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Doutor da Igreja católica, que foi por ela santificado, o italiano Tomas de Aquino

(1227-1274) foi um grande filósofo da Idade Média, um expoente da escolástica. Ele


descreveu e analisou os princípios básicos do pensamento lógico-científico. Apoiando-
se em preceitos do cristianismo, ele desenvolveu sua obra filosófica.
No entanto, há partes dela que não têm como objeto a religião ou a crença em Deus. Por
exemplo, São Tomás fez considerações a respeito da divisão e do método ou modo de
proceder das ciências teóricas. Trata-se de reflexões que permanecem atuais.
O filósofo partiu do princípio de que os seres humanos, ao contrário dos animais, têm a
capacidade do "intelecto" ou "entendimento" (em latim intellectus). A palavra latina
intellectus deriva do verbo intelligire e se traduz, vulgarmente, por "entender", mas, no
latim de Tomás de Aquino, é um verbo de uso muito mais geral que corresponde,
aproximadamente, ao nosso "pensar".
Aquino faz a distinção entre "entender" e "pensar" como dois "actos" diferentes do
intelecto. Há, por um lado, a intelligentia indivisibilium, que significa literalmente o
"entendimento das coisas que não são complexas"; e por outro a compositio et divisio,
que quer dizer "juntar e separar" - é aqui que se inicia o pensar para o filósofo. Vamos
examinar passo a passo seu raciocínio.

Duas faculdades do intelecto

Como operam essas duas faculdades do intelecto para produzir o conhecimento? Em um


primeiro momento, ocorre a compreensão das formas indivisíveis do ser, que são os que
determinam as suas categorias - substância, quantidade, qualidade e relação. Ou seja,
tem lugar a "inteligência dos indivisíveis pelo qual se conhece o que é alguma coisa" (a
natureza das coisas). Trata-se de uma etapa de simples apreensão.
O passo seguinte consiste em "compor e dividir", ou seja, formar juízos afirmativos ou
negativos. Isto é: formam-se enunciados afirmativos ou negativos a respeito do próprio
ser (da coisa). Portanto, a primeira operação do intelecto que entra na composição do
raciocínio é a simples apreensão, o "acto" pelo qual a inteligência percebe a essência de
uma coisa, sem afirmar ou negar o que quer que seja a seu respeito.
Essa primeira operação do intelecto, portanto, se caracteriza pela simplicidade. O objeto
da simples apreensão é sempre encarado como uma unidade. Assim, é muito pertinente
o modo pelo qual Tomás de Aquino definiu essa operação, a inteligência dos
indivisíveis.
O "acto" pelo qual o espírito percebe essa essência indivisível das coisas é ele próprio
simples; quer dizer, não implica nenhuma síntese, nenhum juízo julgamento. O
conhecimento das coisas individuais e particulares precede a dos universais.

Segunda operação do intelecto

Depois da operação realizada pelas duas faculdades do intelecto acima mencionadas,


realiza-se uma segunda operação que se refere ao conhecimento dos universais. Ela se
dá pelo conhecimento da quididade (ou seja, o que uma coisa é) das coisas materiais,
que representa a natureza de uma coisa em geral, independentemente de suas condições
de realização. Por exemplo, designa-se o homem e não um homem em particular, como
Sócrates ou Platão.
Essa faculdade do intelecto se distingue de toda e qualquer visão particular dos seres em
sua existência concreta atual. O conhecimento dos universais pode ser extraído de
muitas coisas em particular e é isso o que possibilita o ato de julgar.
A capacidade de abstrair

O processo cognitivo do nosso intelecto também é capaz de realizar a atividade de


abstração, isto é: a "consideração à parte do que está unido nas coisas". Essa faculdade
é própria da primeira atividade do intelecto, a inteligência dos indivisíveis. A abstração
é uma faculdade que sucede, que vem após a inteligibilidade de algo, a abstração só é
possível quando se distingue, anteriormente, a natureza de alguma coisa.
Na primeira operação é possível abstrair o que não está separado nas coisas. Dito de
outro modo: o intelecto só abstrai depois de determinar a natureza da coisa, depois de
definir o objeto e considerá-lo elemento do conhecimento. As formas das coisas
materiais não existem na natureza separadas de sua matéria, no entanto, o intelecto, ao
abstrair, só possui as formas, não a matéria.
A abstração de coisas que não podem existir independentemente na natureza só
implicará falsidade, se o intelecto considerar que as formas existam separadas de sua
matéria, o que não tem necessariamente motivo de ocorrer. Embora para compreender
seja necessário que as formas existam no intelecto separadamente da matéria, isto não
significa que o intelecto considere que elas também existam assim no mundo exterior,
na natureza.
A forma que obtém o intelecto não é compreendida sem algo por meio do qual o objeto
externo é compreendido. Portanto, de acordo com Tomás de Aquino, podemos afirmar
que existe uma relação entre os processos característicos do conhecimento intelectual
humano e a natureza das coisas. Sendo assim, a própria divisão das ciências está
relacionada ao procedimento que o intelecto realiza no processo cognitivo.
Em outras palavras: a distinção entre intelecto teórico ou especulativo e intelecto
operativo ou prático "corresponde a uma divisão entre o que é matéria das ciências
práticas (as coisas que podem ser feitas por nossa obra) e o que é matéria das ciências
especulativas" (coisas que não são feitas por nossa obra).

As ciências teóricas

As ciências especulativas (teóricas) se diferenciam pela propriedade de seu objeto,


enquanto é objeto de especulação. O conhecimento intelectual possibilita que a mente
perceba as coisas sem ser afetada pela materialidade dos objetos físicos.

A abstração se processa de dois modos para que isso seja possível: abstração do todo
em relação à parte e da forma em relação a matéria. O intelecto recebe a forma das
coisas sem sua matéria, como é o caso da matemática.

Os objetos do que trata a matemática dependem da matéria quanto à sua existência, mas
não dependem da matéria quanto ao conhecimento que se pode ter de tais objetos, pois
não incluí a matéria sensível. Como exemplos, podemos mencionar: a linha e o ponto.

Por outro lado, é possível abstrair as particularidades individuais e contingentes dos


objetos. Contudo, os objetos não podem existir nem ser percebidos sem sua matéria
sensível. Nesse aspecto, está implicada a matéria sensível, que constitui o objeto próprio
da física ou ciência da natureza.

Por último, a separação consiste em considerar as coisas independentemente de todas as


suas condições materiais, tem-se então o objeto da metafísica, o qual é totalmente
separado da matéria e forma, como é o caso de Deus. São Tomás pensou que a
metafísica tem por objeto o estudo das causas primeiras. A causa real e radicalmente
primeira é Deus.

O objeto da especulação

A divisão das ciências especulativas é realizada mediante as distinções do que é o objeto


da especulação, do especulável. O objeto do especulável pelo intelecto humano tem que
necessariamente estar destituído de movimento (ou seja, é imutável). Suas propriedades
podem ser descritas assim: a) especuláveis que dependem da matéria e do movimento
para ser, b) especuláveis que não dependem da matéria no que se refere ao ser.

O primeiro pode ser subdividido em duas classes distintas: aqueles que dependem da
matéria para ser e para ser inteligíveis (os especuláveis da física e ciência natural, por
exemplo) e aqueles que dependem da matéria para ser, mas não para ser inteligíveis (por
exemplo, os especuláveis da matemática).

Síntese

Podemos elaborar um quadro esquemático para compreender as operações do intelecto


no processo de abstração. Definimos anteriormente dois modos de abstração: do todo
em relação à parte e da forma em relação à matéria. Resta descrever que critérios
tornam isso possível.

O intelecto pode abstrair qualquer tipo de forma cuja determinação essencial não
depende de tal matéria, a matemática trata destes abstratos. O intelecto abstrai as formas
das imagens por meio do qual se compreende o objeto em repetidas ocasiões. As
qualidades sensíveis e mesmo a quantidade de matéria que acompanham o objeto
podem ser abstraídas, ou melhor, não precisam existir na mente.

Partiremos agora para abstração do todo em relação à parte. Já foi exposto que o
processo de abstração só é operacional quando se determina a priori a natureza da coisa
(quididade). Disso decorre que devemos determinar quais partes do objeto são
considerados acidentes (partes não essenciais) na sua composição.

Se definirmos uma "sílaba", esta é composta de "letras", não podemos abstrair


desmembrando-a em letras, pois "letra" é um componente essencial do todo
denominado "sílaba". Essas partes definem o "todo" em questão (objeto do especulável).
Ou seja, o "todo" (sílaba) depende da "parte" (letra).

Mas também existem partes que são acidentais à definição do "todo" em questão.
Quando definimos "ser humano", não o compreendemos como composto de membros
distintos (pé, mão, dedo, etc.); ao contrário, são justamente essas partes que entram na
definição do "todo" denominado "ser humano". A dupla operação do intelecto
corresponde e está articulada à natureza das coisas que são os objetos do conhecimento
humano.

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