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CONSULTA

Do objeto da Consulta
Consulta-nos o Deputado Federal Domingos Dutra (PT-
MA) sobre questões de natureza processual-eleitoral, referentes aos
possíveis efeitos de uma impugnação da coligação PT-PMDB para o
Governo em seu Estado.

Relata que no Encontro de Definição de Tática Eleitoral PT


2010, por 87 votos a favor e 85 votos em sentido contrário, os delegados
decidiram pela Coligação do PT com o PC do B, em detrimento da tese
que defendia a coligação com quaisquer dos partidos da base de apoio
ao Governo Federal para a eleição de Governador do Estado.

Narra ainda que os defensores da tese derrotada,


inconformados com o resultado, pretendem, na Convenção que deve
ocorrer entre os dias 10 a 30 de junho do presente ano, ainda sem data
pré-estabelecida, impor decisão diferente daquela anteriormente
tomada. Questiona se tal manobra seria juridicamente válida.

Indaga, por fim, quais seriam as conseqüências de um


possível julgamento pela procedência da impugnação da Coligação PT-
PMDB.

Do direito
Antes mesmo de discutir o mérito da consulta em si,
necessário proceder a uma análise de questão preliminar, qual seja, se
poderia a Justiça Eleitoral intervir na questão em tela.

Isso porque, como se sabe, não cabe à Justiça Eleitoral,


em hipótese alguma, intervir em questões internas das agremiações

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políticas, porquanto não há qualquer dispositivo normativo que lhe
permita tamanha interferência.

Ora, a Constituição Federal de 1988 sedimentou a


autonomia dos partidos, o que foi consubstanciado com o advento da
Lei nº 9.096/95. Com isso, cabe aos filiados, e tão-somente a eles,
decidirem entre si como o partido político deve ser organizado e
estruturado.

No entanto, os atos interna corporis — ainda que


abrangidos por determinados círculos de imunidade que excluem a
possibilidade de sua revisão judicial — não podem ser invocados, com
essa qualidade e sob esse fundamento, para justificar a ofensa a direito
público subjetivo de que terceiros sejam titulares.

Nesse sentido, a jurisprudência, quer do Supremo


Tribunal Federal, quer do Tribunal Superior Eleitoral, jamais tolerou
que a invocação da natureza interna corporis do ato pudesse constituir
um ilegítimo, um imoral, um falso e hipócrita manto protetor
meramente formal de comportamentos abusivos, iníquos ou arbitrários.

Desta feita, a Justiça Eleitoral não só pode, como deve,


interferir em eventuais decisões do partido quando possibilitem
prejudicar os direitos políticos dos filiados.

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior


Eleitoral corrobora duas teses: 1) ainda que as questões envolvendo
órgãos partidários constituam matéria interna corporis das agremiações,
a Justiça Eleitoral tem competência para examinar os efeitos daí
decorrentes que se relacionam aos processos de registro de
candidatura; 2) cabe ao Judiciário apreciar a legalidade da norma

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estatutária sem interferir na sua autonomia partidária. É o que se vê
das decisões abaixo:

Registro de candidatura. Diretório regional. Intervenção.


Diretório municipal. Impugnação. Registro. Improcedência.
Convenção. Realização. Diretório Municipal. Validade. Art. 8º
da Res.-TSE nº 21.608. Não-aplicação.
1. Conquanto as questões envolvendo órgãos partidários
constituam matéria interna corporis das agremiações, a
Justiça Eleitoral tem competência para examinar os
efeitos daí decorrentes que se relacionam aos processos
de registro de candidatura. Precedente: Acórdão nº 12.990.
2. É válida a convenção realizada pelo diretório municipal se
não há prova de que, naquele momento, ele estivesse sob
processo interventivo deflagrado pelo diretório regional.
3. Hipótese em que a convenção não teria se distanciado das
diretrizes legitimamente estabelecidas pela convenção
nacional, não sendo aplicável o disposto no art. 8º da Res.-
TSE nº 21.608.
Recurso conhecido, mas improvido.
(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 22792, Acórdão nº
22792 de 18/09/2004, Relator(a) Min. CARLOS EDUARDO
CAPUTO BASTOS, Publicação: PSESS - Publicado em
Sessão, Data 18/09/2004 )

Recurso Especial. Registro de candidatura. Cabe ao


judiciário apreciar a legalidade de norma estatutária, sem
interferir na autonomia partidária. Legalidade dos atos
praticados pelo diretório estadual, uma vez que o
representante do diretório municipal não tinha legitimidade,
nos termos do estatuto.
Recurso provido para tornar insubsistente o acórdão
regional e manter a decisão do juiz eleitoral.
(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 16873, Acórdão nº
16873 de 27/09/2000, Relator(a) Min. WALTER RAMOS DA
COSTA PORTO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão,
Data 27/09/2000 )

A questão posta, portanto, diz respeito ao fato de


configurar ou não violação a direito dos filiados ao PT a tomada de
decisão em sentido contrário ao que já deliberado Encontro de Definição
de Tática Eleitoral - PT/2010.

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Como é cediço, por convenção deve-se entender a
assembléia ou reunião em que se delibera sobre determinado
assunto. A Convenção Partidária é aquela que se destina a escolher os
candidatos do partido para a disputa de cargos eletivos e a deliberar
sobre coligações.

Por seu turno, o art. 8º da Lei n. 9.504/07 determina que


as convenções devem ser realizadas no período de 10 a 30 de junho do
ano em que se realizarem as eleições.

Vê-se, portanto, que a lei estabelece apenas o período em


que as convenções podem ser convocadas e devem ser realizadas,
cabendo ao estatuto de cada partido definir as regras próprias para sua
realização, como por exemplo, a forma de convocação, os prazos, o
quorum de instalação e deliberação, bem assim como se o voto será
colhido abertamente ou de forma secreta.

No caso do Partido dos Trabalhadores, o Regulamento do


Processo de Definição de Candidaturas 2010, aprovado pelo Diretório
Nacional em 5 de março de 2010, afirma o seguinte:

Art. 1º. O calendário para indicação, impugnação e


aprovação das candidaturas do PT às eleições proporcionais
e majoritárias de 2010 será estabelecido, em cada estado,
pela respectiva Comissão Executiva Estadual (CEE), até o
dia 15 de março de 2010, observadas as demais disposições
deste Regulamento, do Estatuto e do Código de Ética do PT.

Art. 2º. De acordo com o artigo 142 do Estatuto do PT,


quando 1/3 (um terço), no mínimo, dos membros do
Diretório ou da Comissão Executiva Estadual apresentar
proposta de apoio a candidato a Governador de outro
partido, deverá ser realizado, antes da abertura de
inscrições de pré-candidatos, um Encontro Estadual para
definir a política de alianças e a tática eleitoral,
denominado Encontro de Definição de Tática Eleitoral.

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Ou seja, haveria necessidade de ser realizada uma
reunião denominada “Encontro de Definição de Tática Eleitoral”, tal
como ocorreu no presente caso, já que o candidato apoiado pela
agremiação pertence a partido co-irmão.

Tal previsão é corroborada pelos arts. 140 e 142 do


Estatuto Partidário, que ressaltam ainda o caráter imperativo dos
Encontros em que são definidas as candidaturas.

Art. 140. O resultado da Prévia Eleitoral É IMPERATIVO e


será homologado pelo Encontro quando:
a) em nível municipal, houver comparecimento mínimo de
15% dos filiados;
b) em nível estadual, for observado o disposto na letra “a”
deste artigo em pelo menos 50% (cinqüenta por cento) dos
municípios onde o Partido estiver organizado;
c) em nível nacional, for observado o disposto na letra “b”
deste artigo em pelo menos 50% (cinqüenta por cento) dos
estados onde o Partido estiver organizado.

Art. 142. Quando 1/3 (um terço), no mínimo, dos membros


do Diretório correspondente ou de sua Comissão Executiva
apresentar proposta de apoio a candidato majoritário fora
do Partido, o Encontro deverá anteceder a realização da
Prévia Eleitoral, para que sejam definidas a política de
alianças e a tática eleitoral.

Nesse sentido, as convenções no período de 10 a 30 de


junho, nos termos do estatuto do PT, devem apenas homologar o
resultado dos encontros, no caso presente, o Encontro de Definição de
Tática Eleitoral.

Art. 143. As Convenções Oficiais destinadas a deliberar


sobre a escolha de candidatos e coligações, observado o
disposto na Lei Eleitoral e nas Resoluções do Tribunal
Superior Eleitoral, serão realizadas de acordo com as
normas estabelecidas no presente Capítulo.
§ 1º As Convenções Oficiais deverão, obrigatoriamente,
homologar as decisões democraticamente adotadas nos

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Encontros realizados nos termos deste Estatuto e nas
demais resoluções da instância nacional do Partido.
§ 2º As Convenções Oficiais que não cumprirem o disposto
no parágrafo anterior serão anuladas pela Comissão
Executiva da instância superior correspondente, aplicando-
se o disposto no artigo 147 deste Estatuto.

Art. 147. Se a Convenção partidária se opuser, na


deliberação sobre coligações, às diretrizes legitimamente
estabelecidas pelas instâncias superiores do Partido, a
Comissão Executiva da instância superior correspondente
poderá anular tais decisões e os atos delas decorrentes.
§ 1º A anulação da Convenção poderá ser total ou parcial.
No caso de ser anulada apenas a deliberação sobre
coligações, podem permanecer como candidatos do Partido
aqueles já escolhidos pela Convenção.
§ 2º Se da anulação de que trata este artigo surgir a
necessidade de registro de candidatos na Justiça Eleitoral,
os requerimentos deverão ser apresentados até 10 (dez) dias
contados a partir da data da anulação parcial ou total da
Convenção, e, tratando-se de candidatos proporcionais,
deverá ainda ser observado o prazo de até 60 (sessenta)
dias antes do pleito.
§ 3º No caso do parágrafo anterior, a Comissão Executiva
da instância superior correspondente poderá proceder à
substituição ou à escolha de candidatos.

Não se verifica, portanto, qualquer razão para desrespeitar


o legítimo resultado do Encontro que deliberou pela Coligação com o
Partido Comunista do Brasil no Estado do Maranhão, que, diga-se de
passagem, seguiu estritamente o deliberado no IV Congresso Nacional
do PT, que definiu a Tática Eleitoral e Política de Alianças a ser seguida,
verbis:

“8. Para que tenhamos sucesso na tarefa de transformar as


eleições em uma disputa de projetos antagônicos é
importante constituir a mais ampla frente de partidos, entre
os que apóiam o governo Lula.
(...)
10. Não podemos, no entanto, menosprezar a importância
que têm os governos de estado. A manutenção dos cinco

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governos petistas e a ampliação desse número, além de
reeleger e eleger governos de partidos aliados é também um
objetivo importante. À medida do possível, devemos buscar
palanques estaduais unitários, respeitando-se as
particularidades de cada estado.
11. Devemos envidar todos os esforços no sentido de
buscarmos candidaturas unitárias aos governos estaduais.
Onde isso se revelar politicamente impossível, devemos
construir um acordo de procedimentos durante a campanha,
que permita a existência de dois palanques para a
candidatura presidencial”.

Assim, eventual decisão tomada em convenção em sentido


contrário ao resultado do Encontro de Tática Eleitoral (imposição de
coligação com o PMDB, p. ex.) possibilitaria a impugnação da
aglomeração partidária pelo Ministério Público Eleitoral, por qualquer
filiado e até mesmo pelo PC do B.

Isso porque a lei das eleições prevê em seu art. 7º tão-


somente que “se a convenção partidária de nível inferior se opuser, na
deliberação sobre coligações, às diretrizes legitimamente estabelecidas
pelo órgão de direção nacional, nos termos do respectivo estatuto,
poderá esse órgão anular a deliberação e os atos dela decorrentes”.

No presente caso, não houve desobediências às diretrizes


formuladas pelo órgão de direção nacional. Pelo contrário, a decisão de
rever a Coligação entre PT e PC do B atentaria frontalmente às diretrizes
do estatuto do partido dos trabalhadores, permitindo a impugnação ao
registro da novel chapa, como se vê:

Recurso Ordinário.Fungibilidade.
Possível o conhecimento, como especial, de recurso
interposto como ordinário se, malgrado a inexata
denominação, contém os requisitos daquele.

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Partidos Politicos. Autonomia. Candidatura Nata. A garantia
constitucional de autonomia dos partidos restringe-se a
definição de sua estrutura interna, organização e
funcionamento. Possibilidade de a lei dispor sobre
questões que se inserem no processo eleitoral,
estabelecendo critérios para a admissão de candidaturas,
tema que não diz com a matéria interna corporis a que
se refere a constituição e que constitui campo defeso ao
legislador.
(RECURSO ORDINARIO nº 97, Acórdão nº 97 de
25/08/1998, Relator(a) Min. EDUARDO ANDRADE RIBEIRO
DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão,
Data 25/08/1998 RJTSE - Revista de Jurisprudência do
TSE, Volume 10, Tomo 3, Página 138 )

Desta ordem, sendo julgada procedente a impugnação da


chapa PT/PMDB, devem ser observados dois prazos: o pedido de
registro da nova chapa deverá ser apresentado à Justiça Eleitoral nos
10 (dez) dias seguintes à deliberação, mas nas eleições proporcionais, a
substituição só se efetivará se o novo pedido for apresentado até
sessenta dias antes do pleito.

Desta feita, diante do grande número de processos que


tramitam na Justiça Eleitoral, muito provavelmente a decisão final
acerca do tema deve ser proferida após o prazo de sessenta dias,
correndo o risco de o Partido dos Trabalhadores não poder lançar
qualquer candidato a Deputado Federal ou Estadual.

CONCLUSÕES
Em resposta aos quesitos formulados, temos a responder
rapidamente o que segue:

1. Não é possível, sem ferimento ao Estatuto do Partido


dos Trabalhadores, a Convenção Local, que deve ocorrer entre 10 e 30
de junho, tomar decisão diversa da que ocorreu no Encontro de
Definição de Tática Eleitoral – PT/2010;

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2. Caso tal decisão ocorra, submete-se a nova Coligação a
Impugnação perante a Justiça Eleitoral;

3. A depender do momento em que a decisão acerca da


Coligação seja tomada, eventualmente o Partido dos Trabalhadores
pode ficar impossibilitado de lançar qualquer candidato a Deputado
Federal ou Estadual nas eleições de 2010 no Estado do Maranhão.

É o parecer.

Luis Antonio Câmara Pedrosa Carlos Eduardo Lula


OAB/MA 4.354 OAB/MA 7.066

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