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Resumo
A cibercultura tem descortinado novas relações entre as pessoas, engendrando novas formas
de comunidades e até um novo fazer político, seja pela reestruturação dos governos em
governos eletrônicos, seja pelas diversas possibilidades de manifestação e articulação da
sociedade frente aos governos. O presente artigo pretende discutir se as promessas do
ciberespaço continuam meras teorias e desejos, ou se de fato há uma transformação política
no agir da sociedade possibilitada pelas novas tecnologias. Iluminar a relevância dessas novas
práticas e confrontá-las com as previsões dos principais teóricos da cibercultura consistem nos
principais objetivos deste trabalho, que refletirá releituras do conceito de cidade, cidadania e
democracia. A reflexão terá como base o estudo de caso da smart mob A Hora do Planeta.
.
Palavras-chave: cibercultura – cidadania interativa – ciberdemocracia – smart mob
Introdução
Virilio reafirma, neste recente artigo, seu pensamento pessimista diante das transformações da
cibercultura. A perda da experiência, perda da significação dos lugares, a internet como um
impacto desagregador e desestruturador das sociabilidades, por sua imposição a uma
aceleração, foram alguns dos pontos salientados pelo autor em obras anteriores. (VIRILIO,
1990, 1997) Auge vislumbra um descentramento e o surgimento de não-lugares, como
resultado da sociedade pós–moderna, mediada pelos meios de comunicação e tecnologia.
(1995).
Todos têm como objetivo principal aproveitar o potencial das novas tecnologias de
informação e comunicação para, em tese, reaquecer o espaço público, recuperar o
interesse pelos espaços concretos da cidade, criar novas formas de vínculo
comunitário, dinamizar a participação política e ajudar a população na apropriação
social dessas tecnologias (LEMOS, 2003, p. 21)
Neste sentido, Lemos identifica novos significados aos espaços urbanos permeados pelas
tecnologias e por elas transformados, como as praças com wireless (acesso a internet sem fio),
os jogos que incluem tecnologia digital nas ruas etc.
Teóricos da cibercultura, como Pierre Levy, refletem o ciberespaço não como um espaço
de a substituição ou perda de experiências, mas complexificação e deslocamento dos centros
de percepção, muitas vezes ampliando a capacidade de sentidos (Levy, 1998, p.10). Mas não
há dúvidas de que a cidade está perdendo, em parte, seus marcos significativos. É crescente a
desvalorização dos centros urbanos e há o fortalecimento de espaços homogeneizados e
assépticos, como shopping centers e condomínios fechados. Levy também questiona a
concepção de cidade e espaço público, que são desvalorizados pelos mais jovens, nascidos na
cibercultura, mas como superar esses desafios? Pequenos grupos criam efeitos que irão nutrir
instituições e novas formas de sociabilidade irão dissolver outras. Pessoas vão ganhar novos
poderes ao mesmo tempo que perder antigas liberdades, é o que afirma Rheingold, teórico das
smart mobs (RHENGOLD, 2002, xiii)
A deterioração da qualidade de vida afeta à todos. Sobre os efeitos negativos da vida moderna
e suas deseconomias VIOLA afirma:
A demanda por uma mobilização em favor da proteção da vida no planeta implica também na
capacidade de mobilizar e articular um movimento planetário. Dialeticamente, este fenômeno
só se tornou possível a partir da capacidade ampliada de estar no mundo, influenciar o espaço
e compreendê-lo, propiciado pelas novas tecnologias. Al Gore, no filme Verdade
Inconveniente, afirma que o movimento ambientalista surgiu no dia em que vimos pela
primeira vez a imagem da Terra, a foto que mostrou ao mundo a Terra vista da Lua na década
de 70. A Terra azul, frágil, pequena e solta no espaço. O domínio e responsabilidades do ser
humano de há muito ultrapassam as noções de vizinhança e de sua existência temporal,
tratado inicialmente como um direito de vizinhança, o meio ambiente hoje se transformou
num direito transgeracional e transfronteiriço, devido à ampliação da intervenção humana no
espaço e no tempo.
A paisagem do século XXI nos remete a perigos invisíveis, a uma sociedade do risco, que
enfrenta grandes processos de contaminação, ameaça nuclear, perda da biodiversidade e das
florestas, e o maior e mais complexo dos problemas: o aquecimento global. Superar estes
complexos e globais obstáculos requer uma articulação e acúmulo de forças também
supranacionais. A sociedade do risco definida por BECK como a sociedade em que:
1
Environmental scientists and activists are dispersed throughout the world, generally don't have the
money to travel to international conferences, and are compartmentalized into academic institutions
and disciplines. The uses of electronic mailing lists and grassroots computer networks began to
spread through the scientific and scholarly parts of the ecoactivist grapevine through the late 1980s.
Just as virtual communities emerged in part as a means of fulfilling the hunger for community felt by
symbolic analysts, the explosive growth in electronic mailing lists covering environmental subjects has
served as a vehicle for informal multidisciplinary discussions among those who want to focus on real-
world problems rather than on the borders between nations or academic departments.
Os riscos não se limitam a lugares ou grupos, tem uma tendência à
globalização, não respeita fronteiras e surgem como ameaças globais
supranacionais e não específicas (...) Na modernidade a produção de
riqueza é acompanhada pela produção social de riscos (1998:25)
Observando nas ruas de Tóquio e Helsinque os jovens cravados nas telas de seus celulares,
máquinas automáticas que indicavam direções, código de barras lidos por celulares,
Rheingold juntou as peças do quebra-cabeça do ciberespaço e descortinou um novo mundo
que se avizinha com a convergência de dispositivos móveis, portáteis, pervasivos, locativos e
intercomunicativos nutrindo novas formas de práticas sociais que tornam as novas tecnologias
úteis para grupos como também para os indivíduos. Rheingold cunhou o termo smart mob.
Principal teórico das smart mobs e da cibercultura nos Estados Unidos, ele as descreve e as
analisa no livro Smart mobs: a próxima revolução social (Smart mobs. The next social
revolution). As novas tecnologias propiciam ações coletivas e formas de agir que nunca
seriam possíveis antes, amplificando os talentos humanos para cooperação (Rheingold).
Smart mobs são manifestações que utilizam as novas tecnologias como forma de comunicar e
atingir um maior número de pessoas que, em geral, não se conhecem, mas têm alguma causa
em comum.
As novas formas de agregação e manifestação social descritas por Rheingold, podem ser de
dois tipos: as smart mobs que têm caráter político, e são manifestações que utilizam a internet,
por meio de blogs ou Twitter, ou as tecnologias do celular, principalmente o SMS (short
message system) como forma de comunicação e mobilização. E as flash mobs que têm caráter
lúdico, performático, artístico e não político.
A Hora do Planeta ocorre desde 2007, caracteriza-se por ser uma mobilização planetária,
liderada pela Organização não governamental WWF (Fundo pela Conservação da Natureza).
A mobilização consiste em apagar as luzes por uma hora em protesto contra o aquecimento
global, pressionando os países a assumirem compromissos concretos para diminuir os gases
do efeito estufa: , convocou o mundo para um gesto simples em defesa do Planeta: apague as
luzes por uma hora no dia 28 de março às 20:30. Em 2009 esta manifestação ganhou
contornos planetários, 88 países e foi aderida por 4.153 cidades ao redor do globo, que
"apagaram" 1059 ícones e monumentos como a Torre Eiffel, em Paris; a Torre Aucland
Sky, na Nova Zelândia; a Ópera de Sydney, na Austrália; o templo Rizal Shrine, um dos
principais monumentos de Manila nas Filipinas; a estátua Merlion, e as torres gêmeas
Petronas, de Cingapura; o ninho do Pássaro, em Pequim. Pela primeira vez a Hora do Planeta
aconteceu no Brasil, em 2009.
A importância do evento ganha relevo devido se avizinhar a mais importante reunião mundial
sobre o clima, a 15ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Mudanças do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), que acontece em dezembro de
2009, em Copenhagen.
Não só as pirâmides, mas também o Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro, e o Centro Cultural
Dragão do Mar, em Fortaleza, até a estátua do Padre Cícero, em Juazeiro, ficaram às escuras.
São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, e diversas outras cidades pelo Brasil, realizaram
manifestações nas ruas à luz de velas. Em informação por correio eletrônico, James Kissell,
coordenador do evento do WWF enviou os seguintes dados:
85 milhões na China;
O Vice Presidente dos Estados Unidos celebrou a Hora do Planeta com o Presidente do
Chile
Os marcos mundiais mais importantes da Terra ficaram escuros: as Pirâmides (Egito), Burj
Al Arab hotel (Dubai), Torre Eiffel (França), Vaticano (Itália), Acrópoles (Grécia), Big Ben
(Reino Unido), Las Vegas Strip and Empire State Building (EUA), Cristo Redentor (Brasil),
Estádio Ninho do Pássaro(China) e as Torres Gêmeas de Petronas (Malasia).
Durante as 24 horas que transcorreram a Hora do Planeta foram exibidas mais de 8,3
milhões de vezes os vídeos e imagens do evento;
A hora do Planeta foi o tópico mais mencionado no twitter no dia 28 de março. (WWF –
Australia, 2009)
Kissel afirma que o sucesso da Hora do Planeta foi possível devido ao forte apoio da internet,
dos celulares e mídias sociais
No Brasil mais de 100 cidades participaram, mais de 480 comunidades e associações, e mais
de 1000 empresas deram apoio. (KISSELL, 2009).
Conclusões
As novas tecnologias têm nutrido a necessidade de reunir e aglutinar ações e informações que
respondam aos desafios planetários engendrados pela crise ecológica global. O aquecimento
global tem se mostrado o mais relevante desafio da humanidade no século XXI.
Ao contrário das afirmações de alguns teóricos que postulam um efeito paralisante e alienante
das novas tecnologias, estas têm servido na construção de novas sociabilidades, no
fortalecimento de comunidades e na articulação de mobilizações inovadoras, como as smart
mobs.
A smart mob A Hora do Planeta (Earth Hour) reflete essa capacidade de articulação e
demonstra a construção de uma cidadania planetária, com ações democráticas que
ultrapassam as fronteiras dos países e reafirmam o exercício da cidadania no sentido mais
genuíno deste termo, na reconstrução de uma identidade social e de uma solidariedade entre
as pessoas em busca de um objetivo comum.
O chamamento a votar, iniciado pela Organização Não Governamental WWF enseja uma
nova perspectiva democrática e renova o paradigma do exercício da cidadania. Inaugura um
forte movimento de solidariedade planetário e transgeracional.
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virilio_228585.html
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