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As Margens do Ocidente,
de Luiz Costa Lima,
So Paulo, Planeta, 2003.
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A viagem
de deformao:
figuras
do horror nas
margens
do Ocidente
MRCIO SELIGMANN-SILVA
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que abarca vrios sculos da literatura ocidental, empreendendo uma leitura que coloca a questo da mmesis em seu centro.
Nos dois casos a reflexo conceitual nasce
a partir da leitura do texto. Ao final do livro
de Costa Lima, no entanto, o prprio autor
explicita esse dilogo terico, ao recordar
no apenas aquele opus magnum do
romanista, mas tambm seu no menos
importante ensaio Figura, de 1938, em que
ele desenhou esta noo basilar da teoria da
escritura/leitura retrica, como uma mquina de reescritura. A figura para Auerbach
cria a interdependncia entre dois (ou
mais) eventos via uma trama de similaridades. No caso exemplar do Novo Testamento, o Antigo foi como que reescrito via transformao de personagens como Ado e
Moiss em aparies avant la lettre (o jogo
de palavras intencional), ou seja, em
figuras, de Cristo. Costa Lima tambm
elegeu destacar da histria ocidental das
letras algumas aparies da figura, desta
feita, de figuras do horror, estabelecendo e criando nexos surpreendentes entre
diversos escritos que, ou tm por tema as
margens do Ocidente, ou nasceram diretamente dessas margens e dessa perspectiva apresentam o horror. Eleger o conceito de figura como ferramenta implica
assumir o carter fortemente interpretativo
de toda e qualquer anlise no campo (no
s) das humanidades. A figura permite uma
projeo nos textos passados de contextos
e temas posteriores. Assim como existe uma
produo alegrica e uma leitura alegrica, do mesmo modo a figura se torna uma
modalidade de leitura a partir do sculo IV.
Pensar via leitura figural implica assumir
que toda histria , a princpio, leitura que
parte de um determinado presente. Nossos
modelos figurais so sempre pr-cunhados
no nosso prprio solo histrico. Por mais
que tentemos nos aprofundar no passado,
toda pesquisa no tempo , antes de mais
nada, uma pesquisa a partir e de dentro
do nosso tempo. Auerbach mostrou como
os Padres da Igreja construram o cristianismo lendo figuralmente (projetando no
passado) passagens e eventos bblicos como
constituindo profecias da vinda de Cris-
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