Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
SÁBADO
A traição desta noite deve ter tido por trás uma longa história. Judas devia
encontrar-se longe de Cristo já desde muito tempo antes, embora continuasse
na sua companhia. Nada se passaria exteriormente, mas os seus pensamentos
deviam andar longe. A fenda aberta na sua fé e na sua vocação, a ruptura com
o Mestre, produziu-se provavelmente pouco a pouco, por uma cadeia de
transigências em coisas cada vez mais importantes. Em certo momento,
reclama porque lhe parecem excessivas as provas de afecto que os outros têm
para com o Senhor, e ainda por cima disfarça o seu protesto invocando o amor
aos pobres. Mas São João diz qual foi a verdadeira razão: era ladrão, e, como
tinha a bolsa, furtava o que nela lançavam4.
Permitiu que o seu amor por Cristo se fosse esfriando e então ficou num
mero seguimento externo. A sua vida de entrega amorosa a Deus converteu-se
numa farsa; mais de uma vez deve ter considerado que teria sido muito melhor
se não tivesse seguido o Senhor.
Agora já não se lembra dos milagres, das curas, dos seus momentos felizes
ao lado do Mestre, da sua amizade com os Apóstolos. Agora é um homem
desorientado, descentrado, capaz de cometer deliberadamente a loucura a que
acaba de entregar-se. O ato que agora se consuma foi precedido por
infidelidades e faltas de lealdade cada vez maiores. Este é o resultado último
de um longo processo interior.
II. “O SENHOR NÃO PERDEU a ocasião de fazer o bem a quem lhe fazia
mal. Depois de ter beijado sinceramente Judas, admoestou-o, não com a
dureza que merecia, mas com a suavidade com que se trata um doente.
Chamou-o pelo nome, o que é um sinal de amizade... Judas, com um beijo
entregas o Filho do homem? (Lc 22, 48). Com manifestações de paz fazes-me
a guerra? E, para levá-lo a reconhecer a sua culpa, fez-lhe ainda outra
pergunta cheia de amor: Amigo, com que propósito vieste? (Mt 26, 50). Amigo,
é maior a injúria que me fazes porque foste amigo, e por isso dói mais o mal
que me fazes. Se o ultraje viesse de um inimigo, eu o teria suportado..., mas
eras tu, meu companheiro, meu amigo íntimo, a quem me ligava amável
companhia... (Sl 54, 13). Tu, que foste amigo e devias continuar a sê-lo! Por
mim, podes sê-lo novamente. Eu estou disposto a sê-lo de ti. Amigo, ainda que
não me queiras, Eu te quero. Amigo, por que fizeste isto, com que propósito
vieste?”6
Talvez algum dos discípulos tivesse ido procurar a Santíssima Virgem para
lhe contar que tinham prendido o seu Filho. E Ela, apesar da sua imensa dor,
transmitir-lhe-ia paz naquelas horas amargas. Também nós encontraremos
refúgio n’Aquela que é Refugium peccatorum, se, apesar dos nossos bons
desejos, nos tiver faltado coragem para defender o Senhor quando Ele contava
connosco. Em Maria encontraremos as forças necessárias para permanecer ao
lado do Senhor, com ânsias de desagravo e co-redenção nos momentos
difíceis.
(1) Mt 26, 46-47; (2) Mt 26, 49; (3) At 1, 17; (4) Jo 12, 6; (5) Cassiano, Colações, 6; (6) L. de la
Palma, La Pasión del Señor, pág. 59-60; (7) São Gregório Magno, Homilia 34 sobre os
Evangelhos; (8) Jo 18, 8; (9) Lc 22, 54; (10) Jo 18, 12; (11) Mc 14, 50; (12) Santo Agostinho,
Comentário ao Salmo 21, 2, 8; (13) Lc 22, 54; (14) G. Chevrot, Simão Pedro, Prumo, Lisboa,
1965, 4ª ed., pág. 210-11.