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1



 
 
 
 O








PELICANO






 
 
 
 
 
 August
Strindberg



2


PRÓLOGO
POR
OCASIÃO
DA
ABERTURA
DO
TEATRO
ÍNTIMO


Estamos
no
final
do
dia,


Nesta
noite
de
inverno,


Reunidos
nesta
pequena
sala


Quase
debaixo
da
terra,
por
assim
dizer,


Protegidos
da
rua
e
de
seu
tumulto


Nesta
câmara,
propícia
às
confidencias


Onde
poderemos,
na
intimidade,


Expandir
o
excesso
dos
nossos
corações


A
palavra
íntimo
vai
ser
a
palavra
de
ordem
do
nosso
grupo


Mas
deixem‐me
primeiro
saudar
a
todos
vocês,
agradecê‐los,


Pela
honra
da
presença
de
todos
em
nossa
humilde
casa


Com
a
sua
visita,
saudemos
igualmente
o
teatro


A
casa
que
nos
deu
o
seu
teto


No
momento
em
que
meu
grupo
errante


Atravessava
reinos
e
países
procurando
por
um
abrigo...


Sejam
bem‐vindos
à
vossa
nova
morada.


Mas
por
favor,
não
exijam
de
nós
nada
de
novo


Ou
de
sensacional


Não
irão
ver
aqui
senão
a
velha
lenda
da
vida


Todas
as
suas
faces,
todos
os
seus
horrores


O
bem
e
o
mal,
a
grandeza
e
a
pequenez

3


Intimamente,
sem
dúvida,
mas
com
confiança
e
gravidade.


Não
se
pode
sorrir
sempre


E
a
vida
nem
sempre
é
muito
alegre...


Começamos,
esta
noite,
com
uma
tragédia


E
as
tragédias
não
são
muito
divertidas!


Dito
isto,
já
podem
imaginar
o
que
virá
neste
espetáculo
de
“diferente”.


O
que
quero
dizer
é
que
aqui
abreviamos
os
sofrimentos.


Antes
das
onze
da
noite
já
teremos
acabado!


Agora
que
já
disse
o
que
tinha
a
dizer


Gostaria
de
repetir
o
que
eu
acho
mais
importante


Escutem
bem
esta
minha
confidência
e
não
a
revelem!


Quando
tiver
começado
o
espetáculo,
quando
o
pano
subir,


Debaixo
de
cem
luzes,
ou
mais,
nós
atores
nos
mostraremos


Enquanto
vocês,
na
sombra
ocultos,


Terão
os
sentimentos
e
os
olhares
protegidos.


Não
julguem
duramente
aqueles
que
vão
se
expor


Quer
às
correntes
de
ar,
quer
às
luzes
da
cena


Enquanto
vocês
ficarão
na
platéia
escondidos,


Após
uma
bebida


Nós
e
o
nosso
poeta
vamos
travar
batalha


E
vocês,
tranquilamente,
nos
olharão


Iremos
reviver
no
sofrimento


Um
pouco
a
vida
humana
e
em
breves
instantes!

4


“Piedade
e
temor”,
tal
era
a
exigência
dos
Antigos


Quanto
à
tragédia,
piedade
pelos
que
são
postos
à
prova


Quando
os
deuses,
em
reunião
secreta


Agitam
os
destinos
diversos
e
variados


Dos
filhos
dos
homens!


Nós,
os
modernos,
já
evoluímos


E
mudamos
de
tom:


Humildade,
resignação


No
caminha
que
leva


Desde
a
ilha
da
vida
até
a
ilha
da
morte.



 
 
 
 August
Strindberg



5


PRIMEIRO
ATO


Uma
 sala
 de
 visitas:
 ao
 fundo,
 uma
 porta,
 que
 dá
 para
 a
 sala
 de
 jantar;
 à
 direita,

podemos
 perceber
 a
 porta
 de
 uma
 varanda.
 Uma
 escrivaninha,
 uma
 secretária,
 uma

poltrona
com
uma
coberta
escarlate;
uma
cadeira
de
balanço.


A
 mãe
 entra,
 vestida
 de
 luto.
 Senta‐se
 numa
 cadeira
 de
 braços.
 De
 vem
 em
 quando,

escuta
 e
 parece
 preocupada.
 Fora
 de
 cena,
 alguém
 toca
 a
 “Fantasia‐Improptu
 (Obra

Póstuma)
Op.
66,
de
Chopin.


Margret,
a
cozinheira,
entra
do
fundo.


A
MÃE
–
Fecha
a
porta,
por
favor.


MARGRET
–
A
senhora
está
sozinha?


A
MÃE
–
Fecha
a
porta,
por
favor.
(Pausa
curta)
Quem
está
tocando?


MARGRET
–
Que
noite
horrível!
Vento,
chuva...


A
MÃE
–
Fecha
a
porta!
Não
agüento
mais
esse
cheiro
de
formol
e
orquídeas.


MARGREETA
 –
 Eu
 sei,
 minha
 senhora,
 for
 por
 isso
 que
 eu
 disse
 pra
 levarem
 ele
 pro

cemitério
o
mais
rápido
possível.


A
MÃE
–
Foram
os
meus
filhos
que
insistiram
que
o
velório
fosse
feito
em
casa.


MARGRET
–
Por
que
se
não
se
mudam
logo
daqui?


A
MÃE
–
Nós
não
pudemos
mudar;
o
proprietário
não
deixa.
(Pausa)
Por
que
tirou
a

capa
da
poltrona?


MARGRET
–
Precisava
lavar.
(Pausa)
Eu
sei
que
a
senhora
não
agüenta
olhar
e
lembrar

que
foi
ali
que
ele
soltou
o
último
suspiro;
mas
é
só
trocar
a
poltrona
de
lugar...


A
 MÃE
 –
 Não
 posso
 tocar
 em
 nada
 até
 acabarem
 o
 inventário...
 Eu
 fico
 aqui
 feito

prisioneira...
Não
suporto
ficar
nos
outros
quartos...


MARGRET
–
Por
que?


A
 MÃE
 –
 Memórias...
 todas
 desagradáveis
 e
 esse
 cheiro
 horrível...
 É
 o
 meu
 filho
 que

está
tocando?


MARGRET
–
É!
Ele
não
gosta
de
ficar
aqui;
fica
agitado...
ta
sempre
com
fome,
diz
que

nunca
na
vida
parou
de
sentir
fome...


A
MÃE
–
Sempre
foi
doente,
desde
que
nasceu...

6



MARGRET
–
Os
bebês
que
tomam
mamadeira
precisam
depois
de
comida
forte,
boa,

pra
repor...


A
 MÃE
 (com
 aspereza)
 –
 O
 que
 você
 quer
 dizer?
 Que
 não
 dei
 pra
 ele
 tudo
 que
 ele

precisava?


MARGRET
–
Na
verdade,
não
deu
não,
a
senhora
sempre
comprou
a
pior
comida
e
a

mais
barata;
mandava
as
crianças
pra
escola,
só
com
um
chá
e
um
pãozinho
na
barriga.


A
MÃE
–
Os
meus
filhos
nunca
reclamaram...


MARGRET
–
É?
Não
na
frente
da
senhora,
mas
depois
iam
falar
comigo
na
cozinha...


A
MÃE
–
Nossa
situação
financeira
não
era
das
melhores...


MARGRET
–
Não?
Li
no
jornal
que
o
seu
marido,
só
de
imposto,
ia
pagar
uns
20.000...


A
MÃE
(cortando)
–
Não
dava
pra
tudo!


MARGRET
–
Ah!
Claro!
Mas
olhe
pros
meninos:
a
Gerda...
olha
pra
Gerda...
quer
dizer,

a
senhora
Gerda,
nem
parece
que
tem
20
anos...


A
MÃE
–
Que
besteira
você
está
falando?


MARGRET
–
Deixa
pra
lá.
(Pausa)
Quer
que
acenda
a
lareira?
Está
tão
frio
aqui.


A
MÃE
–
Não,
obrigada,
não
podemos
nos
dar
ao
luxo
de
queimar
o
nosso
dinheiro...


MARGRET
–
Mas
o
Fredrik
ta
sempre
tremendo
de
frio.
Tem
que
sempre
sair
por
aí
ou

ficar
tocando
piano
pra
se
esquentar...


A
MÃE
–
Ele
foi
sempre
muito
friorento...


MARGRET
–
E
por
que
será?


A
MÃE
–
Chega,
Margret...
(Pausa)
Tem
alguém
andando
lá
fora?


MARGRET
–
Não,
não
tem
ninguém...


A
MÃE
–
Você
acha
que
eu
tenho
medo
de
fantasma?


MARGRET
–
Eu
não
acho
nada...
Só
acho
que
não
vou
ficar
aqui
muito
mais
tempo...

Vim
pra
cá
com
a
missão
de
cuidar
dessas
crianças...
quando
vi
como
os
empregados

eram
 mal
 tratados,
 quis
 ir
 embora
 mas
 não
 pude,
 ou
 melhor,
 nem
 me
 atrevi...
 Mas

agora
que
a
Gerda
casou,
sinto
que
a
minha
missão
está
cumprida,
logo
vou
estar
livre

novamente...
falta
pouco...

7


A
MÃE
–
Eu
não
estou
entendendo...
Todo
mundo
sabe
como
eu
me
sacrifiquei
pelos

meus
 filhos,
 como
 eu
 cuidei
 dessa
 casa
 e
 cumpri
 com
 os
 meus
 deveres...
 Você
 é
 a

única
pessoa
que
me
acusa,
mas
você
não
vai
me
assustar.
Pode
ir
embora
a
hora
que

você
quiser,
não
pretendo
continuar
a
ter
empregados,
quando
a
minha
filha
e
o
meu

genro
se
mudarem
pra
cá...


MARGRET
 –
 Que
 a
 senhora
 tenha
 sorte...
 Os
 filhos
 são
 ingratos
 por
 natureza,
 e
 as

sogras
não
são
muito
queridas,
a
não
ser
que
tenham
dinheiro...


A
MÃE
–
Não
se
preocupe...
Eu
vou
pagar
a
minha
parte
nas
despesas
e
vou
ajudar
no

trabalho
de
casa...
Além
disso,
o
meu
genro
não
é
como
os
outros...


MARGRET
–
É?


A
MÃE
–
É.
Ele
não
me
trata
como
sogra,
me
trata
como
uma
irmã,
uma
amiga...



(Margret
franze
a
cara)


Eu
sei
o
que
você
está
pensando;
gosto
do
meu
genro;
não
vejo
nenhum
mal
nisso.
O

meu
 marido
 não
 gostava
 dele.
 Tinha
 inveja,
 ciúmes,
 apesar
 da
 minha
 idade...
 O
 que

você
disse?


MARGRET
–
Não
disse
nada!...
Vem
vindo
alguém...
Pela
tosse
só
pode
ser
o
Frederik.

Não
é
melhor
acender
o
fogo?


A
MÃE
–
Não,
não
é
preciso!


MARGRET
 –
 Escuta!
 Já
 passei
 muita
 fome,
 já
 passei
 muito
 frio
 nessa
 casa,
 suportei

tudo.
Mas
agora
eu
peço
pelo
menos
uma
cama,
uma
cama
de
verdade,
por
favor.
Tô

velha,
cansada...


A
MÃE
–
Bela
hora
pra
pedir
isso,
logo
agora
que
você
vai
embora.


MARGRET
–
Ah
é!
Tinha
me
esquecido!
Mas,
pela
honra
da
família,
queime
os
lençóis

da
 minha
 cama,
 onde
 pessoas
 já
 deitaram
 e
 morreram...
 não
 quero
 que
 passe

vergonha
com
a
pessoa
que
for
me
substituir...
se
é
que
vem
alguma!


A
MÃE
–
Não
vai
vir
ninguém!


MARGRET
–
E
se
vier,
não
vai
ficar...
vi
cinqüenta
empregadas
entrarem
e
saírem
dessa

casa...


A
MÃE
–
Era
tudo
gente
ruim,
como
vocês
todas...


MARGRET
–
Muito
obrigada!
(Pausa
curta)
Bem!
Mas
agora
é
a
sua
vez!
Chega
sempre

a
nossa
vez.
Mais
cedo
ou
mais
tarde!

8


A
MÃE
–
Será
que
você
não
vai
me
deixar
em
paz?


MARGRET
–
Vou,
logo!
Logo,
logo!
Mais
cedo
do
que
a
senhora
pensa.



 
 
 
 
 
 *


O
Filho
entra
tossindo,
com
um
livro.
Gagueja
ligeiramente.


A
MÃE
–
Fecha
a
porta,
por
favor.


O
FILHO
–
Por
que?


A
MÃE
–
Isso
é
maneira
de
responder
à
tua
mãe?
(Pausa)
Que
você
quer?


O
FILHO
–
Posso
sentar
aqui
pra
ler,
está
tão
frio
no
meu
quarto.


A
MÃE
–
Você
está
sempre
com
frio.


O
FILHO
–
Quando
a
gente
fica
sentado,
sem
se
mexer,
a
gente
sente
mais
frio.
(Pausa.

Finge
que
lê)
O
inventário
já
está
pronto?


A
MÃE
–
Por
que
você
está
perguntando
isso?
Tem
que
passar
o
período
de
luto.
Você

não
sente
a
morte
do
teu
pai?


O
 FILHO
 –
 Claro,
 mas...
 ele
 deve
 estar
 melhor
 agora...
 Merecia
 um
 pouco
 de
 paz
 e

sossego,
e
encontrou
finalmente.
Isso
não
me
impede
de
querer
saber
qual
é
a
minha

situação...
e
se
vou
poder
acabar
os
estudos
sem
ter
que
pedir
dinheiro
emprestado...


A
MÃE
–
Você
sabe
que
o
teu
pai
não
deixou
nada,
talvez
dívidas...


O
FILHO
–
E
a
empresa
não
vale
nada?


A
MÃE
–
Empresa
não
vale
nada
quando
não
se
tem
mercadorias,
estoque,
entende?


O
 FILHO
 (depois
 de
 um
 momento
 de
 reflexão)
 –
 Mas
 e
 o
 escritório,
 o
 nome,
 os

clientes...


A
MÃE
–
Cliente
não
se
vende...
(Pausa)


O
FILHO
–
Ouvi
dizer
isso
é
possível!


A
MÃE
–
Foi
Falar
com
um
advogado,
é?
(Pausa)
É
assim
que
você
respeita
o
luto
do

teu
pai?


O
 FILHO
 –
 Não,
 não
 é
 isso!
 Mas
 temos
 que
 separar
 as
 coisas!
 (Pausa)
 Onde
 estão
 a

minha
irmã
e
o
meu
cunhado?


A
MÃE
–
Voltaram
esta
manhã
da
lua
de
mel
e
ficaram
numa
pensão!

9


O
FILHO
–
Pelo
menos
vão
ter
alguma
coisa
pra
comer
lá!


A
MÃE
–
Sempre
falando
de
comida!
O
que
você
tem
pra
reclamar
da
minha
comida?


O
FILHO
–
Nada,
imagina!


A
MÃE
–
Me
diga
uma
coisa!
Nos
últimos
tempos,
depois
que
me
separei
do
teu
pai
e

você
viveu
sozinho
com
ele...
alguma
vez
ele
te
falou
dos
negócios?


O
FILHO
(finge
estar
concentrado
na
leitura)
–
Não,
acho
que
não.


A
MÃE
–
Por
que
então
ele
não
deixou
nada,
se
ganhava
vinte
mil
coroas
por
ano.


O
FILHO
–
Não
sei
nada
dos
negócios
do
papai;
mas
ele
dizia
que
a
casa
custava
muito

caro;
há
pouco
tempo
tinha
trocado
todos
os
móveis
daqui!


A
MÃE
–
Ah,
ele
disse
isso?
Sabe
se
tinha
dívidas?


O
FILHO
–
Não
sei!
Tinha
algumas
que
pagou
antes
de
morrer.


A
MÃE
–
Então
onde
é
que
foi
parar
todo
o
dinheiro?
Ele
fez
testamento?
Se
bem
que

ele
me
odiava
e
muitas
vezes
ameaçou
não
me
deixar
nada.
Será
que
ele
escondeu
o

dinheiro
em
algum
lugar?
(Pausa)
Tem
alguém
lá
fora?


O
FILHO
(frio)
–
Não
ouvi
nada.



A
 MÃE
 –
 Estou
 uma
 pilha
 de
 nervos,
 o
 enterro,
 todas
 essas
 histórias.
 (Pausa)
 A

propósito,
 você
 sabe
 que
 a
 tua
 irmã
 e
 o
 marido
 vêm
 viver
 aqui,
 não
 sabe?
 É
 melhor

você
começar
a
procurar
um
lugar
pra
morar,
não
acha?


O
FILHO
–
É,
eu
sei.


A
MÃE
–
Você
não
gosta
do
teu
cunhado?


O
FILHO
–
Não,
não
gosto.


A
MÃE
–
Mas
ele
é
um
bom
rapaz
e
muito
inteligente!
Devia
gostar
dele,
ele
merece.


O
FILHO
–
Ele
também
não
gosta
de
mim...
Além
disso,
ele
foi
mau
com
o
meu
pai.


A
MÃE
–
E
de
quem
foi
a
culpa?


O
FILHO
–
Papai
não
era
mau...


A
MÃE
–
Não?


O
FILHO
–
Acho
que
ouvi
passos
agora.

10


A
 MÃE
 –
 Acende
 duas
 lâmpadas
 então.
 Mas
 só
 duas,
 ouviu?
 (O
 Filho
 acende
 duas

lâmpadas.
Pausa)
Por
que
você
não
leva
o
retrato
do
teu
pai
pro
teu
quarto?
O
que

está
pendurado
naquela
parede.


O
FILHO
–
Por
que?


A
MÃE
–
Não
gosto
dele;
aquele
olhar
gelado.


O
FILHO
–
Não
acho.


A
MÃE
–
Então
tira
dali;
se
você
gosta
tanto,
fica
com
ele.


O
FILHO
(tira
o
retrato
da
parede)
–
Tá
bom.
(Pausa)


A
MÃE
–
O
Axel
e
a
Gerda
estão
chegando.
Você
não
vai
receber
eles?


O
FILHO
–
Não!
Não
estou
com
vontade...
Vou
pro
meu
quarto...
se
eu
pudesse
pelo

menos
acender
a
lareira.



A
MÃE
–
Não
podemos
queimar
assim
nosso
dinheiro...


O
 FILHO
 –
 Faz
 vinte
 anos
 que
 você
 fala
 sempre
 a
 mesma
 coisa,
 mas
 nunca
 faltou

dinheiro
 pra
 fazer
 aquelas
 viagens
 ridículas
 pro
 exterior...
 Era
 capaz
 de
 gastar
 uma

fortuna
 só
 pra
 jantar
 num
 restaurante
 de
 luxo;
 com
 esse
 dinheiro
 dava
 pra
 comprar

uma
tonelada
de
lenha.


A
MÃE
–
Que
absurdo!


O
 FILHO
 –
 Alguma
 coisa
 ia
 mal
 nesta
 casa,
 mas
 agora
 tudo
 isso
 vai
 mudar...
 Vamos

acertar
as
contas...


A
MÃE
–
O
que
está
querendo
dizer?


O
FILHO
–
Estou
falando
do
inventário
e
de
todo
o
resto...


A
MÃE
–
Que
resto?


O
FILHO
–
Das
dívidas
e
os
assuntos
pendentes...


A
MÃE
–
Ah,
sim!


O
FILHO
(Pausa)
–
Posso
comprar
umas
roupas?


A
 MÃE
 –
 Como
 pode
 pensar
 nisso
 agora?
 Devia
 começar
 a
 trabalhar
 e
 a
 ganhar

dinheiro...


O
FILHO
–
Primeiro
quero
acabar
o
meu
curso!

11


A
MÃE
–
Pede
dinheiro
emprestado
então,
como
todo
mundo!


O
FILHO
–
Quem
é
que
vai
me
emprestar?


A
MÃE
–
Os
amigos
do
teu
pai!


O
FILHO
–
Ele
não
tinha
amigos!
Um
homem
maravilhoso
como
ele
não
conseguia
ter

amigos,
porque
não
existe
amizade
sem
admiração
recíproca...


A
MÃE
–
Como
você
é
esperto!
Foi
seu
pai
quem
te
ensinou
essas
coisas?


O
FILHO
–
Foi,
ele
era
um
homem
inteligente,
apesar
de
ter
feito
algumas
besteiras.


A
MÃE
–
Olha!...
Quando
você
vai
se
casar?


O
FILHO
–
Nunca!
Sustentar
uma
mulher
pra
ela
ser
divertimento
dos
outros,
virar
um

cafetão
de
uma
prostitua?
Dar
armas
praqueles
que
se
dizem
seu
melhor
amigo,
mas

que
na
verdade
é
seu
maior
inimigo?...
Não,
vou
ter
o
maior
cuidado!


A
MÃE
–
O
que
é
que
você
está
dizendo?
É
melhor
você
ir
pro
teu
quarto.
Estou
farta

de
te
ouvir!
Você
bebeu?


O
FILHO
–
Claro,
preciso
beber
pra
acalmar
a
tosse
e
pra
não
sentir
tanta
fome.


A
MÃE
–
De
novo
a
comida!
Ela
é
tão
ruim
assim?


O
FILHO
–
Não,
não
é
ruim,
mas
é
tão
leve;
tão
leve
quanto
o
ar!


A
MÃE
(com
remorso)
–
Vai
embora
daqui!


O
FILHO
–
Ou
então
você
põe
tanto
tempero
que,
em
vez
de
matar
a
fome,
abre
mais
o

apetite!
É
como
comer
vento
bem
temperado!


A
MÃE
–
Você
está
completamente
bêbado!
Vai
embora!


O
FILHO
–
Tudo
bem...
eu
vou!
Ia
dizer
mais
umas
coisas,
mas
fica
pra
próxima!
(Sai)


A
Mãe
caminha
nervosa
de
um
lado
para
o
outro.
Abre
gavetas.




 
 
 
 
 
 *


O
Genro
entra
bruscamente.


A
MÃE
(cumprimentando
efusivamente)
–
Até
que
enfim,
Axel!
Senti
tanto
a
tua
falta,

onde
está
Gerda?


O
GENRO
–
Está
chegando!
E
você,
como
está,
como
vão
as
coisas?

12


A
MÃE
–
Senta,
que
eu
também
quero
fazer
umas
perguntas,
não
nos
vemos
desde
o

casamento...
 Por
 que
 voltaram
 tão
 depressa,
 tinham
 dito
 que
 iam
 ficar
 fora
 uma

semana
e
só
tem
três
dias
que
vocês
foram
embora.


O
GENRO
–
Ficou
meio
chato,
sabe?
Quando
já
se
disse
tudo
o
que
se
tem
pra
dizer

pro
outro,
a
solidão
fica
pesada
e
também
estávamos
acostumados
com
você,
e
você

fez
falta.


A
 MÃE
 –
 É
 mesmo?
 É
 verdade,
 nós
 três
 sempre
 nos
 entendemos
 tão
 bem,
 nós
 três,

sempre
atravessando
as
tempestades
juntos,
e
acho
que
a
minha
presença
fazia
bem

pra
vocês.


O
GENRO
–
A
Gerda
é
uma
criança,
ela
não
sabe
nada
da
vida,
tem
muito
preconceito,

é
obstinada,
quase
fanática,
às
vezes...


A
MÃE
–
O
que
você
achou
do
casamento?


O
GENRO
–
Um
sucesso!
Um
grande
sucesso!
O
que
você
achou
do
poema?


A
MÃE
–
Do
poema
que
você
me
dedicou?
Adorei!
Não
é
qualquer
sogra
que
recebe

uma
 homenagem
 como
 aquela
 no
 dia
 do
 casamento
 da
 filha...
 “É
 como
 o
 pelicano,

que,
com
o
próprio
sangue,
alimenta
os
seus
filhos...!
Sabe
que
eu
chorei!
Eu...


O
GENRO
–
Foi,
e
depois
não
parou
de
dançar,
Gerda
ficou
com
ciúmes
de
você...


A
 MÃE
 –
 Ah!
 Não
 seria
 a
 primeira
 vez;
 ela
 queria
 que
 eu
 fosse
 vestida
 de
 preto
 por

causa
 do
 luto,
 mas
 eu
 nem
 liguei...
 Era
 só
 o
 que
 faltava
 agora:
 ficar
 obedecendo
 os

filhos...


O
GENRO
–
Claro
que
não!
Gerda
é
louca,
precisa
ver
como
ela
fica
quando
eu
olho
pra

qualquer
outra
mulher.


A
MÃE
–
É
mesmo?
Mas
vocês
não
estão
felizes?


O
GENRO
–
Felizes?
Ah,
o
que
quer
dizer
felizes?


A
MÃE
–
Sei.
Já
começaram
a
discutir?


O
GENRO
–
Já?
Não
fazemos
outra
coisa
desde
que
ficamos
noivos...
E
depois
que
eu

fui
 obrigado
 a
 pedir
 demissão
 e
 passei
 a
 ser
 um
 simples
 tenente
 da
 reserva...
 Sabe,

engraçado,
eu
acho
que
ela
passou
a
gostar
menos
de
mim,
depois
que
eu
voltei
a
ser

civil...


A
MÃE
–
Então,
por
que
você
não
volta
a
usar
uniforme?
Tenho
que
admitir
que
mal

reconheço
 você
 vestido
 com
 roupa
 normal.
 Fica
 um
 homem
 completamente

diferente...

13


O
GENRO
–
Só
permitem
usar
o
uniforme
em
serviço
ou
em
paradas...


A
MÃE
–
Permitem?


O
GENRO
–
É,
o
regulamento.


A
MÃE
–
Coitada
da
Gerda;
ficou
noiva
de
um
tenente,
e
se
casou
com
um
auxiliar
de

escritório!


O
GENRO
–
O
que
eu
posso
fazer?
É
preciso
viver!
Por
falar
em
viver,
como
estão
os

negócios?


A
 MÃE
 –
 Pra
 dizer
 a
 verdade,
 não
 consigo
 saber
 de
 nada!
 Estou
 começando
 a

desconfiar
do
Fredrik.


O
GENRO
–
Como
assim?


A
MÃE
–
Hoje
à
noite
ele
falou
umas
coisas
tão
estranhas...


O
GENRO
–
Esse
idiota...


A
MÃE
–
Esses
idiotas
são
bem
espertos,
eu
não
duvido
nada
que
ele
tenha
escondido

o
dinheiro
ou
o
testamento
em
algum
lugar...


O
GENRO
–
Já
procurou?


A
MÃE
–
Virei
todas
as
gavetas...


O
GENRO
–
E
no
quarto
do
seu
filho?


A
MÃE
–
Claro,
até
na
cesta
de
lixo,
porque
ele
sempre
escreve
cartas
e
depois
rasga...


O
GENRO
–
Isso
não
interessa,
procurou
bem
na
escrivaninha
do
velho?


A
MÃE
–
Claro...


O
GENRO
–
Minuciosamente?
Em
todas
as
gavetas?


A
MÃE
–
Todas!


O
GENRO
–
As
escrivaninhas
costumam
ter
gavetas
secretas.


A
MÃE
–
Não
me
lembrei
disso!


O
GENRO
–
Vamos
lá
ver
juntos.


A
 MÃE
 –
 Não,
 não
 podemos
 mexer
 em
 nada.
 Tem
 que
 ficar
 selada
 até
 o
 fim
 do

inventário.

14


O
GENRO
–
Não
podemos
fazer
tudo
sem
tirar
o
selo?


A
MÃE
–
Não!
Não
dá!


O
GENRO
–
Dá
sim,
e
se
despregarmos
as
tábuas
da
parte
de
trás,
as
gavetas
secretas

são
sempre
atrás...


A
MÃE
–
Mas
vamos
precisar
de
ferramentas...


O
GENRO
–
Não!
Dá
pra
fazer...


A
MÃE
–
Mas
a
Gerda
não
pode
saber.


O
GENRO
–
Claro...
Ela
iria
contar
logo
pro
irmão...


A
MÃE
(fechando
a
porta)
–
É
melhor
trancar
a
porta
pra
gente
ficar
mais
seguro...


O
 GENRO
 (examinando
 a
 parte
 de
 trás
 da
 escrivaninha)
 –
 Olha,
 alguém
 já
 mexeu

aqui...
A
parte
de
trás
está
solta...
Consigo
meter
a
mão
lá
dentro...


A
MÃE
–
Deve
ter
sido
o
Fredrik...
Bem
que
eu
desconfiava...
Depressa,
vem
gente
aí!


O
GENRO
–
Tem
uns
papéis
aqui...


A
MÃE
–
Rápido,
vem
vindo
alguém...


O
GENRO
–
É
um
envelope...


GERDA
–
Axel?


A
MÃE
–
Gerda
está
chegando!
Me
dá
os
papéis...
Depressa!


O
GENRO
(mostra
um
envelope
grande,
que
a
Mãe
esconde)
–
Toma!
Esconde.



 
 
 
 
 
 *


(Alguém
tenta
abrir
a
porta.
Depois
bate
com
força)


O
GENRO
–
Por
que
você
trancou
a
porta?
Estamos
perdidos!


A
MÃE
–
Cala
a
boca!


O
 GENRO
 –
 Idiota!...
 Abre!...
 Abre
 ou
 eu
 mesmo
 abro!...
 Sai
 daqui.
 (Abre
 a
 porta

empurrando
a
mãe)


GERDA
(entra,
confusa)
‐
Por
que
trancaram
a
porta?


A
MÃE
–
Não
vai
me
dar
um
beijo
primeiro,
meu
amor,
não
te
vejo
desde
o
casamento;

como
foi
a
viagem?
Conta
tudo
pra
sua
mãe
e
não
fique
com
esse
ar
tão
triste!

15


GERDA
(senta‐se
numa
cadeira,
desanimada)
–
Por
que
trancaram
a
porta?


A
MÃE
–
Porque
ela
não
parava
de
bater
com
o
vento,
e
eu
já
estou
cansada
de
falar

pra
 todo
 mundo
 fechar
 a
 porta
 antes
 de
 entrar
 e
 sair.
 Não
 é
 melhor
 conversarmos

sobre
a
decoração
do
quarto
de
vocês,
vocês
não
vão
viver
aqui?


GERDA
–
Não
tem
outro
jeito...
pra
mim
tanto
faz...
e
pra
você,
Axel?


O
GENRO
–
Acho
que
podemos
muito
bem
viver
os
três
aqui...
a
gente
se
dá
tão
bem...


GERDA
–
Mas
onde
a
mamãe
vai
ficar?


A
MÃE
–
Aqui,
meu
amor,
eu
vou
por
uma
cama
aqui!


O
 GENRO
 –
 Você
 não
 está
 pensando
 em
 colocar
 uma
 cama
 no
 meio
 da
 sala,
 está,

minha
querida?


GERDA
(por
causa
do
“querida”)
–
Está
falando
comigo?


O
GENRO
–
Não,
com
sua
mãe...
Enfim,
tudo
vai
dar
certo...
Se
cada
um
ajudar
o
outro,

vamos
conseguir
viver
muito
bem
com
o
dinheiro
da
sua
mãe...


GERDA
(mais
animada)
–
Ela
pode
me
ajudar
nos
serviços
da
casa,
também...


A
MÃE
–
É
claro,
minha
filha...
desde
que
eu
não
tenha
que
lavar
a
louça!


GERDA
 –
 Tenho
 certeza
 que
 vai
 dar
 certo!
 A
 única
 coisa
 que
 eu
 quero
 é
 ter
 o
 meu

marido
só
pra
mim!
Não
quero
que
ninguém
olhe
pra
ele
daquele
jeito...
que
olharam

no
 hotel...
 foi
 por
 isso
 que
 encurtamos
 a
 nossa
 lua
 de
 mel.
 Se
 alguém
 tentar
 roubar

meu
marido,
eu
mato!
Estou
falando
sério!


A
MÃE
–
Então
vamos
começar
a
mudar
os
móveis...


O
GENRO
(olha
fixamente
para
a
Mãe)
–
Isso!
Gerda
pode
começar
por
aqui...


GERDA
 –
 Por
 que?
 Não
 quero
 ficar
 sozinha...
 Não
 me
 sinto
 à
 vontade
 nesta
 casa,

enquanto
a
gente
não
se
mudar
pra
cá
definitivamente.


O
GENRO
–
Se
vocês
têm
medo
de
escuro,
vamos
nós
três
juntos
então...


Saem
todos.



 
 
 
 
 
 *



16


O
palco
está
vazio;
o
vento
sopra
fora,
uivando
através
das
janelas
e
da
lareira,
a
porta

do
 fundo
 começa
 a
 bater;
 voam
 papéis
 na
 sala;
 uma
 palmeira,
 colocada
 sobre
 uma

pequena
estante,
começa
a
abanar
furiosamente;
um
retrato
cai
da
parede.
Ouve‐se
a

voz
do
Filho
“Mãe”,
e,
pouco
depois,
“Fecha
a
janela!”.
Pausa.
A
cadeira
de
balanço
se

move.



A
MÃE
(entra
enlouquecida
de
raiva,
com
uma
folha
de
papel
na
mão)
–
Que
é
isto?
A

cadeira
de
balanço
está
se
mexendo
sozinha!


O
GENRO
(entrando
atrás
dela)
–
Que
papel
é
esse?
O
que
é
que
está
escrito
aí?
Deixa

eu
ler!
É
um
testamento?


A
MÃE
–
Fecha
a
porta,
senão
vamos
voar
pelos
ares!
Tive
que
abrir
a
janela
por
causa

desse
 cheio
 horrível.
 Não
 é
 um
 testamento...
 É
 uma
 carta
 que
 o
 meu
 marido
 deixou

pro
filho...
Acusações
pra
cima
de
mim...
e
pra
cima
de
você
também!


O
GENRO
–
Deixa
eu
ler!


A
 MÃE
 –
 Não,
 só
 vai
 te
 envenenar,
 vou
 rasgar
 isso,
 foi
 uma
 sorte
 que
 não
 caiu
 nas

mãos
do
Fredrik...
(rasga
e
joga
na
lareira)
Imagina!
Ele
se
levanta
do
túmulo
e
ergue

sua
voz
acusadora...
É
como
se
não
tivesse
morrido!
Não
consigo
mais
viver
aqui...
Diz

que
eu
matei
ele...
Não
é
verdade!
Ele
morreu
de
ataque
cardíaco,
foi
o
que
o
medico

constatou,
 e
 disse
 outras
 coisas
 também,
 mentiras,
 tudo
 mentira!
 Disse
 que
 eu
 o

arruinei!...
 Escuta
 Axel,
 você
 tem
 que
 arranjar
 um
 jeito
 de
 sairmos
 daqui,
 eu
 não

agüento
mais!
Promete...
Olha
a
cadeira
de
balanço!


O
GENRO
–
É
a
corrente
de
ar.


A
MÃE
–
Vamos
embora
daqui!
Promete!


O
GENRO
–
Não
posso...
Estava
contando
com
o
dinheiro
da
herança,
você
disse
que

eu
 podia
 contar,
 se
 não
 fosse
 isso,
 eu
 nunca
 teria
 casado
 com
 a
 tua
 filha
 e,
 agora,

temos
que
encarar
a
realidade...
Eu
me
sinto
traído,
arruinado!
Se
quiser
sobreviver,
é

melhor
 você
 continuar
 a
 se
 dar
 bem
 comigo,
 fazer
 economias;
 você
 vai
 ter
 que
 nos

ajudar
aqui
em
casa,
no
serviço
pesado
da
casa.


A
 MÃE
 –
 Você
 está
 dizendo
 que
 eu
 vou
 ter
 que
 trabalhar
 como
 uma
 empregada
 na

minha
própria
casa?
Você
não
pode
me
obrigar!


O
GENRO
–
A
necessidade
não
conhece...
(as
leis)


A
MÃE
–
Você
é
um
canalha!


O
GENRO
–
Cala
a
boca!


A
MÃE
–
Ser
empregada
de
vocês!

17


O
 GENRO
 –
 Você
 vai
 sentir
 na
 pele
 o
 que
 as
 tuas
 empregadas
 sentiam,
 quando

passavam
fome
e
frio.
Você
acha
que
vai
escapar
dessa?


A
MÃE
–
Eu
tenho
a
minha
pensão...


O
 GENRO
 –
 Isso
 não
 dá
 nem
 pra
 pagar
 um
 quarto
 no
 sótão,
 mas
 dá
 pra
 pagar
 a
 tua

parte
 aqui,
 se
 continuarmos
 juntos...
 E
 se
 vocês
 duas
 não
 concordarem,
 eu
 vou

embora.


A
MÃE
–
Abandonar
a
Gerda?
Você
nunca
amou
a
Gerda...


O
GENRO
–
Você
sabe
melhor
do
que
ninguém
que
não...
Fez
de
tudo
pra
afastá‐la
de

mim,
 do
 meu
 afeto,
 a
 nossa
 relação
 ficou
 reduzida
 só
 à
 cama...
 e
 se
 tivéssemos
 um

filho,
 você
 também
 o
 afastaria
 dela
 também...
 Ela
 não
 sabe
 nada
 ainda,
 não

compreende
 nada,
 vive
 como
 uma
 sonâmbula,
 mas
 já
 começou
 a
 despertar.
 Toma

cuidado
quando
ela
abrir
os
olhos!


A
 MÃE
 –
 Temos
 que
 nos
 manter
 unidos,
 Axel!
 Não
 podemos
 nos
 separar...
 Eu
 não

consigo
viver
sozinha;
aceito
tudo,
tudo...
menos
dormir
na
poltrona...


O
 GENRO
 –
 Não!
 Não
 vou
 estragar
 a
 decoração
 pondo
 uma
 cama
 aqui
 na
 sala...
 É
 a

minha
última
palavra!


A
MÃE
–
Mas
deixa,
pelo
menos,
eu
comprar
outra
poltrona...


O
GENRO
–
Não,
não
temos
dinheiro
pra
isso,
e
essa
é
uma
poltrona
tão
bonita!


A
MÃE
–
Bonita?
Mais
parece
um
monte
de
carne
ensangüentada!


O
GENRO
–
Que
absurdo!
Mas
se
não
gosta
dela,
te
resta
o
sótão,
a
solidão
e
depois
o

asilo.


A
MÃE
–
Desisto
!


O
GENRO
–
Faz
bem.


Pausa


A
MÃE
–
Não
consigo
entender,
ele
disse
pro
filho
que
eu
matei
ele.


O
GENRO
–
Há
muitas
maneiras
de
matar...
e
a
tua
tem
a
vantagem
de
não
estar
no

código
penal!


A
MÃE
–
A
minha?
A
nossa,
porque
você
contribuiu,
você
sim,
você
ajudou
a
irritar
o

meu
marido
até
deixar
ele
desesperado...

18


O
GENRO
–
Ele
era
um
obstáculo
no
meu
caminho
e
não
queria
sair!
Por
isso,
tive
que

dar
um
empurrãozinho...


A
MÃE
–
A
única
coisa
que
eu
te
critico
foi
ter
feito
eu
sair
da
minha
casa...
Nunca
vou

esquecer
aquela
noite,
a
primeira
que
passei
na
tua
casa,
quando
estávamos
sentados

na
mesa,
festejando
a
minha
chegada,
e
ouvimos
aqueles
gritos
horríveis
que
vinham

lá
 de
 fora,
 do
 jardim,
 parecia
 que
 vinham
 de
 uma
 prisão
 ou
 de
 um
 manicômio...

lembra?
Era
ele,
caminhando
pelos
jardins,
de
um
lado
para
o
outro,
debaixo
da
chuva,

no
meio
da
escuridão,
clamando
pela
mulher
e
pelos
filhos...


O
GENRO
–
Por
que
é
que
está
falando
nisso
agora?
E
como
é
que
você
sabe
que
era

ele?


A
MÃE
–
Ele
fala
na
carta!


O
GENRO
–
E
daí?
Ele
também
não
era
nenhum
anjo...


A
MÃE
–
Não,
não
era,
mas
ele
tinha
sentimentos,
às
vezes,
mais
do
que
você...


O
GENRO
–
Você
está
mudando
de
lado
agora...


A
MÃE
–
Não
briga
comigo!
Precisamos
ficar
juntos!


O
GENRO
–
É,
precisamos.
Estamos
condenados...


Ouvem‐se
gritos
roucos
fora
de
cena.


A
MÃE
–
O
que
é
isso?
Ouviu?
É
ele...


O
GENRO
(áspero)
–
Ele
quem?



A
Mãe
escuta.


O
GENRO
–
Quem
é?...
É
o
cara!
Deve
estar
bêbado
outra
vez!


A
MÃE
–
É
o
Fredrik?
A
voz
parecia...
Pensei...
Não
agüento
mais
isso!
Que
é
que
ele

tem?


O
GENRO
–
Vai
lá
ver.
Esse
animal
ta
bêbado
outra
vez!


A
MÃE
–
Não
fale
assim!
Apesar
de
tudo,
ele
é
meu
filho!


O
GENRO
–
Teu
filho,
claro...
(tira
o
relógio
do
bolso)


A
MÃE
–
Por
que
é
que
está
olhando
pro
relógio?
Não
vai
ficar
pra
jantar?


O
GENRO
–
Não,
obrigado,
não
gosto
de
chá
aguado
e
não
costumo
comer
anchovas

vencidas...
nem
papa
de
aveia...
Além
disso,
tenho
uma
reunião...

19


A
MÃE
–
Reunião?


O
GENRO
–
Negócios
que
não
têm
nada
a
ver
com
você!
Tá
fazendo
o
papel
de
sogra,

agora?


A
MÃE
–
Vai
deixar
tua
mulher
sozinha
logo
na
primeira
noite
em
casa?


O
GENRO
–
Você
não
tem
nada
com
isso!


A
MÃE
–
Agora
eu
estou
começando
a
ver
o
que
me
espera...
a
mim
e
aos
meus
filhos!

Chegou
o
momento
de
tirar
as
máscaras.


O
GENRO
–
Chegou
o
momento!



 
 
 
 
 
 *


SEGUNDO
ATO


O
 mesmo
 cenário.
 Alguém
 toca
 piano
 fora
 de
 cena:
 “Berceuse”
 da
 ópera
 Jocelyn,
 de

Benjamin
Godard.
Gerda
está
sentada
na
escrivaninha.
Pausa
longa.


O
FILHO
(entrando)
–
Tá
sozinha?


GERDA
–
Estou!
Mamãe
está
na
cozinha.


O
FILHO
–
E
o
Axel?


GERDA
–
Foi
à
uma
reunião...
Senta
e
fala
comigo,
Fredrik,
faz
companhia
pra
mim.


O
 FILHO
 (senta‐se)
 –
 Acho
 que
 nós
 nunca
 conversamos,
 sempre
 nos
 evitamos,

nenhuma
afinidade...


GERDA
–
Você
sempre
ficou
do
lado
do
papai
e
eu
da
mamãe.


O
FILHO
–
Talvez
isso
vá
mudar
agora!...
Você
conhecia
bem
o
papai?


GERDA
–
Que
pergunta!
Na
verdade...
Eu
conhecia
ele
através
dos
olhos
da
mamãe...


O
FILHO
–
Mas
você
sabe
que
ele
gostava
de
você!


GERDA
–
Então,
por
que
é
que
tentou
impedir
meu
casamento?


O
 FILHO
 –
 Porque
 ele
 achava
 que
 o
 teu
 marido
 não
 ia
 te
 dar
 o
 apoio
 que
 você

precisava!


GERDA
–
Levou
um
belo
castigo
quando
mamãe
deixou
ele.


O
FILHO
–
Foi
o
teu
marido
que
fez
ela
abandonar
o
papai?

20


GERDA
 –
 Ele
 e
 eu.
 Precisávamos
 mostrar
 pra
 ele
 o
 que
 é
 uma
 separação,
 já
 que
 ele

sempre
quis
me
separar
do
meu
noivo.


O
FILHO
–
E
isso
fez
ele
morrer
mais
rápido...
E
acredite
que
ele
só
queria
o
teu
bem!


GERDA
–
Você
ficou
com
ele,
o
que
é
que
ele
dizia,
como
é
que
reagiu?


O
FILHO
–
Não
vou
conseguir
te
descrever
o
sofrimento
dele...


GERDA
–
O
que
ele
falava
da
mamãe?


O
FILHO
–
Nada!
Vou
te
dizer
uma
coisa,
depois
de
tudo
que
eu
vi,
tomei
a
decisão
de

não
me
casar
nunca!



Pausa


O
FILHO
–
Você
é
feliz,
Gerda?


GERDA
Claro!
Quando
se
consegue
ter
o
homem
que
você
sempre
quis,
a
gente
é
feliz!


O
 FILHO
 –
 Então
 por
 que
 é
 que
 teu
 marido
 te
 deixou
 sozinha,
 na
 primeira
 noite
 em

casa?


GERDA
–
Negócios,
ele
foi
à
uma
reunião!


O
FILHO
–
Num
restaurante?


GERDA
–
Que
isso?
Como
é
que
você
sabe?


O
FILHO
–
Pensei
que
você
soubesse.


GERDA
(chora
escondendo
o
rosto
nas
mãos)
–
Meu
Deus,
meu
Deus!


O
FILHO
–
Desculpa,
não
quis
te
deixar
mal!


GERDA
–
Mas
deixou!
Me
deixou
muito
mal!
Eu
quero
morrer!


O
FILHO
–
Por
que
não
viajaram
mais
tempo?


GERDA
–
Ele
estava
preocupado
com
os
negócios
e,
além
disso,
sentia
falta
da
mamãe,

não
consegue
ficar
longe
dela...


Olham‐se
fixamente.


O
FILHO
–
É
mesmo?


Pausa


O
FILHO
–
E
a
viagem,
foi
agradável?

21


GERDA
–
Claro!


O
FILHO
–
Ai,
Gerda!


GERDA
–
O
que
foi?


O
 FILHO
 –
 Você
 sabe
 como
 a
 mamãe
 é
 curiosa,
 sabe
 usar
 o
 telefone
 melhor
 do
 que

ninguém!


GERDA
–
Como
assim?
Ela
andou
espionando?


O
 FILHO
 –
 Ela
está
sempre
espionando...
 Talvez
esteja
nos
escutando
atrás
da
porta,



neste
exato
momento...


GERDA
–
Você
sempre
pensa
mal
da
mamãe.


O
FILHO
–
E
você
sempre
bem!
Por
que?
Você
sabe
muito
bem
como
ela
é...


GERDA
–
Não!
Nem
quero
saber...


O
FILHO
–
Se
você
não
quer,
então
é
outra
coisa;
talvez
você
tenha
as
suas
razões...


GERDA
–
Cala
a
boca!
Vivo
como
uma
sonâmbula,
eu
sei,
mas
eu
não
quero
que
me

acordem!
Senão
não
vou
conseguir
viver!


O
FILHO
–
Você
não
acha
que
todos
nós
vivemos
como
sonâmbulos?...
Nos
meus
livros

de
Direito,
li
histórias
de
criminosos
que
não
eram
capazes
de
explicar
como
as
coisas

tinham
acontecido...
Eles
achavam
que
estavam
fazendo
a
coisa
certa
até
o
momento

em
 que,
 surpresos,
 eram
 acordados!
 Não
 era
 um
 sonho,
 claro,
 mas
 era
 como
 se,
 de

algum
modo,
estivessem
dormindo!


GERDA
–
Me
deixa
dormir!
Sei
que
vou
ter
que
acordar
um
dia,
mas
que
seja
o
mais

tarde
possível!
Ah!
Todas
essas
coisas
que
eu
não
conheço,
que
eu
só
sinto!
Lembra

quando
éramos
pequenos...
As
pessoas
achavam
que
a
gente
era
mau
quando
a
gente

falava
a
verdade...
Você
é
tão
má,
sempre
me
diziam
quando
eu
falava
que
uma
coisa

feia
 era
 feia...
 então
 eu
 aprendi
 a
 ficar
 calada...
 e
 aí
 eu
 era
 elogiada
 pelo
 meu
 belo

comportamento;
depois
eu
aprendi
a
falar
aquilo
que
eu
não
achava,
então,
eu
estava

pronta
pra
entrar
no
mundo.


O
FILHO
–
Você
tem
que
lançar
um
véu
sobre
os
erros
e
as
fraquezas
dos
outros;
um

passo
 a
 mais,
 isso
 chama
 hipocrisia,
 bajulação...
 É
 difícil
 saber
 como
 se
 comportar...

temos
obrigação
de
falar
o
que
a
gente
pensa.


GERDA
–
Chega!


O
FILHO
–
Não
digo
mais
nada.

22


Pausa


GERDA
–
Não,
fale,
mas
não
disso!
Consigo
ouvir
os
teus
pensamentos
no
silêncio!...

Quando
 as
 pessoas
 se
 juntam,
 falam
 sem
 parar,
 pra
 esconderem
 os
 seus

pensamentos...
 Pra
 esquecerem,
 pra
 ficarem
 entorpecidas...
 Querem
 saber
 tudo
 dos

outros,
mas
preferem
ficar
quietas
na
hora
de
falar
delas.


O
FILHO
–
Ai,
Gerda!


GERDA
–
Sabe
o
que
dói
mais?


Pausa


GERDA
–
Compreender
a
inutilidade
da
grande
felicidade!


O
FILHO
–
É
isso
mesmo.


GERDA
–
Estou
com
frio,
acende
a
lareira.


O
FILHO
–
Você
também
sente
frio?


GERDA
–
Sempre
senti
frio
e
fome!


O
 FILHO
 –
 Você
 também?
 É
 estranho
 o
 que
 acontece
 nessa
 casa!...
 Mas
 se
 eu
 for
 lá

fora
buscar
lenha,
vai
virar
um
escândalo...
Mamãe
vai
falar
durante
uma
semana.


GERDA
–
Talvez
tenha
sobrado
alguma
lenha
na
lareira;
às
vezes,
a
mamãe
fazia
isso

pra
gente
acreditar
que...


O
Filho
se
aproxima
da
lareira
e
abre
as
portas.


O
FILHO
–
Sobrou
alguma
lenha
sim!...



Pausa


O
 FILHO
 –
 Mas
 o
 que
 é
 isto?...
 Uma
 carta!
 Rasgada,
 podíamos
 usar
 pra
 ajudar
 a

acender...


GERDA
–
Não
acende,
Fredrik
senão
ela
vai
falar
até
não
poder
mais.
Senta
de
novo,

vamos
conversar...



O
Filho
se
senta
ao
lado
dela
e
põe
a
carta
na
sua
frente,
em
cima
da
mesa.
Pausa.


GERDA
–
Sabe
por
que
é
que
o
papai
odiava
tanto
o
meu
marido?


O
 FILHO
 –
 Claro,
 porque
 o
 Axel
 veio
 pra
 tirar
 a
 filha
 e
 a
 mulher
 dele,
 e
 ele
 ficou

sozinho;
 depois
 ele
 notou
 que
 o
 Axel
 era
 mais
 bem
 tratado
 do
 que
 ele;
 vocês
 se

fechavam
 na
 sala
 pra
 ouvir
 música,
 ler
 livros,
 coisas
 que
 ele
 não
 tinha
 o
 menor

23


interesse,
 ele
 sentia
 rejeitado,
 um
 estranho
 na
 sua
 própria
 casa,
 foi
 por
 isso
 que
 ele

começou
a
freqüentar
os
bares...


GERDA
–
Nós
não
sabíamos
o
que
fazíamos...
Coitado
do
papai!
É
uma
sorte
ter
pais

que
tenham
um
nome
e
uma
reputação
inatacáveis,
dos
quais
podemos
ter
orgulho.

Lembra
das
bodas
de
prata,
os
discursos
que
fizeram
pra
eles,
os
poemas!


O
FILHO
–
Lembro,
mas
achei
que
aquilo
tudo
era
uma
farsa,
todo
mundo
festejando
o

casal
feliz
que
vivia
brigando
feito
cão
e
gato...


GERDA
–
Fredrik!


O
 FILHO
 –
 É
 isso
 mesmo,
 você
 sabe
 muito
 bem
 como
 eles
 viviam...
 Não
 se
 lembra

quando
a
mamãe
quis
se
atirar
pela
janela
e
tivemos
que
segurar?


GERDA
–
Cala
a
boca!


O
 FILHO
 –
 Claro
 que
 tem
 coisas
 que
 não
 sabemos...
 Depois
 do
 divórcio,
 quando
 eu

passeava
 com
 o
 velho,
 várias
 vezes
 vi
 que
 ele
 queria
 falar,
 mas
 as
 palavras
 se

recusavam
a
sair
da
boca...
Sonho
com
ele,
às
vezes...


GERDA
–
Eu
também!...
Mas,
quando
ele
aparece,
parece
que
tem
uns
trinta
anos...
ele

me
olha
com
carinho,
seu
olhar
tem
algum
significado,
mas
não
sei
qual
é...
Às
vezes
a

mamãe
 está
 com
 ele;
 mas
 ele
 não
 está
 zangado
 com
 ela,
 porque
 ele
 sempre
 gostou

muito
 dela,
 até
 o
 fim.
 Lembra
 da
 maneira
 tão
 bonita
 como
 ele
 falou
 da
 mamãe
 na

festa
das
bodas
de
prata,
como
ele
lhe
agradeceu,
apesar
de
tudo...


O
FILHO
–
Apesar
de
tudo!
Isso
não
quer
dizer
muita
coisa.


GERDA
–
É,
mas
foi
um
discurso
tão
bonito!
E
ela
merecia,
foi
uma
boa
dona
de
casa.


O
FILHO
–
Ah,
isso
eu
não
concordo!



GERDA
–
Por
que?


O
FILHO
–
Olha
como
vocês
se
defendem,
vocês
todas!
Só
falar
que
é
uma
boa
dona
de

casa,
e
vocês
todas
se
unem
num
time...
uma
verdadeira
Maçonaria...
Eu
até
perguntei

pra
Margret,
cm
quem
eu
me
dou
muito
bem,
sobre
a
nossa
situação
financeira,
por

que
estávamos
sempre
com
fome
nessa
casa...
mas
aquela
faladeira
calou
a
boca.
Ela

ficou
calada
e
chateada...
pode
me
explicar
isso?


GERDA
–
Não!


O
FILHO
–
Tô
vendo
que
você
também
pertence
à
essa
máfia.


GERDA
–
Como
assim?

24


O
FILHO
–
Às
vezes
eu
me
pergunto
se
o
papai
não
foi
vítima
dessa
sociedade
secreta,

que
com
certeza
ele
descobriu.


GERDA
–
Às
vezes
você
fala
feito
louco.


O
 FILHO
 –
 Lembro
 que
 o
 papai
 às
 vezes
 brincava
 com
 a
 palavra
 máfia.
 Mas
 de
 um

tempo
pra
cá,
ele
nunca
mais
brincou...


GERDA
–
Que
frio
terrível
que
está
aqui,
parece
uma
tumba...


O
FILHO
–
Vou
acender
a
lareira.
Não
quero
nem
saber!



Apanha
 distraidamente
 a
 carta
 rasgada,
 pouco
 a
 pouco,
 seu
 olhar
 se
 fixa
 na
 carta
 e

então
começa
a
ler


O
FILHO
–
O
que
é
isso?
(Pausa)
Para
o
meu
filho!...
A
letra
do
meu
pai!
(Pausa)
Uma

carta
pra
mim!


Lê.
Cai
numa
cadeira,
mas
continua
a
ler.


GERDA
–
O
que
é
que
está
escrito,
o
que
é?


O
FILHO
–
Terrível!
(Pausa)
Isso
é
horrível!


GERDA
–
Diz
o
que
é!



Pausa


O
FILHO
–
É
demais!
(Pra
Gerda)
É
uma
carta
que
papai
escreveu,
pra
mim.
(Continua
a

ler)
Agora
é
que
eu
estou
começando
a
despertar
do
meu
sono!


Ele
se
joga
na
chaise
longue
e
uiva
de
dor,
metendo
a
carta
no
bolso.


GERDA
(Ajoelhando‐se
ao
seu
lado)
–
O
que
é
Fredrik?
Me
diz
o
que
é!...
Meu
irmão,

você
está
se
sentindo
mal,
fala,
fala!


O
FILHO
(se
levantando)
–
Como
é
que
eu
vou
viver
agora?


GERDA
–
Mas
fala!


O
FILHO
(se
dominando)
–
É
inacreditável!...


GERDA
–
Talvez
não
seja
verdade!...


O
FILHO
–
Não,
não
se
consegue
mentir
do
fundo
da
tumba...


GERDA
–
Talvez
sua
imaginação
estivesse
doente.


O
FILHO
–
Máfia!
Ela
de
novo;
eu
vou
te
contar!...
Escuta!

25


GERDA
–
Acho
que
eu
já
sei
de
tudo;
mas
não
consigo
acreditar!


O
FILHO
–
É
porque
você
não
quer
acreditar!
Mas
é
a
verdade!
Essa
mulher
que
te
deu

a
luz
é
uma
farsa.


GERDA
–
Não!


O
FILHO
–
Roubava
o
dinheiro
da
casa,
falsificava
as
contas,
comprava
comida
barata,

mas
 cobrava
 como
 sendo
 a
 mais
 cara
 pra
 ficar
 com
 o
 troco,
 de
 manhã,
 ela
 comia

sozinha
 na
 cozinha
 e
 pra
 gente,
 esquentava
 os
 restos
 e
 aguava
 o
 leite;
 por
 isso,
 que

não
 somos
 muito
 bem
 desenvolvidos,
 vivemos
 doentes
 e
 com
 fome.
 E
 o
 dinheiro
 da

lenha
também,
ela
roubava,
por
isso
que
a
gente
vivia
com
frio.
Papai
descobriu
tudo;

chamou
a
atenção
dela,
ela
prometeu
mudar,
mas
ela
continuou,
até
se
aperfeiçoou.

Suas
últimas
descobertas
foram
o
molho
de
soja
e
a
pimenta!


GERDA
–
Não
acredito
em
nenhuma
palavra
que
você
está
dizendo!


O
 FILHO
 –
 Máfia!...
 Mas
 ainda
 não
 contei
 o
 pior!
 Esse
 miserável,
 que
 é
 agora
 o
 teu

marido,
Gerda,
nunca
te
amou,
ele
amava
a
tua
mãe!


GERDA
–
Não!


O
 FILHO
 –
 Papai
 acabou
 descobrindo
 tudo,
 o
teu
 noivo
pedia
dinheiro
emprestado
 à



tua
 mãe,
 à
 nossa
 mãe,
 então
 o
 miserável,
 pra
 esconder
 o
 seu
 jogo,
 pediu
 você
 em

casamento.
Essa
é
a
história,
agora
você
pode
imaginar
os
detalhes.


GERDA
(chora,
pondo
um
lenço
nos
olhos)
–
Eu
já
sabia
de
tudo
isso,
mas
não
queria

acreditar...
Era
demais
pra
mim!


O
FILHO
–
O
que
nós
podemos
fazer
agora
pra
te
salvar
de
mais
humilhações?


GERDA
–
Ir
embora!


O
FILHO
–
Pra
onde?


GERDA
–
Não
sei!


O
FILHO
–
Espera,
pra
ver
como
a
situação
vai
ficar!


GERDA
–
Uma
filha
não
pode
fazer
nada
contra
a
própria
mãe,
as
mães
são
sagradas...


O
FILHO
–
A
nossa
é
o
demônio!


GERDA
–
Não
fala
assim!


O
FILHO
–
Ela
é
uma
raposa,
e
o
egoísmo
deixa
ela
cega...


GERDA
–
Vamos
fugir
daqui!

26


O
 FILHO
 –
 Pra
 onde?
 Não,
 vamos
 esperar
 até
 que
 esse
 vigarista
 ponha
 ela
 na
 rua!...

Shhh!
Lá
vem
ele!...
Shhh!...
Agora
Gerda,
somos
nós
dois
que
vamos
formar
a
nossa

sociedade
secreta!
E
a
senha
é
que
ele
te
bateu
na
noite
de
núpcias!


GERDA
 –
 Você
 precisa
 me
 lembrar
 disso
 sempre!
 Senão
 me
 esqueço!
 Queria
 tanto

esquecer!


O
 FILHO
 –
 A
 nossa
 vida
 está
 arruinada...
 não
 temos
 mais
 ninguém
 pra
 respeitar,

ninguém
 pra
 olhar
 com
 admiração...
 nossa
 única
 razão
 de
 viver
 é
 pra
 honrar
 a

memória
de
nosso
pai.


GERDA
–
E
pra
fazer
justiça!


O
FILHO
–
Não
é
justiça,
é
vingança!



 
 
 
 
 
 *


O
Genro
entra.


GERDA
(disfarçando)
–
Boa
noite!...
Como
foi
a
reunião?
Deu
tudo
certo?


O
GENRO
–
A
reunião
foi
cancelada!


GERDA
–
O
restaurante
estava
fechado?


O
GENRO
–
Eu
disse
que
a
reunião
foi
cancelada!


GERDA
–
Será
que
agora
você
vai
conseguir
ficar
aqui
em
casa?


O
 GENRO
 –
 Você
 está
 bem
 alegre
 essa
 noite,
 Fredrik
 deve
 ter
 sido
 uma
 boa

companhia.


GERDA
–
Brincamos
de
Maçonaria!


O
GENRO
–
Isso
não
é
coisa
que
se
brinque!


O
FILHO
–
Então
podemos
brincar
de
Mafia!
Ou
então
de
vendetta!


O
 GENRO
 (pouco
 à
 vontade)
 –
 Que
 conversa
 estranha,
 posso
 saber
 o
 que
 está

acontecendo,
estão
escondendo
alguma
coisa?


GERDA
 –
 Por
 que
 não?
 Você
 também
 tem
 os
 seus
 segredos
 e
 não
 me
 conta,
 não
 é

verdade?
Ou
será
que
não
tem
nenhum?


O
GENRO
–
O
que
está
acontecendo?
Alguém
veio
aqui?


O
 FILHO
 –
 Gerda
 e
 eu
 viramos
 espíritas
 e
 recebemos
 a
 visita
 de
 uma
 alma
 do
 outro

mundo.

27


O
GENRO
–
Chega
de
brincadeira!
Não
é
bom
brincar
com
essas
coisas!
Mas
pra
falar
a

verdade,
você
fica
bem
alegre,
Gerda...
Você
está
sempre
tão
triste...
(tenta
fazer
um

carinho
no
seu
rosto,
mas
ela
foge)
Está
com
medo
de
mim?


GERDA
 (parando
 de
 disfarçar)
 –
 Claro
 que
 não.
 Há
 sentimentos
 que
 podem
 parecer

medo,
 mas
 são
 outra
 coisa.
 Tem
 atitudes
 também
 que
 dizem
 mais
 que
 um
 simples

gesto,
e
tem
palavras
que
escondem
o
que
nem
os
gestos
e
nem
um
olhar
conseguem

revelar...


O
 Genro,
 surpreendido,
 tamborila
 numa
 estante.
 O
 Filho
 levanta‐se
 da
 cadeira
 de

balanço,
que
continua
a
balançar
até
a
entrada
da
Mãe.


O
FILHO
–
Lá
vem
a
mamãe
com
a
papa
de
aveia!


O
GENRO
–
O
que
é
que...?



 
 
 
 
 
 *


A
 MÃE
 (entra)
 –
 O
 que
 ...
 (Vê
 a
 cadeira
 balançando,
 fica
 assustada,
 mas
 depois
 se

acalma)
Vocês
não
querem
vir
comer?


O
 GENRO
 –
 Não,
 obrigado!
 Se
 for
 aveia,
 pode
 dar
 pros
 cachorros,
 se
 for
 centeio,
 faz

um
cataplasma
e
põe
nos
teus
furúnculos...


A
MÃE
–
Somos
pobres,
temos
que
fazer
economia...


O
GENRO
–
Ninguém
é
pobre
com
vinte
mil
por
mês!


O
FILHO
–
É,
a
não
ser
quando
se
empresta
dinheiro
pra
quem
não
paga
depois!


O
GENRO
–
O
que
você
está
falando?
Está
maluco?


O
FILHO
–
Estava,
mas
agora
não
estou
mais.


A
MÃE
–
Vocês
vêm
ou
não?


GERDA
–
Vamos!
Coragem,
senhores,
pois
vou
fazer
um
belo
bife...


A
MÃE
–
Você?


GERDA
–
É,
eu,
na
minha
casa...


A
MÃE
–
Imagina!


GERDA
(fazendo
um
gesto
para
a
porta)
–
Senhores,
façam
o
favor!


O
GENRO
(para
a
Mãe)
–
O
que
está
acontecendo?

28


A
MÃE
–
Vem
coisa
aí!


O
GENRO
–
Também
acho.


GERDA
–
Por
favor,
senhores!


Eles
vão
em
direção
à
porta.


A
MÃE
(para
o
Genro)
–
Você
reparou
que
cadeira
de
balanço
estava
balançando?
A

cadeira
de
balanço
dele?


O
GENRO
–
Não,
nisso
eu
não
reparei.
Mas
reparei
outras
coisas!


TERCEIRO
ATO


O
mesmo
cenário.
Ouve‐se
alguém
tocar
a
valsa
“Il
me
disait”
de
Pierre
Ferraris.
Gerda

está
sentada
lendo
um
livro.


A
MÃE
(entra)
–
Reconhece?


GERDA
–
A
valsa?
Reconheço.


A
MÃE
–
A
valsa
do
teu
casamento,
que
eu
dancei
a
noite
inteira.


GERDA
–
Dançou?...
Onde
está
o
Axel?


A
MÃE
–
Como
é
que
você
quer
que
eu
saiba?


GERDA
–
O
que?
Já
discutiram?


Pausa.
Olham‐se
sem
dizer
nada.


A
MÃE
–
O
que
você
está
lendo?


GERDA
–
Um
livro
de
receitas.
Mas
não
diz
aqui
quanto
tempo
as
coisas
devem
ficar
no

fogo.


A
MÃE
(meio
sem
graça)
–
Sabe,
isso
varia
tanto,
depende
do
gosto
de
cada
um,
uns

fazem
de
um
jeito,
outros
de
outro...


GERDA
–
Não
entendo,
um
prato
tem
que
ser
servido
logo
que
fica
pronto;
senão
tem

que
 requentar,
 e
 aí
 não
 fica
 gostoso.
 Por
 exemplo,
 outro
 dia,
 você
 ficou
 três
 horas

cozinhando
uma
galinha;
na
primeira
hora,
a
gente
sentia
um
cheiro
delicioso
na
casa

toda;
depois
fez‐se
um
silêncio
na
cozinha,
e
quando
o
almoço
foi
servido,
o
cheiro
e
o

gosto
tinham
se
evaporado!
Como
pode!

29


A
MÃE
(sem
graça)
–
Eu
não
estou
entendendo!


GERDA
–
Então
me
explica
por
que
é
que
não
tinha
molho
nenhum
na
comida,
onde

ele
foi
parar,
quem
comeu?


A
MÃE
–
Não
estou
entendendo
nada!


GERDA
 –
 Pode
 ser,
 mas
 é
 que
 eu
 tenho
 me
 informado
 sobre
 o
 assunto,
 e
 já
 aprendi

muita
coisa...


A
MÃE
(interrompe)
–
Eu
sei
todas
essas
coisas,
você
não
precisa
me
ensinar
nada...
Eu

é
que
posso
te
ensinar
tudo
sobre
a
administração
de
uma
casa...


GERDA
 –
 Você
 vai
 me
 ensinar
 sim;
 a
 disfarçar
 o
 gosto
 ruim
 da
 comida
 com
 molho
 e

pimenta?
 Isso
 eu
 já
 sei...
 E
 a
 servir
 nas
 festas,
 pratos
 que
 ninguém
 quer
 comer,
 pra

depois
sobrar
no
dia
seguinte;
convidar
pessoas
pra
jantar
quando
só
tiver
restos
pra

servir?
Isso
tudo
eu
já
sei,
e
é
por
isso
que,
a
partir
de
hoje,
quem
vai
governar
essa

casa
sou
eu!


A
MÃE
(furiosa)
–
Quer
dizer
que
eu
vou
ser
tua
empregada?


GERDA
–
Vamos
ser
empregadas
uma
da
outra,
uma
ajudando
a
outra!...
O
Axel
está

chegando.



 
 
 
 
 
 *


Axel
entra
com
uma
bengala
grossa
na
mão.


O
GENRO
–
Então?
Que
tal
a
poltrona?
É
boa
pra
dormir?


A
MÃE
–
É,
na
verdade...


O
GENRO
(ameaçando)
–
Não
é
boa?
Está
faltando
alguma
coisa?


A
MÃE
–
Agora
começo
a
entender!


O
GENRO
–
Verdade?...
Então,
como
não
é
possível
comer
decentemente
nesta
casa,
a

Gerda
e
eu
decidimos
comer
fora.


A
MÃE
–
E
eu?


O
 GENRO
 –
 Você?
 Você
 está
 gorda
 feito
 um
 porco,
 não
 precisa
 comer
 muito.
 Pelo

contrário,
 seria
 melhor
 você
 emagrecer
 um
 pouco,
 como
 todos
 nós
 emagrecemos

aqui...
Você
pode
nos
deixar
um
instante,
Gerda;
e
enquanto
isso,
você
podia
acender

a
lareira!
(Gerda
sai)


A
MÃE
(tremendo
de
raiva)
–
Já
tem
lenha
na
lareira...

30


O
GENRO
–
Não!
Só
uns
tocos,
mas
muito
pouco.
Vai
buscar
as
toras
mais
grossas
pra

colocar
na
lareira!


A
MÃE
(hesita)
–
Quer
queimar
o
nosso
dinheiro?


O
 GENRO
 –
 Não,
 quero
 queimar
 lenha
 e
 esquentar
 essa
 casa.
 Anda,
 rápido!
 (A
 Mãe

não
se
move)
Vamos!
Um...
dois...
três!


Bate
com
a
bengala
na
mesa.


A
MÃE
–
Acho
que
não
tem
mais
lenha...


O
 GENRO
 –
 Das
 duas
 uma:
 ou
 você
 está
 mentindo,
 ou
 roubou
 o
 dinheiro
 da
 lenha...

Pelo
que
sei
há
poucos
dias
compraram
um
monte
de
lenha!


A
MÃE
–
Agora
é
que
eu
vejo
quem
você
é
de
verdade...


O
 GENRO
 (senta‐se
 na
 cadeira
 de
 balanço)
 –
 Já
 teria
 visto
 há
 muito
 tempo,
 se
 a
 tua

idade
 e
 a
 tua
 experiência
 não
 tivessem
 conseguido
 me
 enganar...
 Depressa,
 vai!
 Vai

buscar
a
lenha,
senão...
(levanta
a
bengala)


A
Mãe
sai
e
volta
imediatamente
com
algumas
toras.


O
GENRO
–
Agora
acende
um
bom
fogo
pra
mim,
não
quero
um
foguinho!
Entendeu?

Vamos!
Um,
dois,
três!


A
MÃE
–
Você
parece
um
velho,
aí
sentado
na
cadeira
de
balanço
dele!


O
GENRO
–
Acende!


A
MÃE
(obedece
com
raiva)
–
Eu
acendo,
eu
acendo!


O
GENRO
–
E
agora
fica
aí
tomando
conta,
enquanto
nós
vamos
comer
alguma
coisa...


A
MÃE
–
E
eu?
Vou
comer
o
que?


O
GENRO
–
A
papa
de
aveia
que
a
Gerda
deixou
pra
você
na
cozinha.


A
MÃE
–
Com
aquele
leite
aguado...


O
GENRO
–
Claro,
até
agora
você
não
ficou
sempre
com
a
melhor
parte?


A
MÃE
(em
tom
sombrio)
‐

Vou
embora.


O
GENRO
–
Não
pode.
Vou
te
trancar
aqui!


A
MÃE
(sussurrando)
–
Então
eu
vou
pular
pela
janela!

31


O
GENRO
–
Como
quiser!
Já
devia
ter
feito
isso
há
muito
tempo,
teria
salvo
a
vida
de

quatro
 pessoas!
 Vamos!...
 Acende
 esse
 fogo
 logo...
 Sopra!
 Isso!
 Fica
 aí
 sentada
 até
 a

gente
voltar.
(Sai)


Pausa.
A
Mãe
pára
a
cadeira
de
balanço
primeiro;
vai
escuta
à
porta,
retira
da
lareira

algumas
toras
e
as
esconde
embaixo
da
poltrona.



 
 
 
 
 
 *


O
Filho
entra,
um
pouco
bêbado.


A
MÃE
(reage
sobressaltada)
–
É
você?


O
FILHO
(senta‐se
na
cadeira
de
balanço)
–
Sou.


A
MÃE
–
Como
você
está?


O
FILHO
–
Mal.
Eu
estou
perdido.


A
 MÃE
 –
 Você
 fala
 cada
 coisa...
 Não
 balance
 assim
 a
 cadeira!...
 Olha
 pra
 mim,
 já

tenho...
uma
certa
idade...
e
sempre
cumpri
com
meus
deveres
de
esposa
e
mãe...
Não

é
verdade?


O
FILHO
–
Ah!
Claro!
“O
Pelicano”,
se
bem
que
o
pelicano
nunca
deu
o
sangue
pelos

filhos,
todo
mundo
sabe
que
isso
é
uma
lenda,
um
mito.


A
MÃE
–
Se
você
tem
alguma
queixa
de
mim,
então
fale!


O
FILHO
–
Escuta
mãe,
se
eu
não
estivesse
bêbado,
não
teria
coragem
pra
te
dizer
a

verdade,
li
a
carta
do
papai,
que
você
roubou
e
jogou
na
lareira.


A
MÃE
–
O
que,
que
carta,
do
que
você
está
falando?


O
FILHO
–
Sempre
mentindo!
Eu
lembro
a
primeira
vez
que
você
me
ensinou
a
mentir,

eu
mal
sabia
falar
ainda,
você
se
lembra?


A
MÃE
–
Não,
não
me
lembro!
Pára
de
balançar
essa
cadeira!


O
 FILHO
 –
 E
 da
 primeira
 vez
 que
 você
 colocou
 a
 culpa
 em
 mim,
 pra
 se
 defender?...

Também
me
lembro
uma
outra
vez,
quando
eu
era
pequeno,
tinha
me
escondido
atrás

do
 piano
 e
 uma
 tia
 veio
 te
 visitar;
 você
 mentiu
 pra
 ela
 durante
 três
 horas
 e
 eu
 ali

obrigado
a
ouvir
tudo!


A
MÃE
–
Isso
é
mentira!


O
FILHO
–
Sabe
por
que
é
que
eu
vivo
doente?
Eu
não
tive
leite
materno,
eu
só
tomava

mamadeira
 que
 a
 babá
 me
 dava;
 quando
 eu
 cresci
 um
 pouco
 mais,
 essa
 babá
 me

32


levava
 pra
 casa
 da
 irmã,
 uma
 prostituta;
 assisti
 a
 tudo
 que
 se
 pode
 imaginar
 que

aconteça
num
lugar
como
esse,
eu
tinha
quatro
anos,
e
quando
te
contei
o
que
tinha

visto
naquele
lugar,
você
me
chamou
de
mentiroso
e
me
bateu,
mas
eu
estava
dizendo

a
verdade!
Essa
mulher,
graças
a
você,
me
iniciou,
quando
eu
tinha
só
cinco
anos,
só

cinco...
(soluça,
contendo
o
choro)
Depois
disso,
sempre
vivi
com
fome
e
frio,
eu
papai,

e
Gerda...
E
só
agora,
depois
de
tantos
anos,
é
que
fiquei
sabendo
que
você
roubava

grande
parte
do
dinheiro
da
comida
e
da
lenha...
Olha
pra
mim,
pelicano,
e
olha
pra

Gerda,
pra
aquele
corpo
pequeno,
mal
desenvolvido!...
Você
sabe
muito
bem
que
você

assassinou
o
meu
pai,
levando
ele
ao
desespero,
claro,
esse
não
é
um
crime
que
esteja

previsto
na
lei;
acho
que
você
sabe
também
que
destruiu
a
vida
da
minha
irmã,
mas

ela
já
sabe
de
tudo
que
você
fez
pra
ela.


A
MÃE
–
Pára
com
essa
cadeira!
...
O
que
ela
sabe?


O
FILHO
–
O
mesmo
que
você,
eu
nem
me
atrevo
a
dizer!
(Soluça)
É
terrível
falar
isso

tudo,
 mas
 eu
 precisava.
 Se
 eu
 não
 ficar
 bêbado,
 eu
 me
 mato.
 Por
 isso
 é
 que
 eu

continuo
a
beber;
tenho
medo
de
ficar
sóbrio...


A
MÃE
–
Continua
mentindo.


O
 FILHO
 –
 O
 papai
 me
 disse
 uma
 vez,
 quando
 estava
 furioso,
 que
 você
 era
 uma
 das

maiores
fraudes
da
natureza...
que
você
não
aprendeu
a
falar
como
as
outras
crianças,

só
aprendeu
a
mentir...
que
fugiu
sempre
das
responsabilidades
porque
só
pensava
em

se
 divertir!
 E
 eu
 me
 lembro,
 um
 dia
 que
 a
 Gerda
 estava
 muito
 doente
 e
 todos

pensavam
que
ela
ia
morrer...
nessa
mesma
noite,
você
foi
assistir
um
ópera...
Lembro

bem
das
tuas
palavras:
“A
vida
já
é
bastante
dura,
pra
que
deixá‐la
mais
difícil
ainda!”
E

no
verão
desse
mesmo
ano,
você
passou
três
meses
em
Paris
com
o
papai,
sempre
em

festas,
diversão,
loucuras...
Gastaram
tanto
que
ficamos
cheios
de
dívidas.
A
Gerda
e

eu
ficamos
aqui,
enfiados
neste
apartamento
com
duas
empregadas,
e
no
teu
quarto

dormia
 um
 bombeiro
 com
 a
 cozinheira;
 a
 sua
 cama
 foi
 usada
 por
 esse
 casal

charmoso...


A
MÃE
–
Por
que
é
que
você
não
me
contou
isso
antes?


O
 FILHO
 –
 Eu
 contei,
 mas
 você
 esqueceu,
 claro;
 e
 você
 também
 esqueceu
 que
 eu

apanhei
 por
 ter
 mentido
 ou
 inventado,
 você
 usava
 tanto
 uma
 palavra
 como
 a
 outra,

porque,
logo
que
ouvia
uma
verdade,
você
dizia
que
era
mentira.


A
 MÃE
 (anda
 pela
 sala,
 de
 um
 lado
 pro
 outro,
 como
 um
 animal
 selvagem
 dentro
 de

uma
jaula)
–
Nunca
vi
nenhum
filho
falar
com
a
mãe
do
jeito
que
você
fala!


O
 FILHO
 –
 Realmente,
 não
 é
 muito
 comum,
 é
 completamente
 contrário
 às
 leis
 da

natureza,
 eu
 sei.
 Mas
 as
 coisas
 precisam
 ser
 ditas.
 Você
 era
 uma
 sonâmbula,

33


impossível
de
ser
acordada;
você
não
conseguia
mudar.
O
papai
dizia
que,
“mesmo
sob

tortura,
você
jamais
admitira
os
teus
erros
ou
confessaria
as
tuas
mentiras...”


A
MÃE
–
Seu
pai!
Sempre
seu
pai,
acha
que
ele
não
tinha
defeitos?


O
 FILHO
 –
 Tinha
 defeitos
 graves;
 mas
 não
 com
 a
 mulher
 e
 com
 os
 filhos!
 Você
 tem

outros
 segredos,
 segredos
 que
 eu
 pressinto,
 adivinho,
 mas
 que
 nunca
 quis

aprofundar...
O
papai
levou
a
maior
parte
desses
segredos
pro
túmulo!


A
MÃE
–
Já
acabou?


O
FILHO
–
Já.
Agora
vou
sair
pra
beber...
Nunca
vou
passar
nas
provas
da
faculdade,

nunca
 vou
 ser
 advogado,
 não
 acredito
 na
 justiça;
 as
 leis
 foram
 feitas
 por
 ladrões
 e

assassinos
pra
garantirem
a
liberdade
dos
criminosos;
uma
testemunha
verdadeira
não

é
 suficiente,
 mas
 duas
 testemunhas
 falsas
 bastam
 pra
 provar
 que
 alguém
 é
 culpado.

Posso
 ganhar
 uma
 causa
 às
 onze
 e
 meia
 e
 já
 ter
 perdido
 ao
 meio
 dia;
 um
 erro
 de

escrita,
a
falta
de
uma
margem
num
documento,
pode
me
atirar
na
prisão,
mesmo
que

eu
seja
inocente.
Se
eu
tiver
piedade
por
um
vigarista,
me
processam
por
difamação.
O

meu
 desprezo
 pela
 vida,
 pela
 humanidade,
 pela
 sociedade
 e
 por
 mim
 mesmo,
 é
 tão

grande
que
me
faltam
forças
pra
continuar
vivendo...
(caminha
em
direção
à
porta)


A
MÃE
–
Não
vá!


O
FILHO
–
Tem
medo
de
ficar
sozinha?


A
MÃE
–
Estou
nervosa!


O
FILHO
–
Não
me
diga
que
tem
nervos!


A
MAE
–
E
essa
cadeira
está
me
deixando
louca!
Sempre
que
ele
se
balançava
nessa

cadeira,
eu
sempre
imaginava
duas
lâminas
gigantes...
e
essas
lâminas
cortavam
o
meu

coração
em
pedaços.


O
FILHO
–
Como
se
você
tivesse
um
coração.


A
MÃE
–
Não
vá
embora!
Não
posso
ficar
sozinha
aqui,
o
Axel
é
um
crápula!


O
 FILHO
 –
 Eu
 também
 pensava
 isso
 até
 pouco
 tempo!
 Mas
 agora,
 acho
 que
 ele
 é
 só

uma
vítima
da
tua
natureza
criminosa...
Ele
foi
só
um
coitado
que
você
seduziu!


A
MÃE
–
Que
jeito
de
falar!
Você
deve
andar
com
más
companhias!


O
FILHO
–
E
eu
já
andei
com
boas
companhias
alguma
vez?


A
MÃE
–
Não
vá!


O
FILHO
–
Você
está
acordando,
por
acaso?

34


A
MÃE
–
Estou,
estou
acordando
de
um
sono
longo,
muito
longo!
É
horrível!
Por
que
é

que
não
me
acordaram
antes?


O
 FILHO
 –
 Por
 que?
 Porque
 era
 impossível,
 e
 se
 era
 impossível,
 você
 também
 não

podia
ter
feito
nada!


A
MÃE
–
Repete
o
que
você
disse.


O
FILHO
–
Você
não
tinha
como
ser
de
outro
jeito!


A
MÃE
(beija‐lhe
a
mão,
servilmente)
–
Continue
falando!


O
FILHO
–
Não
agüento
mais!
Vou
só
te
pedir
uma
coisa:
vai
embora
daqui,
senão
tudo

vai
ficar
ainda
pior!


A
MÃE
–
Tem
razão!
Vou
embora!


O
FILHO
–
Ai,
mãe!


A
MÃE
–
Você
tem
pena
de
mim?


O
 FILHO
 (soluça)
 ‐
 Claro
 que
 tenho!
 Quantas
 vezes
 pensei:
 ela
 é
 tão
 má,
 que
 dá
 até

pena.


A
MÃE
–
Obrigada
pelas
palavras!...
Agora
vá,
Fredrik!


O
FILHO
–
Não
tem
solução?


A
MÃE
–
Não,
é
irremediável!


O
FILHO
‐
Tem
razão!
É
irremediável.
(Sai.
Pausa)



 
 
 
 
 
 *


Sozinha,
fica
muito
tempo
com
os
braços
cruzados
sobre
o
peito.
Depois
dirige‐se
pra

janela,
abre
e
olha
pro
vazio.
Recua
até
o
meio
da
sala
e
prepara
um
movimento
pra
se

jogar
 pela
 janela,
 mas
 muda
 de
 idéia;
 nesse
 momento,
 ouve
 três
 pancadas
 fortes
 na

porta.


A
MÃE
–
Quem
é?
O
que
foi
isto?
(fecha
a
janela)
Entre!
(a
porta
abre
no
fundo)
Tem

alguém
aí?
(ouve‐se
o
filho
gritar
fora
de
cena)
É
ele,
no
jardim.
Não
morreu?
O
que
eu

vou
 fazer?
 Pra
 onde
 eu
 vou?
 (esconde‐se
 atrás
 da
 escrivaninha.
 O
 vento
 começa
 a

soprar
novamente,
voam
papéis
por
toda
a
sala)
Fecha
a
janela,
Fredrik!
(Um
vaso
com

um
planta,
cai)
Fecha
a
janela!
Estou
morrendo
de
frio.
A
lareira
apagou.


(Acende
 todas
 as
 lâmpadas,
 fecha
 a
 porta,
 que
 se
 abre
 novamente
 por
 si
 própria;
 a

cadeira
de
balanço
move‐se
com
o
vento;
ela
caminha
em
círculos,
e
por
fim,
se
atira

35


na
poltrona
de
bruços,
escondendo
o
rosto
nas
almofadas.
Gerda
entra,
com
a
papa
de

aveia
 numa
 bandeja,
 que
 coloca
 em
 algum
 lugar;
 depois,
 apaga
 todas
 as
 lâmpadas,

exceto
uma.
A
Mãe,
como
que
despertando,
levanta‐se)



 
 
 
 
 
 *


Alguém
toca
“Il
me
disait”.


A
MÃE
–
Não
apague
as
luzes.


GERDA
–
Temos
que
fazer
economia.


A
MÃE
–
Por
que
voltaram
tão
cedo?


GERDA
–
Ele
não
se
sentiu
bem
sem
você.


A
MÃE
–
Ah,
é?


GERDA
–
Aqui
está
o
teu
jantar!



A
MÃE
–
Não
estou
com
fome.


GERDA
–
Está
sim,
mas
é
que
você
não
come
essa
papa
de
aveia!


A
MÃE
–
Como,
às
vezes!


GERDA
–
Não,
nunca
comeu!
Hoje
você
vai
comer,
o
pior
era
o
teu
sorriso
cruel,
cada

vez
 que
 torturava
 a
 gente
 com
 essas
 tigelas
 de
 papa
 rala,
 gostava
 de
 ver
 a
 gente

sofrer...
Fazia
a
mesma
papa
que
dava
pro
cachorro!



A
MÃE
–
Não
consigo
tocar
nessa
coisa
aguada,
me
dá
até
arrepios!


GERDA
 –
 Foi
 isto
 que
 sobrou
 do
 café
 que
 você
 fez
 de
 manhã!...
 Aqui
 tem
 mais
 um

pouco
(Serve
a
papa
de
aveia
numa
mesa
pequena)
Agora
come,
na
minha
frente!


A
MÃE
–
Não
posso!


Gerda
inclina‐se
e
tira
algumas
toras
que
estavam
escondidas
debaixo
da
poltrona.


GERDA
–
Se
não
comer,
vou
contar
pro
Axel
que
você
roubou
estas
toras.


A
 MÃE
 –
 Pro
 Axel?
 Você
 não
 disse
 que
 ele
 sentia
 a
 minha
 falta?...
 Ele
 não
 vai
 fazer

nada
 comigo!
 Lembra
 a
 noite
 do
 teu
 casamento,
 quando
 ele
 dançou
 comigo
 aquela

valsa...
como
é
que
era?
(cantarola
a
segunda
repetição
da
melodia
“Il
me
disait”,
que

está
sendo
tocada
fora
de
cena)
“Il
me
disait!”


GERDA
–
Seria
melhor
você
não
se
lembrar
dessas
coisas...

36


A
MÃE
–
E
me
dedicou
um
poema,
e
me
ofereceu
flores
lindíssimas!


GERDA
–
Cala
a
boca!


A
MÃE
–
Quer
que
eu
recite
o
poema?
Sei
de
cor...
“Em
Ginnistan...”
Ginnistan
é
uma

palavra
persa
que
quer
dizer
o
Jardim
do
Paraíso
onde
as
graciosas
Peris
viviam
entre

perfumes
 raros...
 Peris
 são
 gênios,
 fadas,
 e
 a
 natureza
 delas
 é
 tal,
 que
 quanto
 mais

vivem,
mais
jovens
se
tornam...


GERDA
–
Ai
meu
Deus,
você
acha
que
é
uma
Peri?


A
 MÃE
 –
 Claro,
 está
 no
 poema,
 o
 tio
 Victor
 até
 pediu
 a
 minha
 mão;
 o
 que
 vocês

achariam
de
me
casar
outra
vez?


GERDA
 –
 Coitada
 da
 mamãe!
 Continua
 sonâmbula,
 igual
 a
 todos
 nós.
 Será
 que
 você

nunca
vai
acordar?
Não
vê
que
as
pessoas
riem
de
você?
Não
percebe
quando
o
Axel

te
insula?


A
MÃE
–
Me
insulta?
Acho
ele
mais
delicado
comigo
do
que
com
você...


GERDA
–
Mesmo
quando
ele
ameaçou
te
bater
com
a
bengala?


A
MÃE
–
Me
ameaçou?
É
com
você
que
ele
usa
a
bengala,
minha
querida!


GERDA
–
Ai
mãe,
você
perdeu
o
juízo
mesmo?


A
MÃE
–
Ele
sentiu
a
minha
falta
esta
noite,
sempre
tivemos
tanta
coisa
pra
falar,
ele
é

a
única
pessoa
que
me
compreende,
você
não
passa
de
uma
criança...


GERDA
(segura
a
Mãe
pelos
ombros
e
sacode‐a)
–
Acorda,
pelo
amor
de
Deus!


A
 MÃE
 –
 Você
 ainda
 nem
 amadureceu,
 e
 eu
 sou
 tua
 mãe
 e
 te
 alimentei
 com
 o
 meu

sangue...


GERDA
 –
 Não,
 você
 me
 deu
 uma
 mamadeira
 e
 meteu
 uma
 chupeta
 na
 minha
 boca,

mais
 tarde,
 tive
 que
 roubar
 comida
 na
 despensa,
 mas
 só
 tinha
 pão
 de
 centeio
 duro,

que
 eu
 comia
 com
 mostarda
 pra
 poder
 engolir;
 e
 quando
 me
 queimava
 a
 garganta,

matava
 a
 sede
 com
 vinagre;
 a
 cesta
 de
 temperos
 e
 o
 cesto
 de
 pão
 eram
 a
 minha

despensa!


A
 MÃE
 –
 Olha
 só,
 já
 roubava
 desde
 criança!
 Que
 bonito!
 Não
 tem
 vergonha
 de
 me

dizer
isso?
E
pensar
que
eu
me
sacrifiquei
por
estes
filhos!


GERDA
(Chora)
–
Posso
te
perdoar
tudo;
mas
você
roubou
a
minha
vida...
é
sim,
ele
era

a
minha
vida,
foi
com
ele
que
eu
comecei
a
viver!

37


A
MÃE
–
Não
tenho
culpa
dele
me
preferir!
Talvez
ele
me
achasse...
como
vou
dizer...

mais
charmosa?
É,
ele
é
um
homem
de
bom
gosto,
ao
contrário
do
teu
pai,
que
nunca

soube
me
apreciar
enquanto
não
teve
rivais...
(ouve‐se
três
pancadas
na
porta)
Quem

é
que
está
batendo?


GERDA
–
Não
fale
assim
do
papai!
Por
mais
que
eu
viva,
nunca
vou
conseguir
reparar

todo
o
mal
que
eu
fiz
pra
ele!
Você
vai
pagar
por
isso!
Foi
você
que
me
colocou
contra

ele!
Lembra,
quando
eu
era
pequena,
você
me
ensinou
a
dizer
coisas
horríveis
pra
ele,


coisas
que
eu
nem
entendia...
Mas
papai
tinha
discernimento
e
não
me
castigava,
ele

sabia
muito
bem
de
onde
vinham
esses
ataques!
Lembra
quando
você
me
ensinou
a

mentir
 pra
 ele,
 dizendo
 que
 eu
 precisava
 de
 livros
 novos
 pra
 escola,
 e
 uma
 vez

extorquimos
o
dinheiro
e
dividimos
entre
nós
duas...Como
é
que
eu
posso
esquecer
o

passado?
Não
vai
ter
nada
que
apague
a
memória
sem
matar
também
a
vida?
Queria

ter
 força
 pra
 esquecer
 o
 meu
 passado,
 mas,
 eu
 sou
 como
 o
 Fredrik...
 somos
 fracos,

impotentes;
vítimas,
tuas
vítimas...
e
você
é
uma
pessoa
dura,
que
nem
sofre
com
os

teus
próprios
crimes!


A
MÃE
–
E
você,
você
sabe
como
foi
a
minha
infância!
Tem
alguma
idéia
do
lugar
onde

eu
fui
criada,
das
coisas
horrorosas
que
aprendi
por
lá?
É
como
se
fosse
uma
herança.

Mas
onde
é
que
tudo
isso
começou?
Com
os
nossos
primeiros
antepassados,
como
se

fala
 nos
 livros,
 talvez
 seja
 verdade...Não
 me
 acuse
 então
 e
 eu
 não
 acusarei
 os
 meus

pais,
que
poderiam
acusar
os
pais
deles,
e
assim
por
diante.
De
qualquer
modo,
é
isso

o
que
acontece
com
todas
as
famílias:
simplesmente,
elas
não
se
expõem
em
público.


GERDA
 –
 Se
 isso
 for
 verdade,
 é
 melhor
 morrer.
 Mas
 se
 for
 obrigada
 a
 viver,
 prefiro

passar
 a
 vida
 toda
 surda
 e
 muda,
 no
 meio
 dessa
 miséria,
 na
 esperança
 de
 que
 haja

uma
vida
melhor
depois...


A
MÃE
–
Você
está
exagerando,
Gerda.
Quando
você
tiver
um
filho,
você
vai
ter
outras

preocupações...


GERDA
–
Eu
não
vou
ter
filhos...


A
MÃE
–
Como
é
que
você
sabe?


GERDA
–
O
médico
já
me
disse.


A
MÃE
–
Ele
se
enganou...


GERDA
 –
 Você
 está
 mentindo
 outra
 vez...
 Sou
 estéril,
 pouco
 desenvolvida,
 como
 o

Fredrik,
é
por
isso
que
não
quero
mais
viver...




A
MÃE
–
Que
besteira...

38


GERDA
–
Se
eu
tivesse
o
poder
de
fazer
o
mal
do
jeito
que
eu
quero,
você
não
existiria

mias!
 Por
 que
 é
 tão
 difícil
 fazer
 o
 mal?
 Quando
 levanto
 a
 minha
 mão
 pra
 você,
 eu
 é

que
sou
atingida...


A
música
pára
abruptamente.
Ouve‐se
o
Filho
gritar
fora
de
cena.


A
MÃE
–
Está
bêbado
outra
vez!


GERDA
–
Coitado
do
Fredrik!



 
 
 
 
 
 *


O
FILHO
(entra
meio
bêbado)
–
Parece
que
tem...
fumaça...
na
cozinha!


A
MÃE
–
O
que?


O
FILHO
–
Acho
que...
eu...
acho
que
ta
pegando
fogo
lá
dentro!


MÃE
–
Fogo?
O
que
é
que
você
está
dizendo?


O
FILHO
–
É,
eu...
acho...
que
tem
fogo!


A
 Mãe
 corre
 para
 o
 fundo,
 abre
 as
 portas;
 é
 atingida
 por
 uma
 fumaça
 e
 um
 clarão

vermelho.


A
 MÃE
 –
 Fogo!...
 Socorro,
 como
 é
 que
 vamos
 sair
 daqui?...
 Não
 quero
 queimar
 viva.

Não
quero!
(Anda
em
círculos)


GERDA
(abraça
o
irmão)
–
Fredrik!
Temos
que
fugir,
o
fogo
vai
nos
queimar.


O
FILHO
(em
voz
baixa)
–
Não
posso.


GERDA
–
Vamos
fugir!
Não
podemos
ficar
aqui!


O
FILHO
–
Pra
onde?...
Não,
não
posso...


A
MÃE
–
Vou
pular
pela
janela...
(abre
a
porta
da
varanda
e
salta
no
vazio)


GERDA
–
Oh
meu
Deus,
nos
ajude!


O
FILHO
–
Era
a
única
maneira!


GERDA
–
Foi
você
que
fez
isso?


O
FILHO
–
Foi,
o
que
mais
eu
podia
fazer?...
Não
tinha
mais
nada!...
Ou
tinha?


GERDA
 –
 Não!
 Tem
 que
 arder
 tudo
 mesmo,
 pra
 nos
 libertar!
 Me
 abraça
 com
 força,

meu
 irmão
 querido,
 eu
 estou
 feliz,
 feliz
 como
 nunca;
 tudo
 se
 ilumina,
 coitada
 da

mamãe,
que
era
tão
má,
tão
má...

39


O
FILHO
–
Ah,
minha
querida
irmã,
coitada
da
mamãe,
sente
o
calor,
é
maravilhoso,
já

não
 sinto
 mais
 frio,
 ouve
 a
 madeira
 estalar
 lá
 fora,
 todo
 o
 passado
 é
 que
 está

queimando,
todas
as
coisas
velhas,
tudo
o
que
era
mau,
velho
e
feio...


GERDA
 –
 Me
 aperta
 com
 força,
 meu
 irmão,
 nós
 não
 vamos
 queimar,
 vamos
 morrer

sufocados
com
a
fumaça,
é
um
cheiro
tão
bom,
são
as
palmeiras
e
coroa
de
louros
do

papai
que
estão
queimando,
agora
é
o
armário
dos
lençóis
de
linho,
cheira
a
lavanda,
e

agora
as
rosas!
Meu
irmão,
não
tenha
medo,
vai
ser
muito
rápido,
meu
querido,
meu

querido,
 não
 caia,
 pobre
 mamãe!
 Que
 foi
 tão
 má!
 Me
 aperta
 com
 mais
 força,
 me

abraça,
como
o
papai
falava!
Lembra
da
noite
de
Natal,
quando
comíamos
na
cozinha

e
íamos
molhar
o
pão
na
panela,
era
o
único
dia
do
ano
em
que
comíamos
bem,
como

o
papai
dizia,
sente
o
cheiro
bom,
é
a
despensa
que
está
queimando
agora,
o
chá,
o

café,
as
especiarias,
a
canela
e
o
cravo...


O
FILHO
(em
êxtase)
–
Estamos
nos
verão?
O
trevo
está
florido,
as
férias
vão
começar,

lembra
 quando
 íamos
 tocar
 naqueles
 navios
 brancos
 que
 tinham
 acabado
 de
 ser

pintados?
 O
 papai
 ficava
 feliz,
 se
 sentia
 cheio
 de
 vida,
 como
 ele
 dizia,
 e
 não
 tinha

trabalhos
 de
 escola!
 A
 vida
 devia
 ser
 sempre
 assim,
 ele
 dizia;
 ele,
 sim,
 é
 que
 era
 o

pelicano,
ele
que
deu
o
sangue
pelos
filhos,
andava
sempre
com
as
calças
remendadas

nos
joelhos
e
com
a
gola
de
veludo
esgarçada,
enquanto
que
nós
nos
vestíamos
como

príncipes...
Depressa,
Gerda,
a
sirene
do
navio
está
tocando,
a
mamãe
está
sentada
na

cabine,
não,
ela
não
está
conosco,
pobre
mamãe!
Desapareceu,
ela
ainda
está
no
cais,

onde
 é
 que
 ela
 está?
 Não
 consigo
 vê‐la,
 não
 podemos
 partir
 sem
 a
 mamãe...
 Ah!
 Lá

está
ela!...
As
férias
vão
começar...


Pausa.
As
portas
do
fundo
se
abrem,
um
forte
clarão
vermelho
torna‐se
visível.
O
Filho

e
Gerda
caem
no
chão,
sem
sentidos.





 


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