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Entrevista

Juventude pós-moderna

Se a gente for pensar numa trajetória de modernidade


e pós-modernidade, o que seria um jovem moderno?
Ele teria algumas características universais: a
rebeldia, essa negação do passado, projeção do
futuro, viver o presente. Enfim, tem uma característica
de um jovem moderno que, de certa forma, foi muito
protagonizada – e eu acho que isso deu um modelo
para o mundo inteiro – por Hollywood, naquelas
figuras do James Dean, destes grandes ícones de uma
juventude, que abriu a porta para um certo modelo
de consumo, para um estilo de vida. Ao mesmo
tempo, é uma juventude com uma marca forte, a da
rebeldia, que está por um lado muito mais centrada
num confronto geracional e em um mais geral com a
sociedade. Depois, houve uma coisa muito forte nos
anos 1960, que marcou esse perfil de uma juventude
mais politizada no mundo inteiro.

Se por um lado a gente tinha claramente uma idéia de


juvenilidade nos anos 1950, sobre o que seria um
jovem moderno, nós vamos ter, nos anos 1960, esse
conceito em crise. É como se fosse uma crise juvenil.
Mas, não no sentido negativo. Pelo contrário, é no sentido de uma explosão de diversidades
culturais muito grande, que aconteceu nos anos 1960 com a politização de pelo menos um
segmento juvenil, os estudantes (no mundo inteiro houve uma faixa muito ligada à vida
cotidiana nas universidades e nas escolas). Hoje em dia, é muito mais difícil pensar um jovem
universal exatamente porque eles estão muito pulverizados em agrupamentos efêmeros,
fluidos, cujas pautas de revindicação também são rápidas e pontuais. Elas têm a ver com
coisas que estão ali momentaneamente acontecendo e já passam a ser outra.

Então, se a gente for pensar na pós-modernidade, – eu gosto mais de usar o conceito de


liquidez do (Zygmunt) Bauman hoje em dia; essa idéia de que estamos vivendo situações com
essa fluidez, com essa liquidez – e comparar com os movimentos que eclodem no final da
década de 1960, que tinham claramente um projeto de grande narrativa configurada, hoje se
rompe basicamente essa idéia do grande projeto, da grande narrativa. Mas, isso não significa
o fim da narrativa, nem dos projetos.

Participação pública e política

A gente está começando uma nova etapa da pesquisa “Jovens Urbanos”, depois de encerradas
essa duas etapas anteriores, às quais fiz referência. Agora, a rede internacional de pesquisa
está demandando um tema geral que se chama “Cidadanias Emergentes e Subjetividades
Juvenis”. Então, estamos indo para a Colômbia em outubro. E vamos reivindicar – porque não
estamos querendo discutir cidadania e participação política no sentido mais tradicional – um
conceito mais liberal de cidadania, ou participação política mais vinculada àquilo que se
entendia por participação política stricto sensu.

Estamos pensando mais na idéia da participação e das ações culturais juvenis como eventuais
ações de cidadania. Então, estamos muito preocupados agora com essa idéia de que há
grupos juvenis que se apropriam da cidade de uma forma não institucionalizada,
transgressora e que gera muito conflito. Pela pichação, pelo graffitti, pelos stickers, pelos
tags, etc. Por jovens, que, de certa forma, estão ocupando a cidade, não exatamente num
projeto que classicamente poderia se chamar de ação política ou de ação de cidadania.
Estamos pensando que essas são formas de apropriação do espaço púbico, do espaço urbano,
e que as políticas públicas têm que levar isso em conta. Mas, não para pensar assim: “Nós
vamos fazer programas educacionais, culturais, de ação social, de ação política com o hip-hop
ou com o rap, porque com isso a gente chama os jovens”. Não é por aí. Na verdade, temos
que pensar que esses jovens estão desenvolvendo novas formas de ação cidadã. E precisamos
descobrir o que é isso. Então, veja bem, não tenho resposta. Tenho uma pergunta para
começar. Vamos atrás desse tipo de participação para não entrar afirmando que quem fazia
mesmo política era a geração 1968. Porque isso é saudosismo de geração! Estou falando de
boca cheia porque sou geração 68. Nós, dessa geração, não podemos continuar fazendo o
discurso de que o jovem que fez política, fez em 1968, daí para frente é outra coisa. Temos
que descobrir novas formas de participação política hoje.

Tribos Urbanas

Várias denominações são sempre trabalhadas. Se fala em grupos, segmentos, tribos. Não é
que eu discorde do conceito de tribo. Mas, o conceito de tribo tem na antropologia uma
trajetória que vem lá da tribo indígena. Desde que não seja uma transposição da tribo para a
tribo urbana, tudo bem. A menos que se pense a tribo de uma forma fluida, frágil, porque
tribo sempre foi um conceito que aglutinou ao redor de um mito comum, de uma narrativa
comum. Não dá para pensar tribo assim hoje. A gente tem falado em agrupamentos juvenis.
Porque tem uma trajetória do conceito de juventude. Já foi juventude. Já foi questão juvenil.

Já foram culturas juvenis. Uma trajetória do conceito. A gente tem falado muito de
agrupamento e tem falado basicamente de jovens urbanos. Porque é com isso que
trabalhamos. Não estamos trabalhando jovens fora de centros urbanos. Agora, o que leva ao
surgimento desses grupos? Acho que a resposta da pós-modernidade, de certa forma, já
serve para isso. Há uma fragmentação que é geral. Ela é do pensamento, do conhecimento.

Ela é também da vida cotidiana. Não é só com os jovens que isso acontece. Com todo mundo
está acontecendo esse processo de fluidez, dos agrupamentos, das relações. É muito difícil
você se aglutinar ao redor de um projeto comum a longo prazo. Essa está sendo uma
característica de uma sociedade mais líquida, mais pós-moderna. O projeto de modernização
começou a fragmentar, mas ele ainda aglutinava ao redor de uma utopia de grande narrativa.
Hoje, depois da queda do muro de Berlim, ou seja, de uma certa utopia comunista, está muito
mais difícil construir a grande narrativa. Então há grupos se articulando internamente. É um
pouco por aí.

Violência e Confinamento

Há uma preocupação maior hoje em conter, poque é uma coisa que está chegando à porta de
todo mundo. Porque, se anos atrás era possível fazer de conta que a violência era um
problema do outro lado da cidade, hoje em dia está muito difícil. Há um alerta geral. Então,
acho que a questão da violência está colocada para as metrópoles do mundo inteiro. Não é
mais uma violência que tem a ver apenas com as camadas populares, com os despossuídos
do mundo globalizado. É uma violência que está pegando jovens de classe média. Enfim, é
forte e diria que, do ponto de vista do cenário macro, não tem muito o que colocar. Agora,
como trabalhar a conseqüente questão do confinamento aos espaços mais seguros? Isso é
interessante, porque muito se disse durante um bom tempo que a televisão segurava as
pessoas dentro de casa. Na verdade, esse cenário de dificuldade de lidar com a grande
metrópole, com a hostilidade da metrópole, faz com que a gente busque o confinamento nos
espaços seguros. E esse espaço tanto pode ser para os adultos ficarem mais em casa, quanto
para os jovens procurarem espaços mais seguros dentro da cidade. Obviamente que, nesse
contexto, o modelo de shopping center tem uma função fundamental. Mas, os meios nos
prendem porque a gente tem medo de ganhar a grande cidade. Ganhar as ruas. Então com
certeza isso tem a ver com os espaços mais seguros.

Novas Tecnologias

E óbvio que o gancho é direto com a questão da internet e das novas tecnologias. Quando a
internet começou se falava muito no confinamento que ela provocaria. Então, se por um lado
as novas tecnologias criam um processo de espacialização do usuário, essa espacialização
imediatamente se rompe no momento em que as janelas se abrem para as possibilidades de
contato com o mundo. É um jogo interessante.

Walter Benjamin nos deu, lá para trás, um conceito básico. Ele dizia que um transeunte que
circula pela metrópole moderna está desenvolvendo uma nova ordem de possibilidade. Outros
autores vão dizer que quando aparece o cinema, a gente vai ter uma ruptura no nosso
sensório, no sensório de quem estava naquele momento correndo da imagem cinematográfica
do trem em movimento. Estamos, sem dúvida, começando a viver hoje uma nova etapa de
ruptura do sensório. Isso tem a ver com a relação com as novas tecnologias e
prioritariamente tem a ver com os jovens.
Se diz muito que os jovens não escrevem, não narram, não contam. E a gente está vendo aí
um processo – falando ainda de alguns jovens, não de todos os jovens; essas novas
tecnologias são acessíveis ainda a poucos, mas quando a televisão apareceu, meia dúzia de
pessoas tinha acesso – de onde estão emergindo novas narrativas, novas formas de narrar.
Precisamos ir de encontro a essas narrativas e não dizer que o jovem não escreve e não lê.
Estamos vivendo um momento a ser estudado. Como é que os jovens estão construindo
outras narrativas? A gente não pode negar a existência de novas formas de comunicabilidade
que estão emergindo daí.

Juventude nômade

É desse jeito que estamos trabalhando, com a perspectiva de pensar em novas ordens de
sensibilidade e novos sensórios. Isso tem a ver com o nomadismo porque a juventude sempre
foi nômade por condição. É só pensar a rebeldia, o nomadismo da motocicleta. O nomadismo
espacial sempre foi uma característica. O jovem que, para crescer, tem que sair de casa. Essa
idéia do fluxo que move o jovem em direção a um outro lugar sempre foi uma característica
sólida da juventude.

E a gente está hoje tendo que pensar não apenas no nomadismo espacial-geográfico, mas em
outras formas de nomadismo. De percepção, por exemplo. Os jovens de hoje têm um
operador que capta por simultaneidade. Isso, há cerca de 25 anos, era detectado por
psicólogos e pedagogos como um problema de atenção difusa. As crianças eram
encaminhadas para a psicopedagogia para concentrar a atenção, quando, na verdade, a gente
estava já começando a viver o processo das gerações na relação com os jogos eletrônicos, os
videogames, o computador, entre outros.

Com isso, estamos criando novas formas de nomadismo de percepção. E precisamos estar
atentos a isso. Não adianta supor que o encaminhamento seja só o mecanismo da
concentração. Na verdade, há um mundo aí, pós-moderno, líquido, etc. que está propondo
que o jovem faça uma leitura simultânea, que esteja confinado no seu quarto, com o celular à
disposição – novamente, falando de um certo tipo de jovem – com uma extensão de telefone
fixo, TV, computador, som, tudo ligado ao mesmo tempo. A mãe bate na porta e pergunta o
que ele está fazendo e não entende como ele pode aprender com tudo isso ligado.

Transição para a vida adulta

É na entrada para o mercado de trabalho onde se marca mais a polarização entre a


diversidade que estamos trabalhando (na pesquisa “Jovens Urbanos”) entre a Zona Sul e
Zona Oeste. Os jovens de camadas mais altas vivem o que chamamos de moratória social, ou
seja, ele se estende na família com condição de prolongar o processo de formação. Assim, o
momento da entrada no mercado de trabalho é postergado, o que está, de certa forma,
conectado com a permanência na casa dos pais. Isso é uma tendência mundial. Óbvio que
haverá jovens que dizem que querem ir embora de casa. Mas, está cada vez mais adiada essa
possibilidade, porque tem para alguns jovens a idéia da moratória. Para outros, obviamente,
há a necessidade fortíssima de inserção e sabemos que não há mercado para absorver. Esse é
um debate forte das políticas públicas.

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