando que espalharia os
miolos da garota pela casa, se Beth não confessasse quem era o verdadeiro
pai da menina e quem era o seu amante atual.
Assim, viu sua filha na mira do revólver por mais de duas horas, enquanto ele dizia que
ia matar a menina. E, no momento seguinte, ele começou a atirar en todas
as direções e ela correram para fora, apenas com a roupa do corpo.
Ele fora preso e elas sabiam que ele sairia logo. Não deram queixa. No entanto, o pouco
tempo que ele ficara na prisão fora o suficiemte para que ela pudesse
organizar as coisas e sair do caminho daquele homem doente.
E, com o dinheiro que herdara de sua família, tentou colar os caquinhos do que restara de
sua vida.
E foi aí que Dayse conhecera Felipe Mancini. Ao ser matriculada na escola onde ele
lecionava geografia.
Agora, sua filha estava destruída. Aquele amor juvenil só lhe trazia aborrecimentos e
tristeza. Fora ao colégio buscar sua garotinha que mal conseguia andar,
de tão fraquinha que estava. Felipe Mancini a vira desmaiar e a deixara lá. E a deixaria
desmaida, sozinha, sem ninguém, caso a colega Rosângela não aparecesse no
corredor. Da porta da saída ele pedira que a moça desse uma olhada em sua filha e nem se
preocupara em telefonar para saber se ela estava bem. De que mais Dayse
precisava para acordar para a vida?
Na quinta feira, Dayse não dava aulas pela manhã. À tarde, quando esperava por seus
pimpolhos da
Educação Infantil, voltou a ver, juntamente com suas colegas, mais
um casal que se beijava apaixonadamente, enquanto levava sua criança para o interior da
escola. A moça, Angelina Manfrini, fizera algum tipo de comentário ao marido
relacionado ao filho e seu marido a beijara por isso. Tal fato enfureceu desesperadamente a
Luciene. Ela queria explodir o mundo. No entanto, conteve-se ao perceber
que o casal se aproximava sorridente e feliz.
Vira Felipe e Luciene na hora da saída. Vira o olhar de desprezo que ele lhe lançara. Não
sabia o que fizera de errado.
Na sexta-feira, preparava-se para colocar sua infalível cartinha no correio. Era uma carta
chorosa, cheia de cobranças e reclamações. Afinal, ela lhe oferecera
sua virgindade e ele abusara dela, de sua inocência e...
De repente, se considerou ridícula! Que amor infantil era aquele?
Olhou-se num espelho da vitrine de uma loja. Parecia uma adolescente de quatorze anos.
Se vestia como uma menina. Agia como uma menina.
Aquele amor juvenil era ridículo!
Rasgou sua cartinha e jogou os pedacinhos numa lixeira. Tinha que crescer. Não podia
ficar presa a um amor do passado!
Como poderia ter o amor, ou mesmo o respeito de um homem agindo daquela maneira.
Seu comportamento não mudara nada desde que ela tinha quatorze anos. Todos estavam
certos e somente ela estava errada.
Entrou numa loja e resolveu comprar algumas roupas mais condizentes com os seus vinte
e dois anos. Era uma mulher, não uma garotinha esperando o amor e a aprovação
do papai!
Ao entrar em seu apartamento ficara desgostosa. Era muito rosa por todos os lados,
muitas florzinhas e muitos bichinhos de pelúcia. Era tudo tão... Tão romântico...
Não! Era tudo tão exageradamente romântico...
Errara a dose. Isso era mais que certo! Podia ser uma mulher romântica sem ser o
estereótipo daquilo tudo.
Podia ser delicada, meiga, doce e angelical, mas errara na dose e passara em muito dos
limites.
Era motivo de piada, agora compreendia. Suas cartinhas de sextas-feiras, as quais lia para
cada uma de suas amigas, as mesmas amigas que há oito anos faziam
parte de sua vida,. Devoa ter sido o motivo de muitas risadas! Ela mesma cairia na
gargalhada se lhe contassem tal fato. E suas amigas já haviam se casado ou, mesmo
as que permaneciam solteiras, agiam como mulheres adultas. Era lógico que uma ou outra,
volta e meia tomava um pileque por causa de um cara, mas agiam como mulheres.
Tinham ciúmes e até faziam cenas, mas nenhuma mandava versinhos, coraçõeszinhos, e
uma quantidade astronômica de bichinhos de pelúcia para seus namorados.E, se
precisassem
persegui-los por se considerarem uma carta fora do baralho, logo caíam na real e partiam
para outra.
E ela ficara esperando. Tinha que encontrar um novo amor. Tinha que acabar com aquela
quantidade exagerada de rosa em sua casa e tinha que gostar de quem gostava
dela.
E quem gostava dela? Nunca deixara nenhum homem se aproximar pois estava
esperando que Felipe Mancini aterrisasse em sua vida.
Ele não aterrisara. Ele, nem ao menos, estava interessado nela, após aqueles oito anos.
Estava com outra e fizera questão de se envolver com alguém de seu local
de trabalho, para que ela soubesse que ele tinha dona.
Pois tudo acabava ali. Não mais lhe escreveria cartas. Não mais lhe perseguiria pelos
restaurantes, teatros e cinemas. Não mais montaria guarda na portaria de
seu apartamento. Não mais o perseguiria de taxi pelas ruas do Rio de Janeiro. Não mais
atormentaria seus amigos falando dele sem parar por todo o tempo. Não mais
sofreria por ele.
Amá-lo? Deixaria de amá-lo? Não. Definitivamente não. Isso ela não poderia fazer. Ele
seria o único amor de sua vida. Mesmo tendo a certeza de que nada mais
aconteceria entre eles, não poderia deixar de amá-lo. Afinal, ele ainda era o seu mundo.
Mas poderia sair e namorar alguém. Poderia até se casar e ter filhos,
viver uma vida normal. Quem poderia saber? Talvez, com um pouquinho de esforço de sua
parte, conseguiria destruir aquele amor romântico e bobo pelo qual perdera
toda a sua juventude. Não queria mais aquelas bobagens em sua vida.
Na semana seguinte, na hora da saída, Felipe assustou-se ao ver Dayse. Estava vestida
como uma mulher e seus cabelos estavam presos em uma trança embutida. Parecia
um pouco sofisticada. Não que suas roupas fossem caríssimas ou algo assim. Era apenas
uma questão de postura. E ela percebera que ele ficara boquiaberto. Porém,
não lhe dera atenção. Cumprimentara-o educadamente e passara direto por ele, deixando-o
curioso e apreensivo.
Dayse mudara quase tudo em sua vida, exceto o seu amor por Felipe Mancini. Isso ela
mão poderia arrancar de seu peito. Não ainda. Passara o fim de semana pintando
e dando um jeitinho em seu apartamento, agora, com as paredes em tom pastel e suas
almofadas que ficavam jogadas no tapete da sala, pois não tinha estofados, foram
recobertas com cores sóbrias. Dayse, que era um nome de flor, dera adeus as suas eternas
florzinhas. Seus shortinhos larguinhos e suas sainhas de dez centímetros
também desapareceram de seu guarda-roupas, juntamente com as camisetas que eram
cheias de frases românticas. Distribuíra todos os seus bichinhos de pelúcia com
as crianças de seu prédio.
Pegara seu carro de volta, que ficara guardado na garagem da mãe por que ela tinha
medo de dirigir na sua cidade.
Pela primeira vez, desde que se mudara para o Rio de Janeiro, não andara atrás de Felipe
Mancini e nem lhe escrevera cartas.
Em seu local de trabalho. evitava qualquer contato desnecessário com Luciene, mas isso
era evitado por todas as outras pessoas que, por qualquer razão tivesse
que estar ali.
Felipe não mais viera buscar Luciene. Ouvira, por puro acaso, as professoras
comentando o fato.
- Será que o homem acordou e viu que ela não passa de uma megera?
- Quem vai saber? - Respondera Rosângela à pergunta de uma outra colega. - O fato é
que a mocréia tem voltado para casa sozinha. O gostosão não voltou aqui desde...
Ah! Agora me lembro. Desde o dia em que Dayse desmaiou aqui... Ah, sei lá. Talvez o
tenha visto uma ou duas vezes depois, não me lembro.
Ela fizera de conta que não ouviu a conversa e se manteve em silêncio. Não tinha
nenhuma idéia sobre o assunto, exceto o fato de ter certeza de que Felipe não
a queria. Depois que fizera amor com ela em seu apartamento, nunca mais a procurara,
nunca mais entrara em contato. E ela sabia que ele estava ali, muito perto,
ao lado, na universidade. Se não a procurava, era por que não tinha o menor interesse nela.

Capítulo 4

Felipe Mancini mexia em seus guardados. Separara um lugar em seu armário para as
coisas de Dayse. Já lera e relera tantas vezes aquelas cartinhas infantis que
as conhecia de cor.
Agora não as recebia mais fazia um mês. Dayse resovera esquecê-lo.
No início, não soubera porque começara a guardar as cartinhas de Dayse. Porém, apenas
guardara as coisas dela. Recebera milhares de cartas de alunas lhe jurando
amor eterno e sabia que essas paixonites eram passageiras. Contudo, desde que recebera a
primeira cartinha de Dayse, a guardara.
Temera, por anos, que aquele dia chegasse. O dia em que ela não lhe escreveria mais.
Com o passar do tempo, aprendera a aguardar ansiosamente as cartinhas bobinhas
que ela infantilmente lhe escrevia.
E o dia chegara. Fora alimentado por ele. Não queria ser sentimental. Ela não passava de
uma criança. Ou, ela não passava de uma mulher presa a sentimentos e
emoções bastante ingênuos.
Não queria enganar a si mesmo e nem a ela. O amor que aquela menina lhe devotavaera
frágil e se quebraria ao primeiro sinal de problemas. Era um amor que não
poderia suportar as dificuldades do dia a dia e nem a carga emocional que ele trazia nos
ombros.
Como aquele amor cálido e singelo sobreviveria ao medo que ele tinha de seus próprios
sentimentos.
Ela era simples. Com toda a certeza, nunca sofrera. Não estava preparada para assumir
um compromisso com um homem como ele.
Era uma menina pura, que ainda mantinha no rosto quaelas feições de adolescente
travesse.
Era pequenina e desaparecia perto dele. E ele era enorme ao lado dela. Parecia ter o dobro
de
seu tamanho.
Sua mãe danificara a ele e a seu irmão. Lucas porém, dera mais sorte. Fora viver com os
avós aos sete anos. Ele ficara. E fora mais uma vítima da loucura de
sua mãe e da infelicidade de seu pai.
Seu pai, o grande fundador da universidade, o magnífico reitor, o grande intelectual, fora
um apaixonado. Não passara de um fantoche nas mãos da esposa que o
manipulava como queria, pois sabia que ele cederia a qualquer desejo seu.
Ela o traía e seu pai sabia. Calava-se para não perdê-la. Aceitava-a de volta, abria-lhe os
braços e chorava, implorava para que ela voltasse. E sua mãe explorava,
ao seu bel prazer, essa fragilidade de seu pai. Ele a amava acima de tudo.
- Quer ser um babaca apaixonado como o seu pai quando crescer? - Ela sempre lhe
perguntava. - Nunca se apaixone. Essa adoração que ele demonstra, é nojenta.
Um homem de verdade não se presta a esse papel. Qual é a mulher que vai respeitar um
babaca, um chorão. Não passa de um verme que se rasteja aos meus pés.
E era assim que sua mãe via o amor incondicional de seu pai. Como algo nojento que só
se prestava para fazer-lhe todas as vontades.
Não queria ser como seu pai, mas se perdera de amor ao conhecer Vera. E passara por
tudo aquilo. Vivia para Vera e ela sabia aproveitar-se daquela paixão.
Por várias vezes, durante os seis anos de casamento, Vera o deixara por outro. Depois
voltava chorosa e ele a perdoava.
Até que Vera rira dele. Dissera que ele nem sabia fazer amor, que não passava de um
frouxo babão. E ele se tornara impotente.
Fora melhor assim. Ela repetira para ele, as mesmas palavras que ele ouvira sua mãe
gritar para seu pai numa nooite que ele jamais se esqueceria. Então viu seu
pai chorar e se desesperar enquanto sua mãe se dirigira ao quarto, para mais uma vez fazer
suas malas para ir-se embora. Seu pai, como sempre, chorava. Implorava
para que ela ficasse, enquanto ela o humilhava, pisava em seus sentimentos. Então, ele
pegou a arma e descarregou em sua mãe. Contudo, reservara a última bala para
si e se suicidara diante de seus olhos.
Com Vera, revivera a cena, exatamente igual. A única diferença fora o fato dele não ter
uma arma. Ela se fora e ele quisera morrer. Não! Na verdade, não pedira
para que ela ficasse, como ouvira seu pai pedir a sua mãe. Não se rebaixaria a tanto! Nunca
pediria que ela ficasse. Aceitá-la de volta, quando sabia que ela o
deixara por outro, já era mais que humilhante! Nunca pedira que ela ficasse, assim como
nunca lhe dissera não, quando ela voltava. Sempre a perdoava. E isso era
indigno. Não tinha mais respeito por si mesmo, exatamente como seu pai também não se
respeitava. E, quando ela se foi, daquela vez, pensou que iria morrer de tristeza
e solidão. No entanto, viu-se em seu quarto lendo as cartinhas de Dayse.
Superara aquela dor. Alguém o amava da mesma forma que ele amava a Vera.
Infelizmente, era muito jovem para ele. Eram quatorze anos de diferença. Não cometeria
tal loucura.
Porém, quando Vera quis voltar mais uma vez, tranquilamente a repelira. Estava curado
daquela doença! Mas o remédio contra aquele veneno o imunizara contra todos
os males do coração. Jamais se apaixonaria outra vez. Jamais perderia a sua dignidade de
novo. Nas ficara algumas sequelas. Perdera o desejo. Não era mais um espécime
completo de sua raça. Não tinha sonhos, desejos, interesses, nada! Estava vazio!
Totalmente oco e vazio!
No entanto, o fato de se saber singelamente amado o acalentava e lhe dava forças para
continuar sua vida embora nunca mais conseguisse se relacionar fisicamente
com outra mulher até que convidara Dayse para
almoçar naquele dia. Ficara confuso. Ainda a via como uma menininha. Mas sabia que a
química que rolara entre os dois, naquele restaurante, só poderia ter um desfecho.
Porém, no dia em que lhe dera a carona até o seu apartamento, queria pagar para ver. E,
além disso, sabia que ela era uma mulher. Tinha vinte e dois anos. Não era
mais uma garotinha. E, provavelmente, mentira em suas cartinhas ao lhe jurar fidelidade, ao
lhe jurar que se guardava para ele. Sabia que ela tinha uma porção de
amigos, que ia às festas e baladas, que dançava a noite inteira e que usava aquelas roupas
super, ultra curtas. Não agia como uma virgem que se guardava para o homem
amado . E ele não estava preocupado com a virgindade dela. Queria saber se aquela garota
seria capaz de torná-lo um homem de verdade outra vez.
E, quando deu por si, estava fazendo amor com ela, entre bichinhos de pelúcia, muito
rosa e cartazes românticos por todo o seu diminuto apartamento.
Não conseguira resistir. E se assustara terrivelmente com a onda de ternura que havia se
apossado dele. Não podia dar continuidade aquele sentimento. Tinha que
cortar o mal pela raiz. O que sentira por aquela garota, colocava os seus sentimentos por
Vera num patamar inexistente. Era muito gigantesco e apavorante. Quase
o paralisara, tão forte fora a torrente de emoções que o afogaram naquele quarto.
Logo ele que desde criança temia os sentimentos e as emoções. Aprendera, de tanto
observar seu pai, a esconder qualquer coisa que pudesse deixá-lo a mercê da
maldade das pessoas. Sabia esconder o medo, os receios e seus conflitos. Não demonstrara
qualquer tipo de emoção ao ver seu pai descarregar a arma em sua mãe e suicidar-se
depois. Não derramara uma lágrima. Fora morar com seus avós e com o seu irmão, que
espertamente, fugira para lá há muito tempo. Ele ficara e vira a tensão cada vez mais
mais crescente em sua família, até que culminara com aquele ato de desespero. Nem seus
avós conseguiram derrubar a couraça que o protegia de todos. Até que conheceu
Vera.
Ela era a cópia fiel de sua mãe, em todos os sentidos. E mesmo assim, abrira seu coração
para ela. Entretanto, agora compreendia. Precisara dela para tentar
expulsar o fantasma de sua infância, de seus doze anos quando presenxiara aquele ato
insano de seu pai. E repetiria com Vera a mesma história, se não fosse as cartinhas
de Dayse.
Que ironia! Guardava as cartinhas e Vera rira muitas vezes daquela insensatez. E fora
aquela insensatez que salvara a vida dela! Se não tivesse se trancaso em
seu quarto e começado a ler aquelas bobagens infantis, teria estrangulado sua mulher com
apenas uma mão, tal fora o ódio que sentira ao ouvi-la feri-lo com as mesmas
palavras que sua mãe usara para ferir seu pai.
Todavia, ao se sentir um homem outra vez nos braços de Dayse, reconheeceu nela o
mesmo olhar de seu pai nos olhos dela. Aquele olhar de adoração, veneração,
idolatria. Teve medo. Aquele tipo de amor não podia ser benéfico para nunguém. Ele
mesmo já o sentira. E não queria aquele tipo de coisa em sua vida.
Contudo, também se arrastara naquele sentimento estranho e perigoso. Embora isso lhe
machucasse a alma, não poderia levar um relacionamento tão carregado de
emoções adiante. Ele era adulto. Saberia se conter, custasse o que custasse. Ela era muito
jovem e seu amor, muito infantil.
Ao sofrer uma decepção, seu amor por ele acabaria, morreria. E em breve, ela estaria
pronta para estar nos braços de um outro homem. Tal pensamento lhe machucava todo o
corpo e a alma, mas era necessário. Para ele, até que seria bom amá-la. Como
jamais a teria, também estaria livre de sofrer por causa de quem quer que fosse. Estaria
resguardado de outros problemas e desagradáveis compromissos.
E Luciene caíra-lhe do céu em seu colo. Mulher de seu irmão, viviam em pé de guerra,
pois ela era imatura, egoísta e possessiva. O casamento já acabara, mas
ela
não se dava por vencida. Tentara matar ao seu irmão e suas últimas investidas tinham sido
assustadoras. Agora, nesses últimos mêses, ameaçava a se matar. Seu irmão
e seus avós ficavam de olho nela o dia inteiro e durante o tempo que ela estava no colégio,
era a vez de Felipe. Todos a tratavam com muito carinho e paciência e
Lucas até voltara para casa dos avós a fim de ficar com ela, já que ela se recusara a mudar-
se de lá.
O emprego como orientadora fora um pedido choroso dos avós. Talvez, se Luciene
tivesse uma ocupação, melhorasse um pouco o seu comportamento egocêntrico. Felipe
sabia que não daria certo. A educação nunca funcionava bem quando as pessoas que
estavam com as rédeas em suas mãos não tinham o menor respeito por outro ser humano.
E Luciene era esse tipo. Só pensava em si mesma, exatamente como sua mãe e como sua ex
mulher. Parecia que os homens da família Mancini estavam destinados a se envolverem
com mulheres cruéis que não sabiam doar seus corações.
Por fim, Lucas e Luciene vieram para o Rio. Estavam hospedados em casa de Felipe e
ele ainda lhe conseguira uma ocupação. Lucas assumira uma cadeira em Física,
na universidade. E ambos tentariam novamente mais uma reconciliação.
Entretanto, Lucas Mancini estava em seu limite. Com a diferença de que ele não
suportava o amor obssessivo que Luciene lhe devotava.
Felipe Mancini via o amor obssessivo da cunhada com olhos de microscópio. Ficava
preocupado com a capacidade da cunhada em perder o controle a casa vez que o nome de
seu
irmão era pronunciado ou a cada vez que algo lembrava a ela a existência de Lucas. Ela
fazia
escândalos em qualquer lugar, fritava, arremessava coisas, tentava se matar... Uma das
razões
pelas quais Lucas resolvera tentar, a muito contra gosto, uma rexonciliação, fora uma
ameaça
de Luciene de que, se Lucas não voltasse com ela, acabaria matando os avós do rapaz.
Os irmão ficaram preocupados. A mulher poderia estar simplesmente falando da boca
para
fora, mas, como podiam ter certeza de que era um blefe?
Para Lucas Mancini, seus avós eram os seus verdadeiros pais. Amava-os. E não
suportaria
vê-los assassinados por uma louca como Luciene. Ele nunca poderia conviver com aquilo.
Dessa forma, combinara com Felipe que ele retornaria ao Riio, faria de tudo para
conviver
novamente com a louca e desvairada esposa e Felipe concordara em ajudar.
Mas agora, Felipe se perguntava o que faria com a mulher que se descontrolava com
todos
os personagens daquela escola, sem exceção.
Seu irmão evitara assumir a direção geral do Colégio de Aplicação. Deixara uma pessoa
temporariamente em seu lugar. Não queria estar no mesmo ambiente que Luciene o dia
inteiro.
Já lhe bastava encontrá-la em casa e ter que dividir a mesma cama. Dessa forma, Lucas
protelava como se alguma solução pudesse cair-lhe do céu em seu colo.
E, enquanto Lucas fugia, Felipe se aterrorizava com as atitudes de Luciene, que, por
causa da covardia do irmão, ele era obrigado a encarar todos os dias.
E Dayse? Não vira nos olhos dela aquele mesmo olhar de adoração? Errara quando se
envolvera com Vera. Erraria outra vez ao se relacionar com Dayse?
E se o amor dela se transformasse naquele martírio de persseguições e ameaças da qual
Lucas Mancini era vítima?
Ele não queria ser a caça como seu irmão tinha sido até então e nem o caçador como ele
e seu pai tinham sido.
Aliás, as perseguições de Dayse lhe davam mostras disso. Até na França ela fora atrás
dele. Era olhar nas calçadas, quando saía de casa e ela estava por lá.
Nos restaurantes, nos teatros, até mesmo nos jogoss de futebol no Maracanã e no
Engenhão, ela dava um jeito de mostrar que estava por perto. Isso, sem contar as
inumeráveis vezes que ele olhava da janela de seu apartamento em São Conrado e ela
estava lá embaixo com aquele olhar de adoração que conseguia chegar até ele.
Qual era a diferença entre o amor de Dayse, o de Luciene e o de seu pai. Eram
adoradores de ídolos de barro. Ele mesmo amara assim a sua Vera e agora compreendia
que não tinha sido amor. Apenas adoração, febre, alucinação, ou qualquer coisa indigna,
menos amor.
Ainda se lembrava do desespero e da aflição nos olhos dela no dia em que ela lhe
implorara que não a deixasse. Ele fora cruel, desumano.
Doera-lhe deixá-la ali, desmaiada e sozinha. Ele quase morrera ao fazer aquilo. Sabia que
Rosângela estava na escola e rezou secretamente para que ela aparecesse,.
Ficara contente por vê-la. Sabia que ela cuidaria de Dayse se ela precisasse. E a dor que ele
vira nos olhos dela? Era a mesma dor que ele vira nos olhos de seu
pai, milhares de vezes! E, com toda a certeza, se alguém estivesse ao seu lado quando Vera
o
deixara, teria visto a mesma dor.
E fazer amor com ela? Saber que ela realmente se guardara para ele? Fora a coisa mais
maravilhosa de sua vida! Ela era quase tudo o que ele sempre quis, não
fosse aquele amor frágil e infantil. Se ao menos ela fosse menos imatura, menos obcecada
por ele...
Errara. Sabia que se arrependeria do que fizera. Deveria ter saído daquele apartamento e
nunca deveria ter ido tão longe! Arrependia-se de tê-la amado. Arrependia-se por que sabia
que ela, exatamente como Luciene, padecia daquele tipo de amor amaldiçoado. Um amor
quase
indigno. Um amor obsessivo
Precisava afastar-se. Precisava fazer com que ela compreendesse que aquele tipo de amor
não poderia fazer bem a nenhum dos dois. Tinha que acabar com aquele amor, destruir
aquela
paixão sem sentido que aquela menina lhe devotara.
E ele, que se habituara a receber suas cartinhas todas as sextas-feiras, ficara terrivelmente
decepcionado ao constatar que ela talvez pudesse ter compreendido
o seu recado.
Ainda tinha em suas mãos a última carta que recebera dela, inundada com aquele
perfume floral de menina moça. Ela escrevera que agora eles eram namorados, pois
compartilharam um momento de amor. Ela jurara que seria para sempre dele, como sempre
o fora. Jurara que sua vida se resumia no amor que sentia por ele e que ele
a fizera sentir-se a mulher mais feliz do mundo. E ainda lhe enviara flores, em
agradecimento. Não era ele que deveria ter enviado flores para ela e dito o quanto
tinha sido maravilhoso, excepcional?
E ele temia aquilo tudo. Temia também ter perdido aquilo tido. Há um mês não recebia
notícias dela. Não era mais a sua sombra. Mudara seu modo de vestir. E ele
ainda continuava aguardando a entrada e a saída dela do colégio de aplicação, observando-a
à distância, se deliciando com cada sorriso que ele via em seu rosto.
Mas, de verdade mesmo, Felipe não queria estar tão interessado nela. Era um homem e
sabia que se estivesse sentindo por ela todo aquele amor que temia já estar
sentindo, se tornaria vulnerável. Era humilhante ver um homem chorar por uma mulher.
Mais humilhante ainda seria o que Dayse faria com ele se soubesse, se desconfiasse
que ele a amava. Ele não passaria de um boneco sem vontade em suas mãos!
Na sexta-feira, depois de passar um mês inteiro sem enviar nenhuma cartinha para Felipe
Mancini, Dayse se encontrava a porta da saída conversando com uma das
mães que tinham filhos naquela escola e, sem que ela compreendesse, acabaram fazendo
amizade com ela, mesmo sem ter seus filhos em sua turma.
- Adorei sua mudança radical de estilo. Uma vez eu fiz isso. Sempre fui gordinha e
achava que nada ficava bem em mim, até que descobri que meu corpo, segundo
o meu marido, é maravilhoso. - Dizia Angelina para Dayse.
- Eu gosto de meu corpo. Sempre gostei. E sou cheinha como você. E baixinha também.
Mas sempre vi as minhas curva como algo a meu favor. só que eu exagerava
nas saias e shortes curtos e aí ficavam um pouquinho vulgar, por causa das minhas coxas
grossas. Agora, porém, acredito que encontrei meu estilo.
- É mesmo. Suas roupas a deixam sensual e elegante ao mesmo tempo. E são simples.
Nada ostensivas. Deram a você um ar mais sério, mas não a envelheceram. Cairam-lhe
muito bem.
Conversavam sobre futilidades.
- Meu marido deixou-me aqui enquanto ia resolver um probleminha e está demorando
bastante. Tem certeza que não estou atrapalhando? Se quiser ir-se embora, não
se prenda por minha causa. - Disse Angelina preocupada. Esperava por seu marido, Murilo
Manfrini.
- Claro que não. Antes, era um poucco chato atrasar-me por causa do ônibus. Mas
agora... Voltei a dirigir. Perdi o medo.
- Isso é ótimo. Mas eu nunca dirijo.
- Seu marido sempre a leva onde precisa ir? - Perguntou Dayse, logo se arrependendo por
ter sido tão intrometida. - Ah, desculpe-me...
- Que nada. Tenho um motorista particular. Mas se fosse preciso, dirigiria. Somente a
escola é que venho com Murilo. Ele é papai de primeira viagem...
Seu marido chegara e ela despediu-se de Dayse e correu satisfeita até ele, segurando
a mão do menininho de dois anos, tão lindo quanto o pai e com o mesmo par de olhos azuis
no rosto moreno.
Dayse ia entrar para pegar sua bolsa e viu um homem que vinha do estacionamento na
direção da porta onde ela estava.
- Boa tarde. Poderia dizer-me se Luciene se encontra?
- Ela saiu mais cedo hoje. - Respondeu olhando fixamente para o rapaz que pareceu ficar
meio sem graça diante de seu olhar insistente.
- Ah! Desculpe-me. Sou muito mal educada. Mas... Você se parece com alguém que
conheço.
- Esse tipo de cantada ainda funciona, sabia?
Dayse sentiu seu rosto corar e gaguejou outra desculpa.
- Não se preocupe. - Disse sorrindo. - Devo ser parecido com meu irmão e você deve
conhecê-lo.
E quem é ele? - ela tentava recuperar seu auto controle.
- O reitor da universidade, Felipe Mancini.
Compreendera porque o achara familiar. Era mais jovem e tão bonito quanto seu irmão.
Tinha os cabelos também compridos, mais claros, meio parafinados. Seus olhos
eram esverdeados e ainda tinha um furinho no queixo. E era extremamente sexy. Ele
estendeu-lhe a mão e ela ficara pálida.
- Eu... Eu...
- Sou Lucas Mancini, o irmão caçula.
- Não sabia que Felipe Mancini tinha um irmão.
- Acho que ninguém sabe. Não é que eu tenha cometido algum crime bárbaro e
precisasse me esconder. Creio que a omissão de meu irmão se deve ao fato de que nunca
ocorreu a ninguém perguntar-lhe se por um acaso tinha um irmão. E, nesse caso, acredito
que ele não devia ter encontrado um motivo para dizer às pessoas que tinha
um irmão sem que isso lhe fosse perguntado, concorda? Você o conhece, certo? Ocoreu a
você perguntar-lhe algo sobre mim?
- Eu... Eu... Claro que não! Por que lhe perguntaria isso?- Ela estava confusa. Ele falava
demais.
- Viu? Pela mesma razão pela qual ele nunca havia lhe dito. - Riram,
por fim. - Além do mais, sempre morei emFlorianópolis. Desde os meus seis anos que
moro por
lá, embora tenha cursado aqui a universidade. Estou apaixonado pela minha cidade. Você é
carioca?
- Sou, mas morei em Brasília por alguns anos. Voltei há oito anos.
- Bem, vou inndo. - Disse ele.
- Eu também. Aqui, todos os professores já foram.
- Para que lado vai?
- Vou para São Conrado.
- Oh! Que coincidência! Quer uma carona? Estou indo pra lá.
- Não, obrigada. Estou de carro também.
- Então tá legal. A gente se vê por aí.
Ele se dirigiu ao estacionamento e ela, após pegar sua bolsa, também se dirigiu para lá.
Para infelicidade de Dayse, seu carro não pegave e ela acabaou ficando
irritada. Assustou-se ao ver Lucas Mancini curvar-se na janela de seu carro.
- Problemas?
- Essa lata velha não quer funcionar... - Disse desanimada.
- Eu poderia bancar o homem sensacional e abrir o capô de seu carro e resolver o seu
problema. Mas, na realidade, acho que você esqueceu de por gasolina em seu
carro.
Ao verificar seu erro, Dayse ficara extremamente envergonhada. Não tinha como
explicar ao rapaz, que a observava com ar zombeteiro, que ela não prestara atenção
a tão importante detalhe.
- É que... Era sempre mamãe que enchia o tanque e... - Percebia que quamto mais tentava
se explicar, pior ficava a sua situação. Não passava de uma mimada despreocupada.
Como Felipe ouviria aquilo, caso seu irmão lhe contasse que conhecera uma garota tola e
mimada, que ficara sem gasolina porque a mamãe não enchera o tanque?
- Posso ser cavalheiro e comprar gasolina para você e trazer até aqui ou... Posso te dar
uma carona e amanhã... Amanhã não tem aula, não é?
- Tudo bem, aceito sua carona. Depois, mais tarde, pego meu carro.
Vou ter que voltar aqui, pois faço pós.
Tudo bem, então. Venha comigo.. Você mora em São Conrado há muito tempo?
- Oh, não! Minha mãe mora lá. Eu moro no Bairro de Fátima.
- Vai pedir gasolina a mamãe?
Ela riu divertida com o senso de humor dele. Tão diferente de Felipe, sempre tão sério,
tão controlado.
Antes de deixá-la descer, Lucas passara em seu prédio. Ela ficara no carro esperando,
pois ele dissera que não demoraria. Ela sabia que era o mesmo prédio de
Felipe e concluiu que Lucas devia estar hospedado lá.
Logo o viu saindo pela portaria. Estava acompanhado de Felipe e os dois não pareciam
estar falando sobre coisas agradáveis. Lucas gesticulava muito e parecia
irritado. Ao chegar perto do carro, Felipe empalideceu ao vê-la ali. Olhou-de um jeito que
ela não soube compreender e percebeu que Lucas tentava, inutilmente, falar
com alguém em seu celular.
- Droga! Que mulher infernal! E atirou o telefone para o banco de trás do carro e entrou
em seguida. Saiu dali, cantando pneus, diante do olhar atônito de Felipe.
Embora Lucas lhe desse a carona e eles tivessem conversado bastante durante o trajeto, o
nome de Felipe e de Luciene não tinham sido mencionados. Ela nem imaginava
porque ele procurava por Luciene.
No sábado pela manhã, fora acordada pelo barulho insistente do telefone.
- O que, mamãe? Você quer que eu vá até aí agora para acompanhá-la num passeio na
praia? Mas você nunca foi à praia aí em São Conrado!
Fora encontrar-se com sua mãe, muito aborrecida. Queria ter dormido até mais tarde e
sua mãe a tirara da cama no Bairro de Fátima, para que caminhassem juntas
pelas areias de São Conrado. Nunca vira tal disparate! E São Conrado nem tinha tanta areia
assim para se caminhar.
- Ora, mamãe, por que não foi para o Leblon?
Foi interrompida por uma voz conhecida.
- Olá, meninas.
Era Lucas Mancini.
- Olá. Tudo bem? Não sabia que era surfista. - Disse Dayse ao observar a prancha que ele
trazia consigo.
- E sou professor de Física e Matemática também.
- Isso é que é algo estranho... - Disse Dayse rindo e querendo fuzilar sua mãe. Beth a
fizera vir do Bairro de Fátima para ver Lucas Mancini.
- Bem. Já que estou aqui, vou dar um mergulho. - E ficou de biquini. Foi até a beira da
praia com Lucas e brincaram um pouco na água.
- Pra mim já chega, gata. Vou surfar um pouco. - Despediram-se com beijinhos e quando
Dayse foi em direção a sua mãe, viu qie Felipe Mancini estava um pouco
mais adiante, olhando com tanto ódio que poderia jurar que vira labaredas de fogo sair de
seus olhos. Sua mãe também percebera, no entanto, ignorava -o por completo.
Nem ao menos o cumprimentara, comportamento esse seguido por sua filha.
- Mãe, já vi o gatinho que você queria que eu visse, já nadei com ele, e agora vou para
casa.
- Não quer almoçar comigo?
- Não mãe. Você já bagunçou toda a minha agenda. Tenho algumas coisas que organizar
e também preciso estudar. A noite, vou sair com a galera.
- Está bem. Vou ficar por aqui mais um pouco. Beijoca.
Dayse entrou em seu carro que estava ali mesmo, na praia e foi embora sem nem ao
menos olhar para Felipe.
No domingo pela manhã, acordara assustada. Sua campainha tocava de modo irritante e
insistente. Era Felipe Mancini. Abriu-lhe a porta, sem muito ânimo. Ele
entrou feito um furacão, sem ter sido convidado e sem pedir licença. Viu que ela usava
uma camiseta grande, para dormir e que suas pernas grossas estavam de fora.
"Está deliciosa"! Pensou.
- Ei! O que quer aqui?
- Quero saber onde está meu irmão. - Disse ele irritado, indo até o quarto dela e também
ao banheiro. - Algo está diferente aqui. O que foi?
- Ele tinha o cenho franzido, as mãos nos bolsos e um ar de total irritação.
- Joguei meus bichinhos fora. Todos eles! - Disse ela em tom de desafio e elevando o
queixo. - Você não atravessou a Zona Sul para verificar a decoração do meu
apartamento, não é?
- Não! - Disse ele voltando a ficar irritado. - Quero saber do meu irmão.
Ela fingiu procurar em seus bolsos e embaixo do tapete.
- Quer olhar em baixo da cama ou dentro do armário? - Debochou. - Talvez no forno ou
na
geladeira...
- Onde ele está? - Disse com um tom rude, avançando na direção dela e recuando antes
que
estivesse perto demais.
- Por acaso tenho cara de babá de seu irmão? Não acha que ele está crescidinho demais
para que alguém tome conta dele?
- Você não sabe de nada! Lucas é um irresponsável! - Ele retirou as mãos dos bolsos.
Examinou o rosto dela e, antes que fizesse algo do qual pudesse se arrepender, cruzou os
braços.
- E nem quero saber. Por que tenho que saber de seu irmão?
- Por que ele não dormiu em casa essa noite...
- Tem graça essa agora! Seu irmão não dorme em casa e você supõe que ele dormiu
comigo! -
Agora, fora ela que cruzara os braços em atitude de defesa.
Ele pareceu ficar meio desconcertado. Realmentte, com tantas mulheres no Rio de
Janeiro...
- Estou preocupado com ele. Essa cidade é muito violenta e...
- Por gentileza, posso ter o prazer de voltar a dormir?
- Você estava com ele na sexta e estava aos beijos com ele ontem na praia. Jurou amor
eterno por mim e dorme com o meu irmão. É vingança?
Ela o olhou horrorizada com o que ele estava supondo a respeito dela. Abriu a boca num
tom surpreso o que ele interpretou de outra forma.
- Ficou surpresa por eu ter descoberto o seu plano?
- Bastante! Como descobriu? Estou louquinha pelo Lucas, sabia? – Ela riu sarcástica.
Não acreditava que ele estava dizendo aquelas coisas, mas queria saber o
que ele estava pensando.
Ele a agarrou pelos ombros e a sacudiu.
- Como pode me enganar? Você não passa de uma rameira! Guardou-se para mim e
depois dorme com o primeiro que aparece! Mentirosa ordinária!
E ainda escolheu o meu irmão!
Ela não o reconhecia. Felipe Mancini jamais se alterava, jamais perdia a calma. O que
acontecera com ele? Aquele homem a sua frente em nada se parecia com o
seu Felipe. O brilho em seu olhar era de puro ódio. O que ela fizera que o tirara do sério,
que o transtornara tanto? Fosse o que fosse que ela pudesse ter feito,
ele não tinha o direito de ofendê-la daquela forma. Não tinham nenhum compromisso e se
ele fizera amor com ela num longíquo anoitecer, ele demorara tanto a tommar
tal decisão que ela chegou até a acreditar que nunca aconteceria. Por que a destratava
daquela maneira?
- Você não passa de uma rameira! - Ele repetiu com toda a raiva que lhe era possível. -
Cadela!
Ela deu-lhe uma bofetada. Ele ficou surpreso com a reação dela.
- Saia agora de minha casa! Se não sair, vou chamar a polícia! – Ela abriu a porta para
que ele saisse. Ele meteu o pé na porta e a fechou.
Estava transtornado!
- No outro dia, você implorou que eu dormisse contigo. Vadia! Implora agora! Eu
durmo com você com o maior prazer! Está sentindo falta de homem? Gostou depois
que provou? Posso satisfazer você ou teve muitos outros depois de mim e acha que já não
sou mais suficiente? Não me quer mais? - Ele pensava nas palavras de Vera.
- Encontrou outros melhores que eu, não é?
Ela levantou a mão para agredi-lo outra vez e ele a segurou em pleno ar. A raiva contida
por tantos anos explodira e ameaçava sufocar uma pessoa que nem ao
menos tinha conhecimento do que se passava com ele. Ela estava magoada e confusa. Ele,
não conseguia pensar com clareza. Se deixara dominar pelo ciúme.
- Não de novo! Está ofendida por eu falar a verdade? De quantos homens precisa para
chegar a uma conclusão? Ou quer apenas fazer uma comparação entre dois irmãos?
- Saia de minha casa! - Ela começara a chorar. - Nunca mais quero ver você, seu animal!
Monstro!
Ele se desconcertara ao ver-lhe as lágrimas. Tanto Vera quanto sua mãe, jamais
choravam. Ficou confuso pois não sabia o que fazer naquela situação onde ele
percebia agora que perdera o seu tão estimado autocontrole. Reconhecia que fora longe
demais. Mas não queria desculpar-se. Não se humilharia a esse pomto. Ao ponto
de reconhecer que perdera a calma. Isso nunca lhe acontecia. Nem mesmo quando Vera o
humilhara de forma tão deprimente, ele não se alterara. Nem mesmo quando seu
pai esvaziara uma pistola no rosto de sua mãe, em sua presença, ele não movera um único
músculo. Tampouco quando seu pai reservara para si próprio a última bala,
ele continuara ali, calmo, ao ver os miolos estourados de seu pai. Calmamente ligara para a
polícia e para os avós e ficara tranquilamente esperando que algum adulto
chegasse e tomasse as providências que ele, com apenas doze anos, não saberia tomar.
Porém, mantivera-se sereno. Não se abalara jamais. Nem mesmo, quando começara
a ter pesadelos com o rosto desfigurado de sua mãe. Apenas o seu coração batia mais forte,
mas ele nunca deixaria que aquela emoção desagradável se irradiasse para
o resto de seu corpo. Há muitos anos era assim. Sempre inatingível pela dor. E agora sofria!
Tudo por causa daquela garotinha falsa e sem vergonha, que lhe jurara
amor eterno e fidelidade, que o traíra descaradamente com seu irmão, se encontrava agora
num estado lastimável de puro ódio e autocomiseração. Era uma maldita!
Ficou quieto, porém, muito incomodado, vendo as lágrimas descerem pelo rosto dela.
- Nunca fui falsa com você, nunca enganei ou fiz qualquer cooisa para que duvidasse de
mim. Vi você com Luciene e não fui ofendê-lo. Aceitei que você não me
queria e queria a ela... Nunca lhe ofendi por desejar outra mulher...
Ele estava arrependido por tê-la ofendido. Fizera amor com ela e nunca mais partilhara
algo além de um cumprimento. E, realmente, ela jamais lhe cobrara nada.
Apenas esperava. E sempre esperara com uma paciência que nem mesmo ele seria capaz.
- Você deseja outro homem? - Ele perguntou apreensivo.
Ela se sentia magoada pelas palavras ofensivas dele.
- Nunca quis outra pessoa além de você, mas depois do que disse...
Ia mentir. Ia dizer que não o queria mais. Mas seria pura bobagem.
Amava-o acima de tudo, mesmo depois das cooisas que ele dissera.
- Perdoe-me. Lucas desapareceu e... Vi você no carro dele... Ontem vi vocês juntos
tomando banho de mar e... Depois ele sumiu... Me viu e nem falou comigo...
Achei... Pensei... Ele é mais jovem...
Estava enciumado, mas nunca admitiria isso nem para si mesmo. Ficara magoado por ela
ignorá-lo.
- Você tem-me evitado... Não pensei que quisesse falar comigo.
Reconheceu que era verdade.
- Mas vi você no carro dele...
- Ele me deu uma carona. Fiquei sem gasolina e estava indo para São Conrado.. Ontem,
foi mamãe que me pediu para ir até lá e... Você sabe o que mamãe pensa..
.
- Eu sei. Você sempre falou em suas cartas o que ela pensava a respeito de tudo isso...
- Por que acha que quero seu irmão?
- Ele é mais jovem. Cinco anos mais jovem.
- Nunca me preocupei com a sua idade...
- Mas quase posso ser seu pai... - Ele esquecera a raiva que estava sentindo havia
pouco. Preocupava-se com o fato de ser quatorze anos mais velho que ela. Mudara,
de repente, o foco de suas apreensões.
- Você tem Luciene. - Ela abraçou a própria cintura. Não queria discutir a idade de
ambos. Tinha obstáculos muito maiores em seu caminho.
- Luciene é a mulher louca de Lucas.
- Hã? Não é... Sua namorada?
- Eu não sou louco de me envolver com uma desequilibrada como Luciene.
- Ele estranhara um pouco o modo como ela se preocupava mais com o fato de Luciene ser
sua namorada do que esposa de Lucas. "Ela não sabia? Lucas não teria contado?
Por
que ele não dissera a ela que era casado?"
- Mas... Mas... Você ia buscá-la...
- A louca andou ameaçando se matar se Lucas não voltasse para ela.
Estão aqui desde que as aulas recomeçaram. Eu a coloquei na orientação do colégio de
aplicação e ... Foi um erro. Ela não tem condições de continuar lá... Eu a levava
e trazia todos os dias...
- Alguém viu vocês discutindo numa churrascaria da Barra.
- Ela vira o Lucas conversando com uma mulher. Eles brigaram e ele a deixou lá comigo.
É claro que ela descontou em cima de mim toda a sua ira! Lucas sempre
faz isso. Deixa aquela mulher louca sob meus cuidados. Diz que somente eu sei acalmá-la.
Assim, a bomba sempre estoura nas minhas mãos. E ontem fez a mesma coisa.
Não dormiu em casa e ela passou a noite me dando trabalho. Chorou o tempo todo na
minha cabeça!
- E a deixou sozinha agora? Não é perigoso?
- Bem cedo chamei um amigo médico que mora em meu prédio e ele lhe deu um sossega
leão. Vai dormir por muito tempo e eu vou matar o Lucas.
- Olhou cheio de ternura para ela. - Perdoe-me pelas coisas que falei. Perdi a cabeça. Deve
ser porque não dormi a noite inteira. Geralmente, isso nunca me acontece.
- Lembrou-se que por incontáveis noites perdera o sono após seus pesadelos com seus pais.
Porém, a falta de sono nunca lhe fizera perder seu equilíbrio emocional.
- Tudo bem. Eu... Compreendo...
E ficaram se olhando, fazendo amor com os olhos. Estavam frente a frente, muito
próximos. Nenhum dos dois se movia.
- Perdoe-,e pelo tapa que lhe dei... Nunca quis fazer algo assim com você... Você não
parava de me ofender... Fiquei cega... Perdoe-me.
- Eu mereci... - Instintivamente, levou a mão ao rosto no lugar onde ela batera. Aquele
gesto fez com que ela quase morresse de remorsos. Como tivera coragem de agredir aquele
homem
a quem amava? Como pudera machucar aquele rosto tão querido?
Continuaram a se medir.
E ele pulou em cima dela e a beijou com violência. Perdera, mais uma vez, o
autocontrole.
Ela correspondeu da mesma forma. Estava faminta por ele. Não ia perder tempo
pensando em autocontrole, calma, serenidade, muito menos deixar passar a oportunidade
de estar em seus braços.
Sem demora, ele puxou a camiseta dela para cima e sem ao menos tirá-la, começou a
sugar-lhe os seios, a introduzir sua mão por dentro de sua calcinha e a deixando
louca. Abriu o zíper de sua calça jeans e deixou que ela escorregasse até seus joelhos.
Jogou-se por cima dela, no tapete da sala e empurrando a calcinha para o
lado, a penetrou. Enlouqueceram. Era uma fome devastadora. Tinha que possuí-la de
qualquer
jeito. Sentia-se como um anomal no cio. Não conseguia evitar. Era mais forte que ele.
Aquele
desejo o subjugava, tornava-o fraco diante dela, tornava-o incapaz de raciocinar com
clareza.
Apenas conseguia pensar em arremeter seu membros grosso e pulsante para dentro dela,
socar e enfiar com desespero, ir até o mais profundo de seu ser e sentir-se exvaziar aquela
ansiendade em Dayse.
Dessa forma, naquela momento, apenas investia, apenas se afundava, apenas desejava
que a
carne que o aceitava, a princípio com certa relutância, fosse capaz de lhe trazer o alento de
desejava.
Sentia como seu membro era apertado pelas entranhas dela.
Era de enlouwquecer. Era necessário um esforço quase sobrenatural para não se
descontrolar e se saciar antes dela. Era preciso pensar em outra coisa. Momentaneamente.
Tinha que figir da visão de Dayse se remexendo embaixo dele, para que seu clímax não
acontecesse antes da hora.
E aquela sensação de estar prestes a gozar e saber que era necessário esperar mais um
pouco, esperar por ela, o excitava ainda mais.
O gozo estava ali e ele não podia permitir que chegasse. Era de enlouquecer qualquer
um.
Como um homem podia suportar aquela alucinante e deliciosa tortura?
Moveu seu membro dentro dela. Tinha que acabar com aquele sofrimento. Tinha que
encontrar a
paz e o alívio para aquilo. Viu que ela também o acompanhava. Seria agora! Iria exvaziar
sua
angustiante espera! Ela se abria ainda mais para que ele fosse ainda mais fundo. E ele foi.
Não achava possível, mas doi. As pernas dela o enlaçavam pela cintura e ele só sabia que
entrava e saía cada vez com mais força, cada vez com mais fúria.
E sentia o gozo chegar. E chegou. De uma única vez. Esvaziou-se aos gritos de prazer.
Era
como atingir o céu. E estava quase morto! Ela estava quase morta! Ambos estavamn quase
mortos
de prazer!
Porém, logo veio o arrependimento.
- Perdoe-me. - Disse ele. - Perdi a cabeça. Você me faz perder a cabeça.
Ela ficou em silêncio. Sempre perdera a cabeça por ele. Sabia que
agora ele iria embora e que voltaria a fingir que nada acontecera entre os dois. Ia acabar
virando um hábito. E ela sabia também que nunca diria não a ele. Que teria
que se contentar com as migalhas..
- Tenho que ir. - Disse ele subindo suas calças e fechando o zíper, meio sem graça. -
Perdoe-,e.
- Tudo bem. Eu queria você. Muito.
Ele desviou o olhar. A sinceridade dela sempre o encabulava.
- Eu tenho que procurar o Lucas...- E saiu do apartamento dela tão
rápido quanto entrara.

Capítulo 5

No início daquela semana Luciene esteve mais irritadiça que o costume. Seu
comportamento fora tão anormal que a direção da escola resolveu dar-lhe uns dias de
folga.
Isso tinha sido um suplício para Felipe, já que precisava ligar o
tempo todo para casa para saber como as coisas estavam indo, já que
Lucas gritara em alto e bom som que não queria mais nada com ela. E logo
depois, desaparecera. Mas não antes de virar a vida de Felipe Mancini de
cabeça para baixo
Isso acontecera na terça feira quando ela tentou agredir ao marido na saída da faculdade,
enquanto ele conversava com uma de suas alunas.
- Vocês vieram para minha casa com a intenção de recomeçar, de dar um jeito na vida de
vocês e agora é briga todos os dias? - Dissera Felipe irritado com o
casal.- Têm que parar com essas bobagens, colocar a cabeça para raciocinar e consertar o
que estiver errado na vida de vocês.
Embora chateado, Felipe estava calmo e controlado, como sempre. Não gostava de se
envolver na briga do casal, mas volta e meia, precisava mostrar aos dois que estavam
extrapolando.
- Eu não quero essa mulher possessiva em minha vida! Se ela quiser me matar, que me
mate, se quiser se matar, que morra, mas não vou ficar com uma louca desequilibrada,
que resolve me ameaçar a cada cinco minutos! Ela que vá chantagear ao raio que a parta!
- Você é um cruel insensível... Estou sofrendo por sua causa e você fica dando bola para
toda e qualquer mulher que aparece...
- Quer saber a verdade? Estou apaixonado por outra mulher. E quero o divórcio pois
estou pensando em pedir a ela que se case comigo!
Lucas tivera um prazer indescritível por dizer aquelas palavras para Luciene. Seus olhos
brilhavam com um prazer perverso.
- Está vendo, Felipe? Ele estava com outra! Eu sabia! - Começou a chorar, a puxar os
próprios cabelos, arrancando tufos e mais tufos. Também arranhava o próprio
rosto. Felipe a olhava perplexo. Onde estava a sanidade dela? E ele que achara que perdera
a cabeça quando fizera amor com Dayse no dia em que a ofendera em seu
apartamento! Dayse! O que Lucas estava dizendo sobre estar apaixonado?
- Não sabia nada! Eu a conheci há poucos dias, mas sei que é a mulher da minha vida! E
se você quiser me matar, que me mate, mas com você eu não fico! - Lucas,
cruelmente fora até onde ela estava e gritara aquelas palavras dentro de sua orelha. Luciene
se atirara ao chão. Se contorcia e tirava sangue de seu rosto e corpo
enquanto se arranhava. Parecia louca! Estava desesperada demais. Felipe se penalisara.
Pensou na dor de seu pai. Pensou na própria dor por Vera. Felizmente, nunca
chegara aquele estágio. Será que Dayse agiria assim? Dayse! Novamente seu pensamento
fora para Dayse! O que Lucas dissera que mexera com uma pontinha de angústia
dentro dele? O que Dayse tinha a ver com aquilo?
Luciene se acabava em dolorosas lágrimas. Chorava e se arranhava enquanto
rolava pelo chão da sala do apartamento de Felipe Mancini. Mas agora ele nem
conseguia mais se preocupar com ela. Estava apavorado com a declaração do
irmão. Seria Dayse a mulher de quem falava? Não o vira com nenhuma outra
mulher. Por fim, Luciene percebeu que aquela encenação toda não estava
chamando a atenção de nenhum dos dois e sem ser sequer notada, foi para seu quarto.
Ali na sala, Felipe pensava em Dayse. Em como sondar se a declaração de Lucas tinha a
ver com ela. Não que ele estivesse levando a sério o que seu irmão dissera,
mas e se estivesse? Não! Resolveu perguntar ao irmão, assim que percebeu que Luciene
saíra.
- Quem é a garota? Ou foi apenas um blefe para manter Luciene à distância.
- Ah! É uma tremenda gata! Eu a conheci há pouco tempo, mas sei que é a mulher de
minha vida! Estou certo disso! Sei que você vai rir de mim, mas foi amor a
primeira vista! Tenho certeza de que ela é a minha metade, minha alma gêmea, a mulher
com quem sempre sonhei.
Felipe sentiu uma dor aguda por todo o corpo. Via a paixão nos olhos do irmão. Sabia
que ele dizia a verdade. Estava realmente apaixonado! E ele nunca vira
seu irmão assim.
- Mas... Quem é?
Felipe enfiou as mãos nos bolsos.
- Como vou lhe dizer? Tenho certeza de que você não a conhece... Ela é linda, perfeita,
belos olhos castanhos, cor de mel e uma cabeleira de dar inveja a um
leão. É maravilhosa. Absolutamente maravilhosa!
Era Dayse! Tinha certeza! Não restava a menor dúvida!
- Ela também sente o mesmo por você?
- Espero que sim. Claro que sente. Não quero enveredar numa relação unilateral. Já
chega a história de nossos pais. O problema é que ela tem um rolo com um cara
... Alguém do passado. Ela ainda não me esclareceu bem a situação. Mas tiro isso de letra.
Quem vai me impedir de ser feliz agora que eu conheci o caminho da felicidade?
Eu devolvo o babaca para o passado e o encerro lá, já que deve ser lá o lugar dele!
Felipe não precisava de mais nada. Tinha certeza de que Lucas falava de Dayse. Estava
perdido. Tudo estava perdido!
Ao sair do colégio naquela sexta-feira, Dayse se irritara momentaneamente. Um menino
de rua jogara nela uma garrafa com lama fedorenta e a sujara por inteiro.
Ela nem pode xingar o garoto pois eles estavam brincando de guerrinha. Ela apenas fora
uma vítima inocente. Ainda assim, agradeceu aos céus por ser apenas água suja.
No entanto, teria aulas ali na faculdade naquela noite e não queria ir até o Bairro de Fátima
para trocar de roupa. Resolveu ir até a casa de sua mãe, tomar um
banho lá e vestir qualquer coisa que lhe servisse. E ainda conseguiu sorrir para a molecada
que lhe pediu desculpas, após ganhar uns trocados.
Por mais incrível que pudesse parecer, estava de muito bom humor. Entre os pais de
seus alunos havia quatro atrizes muito famosas e uma delas, que também era
uma cantora de sucesso internacional, a elogiara e dissera-lhe que além de ser muito bonita,
era uma excelente profissional da educação. Era a cantora Anna Elis
e o elogio fora feito na reunião de pais e mestres e todos ouviram. Mais satisfeita ainda
ficara quando todos os pais de sua turma a cumprimentaram por seu desempenho
e a elogiaram para a direção.
Para muitos, poderia ser uma bobagem, mas estava tão satisfeita que o incidente com os
garotos de rua em nada diminuiram sua auto estima. Mas reconhecia que
a ausência de Luciene na reunião dos pais tinha sido providencial para todos.
Entretanto, tudo seria um mar de rosas se Felipe Mancini a quisesse.
Ao tocar a campainha do apartamento da mãe, que já a esperava, surpreendeu-se ao ver a
porta ser aberta por ninguém mais ninguém menos que Lucas Mancini.
- Você era a última pessoa que imaginava encontrar aqui! E já vou logo avisando que...
Mamãe, quer parar de me jogar para cima desse rapaz! - Gritou indignada.
Felipe não conseguia trabalhar. Estava desesperado. Aquela semana o tinha expremido o
cérebro desde que Lucas lhe confessara um amor por uma desconhecida e que
ele tinha certeza de que era Dayse. Quem mais poderia ser?
Resolveu ir para casa. Ao chegar lá, Luciene o convenceu a levá-la a um lugar onde ela
pegaria Lucas Mancini com a boca na botija.
- Ouvi ele marcar um encontro com a desgraçada. Eu sei para onde ele foi.
Felipe achou ridículo seguir ao seu irmão. Lembrou-se de seu pai.
Mas precisava saber se a tal mulher era Dayse. Quase morreu quando Luciene mandou que
ele parasse o carro em frente o prédio onde a mãe de Dayse morava. Agora ele
tinha certeza. Nem precisava ver o que acabava de ver: Lucas e Dayse, com um belo
vestido vermelho de alcinhas, de cabelos molhados,como se tivesse acabado de sair
do banho, toda sorridente e feliz, saindo juntos pela portaria do prédio. Viu seu irmão
encaminhar-se com ela até seu carro, que estava estacionado mais adiante.
Mais ele não viu. Luciene já se aproximava de Lucas, a fim de agredi-lo.
Lucas só teve tempo de pedir a Dayse que entrasse o mais rápido no carro e saísse dali o
mais depressa possível.
- Vai! Você conhece a fera! Corre! Deixa que eu seguro a onça! - Disse divertido.
Dayse foi. Pisou fundo e se afastou bem rápido. No entanto, não viu que o carro de
Felipe seguia o seu.
Quando entrou no estacionamento da universidade, viu que um carro
parava quase ao lado do dela e de lá saía alguém que vinha embalado em sua direção.
- Mentirosa! - Gritou ele. - Por que não me disse a verdade no dia em que estive em seu
apartamento? Por que fez amor comigo? Por que demonstrou que ainda me
queria? Por que mentiu para mim?
- Ela viu que Felipe gritava com ela e não compreendeu sobre o que ele estava falando.
- O que aconteceu agora? - Perguntou ela irritada. Felizmente, o lugar onde estacionara
tinha pouquíssimas vagas e que provavelmente não seriam preenchidas numa
sexta-feira a noite.
- Fingida! Eu vi você e meu irmão. Cheguei em casa e Luciene disse que descobrira
quem era a mulher pela qual ele está apaixonado! Era você! Era você! O tempo
todo era você! Eu sabia! Desde o instante em que ele disse que se apaixonara por alguém
que conhecera há pouco tempo, eu sabia que era você!
Ela ficou olhando para ele sem compreender por que ele parecia tão desolado.
- Qual é o problema? Por que você se importa tanto com isso?
- Por que? Por que? Porque ele vai fazer você sofrer. Ele não tem juízo. Tudo bem que
ele se casou com Luciene por que ela disse que estava grávida. Na verdade,
nunca a amou. Talvez ele agora esteja reealmente apaixonado. Disse na minha frente e na
frente dela que havia encontrado a mulher da vida dele.
Ele foi falando e se aproximando dela. Ficara a centímetros um do outro. Não mais
falavam. Ele estava desolado. Não conseguia pensar direito com ela ali tão
próxima dele. Sentia a respiração dela. Seu coração batia descompassado. Por que estava
tão confuso? Por que se sentia tão vulnerável?
E ele notara nela, aquele olhar faminto e sedento. Seus olhos faziam amor com os olhos
dele. Era um martírio!
Ela não fazia questão de raciocinar tendo ele tão perto dela. O queria. O desejava. E ele
estava ali, muito perto. Queria beijá-lo. Queria fazer amor com ele,
ali mesmo no estacionamento. Ofereceu a ele os seus lábios. Não poderia beijá-lo. Era
muito baixinha para alcançar-lhe a boca. Entretanto, ele ficou ao alcance
dela. Beijou-o, sem contudo, tocá-lo com suas mãos. Esperou. E ele se entregou ao beijo.
Ela levou suas mão direto ao cinto dele. Abriu-o e o soltou. Abriu o zíper e libertou
seu membro ereto. Ele gemeu ao toque das mãos dela. E ela fizera questão de tocá-lo.
Massageando seu membro duro e latejante para frente e para trás.
Ela iria masturbá-lo ali no estacionamento? E se alguém os flagrasse?
"Céus! Não posso fazer isso aqui!"
Mas Dayse tinha pressa. Muita pressa. Se ele parasse para pensar, jamais aceitaria tal
coisa.
Escorou-se em seu carro e libertou-se rapidamente de sua calcinha. enlaçou o corpo dele
com suas pernas. Ele gemeu ao sentir a mão dela guiando o membro dele
para dentro de si. Não suportou mais. Não resistiu a ela. Esqueceu-se que estava no
estacionamento da universidade onde ele era reitor. Esquecera das leis, esquecera-se
de tudo. Arremetia seu membro dentro dela e não se importava com mais nada. Queria,
mais que tudo, possuir aquela mulher.
Sentia-se selvagem, aflito, em total agonia. Era completamente insensato!
- Dayse... Dayse... - Dizia seu nome como se cantasse uma melodia doce aos seus
ouvidos e boca. Ao mesmo tempo, beijava-a como se fosse a última vez que a tinha
nos braços. Pensava em seu irmão, porém, não iria conseguir parar agora. Tinha que ir até
o fim, tinha que se livrar daquela aflição que o devorava, aquela necessidade
de ser o dono dela, de fazer amor com ela até que morresse de tanto amar.
Aquela caverna quente engolia seu membro com voracidade. Se perdia dentro dela.
Como
suportar aquilo? O que estava fazendo ali?
Tentava raciocinar, mas não conseguia. Só conseguia pensar em seu membro entrando e
saindo de dentro de Dayse. Por mais que tentasse sair dali, ir embora, lembrar-se que estava
cometendo um erro, não conseguia pensar. Seu lado racional fora capturado por seus
instintos
selvagens e animalescos. Só pensava em Dayse. Só queria possuir Dayse. Só desejava
Dayse.
- Dayse... - Gemeu. Estava perdido!
Atingiu o orgasmo com uma culpa desesperadora.
E, enquanto ia se recompondo, arrumando suas roupas e observando que ela também
fazia o mesmo, enquanto a respiração de ambos voltava ao normal, enquanto a lucidez
ia tomando o seu lugar, ele seguia amaldiçoando a si mesmo e ao seus instintos por não ter
resistido aquela garota. Estava em seu local de trabalho. Tinha muito
a perder se fosse visto ali, fazendo o que acabava de fazer.
- Por que fez isso? - Perguntou ele apavorado, odiando ter cedido aos encantos dela.
Deveria ter resistido. Deveria ter dito não. Deveria ter empurrado ela para
longe dele.
- Por que amo você. Respondeu ela com toda a calma, enquanto sua respiração ia aos
poucos, voltando ao normal. - E se somente assim poderei ter você, no meio
de uma briga, no meio de um estacionamento, num banco de praça, numa escada rolante...
Eu farei tudo para ter você...
- Mas não podemos agir assim, não está certo! - Disse ele ainda aturdido. Não só por que
ainda não se recuperara por fazer amor ali, no estacionamento da universidade
e em pé, como também pelas palavras dela que ele considerou como a maior demonstração
de falta de vergonha na cara.
- Parece que você se esqueceu de quem sou. Sou Dayse, lembra-se. Sou a garota que
perseguiu você desde os quatorze anos. Que há oito anos não lhe dava trégua.
Que, para onde quer que olhasse, lá estava eu. Que lhe escrevia cartas em toda sexta-feira,
sem falhar nenhuma, até que acreditei que cresci um pouquinho para continuar
agindo como uma menininha. Agora sou uma mulher. Você me tornou uma mulher e eu
tenho necessidades de mulher. Vou aonde me pedir para fazer amor com você. Mesmo
que me despreze depois. Não tenho orgulho. Somente amor.
Ele ficara horrorizado com toda aquela declaração. Aquilo a colocava mais perto ainda
de seu pai e de Luciene. Luciene!
- Nós... Nós fizemos... Amor... Sexo... Sem proteção alguma pela segunda vez. Espero
que esteja tomando alguma coisa. Se acaso engravidar... Vai ser difícil
saber se o pai sou eu ou... Ou meu irmão...
Ele gaguejava. Doía dizer o que dizia. Sentia-se infiel ao irmão. Odiava-se por ter sido
insensato mais uma vez. Não resistira a ela. Como tivera coragem? Ouvira
seu irmão dizer que a amava! E ela? Por que estava usando os dois? Era vingança por que
ele a ignorara por oito anos? Mas nem queria imaginá-la nos braços de Lucas.
" Devo estar enloquecendo. Não consigo nem mesmo pensar com clareza. Tudo se
embaralha em minha mente!"
- O que seu irmão tem a ver comigo? Por que eu engravidaria dele. - Ela falara meio
confusa. Ele agia de forma muito estranha. Fazer amor em pé o confundira.
Tinha ficado assustado pois estavam no estacionamento da universidade. Poderia perder seu
posto se fosse pego ali numa atitude tão depravada. Algo a ver com conduta
e costumes. Além disso ele tinha ciúmes! Estava roxo de ciúmes dela! Só porque ela pegara
uma carona com Lucas e por que ele os vira na praia, naquele dia!.
Era ridículo ser tão ciumento! Porém, estava envaidecida. Se ele tinha tanto ciúmes era por
que a queria. Mas, que papo era aquele de engravidar de seu irmão?Toda
aquela confusão já não se tinha esclarecido em seu apartamento no dia em que fizeram
amor da mesma forma que acabaram de fazer agora? Será que ele se esquecera?
- Ah! Deixa de papo chato. Eu adoraria ter um filho seu. Um filho nosso... Eu adoraria...
- Ela estava sonhadora.
- Como pode ser tão cínica? - Ele gritara perdendo a calma tão sua companheira! Dayse
acabava com a sua paz. Ninguém, exceto ela, conseguia acabar com a serenidade de sua
alma.
Maldita mulher! Queria colocar um irmão contra o outro? Mas por que? Ele lhe dissera que
Luciene não era sua namorada, não dissera? Ela queria vingar-se por que o vira levando
Luciene para casa? Fora por que a deixara desmaiada e não lhe prestara socorro. Sabia que
ela
desmaiara, naquele dia, por que ele a magoara. Mas ele tinha que levar a louca para casa.
Luciene jamais compreenderia se ele a deixasse num canto para socorrer uma pessoa que
tivesse
desmaiado, ou mesmo morrido. Era Luciene. Suas prioridades tinham que ser as
prioridades dos
outros! Mas... Por que Dayse resolvera vingar-se agora?
- Eu amo você... não me importo com mais nada. Só com você. - Dayse tentava mostrar
que ele não precisava ter ciúmes dela.
- Mas... Meu irmão... Lucas a ama.
- Lucas o quê? Que viagem é essa agora? Esquece seu irmão. Não quero saber de seu
irmão.
- Como Não? Como viagem? Ouvi dele. Encontrou a mulher da vida dele. Amor a
primeira vista. Um homem no passado dela. Vocês dois saindo juntos do apartamento
de sua mãe, seus cabelos molhados... Meu Deus, ele deve ter acabado de fazer amor com
você e agora... Eu... Eu também...
Ela não compreendia mas ia tentar entender e responder quando um carro parou bem ao
lado deles e um bando de jovens desceu do carro e começou a conversar co,
os dois. Em pouco tempo, Felipe se afastou e ela se dirigiu para o prédio da universidade
feliz por que ele morria de ciúmes dela com seu irmão.
Felipe Mancini Estava desorientado. Sentia-se o último dos homens. Traíra seu irmão.
Por sorte, naquela semana ele teria que participar de um congresso no exterior
e aproveitaria para tentar colocar sua mente em ordem. Seria bom estar longe do Rio, longe
de lucas,longe de Dayse. Precisava pensar. Tinha que afastar-se daquela
mulher.
Mulher! Até bem pouco tempo era apenas uma garotinha. Agora era uma mulher e fora
ele que cometera aquela sandice. A seduzira. Esperara oito anos. Por que não
se mantivera distante. Ela ia acabar desistindo dele. Todas desistiam,!
E ainda não conseguia esquecer aquele olhar de adoração, pura idolatria, que vira em
seus olhos. Isso não era nada bom. Não queria uma mulher louca e desvairada
como Luciene em sua vida e nem um amor doentio como o que seu pai sentira por sua mãe.
Lucas desistira de ir para o apartamento de Felipe depois que ele viajara. Achara
seu irmão estranho, evitando claramente conversar com ele. Logo agora que ela
andava louco para conversar, contar seus planos para seu irmão e ver o que ele achava de
tudo aquilo. Queria se casar. Estava louco para se casar, mas temia que
Felipe achasse que era muito cedo para isso, já que conhecia a mulher de sua vida há tão
pouco tempo.
Fora tudo muito engraçado. Conhecera Dayse no dia em que fora buscar a chata da
Luciene no colégio de aplicação. Acabou por conhecer Dayse e lhe dera uma carona.
Felizmente, durante o trajeto, nem se lembraram que Luciene existia e a conversa
rodopiava em volta dos dois. Fora direto ao apartamento de seu irmão e Luciene
também não estava lá. Tinha resolvido desaparecer mais uma vez, para variar. Até falara
com ela pelo
celular, mas a louca desligara na sua cara e não conseguiu mais entrar em contato com ela.
Foi ótimo! Ele não ia perder o tempo dele percorrendo o Rio, procurando uma
desequilibrada que queria chamar a atenção. Que ela desaparecesse de uma vez por
todas e o deixasse em paz!
Era lógico que Lucas queria casar-se, mas... Não poderiam. Pelo menos, não agora.
Havia aquele homem no passado dela. Tinha que ser paciente. Tinha que aprender.
Tinha que fazer as coisas da maneira correta. Além disso, ele também tinha Luciene em sua
vida e por mais que desejasse, aquele encosto não desaparecia de sua vida.
Ficava ali, como uma ferida purulenta e lhe envenenar o sangue, a vida e a alma.
E fora, justamente por fazer as coisas da maneira mais errada possível, levado pelos
sentimentos mais contraditórios que a sua vida chegara naquele impasse.
Tinha que aprender a arte da paciência com o seu irmão. Felipe sempre fora tranquilo,
equilibrado, paciente, sereno. Sempre o invejara. Jamais perdia a calma, jamais
se aborrecia. Sempre daquele jeito lento e vagaroso, ponderando entre os prós e os contras,
sempre calculando o passo que daria a seguir. E ele, em contrapartida,
sempre metendo os pés pelas mãos, sempre extragando tudo, sempre agindo por instinto. E
fora por causa de sua maneira impensada de agir que entrara naquela fria,
naquele casamento desastroso.
Sua vida com aquela mulher começara por uma bobagem que fizera. Achara-a linda!
Saíra com ela. Porém, no primeiro encontro, já percebera que não valia a pena
investir naquela relação. Era uma mulherzinha fútil e cruel e não a procurou mais.
Todavia, tinha transado com ela. E, quando ele menos esperava, ela veio com uma
conversa de que estava grávida. E ele, aturdido com a notícia, acabou casando
com aquela mulher a quem ele detestara. Então, como que num passe de mágica, sua vida
se transformara num inferno. Logo ele, que jurara a si mesmo que nunca iria
passar pelo que seu pai passara.
Aliás, essa fora uma das razões que alegara para si mesmo, quando resolveu casar-se.
Não amava Luciene. Nem sequer gostava dela. E, nem havia a menor possibilidade
de que um dia viesse a gostar. Ela era intragável e intratável. Nem fazer sexo com ela ele
conseguia. Assim, jamais correria o risco de um dia sogrer por ela, as
mesmas dores que chegara a ver seu pai sofrer por sua mãe.
Detestava a vida que ainda remotamente, se lembrava. Um dia, fora visitar seus avós e
recusou-se a voltar com seus pais. Felipe voltara. Amava ao pai.
Tão logo se casara e Luciene mostrara ser pior do que era realmente. Se ele se
arrependera de ter saído com ela uma única vez, viver dia a dia com ela fora
o equivalente a morar no inferno com mul demônios.
Mais desagradável foi descobrir, pelos lábios dela, que jamais estivera grávida, que
fizera aquilo para que homens enganadores como ele jamais tornasse a fazer
a mesma coisa com outra coitada como ela.
E ele nem se lembrava de ter dormido com ela! Tanbém descobrira que realmente, não
dormira. Fora sedado. Ele! Logo ele! Tão espero! Fora sedado por uma louca,
acordado, sem lembrança nenhuma, na cama dela, e levado a um casamento por uma
gravidez que ele nem sabia ter providenciado.
Casara-se sem contar nada a ninguém. Apenas dissera que sua namorada ficara grávida.
Como contaria para alguém que ele, o esperto, o conquistador barato, fora
enganado por uma maluca desequilibrada?
Dançara, isso era certo! Mas levaria aquela papagaiada até o fim.
Agora era um homem casado!
Entretanto, em seis meses já estava farto de tudo aquilo. Luciene o queria de casa para o
trabalho e do trabalho para casa! Isso seria lógico se ele ao menos
gostasse dela como amigo. Mas detestava aquela mulher. Ficar cinco minutos perto dela era
uma tortura!
E então, o desespero começara. Veio para o Rio e ela veio atrás. A pedido dos avós, que
acreditavam que era falta do que fazer que a tornava tão intratável,
Felipe a empregara como orientadora no colégio.
Ele era professor de Física e Matemática. Sua família era composta de professores
universitários. Tinha uma cadeira para ele na universidade que seu pai construíra
e onde
seu irmão era o reitor.
Mas nada dera certo. A louca vivia a ameaçá-lo. Ia matá-lo. Ia destruí-lo. Ia desgraçar-
lhe a vida! Mais? Não estava satisfeita ainda? Então, que se danasse
tudo. Que o matasse, que o destruísse. Desgraçado ele já era mesmo!
E, ao decidir resolver tudo com Luciene, para o bem ou para o mal, foi atrás da louca,
naquele dia em que acabara dando uma carona a Dayse que ficara sem gasolina
por que sua mamãe não enchera o tanque. E naquele dia, ele soube que Deus lhe daria uma
nova oportunidade de consertar a sua vida. Soube que Deus não o deixaria
na mão.
E assim, ao chegar no prédio onde a mãe de Dayse morava, acabou por conhecê-la. Beth
acabava de chegar e Dayse, gentilmente os apresentara.
Era ela! Era Beth! Era a mulher de seus sonhos. Embora, muito parecida com a filha em
tudo,
ele achou que ela tinha muito mais personalidade!
Tudo bem que ela era dez anos mais velha que ele. E daí. Ela não aparentava ter quarenta
e um. E era simplesmente maravilhosa, deslumbrante . E ele queria casar-se
com ela.
O impecilho era o traste do marido. Ela, ao fugir dele, não entrara com o pedido de
divórcio. Temia que assim ele pudesse encontrá-la. Era excessivamente violento
com ela e com a filha e não queria mais saber dele.
Dessa forma, talvez ela nunca viesse a se divorciar. Para ele, tudo bem, pois tinha a mais
absoluta certeza de que Luciene jamais lhe daria o divórcio.
Beth não se preocupara com isso. Sentira a chama do amor nascer em seu coração assim
que
Dayse os apresentara, porém, acreditou tratar-se de uma paquera da filha.
Embora ele fosse irmão caçula de Felipe, sabia que a filha andava bastante deprimida por
causa do desprezo que Felipe lhe demonstrava. E ainda por cima, tinha a
tal Luciene na vida dele.
Mesmo interessada em Lucas, torceu para que a filha mudasse o foco de sua paixão. Até
ligara para que ela viesse à praia naquele sábado pois o rapaz estava lá,
surfando.
Ficara admirando aquele corpo maravilhoso enquanto Dayse não chegava, até que se
lembrou que ele era mais novo que ela. Sua filha, entretanto, como já era de
se esperar, não se interessara por ele e voltou para sua casa muito rápido após dar um
mergulho e bater um papinho com ele. Teriam marcado um encontro para mais
tarde?
Se haviam marcado, ela, naquele momento, não sabia. Soubera apenas que, naquela
noite, ele ficara em seu apartamento. Aliás, não só a noite, como o dia todo de domingo.
Não acontecera nada de extraordinário entre os dois. Não fizeram amor.
Logo após a despedida da filha na praia, ela viu que Felipe ficara
aborrecido. Ele chegara lá, exatamente na hora em que Dayse resolvera tomar um banho de
mar e Lucas a acompanhara. Lá mesmo, na água, Dayse se despedira dele com
beijinhos no rosto. Fora nessa hora que Beth olhara para Felipe e vira um brilho assustador
em seus olhos. Dayse não o cumprimentara. Passara por ele sem dizer nada
e ele fora embora logo que a vira sair em seu carro.
Beth continuara a admirar aquele deus grego e em poucos minutos, ele estava se
convidando para cozinhar para ela um saboroso almoço.
E ouvira dele a história de seu casamento com Luciene, história que ele jurou que, por
vergonha, jamais contara para alguém.
E passaram a noite contando coisas um para o outro. Não se tocaram. Não se jogaram
um nos braços do outro, embora soubessem que era esse o desejo de ambos.
Mas agora, estavam decididos a lutar pela felicidade deles. Beth sabia que Dayse nunca
se oporia a esse romance. Temia apenas que a tal Luciene a descobrisse.
E, pelo que soubera a respeito dela, seria um escândalo digno de explodir todo o Rio de
Janeiro. Que ela se
danasse!
Dayse, no entanto, ficara satisfeita com o namoro de sua mãe com Lucas Mancini. A
diferença de
quase onze anos entre os doois, não os impediria de serem felizes. Mas
que ela levara um susto quando vira aquele homem no apartamento da mãe, isso era
verdade! Chegou a pensar que a mãe o levara até lá para que ele a paquerasse. Que
absurdo!
Entrara, soubera das novidades e, enquanto tomava banho, sua mãe lhe contara todos os
detalhes. Como tinha que voltar para a universidade e Lucas descera para
tentar acalmar Luciene que ligava sem parar para o telefone dele, desceram juntos e por
pouco, aquela louca não a vira. Ou vira? Saíra de lá tão assustada! Lucas
gostava de viver perigosamente! Torcia para que sua mãe não acabasse se machucando
com aquela história. Porém, sua mãe não era nenhuma boba e depois da vida infeliz
que levara ao lado de seu pai, resolvera mudar, tomar seu destino e ter as escolhas nas
próprias mãos.
E Lucas Mancini parecia estudar pela mesma cartilha! Felizmente não era como seu
irmão. Caso contrário, sua mãe jamais teria ido tão longe em tão pouco tempo!

Capítulo 6

Felipe voltara de seu congresso e se dirigira para o apartamento que no momento, dividia
com seu irmão e cunhada. Surpreendeu-se ao saber que Luciene, tranquilamente,
voltara para Florianópolis.
Mais tarde, em sua universidade, soube que o conselho já a substituíra, no colégio de
aplicação. Era um problema a menos e ele agora poderia respirar um pouco
mais descansado em sua própria casa.
Nada perguntara a Lucas sobre Dayse. Deixara o assunto guardado em algum canto. Não
queria pensar nela nos braços do irmão. Quase não se concentrara no congresso
ao qual comparecera, pois o rosto dela, seu
jeito de olhar e sorrir, seus gestos, e, até mesmo sua voz, não lhe saiam dos pensamentos,
E, justamente quando se levantou e olhou pela janela da reitoria para o pátio do colégio
de aplicação, viu Dayse e seu radiante sorriso.
- Já está indo almoçar? - Ele perguntou fazendo um esforço para não deixar transparecer
que ofegava. Descera correndo as escadas, não esperara o elevador. "E
se ela se fosse antes que ele chegasse lá embaixo?" Porém, agora duvidava que seu coração
batia tão descompassadamente por que descera cinco lances de escadas na
correria. Seu coração batia daquele jeito por que festejava a alegria de vê-la.
Sorriu para si mesmo ao fazer tal analogia.
- Eu... Oh! Estou indo sim. - Agora era o coração dela que se alegrava. No entanto, ficou
vermelha ao se lembrar que haviam feito amor ali, no estacionamento
de forma tão descarada.
Ele ruborizou ao perceber as faces dela tão tingidas. Sabia o que ela pensara. Estava
pensando a mesma coisa.
Almoçaram e conversaram bastante sobre vários assuntos. Falaram de música, cinema,
literatura e até de futebol. Ele, de tanto ler as cartinhas dela, já lhe conhecia
os gostos. Ela sempre contava tudo o que fazia, lia, onde fora e aonde queria ir. Agora,
essas coisas eram expressas por palavras.
Ele se surpreendera ao tomar conhecimento de que conhecia a alma de Dayse, por
qualquer ângulo que ele olhasse. Acompanhara todo o seu crescimento e todas as
suas descobertas desde que ela tinha quatorze anos. Escrevia a ele sobre tudo o que se
passava em sua vida de menina e, mais tarde, a respeito do mundo adulto. Até
mesmo as impressões que a primeira relação sexual causara nela, ele sabia. E fora com ele!
Não havia segredos dela para com ele. Não quis pensar mais nas coisas que seu irmão
dissera. Se ele estivesse apaixonado por Dayse, ela nunca seria dele. Somente
agora Felipe compreendia isso. Dayse era sua. Amava-o e nada destruiria esse amor.
Na hora da saída, esperou por ela. Suas colegas viram quando ele a beijou nos lábios, do
lado de fora do portão da escola, dizendo que iria com ela para o Bairro
de Fátima.
- Vou em seu carro. Amanhã pego o meu.
Ela flutuava de satisfação. Isso significava que ele queria passar toda a noite com ela!
Além disso, dera-lhe um beijinho nos lábios, na frente de todas as suas
colegas. "Isso significava que estavam namorando?"
E tiveram uma longa noite de amor, onde Felipe a amou com toda a calma que lhe era
peculiar: amou-a lenta, prazeroza e ao mesmo tempo, desesperadamente.
Na manhã seguinte, chegaram juntos ao trabalho. E Dayse tinha a certeza de que seus pés
não tocavam o chão. Estava nas nuvens!
E, durante duas semanas, se amaram com muita paixão. Todas as noites, Felipe voltava
com ela para o apartamento de Dayse. Não falavam de Lucas Ele, por que não
via necessidade. Sabia que Dayse lhe pertencia. Ela, porque Lucas era um assunto de sua
mãe e não queria que Felipe ficasse alterado ao saber que o irmão dele não
se responsabilizava pelos problemas que Luciene causava a toda a família por causa de seu
comportamento.
E assim, numa sexta-feira, dia em que Dayse não dava aulas pela manhã, Felipe
resolvera voltar para o apartamento dela, muito antes do horário de almoço. Sentia
saudades. Não queria ficar longe dela por tanto tempo.
Como tinha a chave do apartamento, abriu a porta e sentiu que seu coração parou de
bater ao ver Lucas deitado nas almofadas, vendo televisão.
Por alguns segundos, seu cérebro ficara vazio. Depois pensou em sangue,
estrangulamentos, balas sendo disparadas, socos e pontapés. Tudo a sua frente ficara
vermelho.
Algo terrível e assustadoramente destrutivo nascia dentro dele. Queria matar o irmão.
Depois mataria Dayse, a desgraçada, a maldita vagabunda dos infernos que o
traíra tão desavergonhadamente.
Voou na garganta de Lucas, que o recebera atônito, pois Felipe seria a última pessoa que
pensaria em ver ali.
Rolaram no chão, socando-se mutuamente. Felipe queria sangue. E viu o sangue descer
pelo canto da boca de Lucas.
- Mas... O que está acontecendo aqui? - Perguntou Beth aos berros.
Felipe a olhou assustado e, em sua distração, levou um soco no queixo que o fez ver a
mãe de Dayse rodeada de estrelas.
- Que faz aqui? O que houve com Dayse. - Ele observou que Beth estava na porta do
único quarto.
- Perguntei primeiro. Agora, sentem-se os dois e me expliquem o que está acontecendo,
sim? - Ela olhava de um para o outro.
- Bem, eu... Eu cheguei aqui e vi o Lucas e... Pensei que...
- Já sei por que está aqui. Dayse acaba de me contar.
- Onde está Dayse? O que houve com ela. - Ele estava preocupado.
Esquecera-se completamente que Lucas estava ali.
- Entre no quarto e converse com ela. Enquanto isso, vou falar um pouquinho aqui com o
Lucas sobre algo que acabei de saber.
Felipe não queria saber de nada mais além de Dayse.. Correu para o quarto e a viu pálida,
deitada na cama. Parecia doente.
- Que aconteceu, meu amor? Você está muito pálida! Já chamou um médico?
- Amor... Tenho que lhe dizer algo... Não quero que fique zangado comigo. Jure que não
vai ficar zangado comigo...
- Dayse... Você está se sentindo bem? Eu vou ligar para um amigo meu que é médico e...
- Estou grávida.
- Ele tem consultório aqui e... Você o que?
Estou grávida. Vamos ter um bebê. Não fique zangado comigo... Eu
tomei cuidado... Exceto aquelas duas vezes que... Perdoe-me...
Felipe tinha o coração nos olhos. Seu mundo se tornou rosa e azul. Sentiu-se leve.
Sentiu que todo o amor que exixtia no mundo estava ao redor dele e de Dayse.
Mais tarde, Felipe tomou conhecimento do relacionamento entre Beth e seu irmão.
- Eu nunca imaginei que Felipe ... Eh... Tinha um caso... Bem, era namorado da filha da
minha namorada. E agora, eu vou ser tio do meu neto!
- E eu nunca imaginei que ele achava que Dayse e você eram amantes! Mas, quando
minha filha ligou dizendo que desmaiara e que estava muito mal, voei para cá.
Estava tão nervosa que Lucas precisou dirigir para mim. Assim que cheguei, compreendi
que eram enjôos e vertigens. E eu nem sabia que ela e Felipe estavam se encontrando.
- Desde que você e Lucas ficaram juntos, evitava ao máximo ir até a sua casa, mãe. Não
queria atrapalhar.
Quando ficaram a sós, Felipe Mancini, ainda com o coração nos olhos, pediu Dayse em
casamento. Ela viu a ternura em seus olhos.
!Ele me ama! Vai casar-se comigo porque me ama!"
- Não é certo que seja uma mãe solteira quando o pai da criança também é um homem
descompromissado. - Falou ele naquele tom suave que usava com todos aqueles
que o cercavam, inclusive com ela. Errara. Vira-o agredir o próprio irmão, com uma fúria
cega de homem apaixonado. Vira-o beijá-la afetuosamente, todos aqueles
dias, no portão do colégio de aplicação e voltarem juntos, de mãos dadas para casa. Vira a
emoção nos olhos dele todas a vezes que faziam amor. Enganara-se. Era
apenas o jeito educado, terno e gentil de Felipe Mancini ser para com todos. Era certo que
ele assumira um compromisso com ela, que faziam amor de um modo sensual
e, por vezes, extravagante. Mas nada daquelas coisas todas significavam coisa alguma. Era
o jeito Felipe de ser. Ele agiria assim com qualquer outra. Ele não sabia
amar. Não tinha sentimentos. Algo o esvaziara por completo e agora ele não tinha mais
nada a oferecer a não ser aquelas frias gentilezas sem alma, sem coração.
Ela, de um modo triste e conformado, aceitara o seu pedido de casamento. Sonhara por
oito longos anos com aquilo. Sabia que ele não tinha mais nada a oferecer
a qualquer pessoa e se preparou para enfrentar um casamento onde somente ela teria amor.
"Quem sabe? Pode ser que Dê certo. Afinal, sempre foi assim, sempre amei sozinha
nesta história!"
Casaram-se.
E os amigos fizeram questão de comparecer. Não somente Cristiano Nievre, Marcelo
Ranieri e Lucas Chevalier acompanhado de suas esposas. Algumas das mães de alunos e
que
tinham feito amizade com Dayse também fizeram questão de tesrtemunhar a felicidade
daquela
menina sempre sorridente.
Usara, em seu casamento, um vestido parecido com aqueles que sempre vira nos contos
de
fadas. Todo esvoaçante, toso cheio de inúmeras saias, como se fosse uma princesa do
mundo do
faz de conta.
Mas era assim que sonhara e desejara vestir-se em seu casamento. Por que iria agradar ao
gosto alheio quando ouvira alguém dizer que ela parecia uma fadinha de historinhas
infantis.
- E era assim que se sentia. Uma fada! Uma princesa! E tinha o seu príncipe encantado
para salvá-la de qualquer dragão enfirecido.
Do altar onde a esperava, Felipe a admirava. Como aquela menina, com aquele ar de
pura
inocência podia levá-lo a loucura na cama? Como ela conseguia destruir o controle
emocional,
seu equilíbrio tão duramente cultivado apenas com um beijo ou com o toque de suas mãos?
Ela parecia feliz. Ninguém percebera que por trás de seus olhos, pairava um sentimento
de angústia e decepção com a vida. Seu amor continuaria a
percorrer uma via de mão única. Nunca, por toda a sua vida, teria o amor de Felipe
Mancini. Mas, carregava um filho dele em seu ventre. Talvez, quem sabe, isso fosse
o suficiente?
Dayse estava enorme. Era o oitavo mês de gravidez e se arrastava entre o colégio de
aplicação de manhã e a tarde e seu curso de pós graduação a noite e que,
felizmente já estava no final.
Naquela noite, esperava por Felipe no estacionamento, enquanto ele fora chamado por
um aluno, quando sentiu que alguém puxara seu braço com força.
Mal virou-se e levou uma bofetada que a fez rolar por cima do carro e quase caiu. Levou
outros socos. Não compreendeu o que estava acontecendo, mas viu quem
era. De onde estava, Felipe viu o que acontecia. Com a rapidez de um raio, algo que não
era uma característica sua, chegou ao local onde o homem agredia sua esposa,
mas, não antes que ele lhe desse mais uma bofetada que a fizera rolar pelo chão, já sem
sentidos.
Com apenas um soco no queixo, Felipe derrubou o homem que era quase da sua altura e
aparentemente, mais forte. O homem caiu e Felipe, dominado por um ódio que
lhe rasgava a alma, pulou por cima do homem, desferindo-lhe golpes furiosos. Não reparou
que o rosto do homem se transformara numa máscara pastosa de sangue. Nem
se lembrara que Dayse caíra ao chão, devida a extrema violência com a qual o homem a
brindara.
Fora preciso que vários alunos, que também saíam das aulas na universidade naquele
instante, o imobilizasse. Ele quase matara o homem. Quem o conhecia, que
o via sempre calmo e sereno, jamais poderia supor que dentro daquele homem pudesse
existir tamanha fúria!
Agora não era um homem sofisticado e nem intelecualizado. Era um selvagem que
instintivamente defendia a sua prole. Mataria qualquer um que atravessasse o seu caminho.
Parecia um tigre, pronto para matar. Seus olhos brilhavam de ódio pelo desconhecido e de
medo
por Dayse. Se algo lhe acontecesse...
Em poucos minutos havia ali ambulância e carro de polícia.
Antes de ser levado para a delegacia, Felipe viu Dayse ser levada para uma ambulância,
deitada em uma maca. Chorou. Ela estava desacordada. Ele temia que ela
e seu bebê estivessem mortos.
Lucas acompanhara Dayse ao hospital. Durante o trajeto, ligara para Beth e para o
advogado da família. Não soubera explicar para ninguém o que acontecera. Não
sabia quem era o homem e nem porque agredira Dayse. Só sabia que seu irmão, dominado
por uma violenta fúria, quase o matara.
Nada mais pudera dizer nem a Beth e nem ao advogado.
Tão logo fora liberado na delegacia, Felipe correra para o hospital.
Durante o seu depoimento, descobrira que o agressor era o pai de Dayse. Mais tarde,
através de Beth, soubera que o miserável procurara por elas durante aqueles
oito anos e que encontrara Dayse por puro acaso, quando a vira, naquele dia, encaminhar-se
para a universidade. Esperara, espreitara, até que ela saísse e, quando
a viu dirigir-se ao estacionamento, não pensou em mais nada, a não ser em saber onde Beth
se encontrava. Como ela não dissesse, começou a agredi-la e, quando deu
por si, um gorila o estava matando. Fora isso que o desgraçado dissera. Nem reparara que a
filha estava grávida. Não lhe vira a barriga enorme de oito meses de
gestação. E não lhe importava. Queria apenas saber onde estava a mãe dela. Enquanto ele
esperara que Dayse saísse da universidade, bebera um pouco. E, assim, o ódio
crescera dentro dele.
Felipe estava horrorizado. Dayse não estava bem. Se machucara seriamente ao cair, após
ter sido agredida tão violentamente. Caíra de mau jeito e os médicos
temiam que tivesse afetado o bebê, de alguma forma.
Agora, ele tinha medo de respirar. O ar de seus pulmões saíam com dificuldade, como se
ele temesse que ao soltar o ar, a vida de sua mulher e de seu filho pudessem
se extinguir. Também tinha receio de pensar. Na verdade, receava estar vivo e receber uma
notícia que não permitiria que ele continuasse vivendo.
Não queria perder mais ninguém a quem amasse. Sentado ao lado do leito hospitalar de
Dayse, segurava suas mãos, enquanto ela divagava à deriva, num mar de sombras
e tempestades. Longe, muito longe, ela ouvia soluços e uma voz. Uma voz que ela amava.
O amor de sua vida estava ali, a dizer coisas que para ela, vinham de um lugar
muito distante.
- Eu perdi meus pais. Ele a amava tanto que a matou. Depois, suicidou-se. Jurei a mim
mesmo, jamais sofrer por qualquer coisa. Já havia jurado isso a mim mesmo,
muito antes que ele a matasse. Amar parecia ser algo doloroso. E agora eu tenho certeza de
que é. Está doendo muito. Não sei se poderei suportar essa dor. Está-me
rasgando o peito, a alma. Amo você, Dayse. Por Deus, não morra. Viva para mim. Viva por
mim. Viva por nós. Amo você, minha querida.
Dayse ouviu. E quis viver por ele. Porém, não sabia se seria capaz de emergir, de sair
daquele lugar onde se encontrava, sem nada onde ela pudesse se segurar.
Ouvia-o. Sentia-o. Sabia que ele estava ali. Bem perto. Mas não sabia como se agarrar a ele
naquele momento.
Aquela noite fora uma provação para os nervos de Felipe, Beth e Lucas. Pela manhã, a
chegada dos avós fez com que a corrente de orações para que Dayse saísse
daquilo tudo, sã e salva, aumentasse mais um pouco. Suas amigas, tanto as do trabalho,
quanto aquelas que sempre a acompanharam em suas perseguições a Felipe Mancini,
desde os tempos da adolescência, também foram até o hospital. Todos oravam para que ela
se restabelecesse.
À tarde, Dayse voltara de sua viagem ao mundo das sombras e dos sonhos.
Acordara, ainda meio confusa, mas consciente de que seu bebê não estava bem. Teria que
fazer uma cesárea. Iam fazer enquanto ela estava desacordada, mas ela, como
se pudesse pressentir, fora despertada por algo ou alguém de quem ela não conseguia se
lembrar. Atribuiu o fato às orações, assim que soube que todos ali haviam
se empenhado em fazer. E, agora, ela estava ali, acordada e consciente, para orar pelo seu
bebê. Para pedir compaixão aos céus. Para implorar que a vida de seu bebê
fosse poupada. Seria mais um elo naquela corrente de orações.
Os médicos monitoravam os batimentos cardíacos do bebê. Tentavam reverter aquela
situação. Por várias vezes, naquela tarde, observaram uma melhora no quadro,
que agora se mantinha estável. E isso animara Dayse e Felipe. As coisas pareciam estar
melhorando!
Mais as coisas ainda não haviam chegado ao fim.
- Felipe, não quer ir para casa um pouco? - Dissera Beth. Você vai agora, toma um
banho, troca de roupas, descansa um pouco e depois volta aqui e a gente reveza.
Além disso, você e Lucas precisam levar seus avós. Eles estão aqui desde que chegaram.
Devem estar muito cansados!
- Eu não vou para casa. Não saio de perto da Dayse. O Lucas leva nossos avós.
Beth percebeu que não adiantava mais falar. Ele estava irredutível. Já havia sido preso e
interrogado. Antes disso, trabalhara a tarde e a noite. Depois, quase
matara o pai de Dayse de tanto bater. Ainda usava a mesma camisa manchada com o
sangue do indesejável sogro. Não fora em casa, estava sujo e com a barba por fazer.
E, nem mesmo agora que Dayse acordara e já se mostrava mais disposta, ele não arredava o
pé do lado dela.
Então, exatamente naquele momento em que tentavam decidir quem ia e quem ficava,
com Beth, meio aborrecida tentando fazer com que Felipe fosse em casa para
tomar um banho e trocar de roupas que aconteceu o impensável. O o pai de Dayse, ainda
com o rosto bastante inchado e cheio de hematomas, entrou na antesala, indo
diretamente para cima de Felipe.
- Seu desgraçado filho da mãe! Você me agrediu! Vou matar você aqui e agora! - O
homem voou na direção de Felipe. Trazia nas mãos uma faca e, muito antes que
Felipe pudesse vê-la, ele já a cravara nele. Mesmo ferido, conseguiu imobilizar o homem,
atirando-o ao chão, antes que ele o esfaqueasse outra vez. Lucas, em desespero
ao ver o sangue do irmão, desarmou o homem violento.
Felipe fora pego de surpresa. Por alguns instantes, todos os que estavam ali, naquela
salinha, à frente da porta do quarto hospitalar de Dayse, ficaram paralisados.
Dayse, ao ouvir a confusão, saíra de sua cama. Cambaleou ao ver o sangue jorrar do
ferimento do marido. Correu para ele, esquecida de que deveria ficar em repouso
absoluto.
E, nesse momento, antes mesmo que alguém do hospital atendesse ao chamado insistente
que a avó de Felipe fazia no corredor, Luciene entrara . Trazia uma pistola
nas mãos. Não se abalou ao ver a confusão. Jurara matar a todos que estavam ali e que a
fizeram sofrer. Gritava seu ódio contra Lucas, que a abandonara; contra
Beth, que roubara seu marido; contra Felipe, que fingira ser seu amigo; contra os avós de
Lucas, que a enganaram e, finalmente contra Dayse, que deveria rir dela
pelas costas, no colégio de aplicação.
Na confusão que se instalara ali, naquele momento, nem os
funcionários do hospital, que chegaram a ouvir as ameaças de Luciene,
conseguiam compreender a cena que encontraram: Felipe, sentado ao chão,
abraçado a Dayse, que chorava desconsoladamente; os avós, gritando aturdidos diante do
neto ensanguentado; Lucas, praticamente sentado em cima do ex marido de Beth e esta,
chorando, sem saber para que lado se dirigir.
A única pessoa que parecia bem era Luciene. No entanto, a arma ainda estava firme em
suas mãos. Num movimento rápido, colocou sua pistola na cabeça de Dayse.
Felipe, que perdia muito sangue, não conseguira evitar, tal fooi a rapidez com que Luciene
agiu, puxando Dayse pelos longos cabelos, arrastando-a para longe de Felipe.
Dayse, com dificuldades para levantar-se do chão onde se encontrara ao lado do marido ,
levou uma coronhada para que se levantasse mais rápido. Por alguns segundos,
Luciene mirou a pistola em sua barriga. Todos ficaram chocados. Sabiam que ela seria
capaz de atirar. Assim, Dayse fez um esforço gigantesco para levantar-se como
Luciene queria. Lucas não tinha como soltar o ex marido de Beth, que ainda gritava
insultos e ameaças. Os demais, estava com um medo paralisante.
Beth se horrorizara. Já vira sua filha na mira de uma arma de fogo. Fora exatamente para
fugir de situações daquele tipo que ela saíra de Brasília, anos antes.
Agora revia a cena. Sabia que Dayse também pensara no dia em que seu pai fizera a mesma
coisa.
E dayse se lembrava. Nitidamente. Lembrou-se do dia em que seu pai ameaçara espalhar
seus miolos pela casa onde moravam e onde fora tantas vezes agredida por
ele. Agora porém, temia pelo seu filho. Temia por Felipe, ferido e ensanguentado ao seu
lado, sem poder fazer um movimento para salvá-la. Que pesadelo! Aquilo não
acabava nunca?
Luciene já não suportava mais aquela falação que parecia não ter fim. Irritada com o
homem que não parava de xingar, ameaçar e desferir impropérios em todas
as direções.
- Cale-se seu miserável! Aqui quem grita sou eu!
- Cale-se você, vadia! Quero matar esse desgraçado que me agrediu.
Vou matar essa vagabunda que me traiu! Vou acabar com todos!
- Cale essa boca infeliz! Aqui quem tem a arma sou eu. Você não tem nada! Eu fui
humilhada! Eu vou matar essa sua vagabunda e esse desgraçado que me traiu. Depois
mato esses velhos! Por último, o casal vinte. Mato a prenha com filho e tudo! Não deixo
rastro dessa família que riu de mim. Vou acabar com os Mancini. Até com
aquele que ainda não nasceu! - E ria, enquanto não tirava a pistola da cabeça de Dayse.
E, de repente, sem nenhum aviso, moveu a arma e atirou no homem que estava
imobilizado no chão, sob o peso de Lucas.
- Cala a boca, desgraçado. Aqui só quem fala sou eu! Agora você vai berrar no inferno!
Foi o suficiente para que o policial que acompanhara a maior parte da cena, entrasse e
imobilizasse Luciene, algemando-a. Ele procurara pelo homem que havia
fugido do hospital onde ele fora internado, a fim de tratar dos ferimentos que Felipe lhe
causara. Fora fácil para ele fugir de lá.
Não houvera reforço na segurança, pois não o consideraram perigoso. Era apenas um
bêbado que, por azar, agredira a filha grávida. Era quase um fato corriqueiro para a polícia.
Fora o momento mais difícil da vida de Felipe. Enquanto via sua mulher ser levada, às
pressas para o centro cirúrgico, lembrava-se do dia em que vira seu pai
matar a sua mãe e depois atirar em si mesmo, bem diante de seus olhos. Naquela ocasião,
ele não passava de um menino. Tivera medo. Ficara muito assustado. Tanto
que nem demonstrara qualquer reação. Agora porém, desabara. Chorava como se fosse uma
criança. Não suportava a idéia de perder a mulher a quem tanto amava.
Sua dor era tão difícil de suportar que nem se apercebeu que estava ferido. Estava em
choque. Não conseguia concentrar-se no que acontecia a sua volta. Dayse
poderia morrer. Sofrera agressão física e emocional muito fortes. Ele estava amedrontado
demais.
Na mente quase apagada de Dayse estavam seu bebê e Felipe. Queria apenas que tudo
corresse bem.
O dia fora angustiante para todos. Os avós de Lucas e Felipe, ainda sem terem
descansados, também estavam sendo monitorados por um médico que percebera que eles
não estavam bem. Haviam passado por emoções muito fortes.
Lucas e Beth continuavam fisicamente inteiros.mas emocionalmente, estavam
destruídos. Apenas aguardavam, como se estivessem sendo sustentados por uma corda
invisível,
que os acontecimentos se sucedessem e eles pudessem respirar.
Felipe porém, nem ousava esperar. Não se movia. Nem tinha sequer, a coragem para
abrir os olhos. Ficara ali, acovardado e encolhido. Apenas temendo. Estava deitado numa
cama
de hospital onde fora costurado por causa do ferimento a faca que quase o imobilizara.
Perdera muito sangue, mas o ferimento não era muito sério. Por sorte. Mas, mesmo com
essa boa
notícia, ele não ousava respirar. Queria sua mulher ali, com ele, viva e saudável. Não
poderia perdê-la. Não suportaria!
Dayse não perdera os sentidos. Entrara em trabalho de parto e não fora possível recorrer
a uma cirurgia.
- Ninguém vem até aqui para nos trazer uma notícia. - Dissera Beth enquanto tremia da
cabeça aos pés.
Lucas temia que o pior acontecesse. Pelo amor que tinha pelo irmão e pelo amor que
tinha por Beth. Sentia-se culpado. Queria afastar-se dali, mas não tinha coragem
de deixar sua mulher e seu irmão sozinhos naquele instante. Não se perdoaria se algo
acontecesse ao bebê ou a Dayse.
E, no instante seguinte, o médico veio.
Lucas tentou ler a expressão que o médico trazia no rosto e quase desmaiou quando o
homem a sua frente esboçou um leve sorriso.
- As duas estão bem.
De onde estava, Felipe soltou um grito lancinante. Era a sua respiração que voltava a
funcionar.
Em pouco tempo, o mundo voltara a girar. Todos ali respiravam normalmente agora.
A filhinha de Dayse e Felipe estava bem e era linda. Apenas se apressara, pois havia
passado por muitos aborrecimentos no lugar onde estava. Cansara-se de ser
empurrada para um lado e para o outro e resolvera acabar de vez com aquela bagunça que
as pessoas que estavam do lado de fora de seu até então, aconchegante lar,
teimavam em atrapalhar.
Nascera!
- Ao saber que sua esposa e filha estavam bem, Felipe correu para vê-las. Foi proibido
por Beth.
- Você está sujo feito um porco! Não vai por as mãos em minha neta!
Tomou um banho no próprio hospital e vestiu uma camisola ridícula
que um enfermeiro lhe emprestou e que o deixava com o traseiro quase que totalmente
exposto.
Por sorte, vestira sua cueca. Casso contrário, ia ser motivo de piada entre seus amigos por
muito tempo.
- Beijou sua mulher. Deixou as lágrimas correrem por seu rosto ao ver que sua filha
já estava a mamar com uma gula que lhe fez lembrar-se da primeira vez que saíra com
Dayse.
Era uma esfomeada como a mãe!
Contudo, ao receber sua garotinha em seus braços, não só seu coração estava em seus
olhos. Ele era todo coração! Nada o preparara para aquela emoção tão profunda.
Sabia que, embora tivesse acabado de conhecer aquela menininha, estava profundamente
apaixonado. Mataria e morreria por ela!
Dayse o observou e viu que ele se desmanchava de tanto amor. Mas também viu quando
os olhos dele cruzaram com os seus.
- Amo você, minha fada dourada! Amo você!
E Dayse sabia que era verdade. Ouvira-o falar enquanto ela estava
num mar de semi inconsciência, há muito pouco tempo e sabia que era verdade.
No dia em que voltara para casa, Dayse recebera a visita de muitos amigos. Alguns pais
de alunos seus também foram em seu apartamento em São Conrado para conhecer
a bebezinha.
Naquela noite, antes de deitar-se Dayse viu um bauzinho em cima de seu travesseiro.
Curiosa, abriu a tampa e se deparou com as cartinhas que escrevera para Felipe.
Estavam ali todas as cartinhas, desde a primeira. Ela, encantada, começou a ler algumas
delas.
Viu que, entre tantas que ela reconhecia, havia uma cartinha diferente.
Pensou que alguma outra garota escrevera e que ele também a guardara.
Abriu a carta, meio receosa. Mas estava movida pela curiosidade.
Quem, dentre suas amiguinhas, poderia ter escrito aquela cartinha?
"Minha querida fada dourada!
Amar você é o que me faz ter o prazer de estar vivo. Foi com você que aprendi a amar,
foi com você que aprendi a viver. Devo a você a o sentido da minha vida.
Antes eu não vivia. Apenas respirava e passava como um sonâmbulo pela vida. Agora eu
vivo! Agora eu respiro toda a felicidade que, neste vasto mundo, apenas você
pode me proporcionar.
Minha fada dourada e encantada! Somente ao seu lado encontrei o amor, a felicidade e o
prazer de estar vivo!
Amarei você por toda a eternidade e um pouco mais!
De seu infinitamente apaixonado, Felipe."
Dayse ria e chorava. Felipe lhe escrevera uma cartinha de amor!
Quando ele entrou no quarto, trazia nas mãos, flores, um bichinho de pelúcia, e aquele
olhar que desde que a filhinha deles nascera, ele nunca mais perdera.
O seu coração estava ali, naquele olhar cheio de amor.

Se você chegou até aqui, significa que leu meu livro.


Poisé, esse livro foi escrito por mim e já está registrado na Biblioteca
Nacional.
Gostaria de pedir a você que o divulgue entre suas amigas e, se
possível, poste um comentário no meu blog
http://claricemascena.blog-br.com/
e diga se gostou, se levo jeito para ser uma escritora de romances românticos.
Enviei inúmeros emails às editora Nova Cultural, Harlequim books, mas
elas nem responderam e nem se interessaram em conhecer meu trabalho.
Assim, eu conto com a boa vontade de vocês para tornar o meu trabalho
conhecido e, se possível, comentado.
Devo confessar que ando meio frustrada, pois nem nas comunidades do
Orkut consigo atenção. Não sei porque, mas parece que as pessoas sentem
um prazer mórbido em esnobar as outras. De qualquer modo, acredito que
nem todas são assim. Espero que você tenha gostado do que leu.
Ah! E se houver muitos erros, perdoe-me. Sou ceguinha!
Sou Claricemascena e sou deficiente visual
Meu e mail é: luaaton@hotmail.com
claraluz@globo.com
Meu blog é o blo da ceguinha
Um grande abraço

FIM

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