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Os verdadeiros contos populares são anónimos. de origem individuais dessas emoções reflectem os costumes e as crenças do
longínqua e difícil de precisar. Nos nossos dias. os contos populares grupo que conta a história.
são ames do mais textos fixados pela escrita nas revistas folclóricas, Contados de geração em geração ao longo dos séculos, foram
nas recolhas dos estudiosos, nos livros para crianças. Durante muito adquirindo várias fórmulas. Começam muitas vezes por "Era uma
tempo fizeram parte de nossa cultura viva, transmitida oralmente ao vez..." e terminam "e viveram sempre felizes".
longo dos séculos, fundo comum que se encontra sob variantes "A fórmula “era uma vez”, que inicia os contos europeus, não só
mais ou menos próximas em toda a Europa e noutras partes do ajuda um conto fantástico a atingir credibilidade, removendo-o de
Provavelmente existem desde épocas remotas da vida humana. dos temas presentes; os conflitos não são locais mas de todos os
Stith Thompson afirma que o conto oral "é a mais universal de todas tempos e para todos os lugares. Se as personagens centrais vivem
São narrativas facilmente reconhecíveis; trata-se de histórias humanos num grau tal, que merecem a felicidade que recebem. A
simples, curtas, que apresentam personagens "tipo" vivendo repetição é também significativa; ajuda a mostrar que, em virtude de
situações "tipo". Foram encontrados motivos e tipos semelhantes os acontecimentos se tomarem cada vez mais difíceis, se toma
em culturas diferentes em diversas regiões do globo. necessário um desenvolvimento pessoal contínuo para um contínuo
"As limitações da vida humana e a semelhança das suas situações sucesso e realização."
J.P.
sala, de forma nada discreta, Dona Cigarra exercitava a sua voz
e afinava a sua guitarra.
Chegou a tão esperada hora! Começaram a entrar os
primeiros convidados, entre eles o já esperado Príncipe de outro
condado, para ali prestar homenagem a sua majestade, João
Ratão. Com isto, todas as donzelas correram em direcção ao
espelho mágico, a fim de saberem qual delas era a mais bela.
Coroada de esplendor, surge a Gata Borralheira com uma
suculenta maçã que ofereceu à Capuchinho Vermelho. Privada ,
Há muito, muito tempo, numa verdejante floresta, vivia num pela madrasta, dos ricos manjares aceitou-a de bom grado. À
magnífico castelo, uma simpática menina de nome Capuchinho primeira dentada caiu num profundo sono.
Vermelho. Com ela, morava a sua malvada madrasta que a O caçador, ali encarregue de proteger o castelo, desatou
maltratava muito, obrigando-a a trabalhar. numa correria e todos se questionaram o motivo de tal corrupio.
A madrasta tencionava dar um baile em honra de sua Afinal, corria porque estava a ser perseguido pelo Lobo. Ao
majestade – o rei João Ratão – regressado de uma vitoriosa tentar matá-lo, falhou a pontaria e atingiu mortalmente a Gata
batalha contra os seus inimigos: os gatos. Borralheira.
Toda a nobreza foi convidada para aquela noite. Ainda que Com o estrondo do tiro que se fez ecoar por todo o castelo
contra a sua vontade, a Capuchinho Vermelho teve de levar o a Capuchinho Vermelho despertou muito assustada do profundo
convite à Gata Borralheira que morava longe dali. sono, Nisto, o Príncipe, por ela tão amado, correu em sua
Cansada e esfomeada do longo percurso, sentou-se em direcção e pediu-lhe que fosse a sua esposa. Irremediavelmente
cima de uma abóbora e pôs-se a chorar. De repente, como por apaixonada, Capuchinho Vermelho aceitou e convidou para
magia, apareceu-lhe a Branca de Neve que, com a varinha de suas testemunhas do casamento civil, a Fada Madrinha e a
condão roubada à Fada Madrinha, transformou a abóbora numa Avozinha.
bela limusine. Chegada ao castelo, a Carochinha, muito E assim, viveram felizes, durante algum tempo, tendo
atarefada, de vassoura na mão, abriu-lhe a porta. Os Sete muitos, muitos capuchinhos.
Anões fizeram as honras da casa e conduziram-na aos
aposentos da Gata Borralheira. Esta ficou radiante dizendo:
- Ah! Ah! Ah! Ah! Agora veremos quem conquistará o J.P.
coração do Príncipe!
Desolada, voltou para casa e preparou o mais belo vestido,
ainda que modesto para aquela noite. No castelo, a azáfama era
intensa: de um lado para o outro, corriam, apressadas, as
formigas com os últimos preparativos. Entretanto, ao fundo da
Arquitectura Clássica do Conto Popular • Enunciados anónimos
• Personagens anónimas
Narrar – é contar os acontecimentos ou as experiências que • Recurso ao “maravilhoso”
vivemos, ouvimos ou imaginamos. São os vários elementos que • Relação de comunicação em “presença” (importância do
participam da construção de uma narrativa, ou seja, ao contar uma acto de contar)
história, o narrador está a falar de personagens que se envolvem • Incentivo à criação do ouvinte, “posterior enunciador”
na acção ocorrida num determinado espaço e num certo tempo. • Funções: lúdica, moral, social e cultural
Por outro lado, pode a narrativa ser “recheada” com momentos de
descrição (das pessoas, dos lugares) ou com diálogos. Tipos de contos Tradicionais
• Contos de fadas - também chamados «contos de
CONTO – os contos são narrativas curtas, com uma linguagem encantos», são todas as narrações em que o
simples e quase sempre pitoresca, em que o ritmo e o encanto das maravilhoso entra como um dos elementos mais
situações são o mais importante. Distinguem-se ainda por não importantes. As personagens são elementos mitológicos,
entrarem em pormenores e reduzirem ao máximo a acção, o tempo como sejam gigantes, feiticeiras, fadas, monstros que
e o espaço. habitam subterrâneos, etc. Como elementos auxiliares do
As histórias têm como função principal deleitar ou entreter maravilhoso, aparecem os animais que falam, as árvores
os ouvinte. que cantam, as armas e os utensílios mágicos.. etc.
As personagens do conto seguem modelos de Têm como eixo gerador uma problemática existencial.
caracterização fixos e o protagonista ou é um herói cheio de Ou melhor, têm como núcleo problemático a realização
virtudes ou alguém com defeitos físicos (coxo, corcunda, parvo...) essencial do herói ou da heroína, realização que, via de
Dado que a acção está bastante concentrada no final, as regra, está visceralmente ligada à união homem-mulher.
primeiras linhas são essenciais para captarem a atenção do leitor. A efabulação básica do conto de fadas expressa os
Os contos são transmitidos através do tempo, de geração obstáculos ou as provas que precisam ser vencidas,
em, geração, oralmente, podendo por isso existir várias versões do como um verdadeiro ritual iniciático, para que o herói
mesmo texto. alcance a sua auto-realização existencial, seja pelo
encontro do seu verdadeiro eu, seja pelo encontro da
Características do conto tradicional princesa, que encarna o ideal a ser alcançado.
• Narrativa breve
• Tempo e espaço indefinidos • Contos maravilhosos - nestes contos, o desenrolar da
• Acção concentrada acção parte de uma malfeitoria ou de uma falta, e passa
• Número reduzido de personagens por funções intermédias para ir acabar em casamento,
• Presença de elementos simbólicos ou em outras funções utilizadas como desfecho.
• A descrição tende a anular-se, predominando o diálogo
• Histórias morais - são histórias que se propõem Acção - tem um carácter moralizador, terminando quase
demonstrar uma tese. Não contêm o maravilhoso dos sempre pelo triunfo do Bem. Trata-se de uma acção simples.
contos de fadas nem os heróis das fábulas, que são sempre Concentração de eventos geralmente se intrigas secundárias.
animais.
Estrutura da acção
• Contos etiológicos - são aqueles contos que explicam a - Situação inicial - os contos começam habitualmente pela
causa de determinados fenómenos como, por exemplo, as exposição de uma situação inicial. Enumeram-se os membros da
narrativas míticas de fundação de um local. família ou o futuro herói é apresentado simplesmente pela menção
do seu nome ou pela descrição do seu estado
Contos de encantamento - correspondem ao Conto de Fadas, às - Parte preparatória - nesta fase da narrativa. o conto vai
“estórias” da Carochinha, caracterizam-se pelo elemento apresentando os elementos necessários à sua evolução,
sobrenatural. anunciando as peripécias que só terão lugar lia terceira parte da
narrativa
• Contos de exemplo – são contos morais - Nó da intriga –é a parte mais movimentada de um conto. A partir
das duas primeiras fases, a narrativa ganha dinamismo e evolui em
cadeia. num avançar sucessivo de acções, que se provocam umas
• Contos de animais - fábulas em que os animais repetem às outras (peripécias) e vão culminar na parte final - o desenlace
acções humanas com intenção doutrinante ou satírica. - Desenlace - evento ou conjunto de eventos que, no termo de urna
acção narrativa, resolve tensões acumuladas ao longo dessa acção
• Contos religiosos - distinguem-se pela presença ou e institui uma situação de relativa estabilidade que em principio
interferência divina típica. Quando têm localização encerra a história, uma morte, um casamento, uma conquista ou
geográfica e ligadas a um Santo passam a ser Lendas. um reencontro são alguns acontecimentos susceptíveis de
constituírem desenlaces
• Contos etiológicos - explicam a origem dum aspecto,
forma, hábito, disposição de animal, vegetal ou mineral. O Partes Introdutórias do Conto:
burro tem orelhas compridas por não ter decorado o nome. “Era uma vez...”
“Certo dia...”
• Contos de adivinhação - o episódio central depende da “Há muitos, muitos anos atrás...”
solução dum enigma que o herói elucida.
“Noutros tempos...”
“Reza a história que...”
• Contos acumulativos - aqueles em que os motivos são
“Conta-se que...”
sucessivamente encadeados, fases temáticas
consecutivamente articuladas “Diz-se que...”
“Num reino muito distante...”´
• Facécias - são Anedotas, patranhas de rir e de folgar, “Havia uma história que...”
casos cómicos Há muito, muito tempo atrás...”
Partes Finalizadoras do Conto: Espaço
“E viveram felizes para sempre.” - Espaço físico - compreende todos os elementos que servem
“E nunca mais se separaram.” de cenário ao desenrolar da acção e à movimentação das
“E assim acaba a história.” personagens
“Casaram e viveram felizes para sempre.” - Espaço social - reflecte as características culturais,
“Casaram e houve muitos festejos.” económicas, políticas e morais das camadas sociais
“E a menina teve de viver escondida para sempre.” apresentadas na obra
Nota: poderão existir muitas outras formas de introduzir e - Espaço psicológico - revela-nos a vivência íntima das
finalizar os contos personagens
Tempo – é geralmente indeterminado. E ainda que, pelo seu As personagens – são geralmente anónimas
conteúdo, um ou outro conto deixe adivinhar um determinado - Protagonista - aquele que tem um papel central na acção
contexto histórico, o que verdadeiramente importa não é a - Secundária - o seu papel é de menor importância na
localização temporal dos eventos, mas o modo como eles economia da acção
aconteceram. O passado mais ou menos remoto para que o conto - Figurante - tem um papel irrelevante no desenrolar da acção,
no reenvia só interessa na medida em que atesta que a matéria a podendo contribuir para ilustrar ou intensificar determinado
narrar já aconteceu e que, por isso mesmo, vale sobretudo pela aspecto presente no texto
sua exemplaridade.
- Adjuvante – ajuda o sujeito (protagonista) na concretização
do seu objectivo
Espaço – é igualmente indeterminado. É, uma vez mais, a
- Oponente – dificulta o protagonista na concretização do
excepcionalidade do que se conta que interessa e não o facto de
objectivo
ter acontecido no lugar A ou B.
Quando se fala num palácio, numa cidade, numa aldeia, numa
floresta, pode ser qualquer palácio, qualquer cidade, qualquer Caracterização:
aldeia, qualquer floresta. Importante, em termos de espaço, é a - Física: traços fisionómicos, vestuário
sua associação à segurança ou ao risco a que as personagens se - Psicológica: traços psicológicos, de carácter, de
expõem. Note-se que um número significativo de histórias começa comportamento
exactamente com a saída do herói do espaço de segurança em - Social: grupo social a que pertence
que vivia para um espaço de risco, onde a aventura espreita. O - Directa: feita pelo narrador, pela própria personagem ou
“correr o mundo”, tão característico do conto tradicional, por outras personagens
pressupõe essa mudança que abre caminho a uma sucessão de
peripécias. - Indirecta: formulada pelo leitor a partir do
comportamento ou atitudes das personagens
Concepção de personagem
- Plana – sem evolução, sem vida interior própria
- Modelada – dinâmica, dotada de vida interior própria Lenda – narrativa de factos tidos como verdadeiros pelo locutor
e pelo auditório.
Tipo de personagem - Transmissão oral
- Individual: representa um herói - Património cultural de um povo
- Colectiva: representa um grupo - Heróis identificados
- Espaço e tempo definidos
Papel da personagem - Presença do “maravilhoso”
- Funcional: activo, dinâmico na acção - Facto histórico moldado pelo imaginário popular
- Não funcional: não intervém, serve apenas para ajudar a criar
um ambiente de verosimilhança Fábulas - narrativas pouco extensas cujas personagens são
animais irracionais. Sem perderem as suas características
Narrador – enuncia o discurso próprias, os animais que as protagonizam agem e falam,
todavia, como se fossem pessoas. Dai que a fábula contenha,
- Narrador participante – aquele que pode ser personagem muitas vezes ensinamentos ou críticas mais ou menos
principal ou secundária (a narração é feita na primeira pessoa) indirectas ao comportamento humano. Pode-se, por isso, dizer
- Narrador não participante – aquele que não desempenha que encerram uma moral. Os povos antigos cultivaram muito
qualquer papel na acção (o que se limita a contar a história na as fábulas. De entre os fabulistas mais célebres, destaca-se
terceira pessoa) Esopo que, no séc. VI, encheu a Grécia de belas e importantes
fábulas. Depois, já no séc. XVII, surgiu outro grande fabulista
Posição do narrador chamado La Fontaine.
- Narrador subjectivo – narrador parcial Em Portugal, escritores como D. Francisco Manuel de
- Narrador objectivo – narrador absolutamente imparcial Meio, Bocage, João de Deus e Armando Cortes Rodrigues
consagraram algum do seu tempo à produção deste tipo
Narratário - Receptor do texto narrativo, para quem o narrador / de texto narrativo.
emissor conta a história
Anedotas – predomina a facécia e narram-se
Modos de expressão – discurso acontecimentos verídicos de alcance restrito. A anedota parece
Diálogo – relação eu / tu, ligada ao discurso da personagem constituir nos nossos dias a forma privilegiada do acto de
Monólogo – o emissor é simultaneamente receptor. Conversa da contar.
personagem consigo mesma.
Adivinhas – constituem enigmas.
Outras expressões da Literatura Oral e Tradicional
Lenga-lengas – narrativas extensas e monótonas, por
vezes, fastidiosas.