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DEZ/JAN/FEV - 09/10 - Nº 49 1

Índice
Expediente
DIREITO 5 SOCIEDADE 8

Think Tank - A Revista da Livre-Iniciativa


Ano XIII - no 49 - Dez/Jan/Fev - 09/10

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Arthur Chagas Diniz
A PROGRESSÃO DO REGIME PRISIONAL “DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE, Elcio Anibal de Lucca
ANTAGONISMO INEVITÁVEL?” Alencar Burti
E A LEGISLAÇÃO EM VIGOR
Paulo de Barros Stewart
Arnaldo Hossepian Junior Vitor Seravalli Jorge Gerdau Johannpeter
Jorge Wilson Simeira Jacob

11 15
José Humberto Pires de Araújo
INTERNACIONAL MATÉRIA DE CAPA Raul Leite Luna
Ricardo Yazbek
Roberto Konder Bornhausen
Romeu Chap Chap
CONSELHO EDITORIAL
Arthur Chagas Diniz - presidente
Alberto Oliva
Aloísio Teixeira Garcia
Antônio Carlos Porto Gonçalves
Bruno Medeiros
Cândido José Mendes Prunes
BASES NA COLÔMBIA: AMEAÇAS, AS REGRAS PARA O PRÉ-SAL: Jorge Wilson Simeira Jacob
QUEM PERDE E QUEM GANHA? José Luiz Carvalho
IDEOLOGIA E PADRÕES HISTÓRICOS Luiz Alberto Machado
Gunther Rudzit Adriano Pires Nelson Lehmann da Silva
Octavio Amorim Neto

19
Roberto Fendt
ESPECIAL 18 ECONOMIA Rodrigo Constantino
William Ling

Og Francisco Leme e
Ubiratan Borges de Macedo
(in memoriam)

DIRETOR / EDITOR
Arthur Chagas Diniz

JORNALISTA RESPONSÁVEL
Ligia Filgueiras
A VOLTA DO CAPITALISMO DE ESTADO? RG nº 16158 DRT - Rio, RJ
O BOM, O MAU E O FEIO
Uma visão liberal do fato Ulisses Ruiz de Gamboa PUBLICIDADE / ASSINATURAS:
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NOTAS
ORÇAMENTO 2010
Leitores
Sua opinião é da maior impor-
Editorial
tância para nós. Escreva para
Banco de Idéias.

uriosamente e, não por deci- o Brasil no “Guiness Book” como


Prezados amigos, C são consciente do Conselho o único país do mundo a possuir
Editorial de Banco de Idéias, gran- uma empresa estatal monopolista
Excelente o artigo de nossa de parte do conteúdo desta edição de um produto importado. Graças
cara colega Marli Nogueira em fala sobre segurança. A fuga recente às modificações constitucionais no
Banco de Idéias, ano XIII, nº 48, de perigosos delinquentes, coloca- período anterior, em batalha me-
“A Erosão do Legislativo”. Seria dos em regime de progressão de morável, a nova lei deu fim ao mo-
bom se alguém o escaneasse pena e reincidindo em práticas vio- nopólio estatal de petróleo. Adriano
e publicasse na Rede. Mais do lentas, colocou em questão alguns Pires aponta os riscos iminentes da
que uma ótima análise da tópicos da legislação em vigor. aprovação do modelo de explora-
Quem examinou a questão foi o ção das reservas do pré-sal, que
putrefação desse Poder da regride em relação aos avanços
Procurador Arnaldo Hossepian
República, ele constitui uma Junior, com o didatismo próprio a conquistados antes da era petista.
séria advertência das conse- um mestre da matéria. Outro tema que afeta a segurança
quências sociais da anomia e Vem preocupando o planeta de econômico/financeira e política do
da corrupção. maneira crescente o aparente dile- país é a ameaça que paira no ar
ma entre desenvolvimento e sus- do retorno do capitalismo estatal.
Mário Guerreiro tentabilidade. Vitor Seravalli, presi- Recentemente, o governo brasileiro
dente do Comitê Brasileiro do Pacto editou um pacote do que chamou
Global, vê a questão como a busca “medidas anticíclicas”. Essas medi-
Prezado Mário, do melhor atendimento das neces- das caracterizaram-se por uma
sidades atuais sem prejudicar a ca- ampliação dos créditos estatais,
pacidade de sobrevivência das ge- especialmente através do BNDES,
Realmente é primoroso o rações futuras. redução de impostos de setores se-
artigo de Marli Nogueira, pu- A instalação de bases norte- lecionados e, finalmente, um expres-
blicado na última edição de americanas na Colômbia, ou sua sivo aumento nos salários do fun-
Banco de Idéias. Infelizmente a ocupação parcial por militares dos cionalismo público.
erosão do legislativo é não EUA, reacendeu uma questão que Ulisses Ruiz de Gamboa, pro-
apenas enorme, mas crescente. se resume a posturas políticas con- fessor da FIPE/USP, acha que não
O legislativo, que deveria ser a flitantes. A Venezuela de Chávez se se justifica aumentar a presença do
casa dos representantes do país diz ameaçada pela presença nor- Estado nas atividades produtivas.
é essencialmente um chan- te-americana na região, alegando Não é difícil concluir que a rees-
celador de medidas provisórias. que as bases colombianas não ser- tatização de empresas significaria
viriam para o combate ao narco- uma perda substancial de eficiên-
Os deputados e senadores são cia do país, tendo em vista resulta-
tráfico e, sim, para ameaçar a ex-
agraciados com todos os tipos pansão do socialismo bolivariano. dos passados das estatais.
de benefícios. Até o de não As discussões entre os presidentes da O prof. Antonio Carlos Pôrto
serem processados pela Justiça, América do Sul foram estruturadas Gonçalves, diretor de cursos
que vale para todos os demais assim, em torno do perigo que corporativos do IDE/FGV, faz uma
cidadãos. A esperança de que o aviões norte-americanos, com 3.000 avaliação sobre a política cambial
fim da operação do Mensalão re- km de autonomia de voo, represen- do Brasil. Ele justifica a valorização
duzisse a corrupção legislativa tariam para o continente, em espe- do real frente ao dólar e não vê
transformou-se em tragédia. cial para a Venezuela. A conside- problemas na manutenção da atual
Hoje, a base aliada é distinguida ração do presidente do Peru, Alan política de câmbio.
por cargos ministeriais e di- Garcia, de que interesses teriam os Esta edição está acompanha-
norte-americanos em prejudicar seu da de um extraordinário trabalho
retorias de fundos de pensão que maior fornecedor individual de pe- do Prof. Salvador Raza, no qual ele
proveem – através de corrup- tróleo serviu de contraponto. Tudo examina a necessidade de o país
ção ativa e passiva –, em todas indica que o conflito termine em re- ter uma Política de Segurança Na-
as concorrências, o salário com- tórica. Gunther Rudzit, doutor em cional. É um trabalho de fôlego.
plementar dos legisladores. ciência política pela USP e coorde- Na seção Livros, Rodrigo
nador dos cursos de pós-gradua- Constantino faz uma resenha do
ção da FAAP, examina a questão recente sucesso de Demétrio
Envie as suas mensagens para a das bases americanas e conta a his- Magnoli com o livro Uma gota de
rua Rua Maria Eugênia, 167 - tória nada pacífica da região. sangue.
Humaitá - Rio de Janeiro - RJ -
22261-080, ou ilrj@gbl.com.br. A Petrobras, monopolista, na Em NOTAS é feita uma análise
sua criação, da exploração de Pe- da proposta orçamentária para
tróleo, colocou durante alguns anos 2010.

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Direito

A progressão do regime prisional


e a legislação em vigor
Arnaldo Hossepian Junior
Procurador de Justiça do Ministério Público de São Paulo.
Professor de Direito Penal na Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado.

ema sempre presente no sofrer reforma), inclusive pela 7.210/84, promulgada em 11


T noticiário nacional, o sis- prática de crimes hediondos, de julho de 1984 e em vigor
tema de cumprimento de pena merece ser enfrentado de forma desde 13 de janeiro de 1985.
por parte daqueles condenados técnica, livre de qualquer espécie E o assunto se revela opor-
com sentença já transitada em de preconceito e emoção, à luz tuno, na medida em que é fre-
julgado (não mais passível de da legislação vigente, a Lei nº quente o inconformismo por

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Direito

parte da sociedade civil quando cumprimento de pena inicial, em valor moral. Deve o condenado
se depara com notícias dando especial o fechado, pleitear a demonstrar, no curso da exe-
conta de que criminosos contu- progressão para regime mais cução, merecer a progressão,
mazes, que atentaram contra brando, no caso o semiaberto, pois é o “mérito”, nos termos da
valores caros para o cidadão após o cumprimento de ao exposição de motivos da Lei das
(vida, patrimônio, dignidade menos 1/6 (um sexto) do total Execuções Penais (item 29), “o
sexual, administração pública, da pena, além de ostentar critério que comanda a exe-
saúde pública, etc.), muitas vezes bom comportamento carcerário, cução progressiva” (conforme
com requintes de crueldade, comprovado pelo diretor do es- Julio Fabrini Mirabete, Execução
uma vez condenados à pena tabelecimento penal, sempre Penal, 11ª edição, Atlas, p. 423).
privativa de liberdade elevada, “respeitadas as normas que ve- E no tocante ao requisito
após o cumprimento de poucos dam a progressão.” No caso de “mérito”, sua aferição dar-se-á
anos em regime fechado aca- condenação pela prática de mediante informações sobre seu
bam sendo postos em liberdade, comportamento no cárcere,
ainda que de forma supos- além da verificação sobre sua


tamente monitorada, quase que aptidão para retornar, ainda
automaticamente, tudo por Além do que parcialmente, ao convívio
conta da progressão de regime. cumprimento dos social – o que ocorre quando da
É pela execução da pena, requisitos objetivos progressão para o regime semi-
em última análise, que vive a a lei exige, para a aberto, hipótese em que o ape-
legislação penal. Antes daquela, progressão de nado passa a ter a possibilidade
o criminoso não sente as conse- de exercer trabalho externo ou
quências efetivas de seus atos. regime, que o mérito até mesmo matricular-se em
E é de interesse da sociedade a do condenado curso profissionalizante (nos
firme atuação do Estado na indique a termos do artigo 35, parágrafo
punição daqueles que violam a pertinência da 2º, do Código Penal Brasileiro),
legislação penal, não apenas benesse legal. retornando para o estabe-
como resposta ao dano cau- Portanto, a lecimento prisional no período
sado, muitas vezes irreparável, noturno. Nesse aspecto, bas-
mas também pelo caráter pe-
progressão depende tante valioso para aferição do
dagógico que a punição efetiva da adaptação mérito é o exame criminológico,
provável ao regime

exerce sobre o tecido social – a previsto no artigo 8º da Lei das
certeza de que qualquer prática menos severo. Execuções Penais, bem como no
criminosa será adequadamente artigo 34 do Código Penal Bra-
punida. sileiro. Trata-se de instrumento
O sistema progressivo de re- crime hediondo (homicídio, que permite analisar o quadro
gime de cumprimento de pena sequestro com morte, roubo psicológico e psiquiátrico do
foi instituído com vistas à rein- seguido de morte, tráfico de dro- condenado, bem como aspectos
serção gradativa do condenado gas, etc.), o decurso temporal relacionados com sua perso-
à vida em sociedade. Deve o mínimo é de ao menos 2/5 (dois nalidade, tudo com o objetivo de
condenado cumprir a pena em quintos), se primário, e 3/5 (três investigar a efetiva cessação da
etapas, isto é, em regime cada quintos) se reincidente, isto é, se periculosidade. Infelizmente,
vez mais brando (fechado, já pesar contra o agente con- para alguns magistrados a exi-
semiaberto e aberto) até receber, denação anterior transitada em gência de realização de exame
por completo, a liberdade. Du- julgado. criminológico para a concessão
rante esse tempo o condenado Além do cumprimento dos de progressão de regime carece
deverá ser avaliado, de forma requisitos objetivos a lei exige, de amparo legal, na medida em
ampla, sempre tendo como para a progressão de regime, que o artigo 112 da Lei de
objetivo a progressão de regime que o mérito do condenado Execuções Penais, reformado
em tempo oportuno. O artigo indique a pertinência da benesse pela Lei nº 10.792, de 1º de
112 da Lei nº 7210/84, Lei das legal. Portanto, a progressão dezembro de 2003, não prevê
Execuções Penais, estabelece os depende da adaptação provável mais, de forma expressa (como
requisitos necessários para que ao regime menos severo. É se fazia na redação anterior), a
o indivíduo possa, uma vez necessário apurar a aptidão, a necessidade de tal providência.
condenado e fixado o regime de capacidade, o merecimento e o Contudo, tal entendimento, data

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Direito

celso Pretório vai ao encontro do


que determina o artigo 5º, XLVI,
da Constituição Federal, que
consagra o princípio da indivi-
dualização da pena. O Código
Penal, em seu artigo 33, pa-
rágrafo 2º, continua a men-
cionar que “as penas privativas
de liberdade deverão ser execu-
tadas de forma progressiva,
segundo o mérito do con-
denado...”. Logo, cabe ao ma-
gistrado, ante o arcabouço legal
em vigor, valorar a gravidade do
delito praticado pelo condenado
como ponto de partida para
análise do pedido de progressão
de regime. Assim, se estiver
diante de pedido formulado em
O STF já firmou jurisprudência no sentido de que a progressão de regime prisional, favor de condenado por prática
pelo condenado, está vinculado ao preenchimento de todos os requisitos. de crime violento, deverá o ma-
gistrado se socorrer de maiores
venia, ignora os demais dispo- denado, não apenas dos re- informações sobre o agente,
sitivos legais aqui já apontados, quisitos objetivos – tempo de não ficando entregue a um
bem como a necessidade de se pena cumprido no regime gra- simples atestado de boa conduta
compreender o texto legal de voso mais atestado de boa con- carcerária fornecido pela di-
forma sistemática, pois ele visa, duta carcerária –, mas também reção do presídio, para todo e
também, à proteção dos inte- dos requisitos subjetivos. Consa- qualquer caso, sabe-se lá de que
resses da sociedade. Interpre- grou, portanto, a possibilidade forma e com qual critério. Enfim,
tação diversa da ora sustentada de o Magistrado fazer uso do as ferramentas existem e estão
permitirá, sem dúvida alguma, exame criminológico como um disponíveis para que se faça
que inúmeros criminosos peri- dos elementos para a formação Justiça! Resta, agora, ao Ju-
gosos e que não possuem con- de sua convicção pessoal, sem- diciário e ao Ministério Público
dições de retornar ao convívio pre que se mostrar necessário à fazerem uso adequado delas! É
social continuem sendo postos verificação do processo de o que reclama a sociedade, em
na rua, desde que cumprido o reinserção social do apenado. E nome da paz social, bem jurídico
tempo mínimo de pena em foi mais além a Suprema Corte, superior ao interesse de cada
regime mais gravoso, aliado à na medida em que já se posi- um. Não podemos descurar da
apresentação de atestado de cionou no sentido de que, além defesa da sociedade, implemen-
bom comportamento carcerário, do exame criminológico, pode o tando um sistema de progressão
elaborado pelo diretor do esta- magistrado valer-se de um es- de pena sem nenhuma eficácia
belecimento prisional. Assim, tudo mais amplo, elaborado pedagógica ou ressocializante.
confere-se ao diretor do estabe- pela Comissão Técnica de Clas- Sem dúvida a superlotação dos
lecimento prisional, personagem sificação de condenado, com- presídios é um problema grave
sujeito a todo tipo de vicissitude posta de psiquiatra, psicólogo, e que preocupa a todos. Con-
no exercício de difícil mister, o assistente social, funcionários do tudo, a solução, algo bastante
poder de deliberar sobre a estabelecimento prisional, tudo complexo, e que exige, antes de
progressão de regime em favor nos moldes dos artigos 7º e 9º tudo, muita vontade política dos
do condenado. Anote-se, por da Lei das Execuções Penais governantes, certamente não
oportuno, que o E. Supremo (nesse sentido, HC 71703, rel. passa pela absoluta flexibi-
Tribunal Federal já firmou juris- Ministro Celso de Mello; HC lização do aparato repressor,
prudência no sentido de que o 86.631, rel. Min. Ricardo sob pena de estarmos fomen-
deferimento da progressão de Lewandowisk; HC 94625, rel. tando a sensação de insegu-
regime prisional está vinculado Min. Cármen Lúcia). O posi- rança que já contamina toda a
ao preenchimento, pelo con- cionamento adotado pelo Ex- sociedade!

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Sociedade

“Desenvolvimento e sustentabilidade,
antagonismo inevitável?”
Vitor Seravalli
Presidente do Comitê Brasileiro do Pacto Global. Sócio-Diretor da Seravalli Consulting.

odos concordam que o Brasil palavras desenvolvimento e sus- Como diz o dito popular: “Se
T precisar crescer. Nosso reco- tentabilidade. correr, o bicho pega. Se ficar, o
nhecido talento e nossas riquezas Aliás, para um grupo consi- bicho come”.
naturais são sinais claros que nos derável de líderes há mesmo o A única saída parece estar
projetam para uma dimensão consenso incorreto de que, infe- escondida a sete chaves, e
maior. lizmente, essa integração não é quando isso acontece não há
Mas como seguir rumo ao possível. outra alternativa senão a quebra
nosso destino, se a cada momento As crises constantes, as metas de paradigma, a inovação no
somos lembrados do risco da agressivas de curto prazo, a pensar e no agir, o “pensar fora
destruição de nossos patrimônios pressão pela sobrevivência num da caixa”, enfim, a busca por algo
mais representativos? mercado sempre muito hostil realmente novo.
Como apoiar medidas que foram sempre ótimos argumentos Mas o que seria esse “inu-
trazem benefícios concretos, mas para decisões que trazem uma sitado” estilo de liderança? Que
que deixam um rastro de destrui- percepção de sucesso imediato, competência seria essa, capaz de
ção naquilo que deveria ser eterno? mas que na verdade compro- decifrar o enigma de um improvável
Essa questão talvez seja uma metem nosso futuro de modo desenvolvimento sustentável?
das mais relevantes para nossas inexorável. Uma coisa é certa: não
atuais lideranças e, por que não Essa situação incômoda passa estamos falando de heroísmo.
dizer, para nós próprios, meros a se configurar, talvez, como o Outra coisa é provável: a solução
cidadãos. Pois somos nós que maior dilema da humanidade. complexa pode estar oculta por
escolhemos as pessoas que es- trás de um singelo conjunto de
tarão na condição de aprovar as valores e princípios que possam
ações, os projetos e decidir manter caminhos simples, mas
pelas mudanças que nos emoldurados pelo mais puro bom
levarão ao desejado status senso. Não se trata de uma visão
de nação de primeiro somente com foco desenvol-
mundo. vimentista ou preservacionista,
Isso corrobora a mas de uma perspectiva que
evidência histórica equilibra os pilares econô-
de uma convivên- mico, social e ambiental.
cia nem sempre Atualmente, se algum
pacífica entre as líder ainda não se conscien-

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Sociedade

tizou da importância dos prin- qual seria uma forma de ma- Isso também vale para líderes
cípios do desenvolvimento sus- terializar esse real compromisso diferenciados que, ao contrário
tentável em suas estratégias, há das organizações e seus líderes dos pessimistas de plantão,
evidências claras de que o mesmo com uma sociedade sustentável? incorporam novas competências
não sabe o que é pensar a longo A resposta está na compreen- e conquistam mais autoridade
prazo. são da sustentabilidade como uma onde atuam.
Por outro lado, a alta impor- competência; uma competência E você? Como percebe esse
tância que este tema vem ga- organizacional e, principalmente, novo momento? Como um risco
nhando traz consigo, inicialmente, individual. ou como uma oportunidade para
mais desafios do que facilidades. Líderes que incorporem va- sua própria sustentabilidade?
Mas uma coisa é certa, quando lores, conhecimentos, habilidades Mais do que analisar esses
falamos da verdadeira sustenta- e atitudes sustentáveis terão seu temas como riscos, temos o foco
bilidade, ou seja, “aquela que comportamento positivamente estratégico para possíveis solu-
busca o melhor atendimento das ções e práticas já existentes de-
necessidades atuais sem preju- cididamente num direcionamento
para oportunidades que se apre-

“Global
dicar a capacidade das gerações
futuras de satisfazerem suas pró- O Pacto sentam para as organizações e
prias necessidades”, os riscos ine- para a sociedade.
rentes a tais desafios são grandes é um Ainda no âmbito dessas opor-
e valiosas oportunidades. fórum aberto, tunidades, também deverão ser
Alguns caminhos na busca compartilhadas e disseminadas
dessas oportunidades incluem: acessível, que informações sobre diversas inicia-
• A busca constante pela procura atender tivas já existentes que podem
inovação e pela criatividade, ajudar as organizações a integrar
aliada à competência de im- a participação a sustentabilidade em suas ati-
plementar rapidamente as mu- de um diverso vidades.
Uma dessas iniciativas, reco-
danças embasadas em estudos
profundos de marketing que
grupo de nhecida mundialmente, chama-se
privilegiem a ecoeficiência; empresas Pacto Global.
• a opção por materiais e ener- e demais Pacto Global é uma iniciativa
gias renováveis;
• a preocupação pela minimi-
zação de emissões, e mesmo a
organizações. ” das Nações Unidas propondo à
comunidade empresarial, às
agências da ONU e às organi-
capacidade de criar novas op- zações da sociedade civil o
ções de reciclagem etc.; desafio de apoiar mundialmente
• a valorização de avanços percebido pela sociedade, e con- a promoção de valores funda-
sociais que tratem da inclusão, duzirão as organizações rumo à mentais nas áreas de direitos
da educação e da capacitação; sustentabilidade. humanos, direitos do trabalho,
• escolhas éticas; Em tempos de crise, muitas proteção ambiental e combate à
• e, principalmente, a integra- organizações reduzem seus inves- corrupção.
ção dos investimentos socioam- timentos relacionados ao desen- O Pacto Global advoga dez
bientais aos objetivos estraté- volvimento sustentável como uma princípios universais, derivados da
gicos das organizações. necessária medida de redução de Declaração Universal de Direitos
Estas são prioridades que re- seus custos. Humanos, da Declaração da
duzem os impactos socioam- Por outro lado, destacam-se Organização Internacional do
bientais, promovem redução de outras organizações que enxergam Trabalho sobre Princípios e
custos e possibilitam preços mais nessa mesma crise uma grande Direitos Fundamentais no Tra-
justos em relação aos benefícios oportunidade para inovar, para balho, da Declaração do Rio sobre
que o consumidor receberá e o agregar valor aos seus serviços e di- Meio Ambiente e Desenvolvimento
cidadão perceberá. ferenciá-los com melhores caracte- e da Convenção das Nações
E, finalmente, promovem a rísticas socioambientais. Essas or- Unidas Contra a Corrupção.
competitividade que as organi- ganizações estão conquistando no- O Pacto Global é um fórum
zações necessitam para perma- vos espaços e se tornando cada aberto, acessível, que procura
necerem mais tempo vivas. Mas, vez mais sustentáveis. atender a participação de um

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Sociedade

OS 10 PRINCÍPIOS DO PACTO GLOBAL

Princípios de Direitos Princípios de Proteção


Humanos Ambiental
diverso grupo de empresas e
1. Respeitar e proteger os 7. Apoiar uma abordagem
demais organizações.
Uma organização que queira direitos humanos; preventiva aos desafios
se engajar no Pacto Global pode 2. Impedir violações de direitos ambientais;
fazê-lo enviando uma carta do humanos; 8. Promover a responsabilidade
principal executivo endereçada ao ambiental;
Secretário-Geral das Nações Princípios de Direitos 9. Encorajar tecnologias que
Unidas, expressando seu apoio à do Trabalho não agridem o meio ambiente.
iniciativa Pacto Global e a seus 10
Princípios, bem como o compro- 3. Apoiar a liberdade de
misso em desenvolver as seguintes associação no trabalho; Princípio contra a Corrupção
ações:
4. Abolir o trabalho forçado;
1. Emitir uma clara declaração 10. Combater a corrupção em
de apoio ao Pacto Global e seus 5. Abolir o trabalho infantil;
6. Eliminar a discriminação todas as suas formas,
dez princípios, e publicamente
advogar o Pacto Global. Isso no ambiente de trabalho; inclusive extorsão e propina.
significa:
a) Informar os seus públicos;
b) Integrar o Pacto Global e os
dez princípios nos programas de
desenvolvimento corporativo e
treinamento;
c) Incorporar os princípios do
Pacto Global na declaração da www.pactoglobal.org.br
missão da organização;
d) Incluir o compromisso com
o Pacto Global nos Relatórios Trata-se de uma rede que inclui atitude proativa na disseminação
Anuais e em outros documentos mais de 6.000 empresas e orga- do programa, pela inovação das
publicados pela organização; nizações pelo mundo todo. Cada propostas e pelo pragmatismo
e) Emitir comunicados para a país tem sua própria rede, sendo das ações.
imprensa para tornar o com- que o Brasil é a quinta maior rede E, por isso, temos certeza de
promisso público. entre todas e inclui cerca de 320 que em breve estaremos na lide-
2. O Pacto Global aconselha empresas e organizações. rança mundial e seremos referên-
as organizações a publicarem O Comitê Brasileiro do Pacto cia, também, no desenvolvimento
anualmente o progresso referente Global, um grupo voluntário re- e na implementação da sustenta-
à implementação dos dez princí- presentativo de organizações e bilidade como competência em-
pios. O escritório do Pacto Global empresas, tem a missão de disse- presarial e organizacional.
auxilia as organizações e coloca minar a iniciativa no país e dar No final das contas, somente o
à disposição um conjunto de di- suporte para que novas empresas aparente antagonismo entre
retrizes para orientar essa comu- se tornem signatárias. A rede desenvolvimento e sustentabilidade
nicação. brasileira se destaca pela sua é que não se sustentará.

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Internacional

Bases na Colômbia: ameaças,


ideologia e padrões históricos
Gunther Rudzit
Doutor em Ciência Política pela USP. Coordenador dos cursos de graduação e
pós-graduação em Relações Internacionais da FAAP.

anúncio feito em julho pas- O USO DA FORÇA NA Tem-se, por conseguinte, que em
O sado de um acordo para a AMÉRICA DO SUL média quase todo ano houve um
utilização de sete bases militares MID na América do Sul, mais
em território colombiano pelos Há uma percepção errônea e precisamente, a cada 0,87 ano.
Estados Unidos gerou muita fatos mal compreendidos sobre Pode-se considerar que o uso da
controvérsia na América do Sul. conflitos armados interestatais na força, ou a ameaça de seu uso, é
Os presidentes Hugo Chávez, da América Latina como um todo, e muito frequente na região, sendo
Venezuela, e Rafael Correa, do principalmente em relação à que na maior parte das vezes as
Equador, foram os mais enfáticos América do Sul, o que levou ao disputas tenderam a começar
nas críticas a esse novo tratado, que se pode chamar de mito de com o evidente uso da força, um
afirmando que seus países seriam uma região pacífica. O uso da exemplo de que os governos do
ameaçados diretamente pela força, ou a ameaça do seu uso, é continente utilizam frequente-
presença de tropas e equipamento um instrumento comum na re- mente as suas Forças Armadas
militar norte-americanos no terri- gião. Utilizando-se de um indi- como um instrumento ativo da
tório vizinho. Não tão contun- cador chamado de militarized sua política externa. Um outro
dente, mas também se colocando interstate dispute (MIDs), ou seja, ponto interessante é que apesar
contrário a esse acerto, foi o disputas interestatais militari- de as disputas escalarem e se
presidente brasileiro Luiz Inácio zadas, a América do Sul, ou mes- tornarem militarizadas, é extrema-
Lula da Silva. Os dois lados bus- mo a América Latina como um mente raro que elas se trans-
caram, desde então, defender todo, realmente não poderia ser formem em uma guerra (definida
suas visões, na tentativa de considerada pacífica. Isto se dá como tendo acima de mil mortes
conseguir apoio diplomático e tendo em vista que a força militar em campo de batalha), pois so-
popular para suas alegações. Fica foi utilizada como instrumento da mente 2,4% das disputas tiveram
assim o questionamento da exis- política externa nos países mais tal desfecho. Justamente este
tência ou não de uma ameaça aos do que normalmente se supõe. último dado é que faz com que
países da região com a presença No período compreendido alguns autores defendam a per-
americana em bases colom- entre os anos de 1884 e 1993 cepção de um continente livre de
bianas. tal atitude foi aplicada 127 vezes. conflitos interestatais.

DEZ
EZ/J AN/F
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09/10- N- ºN49
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Internacional

PERCEPÇÕES DE AMEAÇAS
A percepção de ameaças por
parte do militares da América
Latina em geral, e particularmente
na América do Sul, tem sido o
foco central na formulação de
suas políticas de defesa. Histo-
ricamente, os militares sul-ameri-
canos têm procurado identificar
ameaças e cenários possíveis,
tanto para conflitos bilaterais
como regionais, a fim de, em seus
pontos de vista, desenvolverem
capacidades dissuasórias. Assim,
mesmo durante a Guerra Fria a
percepção de ameaças vindas de
países vizinhos era o foco do
planejamento no continente, já
que a delimitação de fronteiras
pode ser considerada uma das
principais fontes de diferendos,
pois o território está intrinse-
camente ligado à identidade Um dos maiores exemplos dessas preocupações em relação à Colômbia foi o “incidente
nacional. de Caldas” no Golfo da Venezuela.
Para a Venezuela, a percepção
de ameaça tradicionalmente tornou muito importante para a Andrés e Providencia, que estão
envolveu a Colômbia. Um dos população equatoriana pois seu localizadas no Mar do Caribe,
maiores exemplos dessas preocu- país sofreu, após uma série de muito próximas do litoral Nica-
pações em relação à Colômbia conflitos, uma perda de parte raguense
foi o “incidente de Caldas” no considerável do seu território ori-
Golfo da Venezuela, em 1987, ginal quando de sua indepen- A AMEAÇA INTERNA
quando navios das duas mari- dência em 1822. Os dois Estados
nhas navegaram muito próximos disputam uma região da bacia Apesar dessas percepções e
e quase entraram em combate, o amazônica, e por ela já entraram planejamentos militares, a maior
que reforçou a contínua militari- em conflito três vezes, em 1859- ameaça que os países sul-
zação das relações entre os dois 60, 1941-42 e 1995. Portanto, americanos, e latino-americanos
países desde então. Com a historicamente as atenções de no geral, sofreram foi a insur-
chegada de Hugo Chávez à pre- Quito sempre foram para suas reição comunista. Em virtude da
sidência, a percepção de grande fronteiras leste e sul. realidade bipolar da Guerra Fria,
ameaça passou estar relacionada A Colômbia, por sua vez, as superpotências estavam quase
à indústria petrolífera venezue- percebe a situação no Golfo da sempre envolvidas em guerras
lana, sendo que, neste caso, a Venezuela e a demarcação de sua interestatais ou intraestatais no
maior ameaça seria, segundo o fronteira marítima como um terceiro mundo.
líder venezuelano, uma interven- assunto potencialmente explosivo Em vários países as ameaças
ção norte-americana, particular- nas relações com seu vizinho. O se tornaram realidade, pois apro-
mente após a Guerra do Golfo governo de Bogotá já propôs que ximadamente trinta movimentos
de 1991. novos mecanismos para a re- guerrilheiros emergiram em toda
Para o Equador, até a eleição solução da disputa fossem encon- a América Latina do começo da
de Rafael Correa para a presi- trados, tendo em vista que as década de 1950 até a década de
dência do país a maior percepção negociações anteriores para tanto 1980. Virtualmente todos esses
de ameaça era em relação ao haviam sido infrutíferas. Outra movimentos se autoproclamaram
Peru. Os dois países têm uma fonte de ameaça, que tomou força de ideologia marxista, sendo que
disputa histórica em relação a trinta anos atrás, é a reivindicação alguns tenderam a incorporar
uma área de fronteira, o que se pela Nicarágua das Ilhas San também causas nacionalistas e

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populistas. O primeiro movi- Bogotá. Ao perder a ajuda finan- militares. Contudo, com a cres-
mento, e o mais reconhecido, foi ceira da União Soviética, a guer- cente transformação política na
o de Fidel Castro em Cuba, sendo rilha buscou no narcotráfico uma Venezuela do presidente Hugo
que este serviu de exemplo e, nova fonte de financiamento, o Chávez em direção ao que ele
algumas vezes, estimulou outros que possibilitou ao grupo se for- denomina socialismo bolivariano,
grupos revolucionários em vários talecer ao ponto de negar o e posteriormente de Rafael Correa
países. Na Venezuela, viu-se sur- controle às forças colombianas em no Equador, houve o acréscimo
gir o aparecimento de grupos áreas cada vez maiores. Dessa do componente político à já
guerrilheiros em 1962 com as realidade é que surgiu, por ini- complicada situação colombiana.
Forças Armadas de Liberação ciativa das próprias autoridades No início de 2008, em discurso
Nacional (FALN), apoiados por colombianas, o Plan Colombia, no Congresso venezuelano,
grupos comunistas, e pelo Mo- que foi um pedido de ajuda feito Chávez afirmou que considerava
vimento de Esquerda Revolu- ao governo americano a fim de o grupo guerrilheiro colombiano
cionário (MIR). Na Colômbia, conseguir combater o tráfico de como uma força política legítima,
décadas de conflitos armados drogas. claramente ingerindo nos as-
entre Liberais e Conservadores Desde a implementação desse suntos do país vizinho. Exemplo
(período conhecido como La plano, no início desta década, as máximo dessa ação foi a sua
Violencia) deram lugar, na metade forças armadas colombianas intermediação junto ao grupo
da década de 1960, à formação conseguiram retomar a vantagem guerrilheiro para a liberação de
de múltiplos grupos guerrilheiros: sobre a guerrilha. Essa trans- reféns mantidos no cativeiro há
as Forças Armadas Revolucio- formação se deu com a ajuda anos. Por outro lado, passou a
nárias da Colômbia (FARC), financeira de mais de US$ 5 haver a acusação por parte de
aliadas ao partido comunista bilhões para a compra de equi- membros do governo Uribe de
(PCC); o Exército de Liberação pamento militar, além de trei- que os governos desses países
Nacional (ELN), inspirado dire- namento das próprias forças estariam deixando as FARC usa-
tamente no exemplo cubano; e o colombianas. Além do mais, com rem seus territórios como refúgio.
grupo maoista Exército Popular de a chegada do presidente Álvaro Dois meses depois das decla-
Libertação (EPL). Na Bolívia, Uribe ao governo, em 2002, que rações do presidente Chávez
Ernesto “Che” Guevara orga- se elegeu fazendo uma cam- sobre o status político das FARC
nizou, no final de 1966, um panha baseada em não negociar as relações entre os três países
grupo, sendo que ele não con- e sim combater a guerrilha, os chegaram ao seu ponto mais
seguiu o apoio nem da população ganhos das forças governa- extremo. Em março de 2008,
nem dos comunistas locais, o que mentais se ampliaram, a tal ponto forças colombianas atacaram
favoreceu a destruição do mesmo que propiciaram a mudança na uma base da guerrilha das FARC
e a morte do próprio Che em Constituição do país para permitir em território equatoriano. Esta foi
1967, o que marcou o fim dessa a reeleição do presidente ao fim a situação mais tensa na região
“primeira onda” de movimentos do seu primeiro mandato. desde a rápida guerra de três
guerrilheiros na América Latina semanas entre Equador e Peru em
contemporânea. PROXIMIDADE IDEOLÓGICA 1995. O governo venezuelano
Uma segunda onda apareceu chegou a movimentar suas tropas
nas décadas de 1970 e 1980. De A partir desse quadro político- para a sua fronteira com a Co-
todas, as principais na América do militar é que as tensões entre a lômbia, alegando que temia tam-
Sul foram, na Colômbia, o Mo- Colômbia e seus vizinhos au- bém ser atacado. Como resul-
vimento 19 (M-19), muito prag- mentaram. Até o início desta tado do ataque colombiano, os
mático em sua ideologia, que década os países da região governos de Bogotá e Quito não
levou a cultivar conexões com os sempre trataram o conflito colom- mantêm mais relações diplo-
chefes do narcotráfico e manteve biano como um assunto interno máticas.
estrito contato com Cuba. Já no àquele Estado. Mesmo que tal
Peru surgiu um grupo guerrilheiro postura fosse respaldada pela AS BASES
maoista, o Sendero Luminoso. tradição latino-americana de não
De todos esses movimentos, as ingerência em assuntos internos No início de julho de 2009 o
FARC continuam a atuar em ter- de outros Estados, já se dispunha governo de Rafael Correa anun-
ritório colombiano, e desde o fim de dados sobre os efeitos hu- ciou que não renovaria o acordo
da Guerra Fria se tornaram uma manitários nos países vizinhos, e de cessão da base de Manta
verdadeira ameaça ao governo de surgiam casos de problemas para o governo americano. Essa

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base tinha fundamental impor- Nações Sul-Americana (UNASUL) sul-americanos não dão apoio
tância para a Joint Interagency na cidade de Bariloche, Argentina, integral no combate ao narco-
Task Force South nas ações no dia 28 de agosto. Com a tráfico, o que não foi contestado
antinarcóticos, pois propiciava o minicúpula sendo transmitida ao por nenhum colega. Pode-se per-
patrulhamento aéreo de longo vivo nada se resolveu, e depois de ceber que as discussões foram
curso que resultou na apreensão sete horas de discursos, e com o pautadas muito mais por posturas
de aproximadamente 230 tone- anúncio do comunicado final, ideológicas do que por preocu-
ladas de cocaína desde o ano de ficou claro um continente dividido. pações de segurança.
1999. Por tudo isso, o anúncio do Os presidentes do Equador e
acordo colombiano-americano, da Bolívia apoiaram Hugo Chá- O PADRÃO HISTÓRICO
em 20 de julho, para o uso de sete vez, que defendeu que o acordo
bases no combate ao narcotráfico era o primeiro passo para a Em um evento na cidade de
não seria para surpreender ninguém. presença definitiva de tropas São Paulo, no dia 19 de outubro
Contudo, quase todos os go- americanas e que tal atitude traria de 2009, ao lado do Presidente
vernos da região se pronunciaram Álvaro Uribe, o presidente Luiz
contra, com a exceção do pe- Inácio Lula da Silva mudou de


ruano. A postura do presidente opinião. Três meses antes, Lula
Hugo Chávez foi a mais radical, Se as condições afirmara que as garantias apre-
tanto que no dia seguinte à apresentadas pelos sentadas pelos governos da
declaração o líder venezuelano já governos de Bogotá Colômbia e dos Estados Unidos
se pronunciava afirmando que as não eram suficientes para garantir
tropas americanas em solo co- e Washington que as tropas americanas atua-
lombiano seriam uma ameaça passaram a ser riam somente em território colom-
direta à Venezuela e à sua revo- suficientes para biano. Agora, o líder brasileiro
lução socialista bolivariana. A passou a defender que a presença
justificativa de Chávez é a exis- Brasília, significa dessas tropas não oferecia ameaça
tência do “Livro Branco de Co- que as declarações a ninguém. Essa mudança de pos-
mando de Mobilidade Aérea e anteriores foram tura alterou o quadro diplomático
Estratégia Global de Base de puramente em torno do tema.
Apoio do Governo dos EUA”. Se as condições apresentadas
Segundo o líder venezuelano, esse políticas, sem base pelos governos de Bogotá e
documento mostra a real intenção em razões militares Washington passaram a ser
de Washington em instalar bases
no continente, sendo uma estra-
tégia para futuras ações militares
ou estratégicas.
” suficientes para Brasília, significa
que as declarações anteriores
foram puramente políticas, sem
abertas ou clandestinas na Amé- base em razões militares ou
rica do Sul. Por isso, aproveitou a semente do conflito na América estratégicas. Essa situação se
para anunciar sua intenção de do Sul. Por outro lado, os presi- enquadra no padrão de atitude
rever todas as relações entre Vene- dentes Álvaro Uribe e Alan Garcia que os governos sul-americanos
zuela e Colômbia, seu segundo procuraram criticar e rebater as têm de militarizar as discussões
maior parceiro comercial. falas de seus vizinhos. Em deter- rapidamente, mas que não levam
O presidente Rafael Correa minado momento, Garcia foi necessariamente ao conflito.
não foi tão enfático, mas em com- direto em mostrar a inconsis- Pode-se considerar, portanto,
pensação o presidente Lula passou tência da argumentação de Chá- que o acordo militar foi utilizado
a criticar aberta e enfaticamente vez, ao perguntar por que motivo como mais um instrumento de
o acordo. A alegação do governo os americanos atacariam a embate entre aqueles governan-
brasileiro passou a ser muito Venezuela, sendo que esta vende tes que tentam mudar as estru-
próxima da venezuelana, afir- diariamente um milhão e meio de turas políticas e econômicas na
mando que a presença de um barris de petróleo, quase sua região e outros que defendem as
avião específico, o C-17 Globe- produção inteira, aos próprios regras econômicas de mercado.
master III, que tem autonomia de americanos. Uribe foi mais direto, Tal atitude não difere do padrão
3 mil quilômetros, seria uma ao dizer que há uma intervenção histórico de militarizar as relações
ameaça a todos os vizinhos co- da Venezuela em vários países da entre Estados vizinhos que têm
lombianos. O assunto fez com região e que esta teria dado asilo diferendos fronteiriços não cica-
que fosse marcada uma reunião a dois guerrilheiros das FARC. trizados ou reavivados por políti-
de emergência da União das Além disso, afirmou que os países cas internas populistas.

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As regras para o Pré-Sal: quem perde


e quem ganha?
Adriano Pires
Diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE).

história do setor de petróleo rante essa fase a Petrobras não fase, em função do primeiro
A no Brasil apresenta duas cumpriu a missão para a qual foi choque do petróleo em 1973, o
grandes fases. A primeira foi criada, de tornar o país autos- governo tornou mais flexível a
iniciada quando o monopólio foi suficiente, ou até, exportador de legislação do setor e criou os
concedido à Petrobras no início petróleo. Esse fato colocou o contratos de risco, que não
dos anos 50, após o sucesso da Brasil no Guiness Book, como o obtiveram resultados positivos no
campanha “O Petróleo é Nosso”, único país no mundo a possuir tocante ao aumento da produção
uma rara situação em que as uma empresa monopolista estatal de petróleo. Somente com o se-
forças armadas brasileiras e os de um produto importado. Não gundo choque do petróleo, em
partidos de esquerda ficaram de conseguindo ser um produtor 1979, foi possível viabilizar a
um mesmo lado. Essa campanha relevante de petróleo, a estratégia exploração off-shore na bacia de
culminou na aprovação da Lei nº foi a de transformar a empresa Campos. Entretanto, a missão
2.004, em 1952, que concedeu numa monopolista em produção principal da empresa de tornar
à Petrobras o exercício do mono- de derivados de petróleo para o o Brasil autossuficiente em pe-
pólio, exceto na distribuição de mercado interno. Durante essa tróleo não foi alcançada nessa
derivados. Mais tarde, o mono- primeira fase foi construído, primeira fase.
pólio da Petrobras foi incorporado praticamente, todo o parque de A segunda fase é iniciada com
na Constituição de 1988. Du- refino da Petrobras. Ainda nessa a sanção do presidente da repú-

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blica, Fernando Henrique Car- Portanto, não foi o governo do Petrobras havia perdido com a Lei
doso, da Lei nº 9478/97. Para PT nem a atual direção da Petro- nº 9478 através da adoção dos
quem não se lembra, sua apro- bras que descobriram o pré-sal. contratos de partilha da pro-
vação resultou de uma batalha A história dessa descoberta, bem dução. A Petrobras passaria a ser
ferrenha e até emocional entre a como da autossuficiência, co- a única operadora dos campos
base de apoio ao governo FHC e meça a se concretizar a partir do do pré-sal que ainda não foram
a oposição liderada pelo PT. Essa momento que o governo brasileiro licitados, com uma participação
lei deu fim ao então intocável e entendeu que não fazia nenhum mínima de 30%. O primeiro
sagrado monopólio da Petrobras. sentido econômico deixar que comentário é que além da perda
Durante todo o debate que uma empresa estatal assumisse o de eficiência, natural de empresas
precedeu a mudança da Consti- monopólio do risco de explorar monopolistas, essa novidade
tuição e a posterior aprovação da petróleo. É uma pena que o go- tende a afastar investimentos das
Lei nº 9.478, a oposição afirmava tradicionais empresas petrolíferas,
que por trás da proposta do go- que poderão não aceitar ser


verno estava um plano maquia- meras parceiras financeiras da
vélico de enfraquecimento da É sempre bom Petrobras. Por outro lado, o novo
Petrobras. Diziam os críticos da lei lembrar que foi modelo poderá atrair empresas
que, com o fim do exercício do estatais, principalmente as chi-
monopólio, a Petrobras seria
graças aos leilões nesas, que têm grande dispo-
sucateada e privatizada. realizados pela ANP nibilidade de capital e possuem
Nada disso aconteceu. Ao que foi descoberto o pouca tradição como operadoras
contrário do que afirmavam as pré-sal. As áreas do de petróleo. O governo chinês
pitonisas pseudonacionalistas, a deixaria de comprar papéis do
Lei do Petróleo inaugurou uma pré-sal pertenciam tesouro americano e passaria a
fase gloriosa da Petrobras e do aos chamados comprar reservas de petróleo no
setor de petróleo. Na realidade, foi blocos azuis, que Brasil. Ficaria estabelecida a
o fim da “Petrossauro”, termo foram devolvidos eficiente e moderna parceria
cunhado pelo saudoso Roberto estatal com estatal. A Petrobras
Campos para descrever a Pe- pela Petrobras antes monopolista também passa a ser
trobras daquela época. Nessa de se iniciarem os um monopsônio, se transfor-
fase foi criada a ANP, através da leilões e o regime de mando na única compradora das
Lei nº 9.478 que, de forma concessões previsto indústrias fornecedoras de bens e


independente, regulamentou a lei serviços para o pré-sal. Será que
e promoveu leilões de blocos. Com na Lei nº 9.478. uma Petrobras monopolista e
a nova legislação a Petrobras exercendo o poder de monop-
ficou mais blindada das interven- sônio é caminhar para a mo-
ções políticas, fez parcerias com verno insista em nos colocar no dernidade e proteger os interesses
empresas privadas e finalmente túnel do tempo e levar-nos de do povo brasileiro? Um último
cumpriu sua missão de tornar o volta aos anos 50 e à campanha comentário a esse projeto seria
Brasil autossuficiente em petróleo. “O Petróleo é Nosso”. afirmar que o regime de con-
É sempre bom lembrar que foi Quando analisamos os quatro cessão, por estar baseado nas
graças aos leilões realizados pela projetos enviados ao Congresso regras do edital convocatório, é
ANP que foi descoberto o pré-sal. pelo governo, verificamos a exis- flexível o bastante para contemplar
As áreas do pré-sal pertenciam tência de dois pontos comuns a as peculiaridades da exploração
aos chamados blocos azuis, que todos: o direcionamento para uma e da produção de petróleo, de gás
foram devolvidos pela Petrobras reestatização do setor de petróleo natural e de outros hidrocarbo-
antes de se iniciarem os leilões e e gás natural e a mudança de um netos em áreas situadas no pré-
o regime de concessões previsto estado que participa da renda sal, em face dos riscos explora-
na Lei nº 9.478. No leilão de petroleira através da arrecadação tórios envolvidos; sendo assim, é
2001 a Petrobras, em parceria de impostos para um estado que totalmente desnecessário, ino-
com a BG e a Petrogal, adquiriram vai obter a mesma renda pela portuno e representa um atraso a
o que é conhecido hoje como comercialização do petróleo e introdução do modelo da partilha
Tupi. É interessante observar que do gás natural. da produção proposto pelo Exe-
todos os campos já descobertos No contexto da volta aos cutivo.
no pré-sal fizeram parte dos leilões anos 50, o governo propõe res- O projeto que cria a nova
da ANP. tituir parte do monopólio que a estatal (a Petrosal) propõe para a

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empresa funções de gestora dos ficos pertinentes, inclusive quanto cinco bilhões de barris equiva-
contratos de partilha e dos às técnicas apropriadas de recu- lentes de petróleo, extraídos a
contratos de comercialização de peração, objetivando a raciona- partir da camada do pré-sal, para
petróleo e gás natural. A primeira lização da produção e o controle privilegiar a estatal e, por conse-
função é atualmente exercida pela do declínio das reservas.” Nesse guinte, os seus acionistas priva-
ANP, só que em relação aos sentido, a Petrosal vai esvaziar a dos, concedendo-lhe, sem prévia
contratos de concessão. No artigo agência. A segunda função faz licitação e em afronta a vários
oitavo da Lei nº 9.478, que de- com que a Petrosal reencarne o princípios constitucionais, a prer-
termina as atribuições da ANP, o antigo IAA e o IBC, que só dei- rogativa de explorar diretamente
nono inciso estabelece que a ANP xaram heranças malditas. Uma os blocos e de se apropriar das
deve “fazer cumprir as boas outra função da Petrosal é a de receitas decorrentes.
práticas de conservação e uso participar dos comitês opera-
racional do petróleo, gás natural, cionais dos campos de petróleo Cabe ressaltar que:
seus derivados e biocombustíveis com poder de veto. Muitos
e de preservação do meio am- afirmam que isso teria sido co- (i) é inconstitucional ceder
biente.” Analogamente, o se- piado da estatal norueguesa reservas da União equivalentes a
gundo e o terceiro incisos do ar- Petoro. Não é verdade. Na No- bilhões de barris para uma so-
tigo 43 estabelecem que o con- ruega a estatal participa dos ciedade de economia mista, sem
trato de concessão estipulará “o comitês operacionais porque a licitação;
prazo de duração da fase de ex- Petoro é investidora e, portanto, (ii) ceder a exploração de
ploração e as condições de sua entra no risco do negócio. No blocos à Petrobras, sem cobrar
prorrogação” e o “programa de Brasil a Petrosal nada investe, e bônus de assinatura e partici-
trabalho e o volume de investi- apenas vai exercer uma ingerência pação especial, é lesar a União,
mento previsto.” O artigo se- política na administração dos Estados e Municípios;
guinte, nos incisos quarto e sexto, campos. O governo brasileiro (iii) os acionistas minoritários
estabelece que o concessionário abandona o modelo de controle da Petrobras, no momento da
estará obrigado a “submeter à da produção e fiscalização do capitalização, serão prejudicados,
ANP o plano de desenvolvimento campo por meio de uma agência pois entrarão com dinheiro e a
de campo declarado comercial, reguladora e passa agora a ter União com títulos da dívida pú-
contendo o cronograma e a essas funções exercidas por uma blica;
estimativa de investimento”, bem estatal com critérios pouco trans- (iv) a União já é controladora
como “adotar as melhores práti- parentes. da Petrobras, não havendo,
cas da indústria internacional do No contexto do Projeto de Lei portanto, motivo relevante para
petróleo e obedecer às normas e que visa capitalizar a Petrobras, aumentar o número de ações por
procedimentos técnicos e cientí- cogita o Poder Executivo de ceder ela detidas;
(v) o mercado de petróleo e a
própria Petrobras já são sufi-
cientemente atraentes para a
captação de recursos privados,
não sendo necessário o governo
capitalizar a empresa com re-
cursos públicos. Melhor seria
utilizar os instrumentos tradi-
cionais do mercado de capitais
para que a população venha a
investir na Petrobras.
Enfim, perde toda a socie-
dade brasileira com a implan-
tação do atraso típico de mer-
cados monopolistas. Ganha o
atual governo e todos aqueles
que lutam com toda a força para
manter privilégios que, cer-
tamente, acabariam caso o mo-
delo adotado fosse baseado nas
Com a nova legislação a Petrobras ficou mais blindada das intervenções políticas. regras de mercado.

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Especial
Uma visão liberal do fato

ada foi mais feio no período


E
mbora os analistas mais
respeitadores reconheçam que
O apagão afetou fortemente a
vida de milhões de cidadãos
N do que as manifestações do
brasileiros que se julgavam, até a Ministro das Minas e Energia,
o crescimento do Brasil, nos últimos
ocorrência, imunes ao risco. Já se Edison Lobão, ao afirmar que
anos, se deveu em parte a medidas tempestades e raios teriam
sabe que outros apagões poderão
institucionais implantadas no acontecer, apesar de a Ministra determinado o blackout do dia 11,
governo anterior, Lulla tem colhido Dilma Rousseff ter afirmado que afetando direta e indiretamente
os resultados como se o plantio agora, com o planejamento estatal, milhões de brasileiros. Antes de se
fosse seu. Até mesmo um Banco o país estaria livre desse risco. informar de maneira adequada o
Central independente do Ministério Os prejuízos causados diretamente Ministro atribuiu a intempéries o
da Fazenda, que é contrário em a cidadãos que se sentiram desastre. Horas depois foi
abandonados nas ruas, presos em desmentido por um diretor do INPE
tudo ao projeto petista, foi mantido. – Instituto Nacional de Pesquisas
elevadores, ou a crianças em
Vários analistas começaram a Espaciais, que afirmou
hospitais sem geradores de reserva
acreditar que tudo isso era Lulla. foram exemplos da falta de taxativamente que o raio mais
A redução do déficit primário, planejamento estatal, desenvolvido próximo às linhas de transmissão de
causado especialmente pelo por profissionais sem qualificação Itaipu ocorreu a 30 km e mais, com
aumento de vencimentos dos para quadros de primeiro e segundo uma intensidade que de nenhuma
funcionários públicos, a criação escalões no setor de energia elétrica, forma justificaria a queda.
a partir do titular do Ministério, Curiosamente, dias atrás
de ministérios rigorosamente
Edison Lobão. A escolha de Dilma Rousseff afirmou que com o
irrelevantes e o vigoroso aumento planejamento que agora temos não
representantes de partidos para
do número de cargos de confiança arrecadar os recursos via ocupação mais correríamos riscos de apagões.
respondem pelo aumento das de ministérios, antes distribuídos Como Dilma, que já ocupou cargos
despesas correntes. Agora, o país centralmente pelo PT, nas figuras de de destaque na área de energia,
que se dizia “imune ao apagão”, Delúbio Soares e Marcos Valério, não podia desconhecer os riscos do
sofre um de proporções não com subordinação direta a José nosso sistema interligado, fica feio e
Dirceu e o famoso mensalão, evidente que Rousseff contava com
imaginadas. Blackout total no
acabou prejudicando mais ao país a providência divina para sua
Rio e São Paulo e parcial em mais assertiva quanto à segurança do
do que o modelo anterior. Acredito
de oito estados da Federação. que, conhecedores do risco da sistema elétrico. Os que já
É bom que isso aconteça, opção, os brasileiros teriam preferido conhecem seu passado de
na medida em que reposiciona continuar no esquema do mensalão. pinocchio acham que é mentira
as coisas e torna claro que a sorte Não sei se é mais caro mas, mesmo, e que quando coloca
não é uma companheira de necessariamente, não leva a “um currículo ampliado” na
viagem confiável. Pelo menos, desastres como o do apagão. plataforma Lattes ou fala de
O apagão é ainda uma ameaça apagões continua desconhecendo
não sozinha. que a mentira tem pernas curtas.
para futuros investimentos
nacionais e estrangeiros no país. Isso é muito feio, Dilma!

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Economia

A volta do capitalismo
de estado? Aspectos
teóricos e práticos
Ulisses Ruiz de Gamboa
Doutor em Economia pela FEA/USP. Professor na FIPE/USP e FIA/USP.

INTRODUÇÃO seus aspectos conceituais como


práticos, ao analisar questões
atual crise financeira inter- relacionadas à eficiência do gasto
A nacional suscitou uma rá- público.
pida resposta dos Bancos Centrais
e da política fiscal dos Estados O “ILUSTRE DESCONHECIDO”
Unidos e dos demais países MODELO KEYNESIANO
desenvolvidos afetados. Desse
modo, as políticas fiscais e Em 1936 publica-se o grande
monetárias expansionistas imple- “divisor de águas” da teoria
mentadas visaram evitar a falência econômica moderna, que foi A
do sistema financeiro interna- Teoria Geral do Emprego, do Juro
cional, o que teria transformado e da Moeda, de autoria do
a crise numa verdadeira depres- economista britânico John May-
são, a exemplo do que ocorreu nard Keynes1. Frente a uma taxa
nos anos trinta. de desemprego que nos Estados
Contudo, o decorrente au- Unidos chegava a um quarto da
mento do ativismo estatal tem população, Keynes rompeu com
dado alento às vozes que pro- a doutrina econômica em voga na
clamam a volta do “estado em- época, ao recomendar que o
presário” como redentor da “nova Estado interviesse diretamente na
ordem econômica” pós-crise. Nesse economia, aumentando o inves-
contexto, os mais insuspeitados timento público.
governantes têm afirmado “somos Desde então, a obra do proe-
todos keynesianos”, e até revistas de minente economista tornou-se um
negócios têm publicado matérias dos principais alicerces teóricos do
com “a vingança de Marx”. capitalismo de estado, ao justi-
Apesar de não ter sofrido im- ficar, do ponto de vista econômico,
pactos comparáveis aos regis- a realização de políticas econô-
trados nos países desenvolvidos, micas ativistas que fossem ca-
o Brasil não está imune à ten- pazes de reduzir as flutuações da
dência do ressurgimento do capi- atividade econômica.
talismo de Estado, com o cres- Contudo, uma análise mais
cente aumento da ingerência aprofundada da Teoria Geral e do
governamental em vários setores, restante dos escritos de Keynes
como, por exemplo, o setor pe- parece contradizer a idéia de que
trolífero, o de telecomunicações e sempre seria conveniente contar
o bancário, entre outros. com uma forte presença do
Sendo assim, seria importante Estado na economia. Em primeiro
discutir a pertinência da idéia do lugar, deve-se recordar que a
regresso do capitalismo de Estado Teoria Geral parte da premissa de
no contexto de uma economia de que a economia sob estudo
mercado, considerando tanto encontra-se numa situação de

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Economia

recessão, na qual existe elevada aprofundando a redução do con- abordada pela teoria keynesiana,
capacidade ociosa na produção. sumo. é de vital importância para definir
Nessas circunstâncias, o aumento Como pode ser notado, não a esfera de atuação do setor
do gasto público, notadamente existe nenhuma contradição entre público na economia.
do investimento público, serviria as duas obras, posto que em Nesse sentido, o estudo rea-
para compensar o reduzido ambos os casos o autor reco- lizado por Afonso, Schuknecht e
apetite de investimento produtivo menda a utilização da política Tanzi 4 conclui que países com
por parte do setor privado, frente fiscal. Assim, em caso de reces- gasto público superior a 30% do
a expectativas desfavoráveis com são esta deverá ser expansionista, PIB tendem a ter um setor público
relação às vendas futuras. Nesse pois aí, com capacidade ociosa, mais ineficiente. Esses resultados
sentido, essa política fiscal expan- e, portanto, com espaço para foram obtidos a partir de dois
sionista, ao elevar a produção aumentar a produção sem gerar indicadores: Indicador de Desem-
geraria ao mesmo tempo au- aumentos de custos e preços o penho do Setor Público (PSP) e
mentos de renda e de emprego objetivo é reduzir o desemprego. Indicador de Eficiência do Setor
que expandiriam o consumo, Por outro lado, se a atividade Público (PSE), que utilizaram dados
retroalimentando todo o processo econômica está em expansão e o de 2001/2003.
ao produzir incrementos da pro- gasto agregado está “aquecido”,
dução e do emprego no setor de a solução seria aplicar uma po- a) Indicador de Desempenho
bens de consumo. Esse “círculo lítica fiscal contracionista e, com do Setor Público (PSP):
virtuoso”, inaugurado com o isso, reduzir as pressões de custos
aumento do gasto público, ficou e preços. O Indicador do Desempenho
conhecido como “efeito multi- Sendo assim, seria falacioso do Setor Público (PSP) é um índice
plicador”. utilizar o modelo keynesiano constituído por dois conjuntos de
Não obstante, o modelo key- autêntico para justificar aumentos indicadores, que são ponderados
nesiano como um todo não se permanentes do gasto público, com peso igual:
restringe a essa política de “sin- como ora se realiza no Brasil com • Indicadores de Oportuni-
tonia fina” anterior, onde a política a expansão dos gastos com fun- dade: resultados alcançados pelo
fiscal é sempre expansionista. cionalismo público, e muito setor público em administração
Keynes não estava preocupado menos para validar a volta do (corrupção, burocracia, qualidade
única e exclusivamente com o “Estado Empresário”. De fato, no do judiciário, economia informal),
desemprego, como vários de seus último capítulo de sua “Teoria educação (qualidade do ensino
seguidores parecem crer, mas Geral” Keynes afirma “... não se de matemática e ciência), saúde
também com a inflação. Basta vê nenhuma razão evidente que (taxa de mortalidade infantil, ex-
recordar que ele, além do famoso justifique um socialismo do Estado pectativa de vida) e infraestrutura.
economista italiano Brescianni- abrangendo a maior parte da • Indicadores Tradicionais de
Turroni, foram os principais vida econômica da nação. Não é Desempenho: distribuição da
autores do plano de estabilização a propriedade dos meios de renda (coeficiente de Gini),
que terminou com a hiperinflação produção que convém ao Estado estabilidade (inflação, variação
alemã. De fato, durante o início assumir.”3 da atividade econômica), desem-
da Segunda Guerra Mundial penho econômico (desemprego,
Keynes escreveu outro livro, A QUESTÃO DA EFICIÊNCIA crescimento da economia).
inédito ainda no Brasil, Como
Pagar Pela Guerra2, onde propõe Em sua dimensão prática, a b) Indicador de Eficiência do
um aumento da poupança discussão sobre a volta do capi- Setor Público (PSE):
privada a partir da demanda talismo de Estado está dire-
compulsória de títulos públicos, tamente relacionada com a de- O Indicador de eficiência do
para financiar os gastos com a cisão sobre o tamanho do setor setor público (PSE) pondera os
guerra sem gerar inflação. Em público na economia. Qual indicadores de desempenho
outras palavras, nesse outro livro deveria ser o tamanho “ideal” do anteriores pela quantidade de
Keynes recomenda, em tempos setor público? Claramente aquele gastos públicos necessários para
de falta de capacidade ociosa, que garanta o máximo de efi- alcançar o nível de eficiência
reduzir o consumo por intermédio ciência na utilização dos recursos correspondente.
de uma política que equivale a públicos e que, combinado com O referido estudo, por um lado,
aumentar os impostos, para poder o esforço privado, possa contri- compara a participação do gasto
diminuir as pressões inflacio- buir para o crescimento susten- público no PIB do Brasil – um
nárias. O “efeito multiplicador”, tado da economia. Em outras indicador do tamanho do gasto
nesse caso, continuaria operando, palavras, a questão da qualidade público – e de outros países
embora no sentido inverso, do gasto público, não diretamente emergentes e novos membros da

DEZ/JAN/FEV - 09/10 - Nº 49 20
Economia

Tamanho e indicadores de eficiência e desempenho do setor público ciência mais altos, enquanto o
para países emergentes e novos membros da União Européia Brasil obteve outra vez o penúltimo
lugar, superando apenas a Turquia.
Países Gasto Público (% PIB) PSP PSE CONCLUSÕES
Brasil 46,6 0,75 0,69 A primeira conclusão impor-
Bulgária 38,6 0,74 0,77 tante que poderia ser extraída a
Chile 24,4 0,94 1,38 partir da discussão anterior se
Chipre 40,0 1,33 1,08 refere à relação entre políticas
macroeconômicas anticíclicas e
República Tcheca 40,6 0,97 0,85 capitalismo de Estado. Como foi
Estônia 36,4 0,97 0,91 visto, a aplicação de políticas
Grécia 48,6 1,09 0,96 econômicas ativistas, como
Hungria 50,2 1,05 0,85 aquelas sugeridas pelo modelo
keynesiano e implementadas no
Irlanda 33,0 1,24 1,37 período recente nos países desen-
Coréia 24,4 1,14 1,65 volvidos, possui em geral caráter
Latvia 36,6 0,95 0,91 compensatório e temporário, o
Lituânia 33,3 0,9 0,86 que contrasta com a idéia de
investimentos permanentes reali-
Malta 45,0 1,15 0,78 zados pelo “Estado empresário”.
Ilhas Maurício 24,7 1,05 1,56 A recente evolução do gasto pú-
México 25,3 0,84 1,31 blico brasileiro, ao concentrar-se
Polônia 43,2 0,96 0,83 no aumento do emprego público
e em substanciais reajustes dos
Portugal 46,2 1,04 0,82 salários dos servidores públicos,
Romênia 33,7 0,78 0,86 também significa aumentos per-
Singapura 21,0 1,53 2,39 manentes da despesa pública.
Rep. Eslovaca 43,8 1,03 0,92 Em segundo lugar, a análise
anterior permite postular que, em
Eslovênia 42,1 1,12 0,88 geral, o crescimento do gasto
África do Sul 26,3 0,81 0,95 público, com o conseqüente au-
Tailândia 17,8 1,07 1,83 mento do seu tamanho na eco-
Turquia 42,7 0,74 0,63 nomia, reduziria a eficiência na
utilização dos recursos públicos.
Fonte: Afonso, Schuknecht e Tanzi (op. cit.). A análise da eficiência do gasto
público é crucial, pois permitirá
União Européia, e, por outro, realiza Na mesma tabela podemos estabelecer parâmetros de divisão
um ranking desses países baseado ver que os resultados corroboram entre a esfera pública e a esfera
nos valores calculados para os dois as conclusões anteriores sobre o privada condizentes com a viabi-
indicadores anteriores. desempenho do setor público, lização de um crescimento econô-
Na tabela acima podemos sugerindo que maior gasto pú- mico sustentável.
verificar que enquanto o Brasil blico gera menores retornos em
ocupa o segundo lugar em termos relação ao desempenho do go-
de participação do gasto público verno em diversas áreas. Nesse REFERÊNCIAS
no PIB, ocupa o penúltimo lugar sentido, países com setor público 1
Keynes, J. M. (1982): A Teoria Geral
do ranking em termos do PSP, de menor tamanho tendem a ter do Emprego, do Juro e da Moeda,
sendo superado apenas por um governo mais eficiente. In- Editora Atlas.
Turquia e Bulgária, que estão clusive em termos de distribuição 2
Keynes, J. M. (1940): How to Pay for
empatadas no último lugar. Os de renda, o estudo também the War, Harcourt, Brace & Co., New
York.
melhores resultados foram alcan- mostra que a eficiência na re- 3
Keynes, J. M. (1982), p. 288.
çados por Singapura, Chipre, distribuição da renda é menor 4
Afonso, A.; Schuknecht, L. e Tanzi, V.
Irlanda e Ilhas Maurício. Vale para países com maior “Estado (2006): Public Sector Efficiency:
notar que do grupo de países do Bem-Estar”. Evidence for New EU Member States
and Emerging Markets, European
considerados, Singapura é o que Singapura, outros países asiá- Central Bank, Working Paper n. 581,
apresenta a menor participação ticos emergentes e Ilhas Maurício January.
do setor público na economia. obtiveram os indicadores de efi-

DEZ/JAN/FEV - 09/10 - Nº 49 21
Destaque

A política cambial
A.C. Pôrto Gonçalves
Economista e Diretor Executivo de Cursos Corporativos do IDE/ FGV.

evolução da taxa cambial mostra a evolução da taxa de brasileiro vem tomando medidas
A vem “incomodando” o go- câmbio R$/US$ e R$/Euro desde para evitar a queda do dólar, por
verno brasileiro, sobretudo na o ano 2000. exemplo, comprando dólares e acu-
área do Ministério da Fazenda, Como se vê, houve uma des- mulando-os nas reservas do Banco
pois acredita-se que a contínua valorização muito grande do real Central. O Gráfico 2 mostra como
valorização do real em relação em 2001 e 2002, em função dos o nível de reservas internacionais
ao dólar (e a outras moedas es- medos inspirados inicialmente vem aumentando desde 2007.
trangeiras) tem dificultado as ex- pelo recém-empossado presidente Mais recentemente, o governo
portações brasileiras (sobretudo Lula. Mas, desde então, o real tem implementou uma política cam-
de manufaturados). O Gráfico 1 se valorizado. Assim, o governo bial que visa à contenção da

DEZ/JAN/FEV - 09/10 - Nº 49 23
Destaque

dívida externa dos EUA. E a


correção do problema, isto é, a
Gráfico 1 - Taxas de câmbio R$/US$ e R$/Euro redução do déficit, implica uma
desvalorização do dólar. Em se-
gundo lugar, o governo ameri-
cano praticamente dobrou a base
monetária dos EUA nos últimos
12 meses (ver Gráfico 5), como
forma de restaurar a demanda
agregada e desfazer o efeito da
crise. Assim, há uma extraor-
dinária abundância de dólares no
mundo a gerar sua desvaloriza-
ção, e também uma inflação do
dólar. Ou seja, os produtos primá-
rios e manufaturados devem ter
seus preços em dólar aumen-
tados, compensando para o
exportador brasileiro a valorização
Fontes: BCB e Gazeta Mercantil (*até outubro) do real.
Assim, a desvalorização do
dólar é um movimento na direção
do equilíbrio econômico, para
entrada de capital financeiro no Quanto à segunda pergunta, sanar o déficit em conta corrente
país, no intuito de frear a va- é preciso levar em consideração americano e também refletindo a
lorização do real frente ao dólar que o dólar está se desvalorizando grande oferta de dólares no
americano. Essa política consiste por duas razões. Em primeiro mundo. Portanto, não há razão
basicamente na cobrança de lugar, o déficit em conta corrente para crer que o governo brasileiro
imposto (IOF) de 2% sobre o dos EUA é enorme (ver Gráfico 4) conseguirá se opor a esse mo-
capital estrangeiro que entra no — apesar de ter melhorado um vimento em direção do ajuste. E
país, destinado ao mercado fi- pouco este ano, em função da se o fizer, será a grande custo (o
nanceiro e de capitais. Duas desaceleração da economia que, aliás, já vem acontecendo: o
questões são importantes para americana. Este déficit, contínuo governo aplica suas reservas em
avaliarmos essas políticas. A pri- e alto, redunda numa imensa dólar a taxas de juros baixas e o
meira é: será esta preocupação
legítima, ou seja, a valorização
do real deve ser obstada? E a
segunda: é possível ao governo Gráfico 2 - Brasil: reservas internacionais (fim de período)
brasileiro evitar que o dólar se
desvalorize em relação à nossa
moeda?
Quanto à primeira pergunta,
deve-se considerar que até dois
anos atrás o Brasil tinha superávit
em conta corrente de seu balanço
de pagamentos (ver Gráfico 3).
Recentemente, devido à crise,
passamos a ter déficit, mas este
não é substancial, sobretudo
porque temos mais de US$200
bilhões em reservas. Além disso,
a economia mundial deverá se
recuperar, de maneira que iremos Fontes: BCB e Gazeta Mercantil (*até 29/10/2009)
exportar mais.

DEZ/JAN/FEV - 09/10 - Nº 49 24
Destaque

dólar perde valor em relação ao


real; para adquirir as reservas, faz Gráfico 3 - Brasil: saldo em transações correntes
dívidas em reais, a juros muito (últimos 12 meses % PIB)
mais altos).
Outro aspecto a ser conside-
rado é que a economia brasileira
passou, e vem passando, rela-
tivamente bem pela crise finan-
ceira que abalou as principais
economias mundiais. No segundo
trimestre do ano o PIB brasileiro
avançou 1,9% em relação ao
trimestre anterior, a inflação per-
manece sob controle, a despeito
das sucessivas reduções da taxa
de juros básica da economia, e a
balança comercial vem se recu-
perando de maneira consistente, Fonte: BCB (*até setembro)

assim como os índices de expec-


tativas dos consumidores e em- Gráfico 4 - EUA: saldo em transações correntes
presários. Assim, o país vem fun- (últimos 12 meses % PIB)
cionando como importante des-
tino da poupança externa, na
forma de bens e serviços, e do
capital financeiro mundial.
Em suma, a pressão para a
desvalorização da taxa de câmbio
R$/US$ vem tanto do quadro
econômico desfavorável dos EUA,
o qual implica em desvalorização
do dólar, como da boa saúde
econômica brasileira, a qual
resulta em valorização do real.
Assim, a atual política de taxação
do ingresso de capital estrangeiro Fonte: BEA (*até junho)
deverá ter poucos efeitos, e de
curto prazo, sobre a taxa de câm-
bio R$/US$, pois esta, dado um Gráfico 5 - EUA: expansão monetária
regime de câmbio flutuante, é tão- (variação em relação ao mesmo mês do ano anterior)
somente o resultado de movi-
mentos econômicos reais e, por-
tanto, fora do alcance de políticas
econômicas. A desvalorização do
dólar é um fato mundial, justi-
ficado pelo quadro da economia
americana, e não há razões para
que esse padrão não se repita no
Brasil. Ao contrário, a estabilidade
da economia brasileira torna esse
movimento duplamente forte, o
que explica o fato de o real ser
uma das moedas que mais se
valorizaram frente ao dólar em Fonte: FED
2009.

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Livros

A raça humana
Resenha do livro Uma Gota de Sangue, de Demétrio Magnoli, Editora Contexto/SP - 2009

história da humanidade tem partiam da regra da gota de


A sido marcada por um pen- sangue única. Bastava a existência
samento racial que busca separar de um único ancestral não
indivíduos com base no critério da branco para excluir um indivíduo
cor. Após a “era das luzes”, o da categoria dos brancos. Um
conceito de direitos naturais de exército de intelectuais e acadê-
cidadania foi capaz de reduzir micos sustentava o racismo
esta mentalidade tribal, passando através do multiculturalismo. Ao
a adotar a ideia de que todos são contrário do “racismo científico”,
iguais perante a lei. A política de o multiculturalismo faz as etnias
raças se opõe a esse avanço da derivarem da cultura, e não da
modernidade e tenta resgatar o natureza. Ele confere uma nova
racismo. É nesse contexto que o legitimidade às tradições racistas
novo livro do sociólogo Demétrio que enxerga a nação como uma
Magnoli, Uma Gota de Sangue, confederação de nações étnicas,
merece destaque. de seu estoque racial deverá um “cada uma delas com a sua
Ao expor a história do pensa- dia tornar-se o senhor da Terra”. cultura singular e com seus in-
mento racial e suas graves con- Somente um arcabouço ideo- teresses igualmente singulares”.
sequências, o livro serve como um lógico que separa os indivíduos Não existem cidadãos iguais
alerta no momento em que al- em raças poderia gerar um líder perante as leis, mas sim raças que
guns grupos organizados tentam com esse tipo de crença. devem selar um pacto de paz para
dividir o país em raças. Demétrio Outro caso terrível de racismo permitir o convívio mútuo.
mostra como ONGs financiadas encontra-se no apartheid. Sua Eis que no Brasil, um país tra-
por poderosas instituições inter- legislação foi concebida em dicionalmente mestiço, onde a
nacionais, como a Fundação 1947, no interior do Escritório maioria da população se consi-
Ford, têm empurrado a nação Sul-Africano de Assuntos Raciais, dera “parda”, ONGs endinhei-
rumo a uma agenda política que uma agência governamental. radas têm tentado importar essa
enxerga apenas raças, e não Tratava-se de uma medida política realidade segregacionista com o
indivíduos. Sem base científica, que ignorava a existência de cida- apoio do governo. Já começam
essas entidades procuram se- dãos em troca da visão de raças. a falar em uma “nação negra”,
gregar os povos através do critério Conforme argumenta Demétrio, como se não existissem brasi-
racial. Trata-se de uma herança “o edifício jurídico do apartheid foi leiros, mas sim brancos e negros.
maldita do “racismo científico”, erguido sobre a Lei de Registro da Paradoxalmente, somem com os
dos tempos em que a etnia era População, de 1950, que clas- pardos nas estatísticas para
vista como um divisor natural sificou os sul-africanos com base alimentar uma ideologia racista
entre os homens, visão já devi- em critérios etnorraciais”. En- que não tolera a mestiçagem.
damente refutada pela ciência. quanto as tendências da econo- Demétrio conclui: “Os brasileiros
Um dos casos mais nefastos mia de mercado apontam no não aprenderam a separar as
está na Alemanha nazista. A ideia rumo da integração, políticas de pessoas segundo o cânone do
de uma “raça ariana” superior governo podem acabar segre- mito da raça. Nós imaginamos
criou o pano de fundo que tornou gando de vez indivíduos através de que as águas podem – e devem!
possível a eugenia das políticas de leis racistas. – se misturar. Que a única raça
Hitler. Na última página de Mein Mais um caso estudado em importante é a raça humana”.
Kampf, Hitler diz: “Um Estado que, detalhes pelo autor foi o ameri-
numa época de adulteração cano. Os Estados Unidos figuram
racial, devota-se ao dever de como o primeiro país a adotar por Rodrigo Constantino
Economista e escritor
preservar os melhores elementos leis antimiscigenação. Essas leis

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