Você está na página 1de 20

Aplicação de Penas Canônicas 1

APLICAÇÃO DE PENAS
CANÔNICAS

Justiça com Caridade


2 Mieczyslaw Tlaga

CONCEDE-SE A LICENÇA

BRASILÍA, 8 DE DEZEMBRO DE 2001.


SOLENIDADE IMACULADA CONCEIÇÃO DE FR. JOÃO BENEDITO FERREIRA DE ARAÚJO
NOSSA SENHORA OFMCONV. CUSTÓDIO PROVINCIAL
PADROEIRA DA ORDEM

IMPRIMI POTEST
NIHIL OBSTAT
~

BRASÍLIA, 12 DE DEZEMBRO DE 2001


FESTA N. S. DE GUADALUPE JOSÉ FREIRE CARDEAL FALCÃO
PADROEIRA DA AMÉRICA LATINA ARCEBISPO DE BRASÍLIA
Aplicação de Penas Canônicas 3

MIECZYSLAW TLAGA
Nascido na Polônia, mestre pela Universidade Católica de Lublin, Polônia, e
doutor pela Universidade Lateranense, em Roma, missionário franciscano
conventual no Brasil desde 1976. Atualmente é reitor e professor do
Instituto São Boaventura de Filosofia e Teologia, em Brasília.

APLICAÇÃO DE PENAS
CANÔNICAS

Justiça com Caridade

®
4 Mieczyslaw Tlaga

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Tlaga, Mieczyslaw
Aplicação de penas canônicas: justiça com
caridade / Mieczyslaw Tlaga; tradução do
autor. — São Paulo: LTr, 2003.

Título original: L'applicazione delle pene


canoniche.
Bibliografia.
ISBN 85-361-0315-9

1. Direito penal (Direito canônico) I. Título.

02-4922 CDU — 348.521.1


Índice para catálogo sistemático:

1. Penas canônicas: Aplicação: Direito penal


canônico 348.521.1

Tradução: MIECZYSLAW TLAGA


Produção Gráfica: IRENE STUBBER PEINADO
Editoração Eletrônica: IMOS LASER
Capa: ELIANA C. COSTA
Impressão: BOOK RJ

(Cód. 2610.3)

© Todos os direitos reservados

EDITORA LTDA.
Rua Apa, 165 — CEP 01201-904 — Fone (11) 3826-2788 — Fax (11) 3826-9180
São Paulo, SP — Brasil — www.ltr.com.br

Março, 2003
Aplicação de Penas Canônicas 5

Agradecimentos

Inicialmente, cumpre-me agradecer a meu Su-


perior, frei João Benedito Ferreira de Araújo, por ter-
me propiciado a realização deste trabalho na sua
reta final, e a meus confrades das comunidades fran-
ciscanas do Instituto São Boaventura, do Seminário
Maior e do Jardim da Imaculada, por terem tantas
vezes me proporcionado tempo disponível para a
elaboração deste texto, assumindo, eventualmente,
meus compromissos pastorais.
Sou também profundamente grato à congrega-
ção dos professores da Universidade Lateranense,
de Roma, especialmente meu orientador, o profes-
sor Zbigniew Suchecki, cuja assistência e generosa
dedicação tanto me ajudaram na sistematização de
minha tese de Doutorado em Direito Canônico. Es-
ses agradecimentos são extensivos aos professores
Sebastiano Pacciola e Gaetano de Simone, co-rela-
tores deste trabalho.
E, por fim, não posso deixar de agradecer a co-
laboração do professor Edilson Alkmim Cunha na
preparação da versão, em português, deste livro.
O autor
6 Mieczyslaw Tlaga
Aplicação de Penas Canônicas 7

ÍNDICE

Abreviaturas e Siglas ................................................................ 11


Apresentação — Pe. Jesus Hortal Sánches, S. J. .................... 13
Prólogo ..................................................................................... 15
Introdução ................................................................................ 19
Capítulo I. Abertura de processo para aplicação de penas ..... 21
1. INTERVENÇÃO DO ORDINÁRIO NO CDC DE 1983 ................... 21
1.1. Remédios penais (a advertência e a repreensão, c. 1339) 23
2. INTERVENÇÃO DO HIERARCA NA NORMATIVA DO CÓDIGO ORIEN-
TAL ........................................................................................ 24
3. PROCEDIMENTOS DO TÍTULO XXVIII DO CCEO: DO PROCEDIMEN-
TO IN POENIS IRROGANDIS .................................................... 27
4. PROCEDIMENTO PARA A APLICAÇÃO DE PENAS ...................... 32
4.1. Investigação prévia para aplicação de penas .................... 32
4.2. Verificação do fundamento da notícia do delito ................. 34
4.3. Cuidado especial para não pôr em risco a reputação das pes-
soas ................................................................................ 39
4.4. Fontes de informação sobre o delito ................................ 41
4.4.1. Denúncia judicial; queixa da parte prejudicada; fa-
ma pública ...................................................................... 41
4.4.2. Investigação de fatos, circunstâncias, imputabilidade
(c. 1717, §1) ................................................................... 43
4.5. Autoridade competente para fazer a investigação ............. 47
4.5.1. Dever do investigador ............................................ 49
4.5.2. Tutela “ex officio” do bem público .......................... 51
4.5.3. A figura indispensável do notário ............................ 52
4.5.4. Sujeito da investigação (o indiciado) ....................... 53
4.6. A parte lesada ................................................................. 56
5. COLETA DE MATERIAL ............................................................ 59
8 Mieczyslaw Tlaga

6. A VONTADE DO ORDINÁRIO MANIFESTA COM DECRETO ........ 63


6.1. Avaliação do material coletado ......................................... 64
6.2. Arquivamento dos autos ................................................... 67
7. OPÇÕES DO ORDINÁRIO ........................................................ 70
7.1. Amplo espaço de discricionariedade do Ordinário ............. 74
Capítulo II. Aplicação de penas mediante processo penal admi-
nistrativo (extrajudicial) ........................................ 79
1. APLICAÇÃO DE PENAS ECLESIÁSTICAS .................................... 79
1.1. Moderação, clemência, eqüidade e caridade cristã ........... 79
1.2. Divisão das penas eclesiásticas ........................................ 79
1.2.1. Atualização do Código de Direito Canônico ............ 80
1.2.2. Princípios de revisão .............................................. 82
2. PENAS MEDICINAIS OU CENSURAS (CÂNONES 1331-1333) ...... 86
3. PENAS EXPIATÓRIAS ............................................................... 98
4. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ OU DO SUPERIOR .................. 102
5. APLICAÇÃO DE PENAS MEDIANTE PROCESSO PENAL ADMINISTRA-
TIVO ....................................................................................... 109
5.1. Instauração do processo .................................................. 109
5.2. Razões para instaurar os dois procedimentos ................... 110
5.3. Iustae causae .................................................................. 111
6. APURAÇÃO DO FATO ILÍCITO E DA RESPONSABILIDADE DO INDI-
CIADO .................................................................................... 113
7. PROCESSO PENAL ADMINISTRATIVO ....................................... 118
7.1. Notificação da acusação e das provas ao acusado ............ 118
7.2. A defesa por parte do acusado ........................................ 119
7.3. Função do advogado ou procurador .................................. 119
7.4. Avaliação das provas e dos argumentos ........................... 120
8. DISCUSSÃO ORAL ENTRE O HIERARCA E O ACUSADO NO CCEO .. 121
Capítulo III. Aplicação de penas com processo penal judicial .... 123
1. FASE INTRODUTÓRIA ............................................................. 123
1.1. Apresentação do libelo de acusação pelo promotor de justiça
ao juiz ............................................................................. 127
Aplicação de Penas Canônicas 9

1.2. Constituição do tribunal ................................................... 132


1.3. Provimentos especiais acauteladores em qualquer fase do pro-
cesso ............................................................................... 133
1.4. Citação do acusado e constituição obrigatória de advogado de
confiança ou de ofício ....................................................... 134
1.5. Litiscontestação, com a definição dos pontos de acusação .... 136
2. FASE DE INSTRUÇÃO E DISCUSSÃO ........................................ 140
2.1. Conhecimento das provas apresentadas pelo promotor de jus-
tiça .................................................................................. 140
2.2. Interrogatório do acusado ................................................ 141
2.3. Publicação dos atos, a conclusão in causa ........................ 142
2.4. Discussão da causa ......................................................... 142
3. FASE DECISÓRIA .................................................................... 144
3.1. Pronunciamentos do juiz .................................................. 144
4. DIREITO DE APELAÇÃO .......................................................... 144
4.1. Direito de apelação do réu ............................................... 146
4.2. Direito de apelação do promotor de justiça ...................... 146
5. AÇÃO PARA REPARAÇÃO DE DANOS ....................................... 147
6. A COISA JULGADA E A RESTITUTIO IN INTEGRUM. AS CAUSAS
PENAIS SOBRE O ESTADO DAS PESSOAS. EXECUÇÃO DA SENTENÇA
PASSADA EM JULGADO .............................................................. 149
Conclusão ................................................................................. 153
Bibliografia ................................................................................ 157
I — FONTES ................................................................................ 157
II — BIBLIOGRAFIA ANTERIOR AO CDC 1983 ............................. 158
III — BIBLIOGRAFIA POSTERIOR AO CDC 1983 .......................... 161
10 Mieczyslaw Tlaga
Aplicação de Penas Canônicas 11

ABREVIATURAS E SIGLAS

AAS Acta Apostolicae Sedis Commentarium officiale,


Roma, 1909 ss.
al. Alocução
an. Ano
art. Artigo
ASS Acta Sanctae Sedis, Roma, 1865-1908
c./cc. Cânon/Cânones
CCEO Codex Canonum Ecclesiarum Orientalium, Roma,
1990
CDC Código de Direito Canônico
CIC 1917 Codex Iuris Canonici, Roma, 1917
CIC 1983 Codex Iuris Canonici, Roma, 1983
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
coetus assembléia, reunião ou grupo (de pessoas convo-
cadas aos trabalhos de redação ou de revisão do
CIC 1983)
col. Coluna
Const. Constituição
Decl. Declaração
Decr. Decreto
Denz.-Schön. H. Denziger — A. Schönmetzer, Enchiridion Sym bolorum
Definitionum et Declarationum de rebus fidei et morum,
Barcinone — Friburgo de Brisgovia — Roma, 1986
Doc. Documento
EIC Enchiridion Iuris Canonici, Roma, 1965
enc. Encíclica
ep. Carta
EV Enchiridion Vaticanum, Bolonha, 1976
12 Mieczyslaw Tlaga

fasc. Fascículo
instr. Instrução
LThK Lexicon für Theologie und Kirche, Fraiburgo/B.,
1957
n. Número
Par. Parágrafo
PCCICR Comissão Pontifícia para Revisão do Código de Di-
reito Canônico
PL Patrologia latina, Migne
rescr. Rescrito
s. Seção
Aplicação de Penas Canônicas 13

APRESENTAÇÃO

“... respeitando-se sempre a eqüidade canônica e tendo diante


dos olhos a salvação das almas que, na Igreja, deve ser sempre a lei
suprema”. Esta frase, com a qual o canôn 1752 fecha o Código de
Direito Canônico de 1983, surpreende, quando citada, os detratores
do sistema jurídico da Igreja Católica. A verdade é que dificilmente
se poderia pensar num ordenamento legal mais humano, com maio-
res salvaguardas dos direitos das pessoas, mas conservando sua fi-
nalidade pastoral de forma explícita. Infelizmente, tal sistema é gran-
demente ignorado, não só pelos simples fiéis, que carecem de estu-
dos eclesiásticos, mas inclusive por aqueles que deveriam aplicá-lo,
os responsáveis pela cura pastoral. Costumo dizer para os meus alu-
nos, sempre propensos a atacar “as estruturas” como fonte de todos
os males, que os sistemas jurídicos existem para dar segurança e
proteção aos mais fracos. Daí a necessidade de serem amplamente
conhecidos. Poder-se-ia alegar que a Igreja é, fundamentalmente, uma
comunhão e que, por isso, o jurídico deveria dar lugar à lei interna da
caridade e do amor. Oxalá fôssemos tão perfeitos que pudéssemos
prescindir das leis autoritativas! Além disso, não se pode negar que a
comunhão se traduz também em relacionamentos externos, sociais.
A Igreja, enquanto sociedade visível, possui uma dimensão social
externa, embora essa dimensão não esgote toda sua realidade.
O presente trabalho do Frei Mieczyslaw Tlaga, ou simples-
mente Miecislau, como ele aportuguesou o seu nome, trata, de
acordo com o título que lhe foi dado pelo autor, do procedimento
para a aplicação de penas canônicas. Antes do que direito penal, é
direito processual penal; é, portanto, direito adjetivo e não subs-
tantivo. O procedimento só tem sentido em função da realidade
que pretende tutelar; no nosso caso, em função do sistema penal
canônico. Conseqüentemente, esse sistema supõe o conhecimen-
to dos delitos canônicos e das penas que lhes são aplicáveis. A
autoridade de tutelar a ordem jurídica e o bem comum na Igreja,
se tomasse conhecimento apenas dos delitos, poderia cair facil-
mente na tentação do arbítrio. Ora, tal tentação não é pura teoria.
Está presente em todos os níveis e ninguém pode dizer que é
14 Mieczyslaw Tlaga

imune a ela. É exatamente para evitar esse arbítrio que temos, na


Igreja, o direito processual penal.
O subtítulo da obra do Frei Miecislau já diz claramente qual é a
sua finalidade: “Justiça com Caridade”. De modo sistemático, estuda
os dispositivos do Código de Direito Canônico relativos ao processo
penal, suas origens e desenvolvimento, sua interpretação e aplica-
ção. Podemos dizer que se trata de trabalho pioneiro na língua portu-
guesa. Sobre o direito penal substantivo, tivemos no Brasil, na vigên-
cia do Código anterior, a obra de D. Oscar de Oliveira, De Delictis et
Poenis. Nunca, porém, alguém se atreveu a publicar manual acerca
do processo. Inclusive na literatura canônica européia, muito mais
rica do que a nossa, o processo penal aparecia, normalmente, nos
tratados de direito processual canônico, em poucas páginas, como
uma espécie de apêndice do processo contencioso.
A meu ver, o problema básico no estudo deste tema não é a
exegese dos dispositivos legais, mas a compreensão do espírito
que os anima, exatamente a aplicação da Justiça com Caridade.
Nem uma nem outra pode subsistir separadamente. É necessário
fazer justiça, mas é também imprescindível que ela seja tempera-
da com a caridade. Guardar o equilíbrio entre ambas é uma tarefa
fundamental para todos os que excercem a autoridade. O presen-
te trabalho pode contribuir a que esse ideal se realize plenamen-
te. É com esse espírito que desejamos que ele seja difundido
amplamente, para o bem da Igreja no Brasil.
Rio de Janeiro, 26 de novembro de 2001.

Pe. Jesus Hortal Sánchez, S. J.(*)


Reitor da PUC-RIO

(*) Nota: Pe. JESUS HORTAL SÁNCHES, S. J. é o Reitor da PUC — Pontifícia Universidade
Católica no Rio de Janeiro. Elaborou Notas, Comentários e Índice Analítico do
texto oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) do Código de
Direito Canônico, várias edições (revistas e ampliadas com a Legislação Comple-
mentar da CNBB) na ed. Loyola, São Paulo e a mesma edição em CD da Multimídia
Paulinas, 2000. Coordenou (com tradução e adaptação para o Brasil) a edição de
Aa.Vv., Dicionário Canônico, (Madri, 1989), ed. Loyola, São Paulo, 1993. Autor
de muitos livros e artigos, especialmente na área de Direito Canônico, assim
como: Os sacramentos da Igreja na sua dimensão canônico-pastoral, ed. Loyola,
São Paulo, 1987; O Código de Direito Canônico. Implicações ecumênicas da
atual legislação canônica, ed. Loyola, São Paulo, 1990; “O que Deus uniu”. Li-
ções de Direito Matrimonial Canônico, ed. Loyola, São Paulo, 1991; e outros.
Aplicação de Penas Canônicas 15

PRÓLOGO

Foi longo o caminho percorrido até chegar à publicação des-


te livro cuja matéria baseia-se em minha tese de Doutorado em
Direito Canônico. Tudo começou quando, em vez de ser envia-
do, como previsto, para a missão franciscana em Ruada, na Áfri-
ca, fui mandado para a Universidade Católica de Lublin, na Polô-
nia, para cursar Direito Canônico, onde me licenciei e fiz Mestra-
do na disciplina.
Tudo apontava para o prosseguimento de uma carreira acadê-
mica. Mas, compelido pelas palavras do Apóstolo das Nações —,
“Ai de mim se eu não evangelizar!” (I Cor 9, 16) —, pelo carisma
do Sacerdócio e por opção de vida na Ordem de São Francisco,
acabei aportando no Brasil, onde, por alguns anos, me dediquei,
quase exclusivamente, a atividades pastorais e administrativas.
Embora, por força dessas mesmas atividades, não me tives-
se desligado totalmente de questões canônicas — então sob o
novo prisma de sua aplicação na concreteza dos fatos —, longe
estava eu de imaginar que, um dia, voltaria às atividades acadêmi-
cas e, muito menos, para uma defesa de tese.
Mas aconteceu. São os caminhos insondáveis da Providência.
Nossas comunidades franciscanas cresceram no Brasil e com
esse abençoado crescimento surgiu a necessidade de preparar
novos missionários, agora todos brasileiros, para dar continuida-
de ao trabalho pioneiro dos fundadores poloneses. Primeiro, veio
o Seminário Maior Franciscano; depois foi a vez do Instituto São
Boaventura de Filosofia e Teologia, hoje filiado à Faculdade Ponti-
fícia São Boaventura, de Roma; ambos com sede em Brasília. Esse
novo desenvolvimento tornou imperiosa a necessidade de dotar o
corpo docente dessas instituições com títulos acadêmicos à altura
de sua missão e responsabilidade.
E eis-me, mais uma vez, de volta ao Direito Canônico, agora
com a recomendação de meus superiores para concluir, com o
Doutorado, o ciclo acadêmico até então interrompido.
16 Mieczyslaw Tlaga

Desta vez, o reencontro com o direito já não foi tão frio como
nos primeiros tempos: as atividades administrativas e pastorais
haviam-me proporcionado considerável acervo de experiências
que me permitiam avaliar, mais existencialmente, a aplicação de
seus cânones, em que a justiça e a caridade são indispensáveis.
Em outras palavras, o senso de “justiça”, é claro, deve orientar a
manutenção da disciplina eclesiástica, lembrando o adágio: Tunc
jus calcatur, violentia cum dominatur (Quando o direito é viola-
do, a violência impera), mas sem ferir o preceito maior de carida-
de, equilíbrio que tão bem retrata o novo Código do Direito Canô-
nico de 1983, no qual não se busca a punição em si, mas a corre-
ção do faltoso, a reparação do escândalo e o restabelecimento
da justiça.
Foi por isso que dei a este trabalho o subtítulo de Justiça
com Caridade.
Este livro tem, portanto, como base o texto da dissertação
sobre esse tema, na Universidade Lateranense de Roma, na qual
se analisam os meios de que se serve a Igreja, no Ocidente e no
Oriente, para intervir em situações delituosas, com o objetivo de
restabelecer a eqüidade e manifestar seu compromisso com a
santidade de vida de seus membros.
Mas, para intervir, a Igreja quer estar certa da materialidade
da falta ou do delito e da imputabilidade do acusado. É a fase mais
delicada, pois a caridade não permite que se exponha o próximo a
vexames e juízos pré-concebidos ou concebidos com base em
boatos, disse-que-disses, dizem, etc.
No novo Código, o processo penal canônico deve seguir rigo-
rosas normas na apuração da verdade dos fatos. Esse é o espírito
do cânon 1717, que recomenda toda cautela na averiguação da
materialidade e imputabilidade de um delito, pois um procedimento
imprudente pode produzir mais injustiça do que a justiça que se
pretende restabelecer.
Mesmo depois de convencida da procedência do delito, a
autoridade competente deverá examinar com prudência os deta-
lhes do ilícito para decidir sobre os meios mais adequados e pro-
porcionais ao restabelecimento da ordem pública. O recurso
ao processo penal é a última opção, que só será adotada se assim
o requerer a gravidade do delito e a necessidade da reparação do
Aplicação de Penas Canônicas 17

mal praticado. Fora disso, prevalece a solicitude pastoral que pri-


vilegiará, tanto quanto possível, a correção fraterna, a repreensão
e, se for o caso, a reparação do dano.
O próprio processo penal tem suas normas próprias: só será
instaurado se a investigação tiver deixado patente a materialidade
do delito e não sua simples presunção. E, por outro lado, sua pre-
cípua finalidade não é, como já foi dito, a punição em si mesma,
mas a reparação do escândalo, o restabelecimento da justiça e a
correção do réu. Se esses objetivos puderem ser alcançados por
outros meios, a autoridade competente não só pode, mas deve,
abster-se do processo penal.
O direito da defesa é total. As provas aduzidas só serão acei-
tas se o acusado tiver condições de contestá-las. O acusado, por
conseguinte, sob pena de nulidade do processo, tem direito de
ser informado detalhadamente sobre a matéria da acusação que
lhe é feita.
Sob esse aspecto, o processo judicial é preferível ao admi-
nistrativo, tendo em vista sua transparência e as franquias de defe-
sa do acusado. De fato, o processo judicial oferece mais garan-
tias de justiça e de eqüidade, tendo em vista assegurar o direito
de defesa, a reunião de provas por exigência judicial, a certeza
moral da existência do delito, a cuidadosa avaliação de suas cir-
cunstâncias e da imputabilidade do autor, a avaliação do grau de
contumácia, do dano social, o espírito pastoral na aplicação da
pena e a absoluta imparcialidade no julgamento.
À diferença do direito penal civil, o recurso a penas, no di-
reito canônico, deve ser considerado como fato quase excepcio-
nal. Há quem veja nisso um perigo ou de impunidade ou de arbi-
trariedade. É nesse ponto que intervém o espírito cristão da cari-
dade associado à imperativa necessidade de se restabelecer a
justiça.
Por outro lado, seria utópico e abstrato reconhecer na Igreja
o poder de legislar e, ao mesmo tempo, alegando-se sua natureza
espiritual e carismática, negar-lhe o direito de impor sanções, pois
além de espiritual e carismática, ela é um corpo visível e social,
impondo-se, por conseguinte, um pleno ordenamento jurídico. Daí
a inevitável conjugação da justiça com a caridade no direito penal
da Igreja.
18 Mieczyslaw Tlaga
Aplicação de Penas Canônicas 19

INTRODUÇÃO

O Livro VI do Código de Direito Canônico de 1983, De sanctioni-


bus in Ecclesia, divide-se em duas partes principais: a primeira,
intitulada De delictis et poenis in genere (cc. 1311-1363), a segun-
da, De poenis in singula delicta (cc. 1364-1399). Na primeira parte,
faz-se a introdução do sistema penal canônico e se expõem tam-
bém matérias e institutos jurídicos sempre presentes no direito
da Igreja. Na segunda parte, aplicam-se as penas a cada delito.
No Código oriental (CCEO), promulgado em 1990, dividido
em títulos e não em capítulos, o direito penal substantivo ocupa o
Título XXVII (cc. 1401-1467) e o direito processual, o Título XXVIII
(cc. 1468-1487). Observe-se como o CCEO faz o direito penal subs-
tantivo seguir imediatamente ao direito processual penal. Assim,
o direito processual penal já não é uma species do protótipo pro-
cessual, um procedimento especial, que copia o contencioso, sal-
vo variações específicas em matéria penal.
Nos dois códigos, a aplicação da pena ou a declaração de
penas incorridas é feita sempre mediante processo, judicial ou
extrajudicial, conforme a pena a ser infligida ou declarada. Todo
processo deve ser precedido de investigação prévia, no mínimo
quanto à probabilidade do delito, a fim de averiguar seu funda-
mento (c. 1717, § 1).
Com apenas quinze cânones agrupados em três capítulos: o
I, sobre a “Investigação prévia”; o II, sobre “A evolução do proces-
so» e, finalmente, o III, sobre “A ação para a reparação de danos”,
e inseridos, sob o título De processu poenali, no Livro VII, De Pro-
cessibus, o Código de Direito Canônico esgota a normativa sobre
processo penal, ali incluindo as duas vias, a judicial e a adminis-
trativa, para irrogação e declaração de penas canônicas. As pou-
cas normas específicas, com vista, sobretudo, ao desenvolvimen-
to do processo, foram integradas pelo legislador que as remete aos
procedimentos, judicial e administrativo, regulados em outras par-
tes do Código. O cânon 1728, § 1, estabelece, de fato, com vista
ao processo judicial: “Salvo as prescrições dos cânones deste
20 Mieczyslaw Tlaga

título, devem-se aplicar no juízo penal, a não ser que a natureza da


coisa o impeça, os cânones referentes aos juízos em geral e ao
juízo contencioso ordinário, observando-se normas especiais so-
bre as causas que afetam o bem público”.
O princípio é válido também no processo administrativo, des-
de que, no caso de o Ordinário (c. 134) preferir proceder ao decre-
to extrajudicial, sejam observadas as normas relativas ao procedi-
mento previsto para os decretos singulares a que se referem os
cânones 35-38. Além disso, a especificidade de algumas normas,
com vista ao desenvolvimento do processo, não pode qualificar
como especial o processo penal à maneira do processo matrimo-
nial ou do relativo à sagrada ordenação, mas lhe confere um cará-
ter de tipicidade.
Por conseguinte, pode-se afirmar que, na legislação atual, o
processo penal goza de uma figura autônoma para a aplicação de
penas canônicas. Essa conexão e a outra, mais estreita, entre di-
reito processual e direito penal substancial asseguram a unidade
do ordenamento. O cânon 1341 é, de fato, a chave da leitura inter-
pretativa não só das normas penais em geral, mas particularmente
das disposições sobre a aplicação de penas.
O exercício do poder coercitivo é muito limitado, porquanto
a Igreja, como comunidade de salvação a serviço das almas, apela
sobretudo para a consciência do fiel, recorrendo à advertência fra-
terna, à repreensão ou a outros meios pastorais, enquanto a via do
processo torna-se a extrema ratio para sancionar e punir no caso
em que o réu persista em seu comportamento delituoso e seja
preciso eliminar o escândalo, restabelecer a justiça e reparar even-
tual dano causado.
Com efeito, é significativo o cânon 1341 ao qual se refere o
cânon 1718, § 1, que impõe ao Ordinário, concluída a investiga-
ção prévia, avaliar, com a ajuda eventual de dois juízes ou de ou-
tros jurisperitos, a conveniência de partir para o processo ad poe-
nam irrogandam vel declarandam, mesmo quando os elementos
colhidos na investigação prévia o recomendem.

Você também pode gostar