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Nota sobre Acesso à Informação Pública no Brasil

Seminário Arquivos da Ditadura e Democracia: a Questão do Acesso

O acesso à informação produzida pelo Poder Público no Brasil, ostensiva ou sigilosa,


obedece aos dispositivos contidos no capítulo V da lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991, na
lei n. 11.111, de 5 de maio de 2005, e nos decretos n. 4.553, de 27 de dezembro de 2002 e
n. 5.301, de 9 de dezembro de 2004. Em São Paulo e Paraná foram criadas normativas
próprias para o acesso a informações sigilosas.

Os arquivos produzidos e acumulados pelo Poder Público são registros de acontecimentos,


recentes ou antigos, que permitem a compreensão e melhor gestão dos interesses públicos,
bem como a defesa dos direitos do Estado e dos cidadãos. Os arquivos representam,
portanto, a materialidade probante da ação do Estado e suas inter-relações com a
sociedade, no exercício das atividades decorrentes de suas funções administrativa,
legislativa e judiciária. São, portanto, fonte primordial para o resgate de informações que
subsidiam a produção de conhecimento e a defesa de direitos.

Durante a década de 1980, intensificou-se o processo de desmantelamento dos regimes


políticos repressivos na América Latina, inclusive no Brasil. Com a transição democrática, os
arquivos dos organismos de repressão tornaram-se testemunhos da atuação de tais
organismos a serviço do Estado autoritário, ou seja, as informações contidas nestes acervos
demonstram práticas que foram usadas no exercício das atividades repressivas. Nos
tempos atuais, servem como instrumento essencial para o fortalecimento de novas relações
sociais e, conseqüentemente, para a consolidação do processo democrático.

A divulgação dos arquivos da repressão tem uma inegável ressonância social e política, o
que aumenta sobremaneira a responsabilidade das instituições arquivísticas, como o
Arquivo Nacional e os arquivos públicos estaduais, na gestão e na preservação adequada
de tais conjuntos. O papel destes conjuntos não se esgota apenas no conhecimento de
nossa história recente – o uso administrativo das informações que encerram tem permitido o
exercício de direitos individuais e coletivos como, por exemplo, a concessão de
indenizações a vítimas da repressão ou a seus familiares.

O Brasil possui um dos maiores acervos arquivísticos de polícias políticas, gerado pelos
órgãos e entidades federais ou estaduais que integraram, direta ou indiretamente, o Sistema
Nacional de Informações e Contrainformação (SISNI), cujo órgão central era o Serviço
Nacional de Informações (SNI). Os arquivos dos DOPS ou DEOPS nos estados foram,
progressivamente, recolhidos aos arquivos estaduais durante a década de 1990.

O governo de São Paulo, por meio de uma resolução da Secretaria de Cultura do Estado,
determinou que se desse pleno acesso a quaisquer informações, inclusive sobre terceiros, a
pessoas cadastradas, mediante termo de responsabilidade pelo uso da informação contida
nos acervos de polícia política do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Até o presente,
tal prática não resultou em ação alguma contra o governo paulista por terceiros que se
julgassem atingidos em sua intimidade, vida privada, honra e imagem pela liberação de
documentos nos quais estivessem referidos.

O Estado do Paraná adota política semelhante a de São Paulo, regulando a matéria em


decreto de 2001, que determina o acesso mediante assinatura de termo de
responsabilidade, imputando ao pesquisador a responsabilidade por quaisquer danos
morais e materiais causados pelo uso das informações obtidas nos documentos. Esta
prática também nunca foi objeto de questionamento judicial.

Com a progressiva consolidação da Rede Nacional de Cooperação e Informações


Arquivísticas, do Centro de Referência da Lutas Políticas – Memórias Reveladas, torna-se
importante avançar na padronização de procedimentos para o acesso à informação de
interesse comum, uma vez que os parceiros da Rede atuam integrados por intermédio de
um banco de dados único disponível na Internet. Assim, considerando:

 que é um dever do Estado, oriundo da Constituição Federal de 1988, assegurar


a todos o acesso à informação produzida pelo Poder Público, tanto de
interesse particular como de interesse coletivo ou geral (incisos XIV e XXXIII,
do art. 5º da CF, de 1988);
 que é assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral
decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
das pessoas (inciso X , do art. 5º da CF, de 1988);
 que é dever do Poder Público restringir o acesso à informação sigilosa que seja
considerada imprescindível à segurança da sociedade e do estado (inciso
XXXIII, do art. 5º da CF, de 1988);
 que a garantia do direito do acesso a informações públicas, como regra geral, é
um mecanismo da consolidação dos regimes democráticos e indispensável ao
exercício da cidadania;
 que é um dos direitos fundamentais “procurar, receber e transmitir informações
e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras” (artigo 19 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, em
dezembro de 1948);
 que o relatório da Comissão de Direitos Humanos da ONU Questions of the
impunity of perpetrators of human rights violation (civil and political), de 1997,
aponta que “toda e qualquer pessoa tem o direito de conhecer a verdade sobre
eventos passados e sobre as circunstâncias que levaram a uma violação
sistemática e geral dos direitos humanos e ao cometimento de crimes odiosos”
e que “o exercício efetivo e completo do direito à verdade é essencial para
evitar a ocorrência de violações semelhantes no futuro” (p. 5), é necessário a
unificação de critérios que dêem sustentação a uma política de acesso comum
aos parceiros de Rede do Memórias Reveladas, tendo por base uma análise
jurídica equilibrada.

O “Seminário Arquivos da Ditadura e Democracia: a Questão do Acesso” pretende, por


meio da participação de juristas, gestores de arquivos públicos, profissionais de
documentação e informação, pesquisadores e representantes da sociedade civil, discutir:

 a aparente contradição constitucional existente entre o direito de pleno acesso


à informação pública e o resguardo da intimidade das pessoas e a defesa do
Estado e da Sociedade;
 o que significa violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem
das pessoas quando esses conceitos são confrontados com a necessidade
coletiva de se conhecer as informações dos dossiês pessoais existentes nos
arquivos de repressão política;
 em que situação se aplica a preponderância do interesse coletivo ou geral
sobre o interesse individual, quando se trata de esclarecer relevante fato
histórico, como afirmação do direito de qualquer cidadão à memória e à
verdade.

O Seminário será realizado entre os dias 11 e 13 de maio de 2010, na sede do Arquivo


Nacional, no Rio de Janeiro. No seu encerramento, no dia 13 de maio, às 14h, ocorrerá a
comemoração do primeiro aniversário do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil
(1964-1985): Memórias Reveladas, com a presença do Ministro da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e do Deputado Federal José Genoíno, presidente da
Comissão Especial de Acesso a Informações Detidas pela Administração Pública.

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