Você está na página 1de 3

Oradores por excelência

Testemunhas de Jeová: polêmicas e técnicas de pregação

Por Isabella Guerreiro

Clap, clap, clap. É alguém no seu portão. Ao atender, surpresa. Duas pessoas
formalmente vestidas, com um belo sorriso, dizem: “Bom dia! Somos Testemunhas de
Jeová. Podemos conversar com você por uns instantes?”. Dado o consentimento, estes
cristãos falarão sobre Deus, o objetivo da vida e a Bíblia. Este é um dos principais trabalhos
de um Testemunha de Jeová: ir de casa em casa ensinar as boas novas do Reino.
“Procuramos ler e explicar alguns textos bíblicos para os moradores e, se esses mostrarem
interesse, deixamos com eles algumas publicações e nos oferecemos para visitá-los
posteriormente para ensiná-los”, conta Márcia Gomes, Testemunha de Jeová há 15 anos.
Cristãos como Márcia são chamados de Testemunhas de Jeová porque acreditam ser
seu dever Testemunhar a mensagem bíblica, o amor de Jeová – o Deus único e criador – e a
religião verdadeira. Hoje, os cerca de seis milhões de TJs do mundo inteiro são conhecidos
pela sua pregação bíblica e por algumas de suas doutrinas, como a neutralidade política, a
não-comemoração de aniversários e a rejeição a transfusões de sangue – consideradas
polêmicas por aqueles que não seguem a religião criada por Charles Taze Russel, em 1870,
na Pensilvânia, Estados Unidos.
A pregação de casa em casa é um serviço voluntário. Um TJ prega nos lares, em
média, por duas horas semanais. Por vezes, são mal recebidos mas isso não chega a
desanimá-los. De acordo com a jovem Telma Fagundes, “cada nova pessoa que aceita a
palavra de Deus e a põe em prática, fazendo mudanças e progredindo me dá alegria e
satisfação em ter o privilégio de divulgar o reino de Jeová.”
Numa congregação de Testemunhas de Jeová, não há a figura do padre ou pastor,
mas a do ancião. Carlos Vieira, que é ancião há quatro anos, explica que este membro é,
geralmente, mais velho e com conhecimentos sobre a Bíblia e a doutrina suficientes para
orientar os demais membros, além de possuir uma conduta irrepreensível de acordo com as
leis de Deus. Numa congregação pode haver vários anciãos que atuam junto, num corpo
decisório. Diferentemente de padres e pastores evangélicos, o ancião não recebe salário.
Os cultos nos Salões do Reino acontecem, geralmente, aos domingos, terças e
quintas-feiras. O encontro de domingo, cujo ponto alto é o discurso público do ancião sobre
um assunto atual e a orientação bíblica a respeito, reúne o maior público. Após o discurso,
há o estudo da revista A Sentinela, publicada em 153 idiomas. Na quinta-feira, acontece
uma reunião de preparação para a pregação de casa em casa. Por meio do estudo do livro
Beneficie-se da Escola do Ministério Teocrático, os TJ são treinados a desenvolver 53
habilidades de se falar em público, como por exemplo, os gestos, a fluência, a coesão e a
coerência etc. “Essa escola faz com que pessoas sem instrução acadêmica (e com instrução
também) possam ser preparadas para falar em público as crenças que possuem”, explica
João de Souza, um publicador (TJ que prega de casa em casa).
Na escola, os estudantes são constantemente avaliados, seja por uma leitura em
público, onde ele deve ter entonação adequada e clareza ao falar, seja por encenações que
simulam a pregação de casa em casa, onde o estudante treina como argumentar sobre a
doutrina e a Bíblia. O ancião Carlos Vieira explica que a escola ajuda muitos fiéis a
exercerem suas funções. “Eu sou carpinteiro e há outros anciãos aqui que também têm
pouca instrução. Com o estudo, venci a timidez e me tornei mais comunicativo”, diz. Telma
Fagundes, estudante de publicidade, afirma que as reuniões a auxiliam dentro e fora do
Salão do Reino: “participar na Escola do Ministério Teocrático tem me ajudado a melhorar
minha oratória, meus hábitos de estudo e a ser mais desinibida ao falar com os outros”.
Entenda as polêmicas doutrinas
Telma, de 19 anos, nunca foi a festas de aniversário, nem de parentes. É preceito da
religião não comemorar o próprio aniversário e nem o dos outros. “Não me importava com
isso. Meus pais me explicaram desde cedo o porquê de nós não participarmos de
aniversários natalícios, enfatizando que isso não era uma prática bíblica”, explica a jovem.
Carlos Vieira explica que um TJ também não deve dar ou receber presentes nestas
datas, pois estas celebrações eram realizadas em honra de deuses pagãos e as únicas datas
de aniversário mencionadas na Bíblia são de pessoas que não adoravam a Jeová: a de um
Faraó egípcio (Gn 40:20-23) e a do rei Herodes (Gn 6:14-29). Vieira acrescenta: “aqueles
que comemoram aniversário, muitas vezes só celebram juntos, em família, uma vez por
ano. TJ podem se alegrar e presentear em qualquer ocasião, até em todos os meses.” Telma
confirma: “eu não precisava de um dia especial para ganhar presentes, sempre os ganhava.
Além disso, meus pais constantemente reuniam nossos amiguinhos em minha casa para
fazer festinhas e brincadeiras.”
O Natal também não é celebrado por Testemunhas de Jeová. Segundo João de
Souza, não há evidência de que os cristãos do primeiro século comemorassem o Natal,
principalmente no dia 25 de dezembro. Esta data só passou a ser celebrada como o
nascimento de Jesus centenas de anos depois e foi escolhida por alguns cristãos para que
coincidisse com a festa romana pagã do nascimento do sol invicto. Para os TJs a origem de
uma celebração não pode ser impura ou pagã, mesmo que esta seja para louvar a Deus.
A neutralidade política é outra das polêmicas doutrinas. Testemunhas de Jeová não
apóiam candidatos ou partidos políticos, nem se candidatam a qualquer cargo eletivo
porque acreditam que religião e política não se misturam. Nas palavras de Jesus, "Não
fazem parte do mundo, assim como eu não faço parte do mundo" (Jo 17:14). Apesar de
parecer que o voto nulo seja a decisão mais coerente para eles, de acordo com João de
Souza não há qualquer recomendação neste sentido. O ancião Carlos Vieira ressalta que
Jesus nunca se envolveu com política e que cada fiel pode, sim, escolher um candidato para
votar.
Sem dúvida, a doutrina mais controversa de todas diz respeito ao sangue. “Não
deveis tomar o sangue de carne alguma, pois a vida de toda carne é o seu sangue.
Qualquer pessoa que tomar dele será exterminada” (Lv 17:13, 14). Os TJs acreditam que
receber transfusão de sangue é semelhante a comer (ingerir) sangue, portanto um
desrespeito às leis de Deus, e abster-se de sangue significa uma expressão de fé em Jesus
Cristo que derramou o seu sangue na cruz pela remissão dos pecados. Um Testemunha de
Jeová deve recorrer a tratamentos alternativos à transfusão de sangue, como a solução
salina (expande o volume do plasma), a administração de oxigênio em alta concentração
(aumenta a quantidade de oxigênio no corpo), concentrado de ferro (forma mais glóbulos
vermelhos), ou, quando é possível, aspirar e filtrar o sangue que flua de um ferimento,
repondo-o depois na circulação. Segundo Carlos Vieira, “as pessoas não entendem que nós
temos o direito de escolher o tratamento que queremos.”. Os fiéis também argumentam que
transfusões não são 100% seguras. A revista Despertai! de agosto de 2006 relata que
pequenos erros na coleta do sangue e no etiquetamento da amostra, por exemplo, causaram
a morte de pelo menos 441 pessoas nos EUA entre 1995 e 2001, fora os problemas de
rejeição e contaminação por doenças transmissíveis pelo contágio sanguíneo, como a AIDS.

Os nomes foram modificados a pedido dos entrevistados. Eles adotam o anonimato


até nas revistas de pregação, todas sem expediente.

BOX

Em que os TJs crêem:

O nome de Deus é Jeová


Cristo é filho de Deus e é inferior a ele
O homem não evoluiu mas foi criado
A Terra nunca será destruída, nem ficará despovoada
Deus eliminará o atual sistema de coisas na batalha do Armagedon
A alma humana deixa de existir na morte
Apenas 144.000 pessoas vão para o céu e governarão com Cristo. As demais pessoas
viverão na Terra, que se tornará o paraíso.

*Fonte: Site oficial da Torre de Vigia, entidade legal dos TJ.


(http://www.watchtower.org).

Você também pode gostar