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O SALAZARISMO E AS MULHERES UMA ABORDAGEM COMPARATIVA* Anne Cova CEMRI, Universidade Aberta Anténio Costa Pinto ISCTE, Lisboa Se existe um trago comum as Ditaduras da Europa do Sul do periodo entre as duas gucrras, ele refere-se as atitudes perante as mulheres. Instauradas na sequéncia de processos de democratizagao e da emergéncia de movimentos femi- nistas; € num quadro geral de aumento significativo da presenga das mulheres no mercado de trabalho, todas estas Ditaduras reafirmaram no campo ideolégico € politico a apologia do «regresso ao lar», a glorificagao da «maternidade» e de um certo modelo de «familia» enquanto fungio primordial, ao mesmo tempo que se confrontaram com a questao da «integracio» das mulheres no campo politico, elevando algumas delas esta fungao a meta nacionalista ¢ mobilizadora importante dos seus regimes. O objectivo deste artigo € o de introduzir as atitudes do Salazarismo perante as Mulheres ¢ as suas organizacées, esbogando algumas comparagées com as restantes ditaduras, onde em parte se inspirou, caso do fascismo italiano, € observando como é que este reagiu aos dois problemas anteriormente apon- tados. + Este artigo € uma versio adaptada de uma cntrada, intitulada «Femmes et Salazarisme>, pata Christine Fauré (dir), Encyclopédie politique et historique des femmes, Paris, PUR, 1997. Pensado para um publico académico estrangeiro e com severas restrigées de sintese, ele tem intengdes modestas, representando apenas uma introducio a um tema ainda rlativamente pouco explorado pela historio- grafia portuguesa. Os autores querem agradecer a possibilidade de o publicar em portugués a Christine Fauré, ¢ ainda a Irene Pimentel, por alguma informagio prestada. Penélope 17, 1997: 71-94 72 Penélope: Género, discurso e guerra 1. As mulheres na sociedade portuguesa. 1.1. A familia: célula vital da sociedade. A Constituigao de 1933 enunciou a igualdade dos cidadaos perante a lei, ¢ como consequéncia, «a negacao de qualquer privilégio de nascimento, nobreza, titulo nobilidrquico, sexo ou condigdo social», mas nao se esqueceu de ressalvar «quanto 4 mulher, as diferengas resultantes da sua natureza e do bem da fa- milia> (art. 5.°). A particularidade do Salazarismo, comparativamente com a Repiiblica de 1910, é a de introduzir esta nuance, capital, no principio de igual- dade entre os sexos. Com efeito, a Constituigdo precedente, de 1911, e as leis relativas familia, de 25 de Dezembro de 1910, nao continham disposigao andloga. Em nome da «natureza» feminina, as mulheres viram, desta forma, negada pelo Salazarismo a completa igualdade com os homens. A ideia de «natureza» Temete para a ja antiga querela da natureza contra a cultura, em que o publico domina o privado. O Salazarismo permaneceu profundamente enraizado na ideia tradicional de que as mulheres se situam do lado da «natureza» e 0s homens, implicitamente, do lado da cultura. Desta forma, o Estado Novo manteve-se fiel as mensagens inalteravelmente Tepetidas, com um intervalo de quarenta anos, pela Igreja Catélica, nas enciclicas Rerum Novarum (1891) © Quadragesimo anno (1931), em que a «natureza» predispds as mulheres a ficarem em casa a fim de educarem os seus filhos e de se consagrarem as tarefas domésticas. Partindo da constatagao de que o homem e a mulher nao possuem a mesma forga fisica, Rerum Novarum enunciava: «Existem trabalhos menos adaptados a mulher, que a natureza destina antes aos trabalhos domésticos». Mensagem semelhante na Quadragesimo anno: «E: em casa antes de mais, ou nas dependéncias da casa, e entre as ocupagées domésticas, que se encontra 0 trabalho das maes de familia». A mulher foi concebida para ser mae, foi a «natureza» que assim decidiu. O Salazarismo acrescentou que deve ser uma mae devota A patria e ocupar-se do «governo doméstico». Numa publicagao do Secretariado Nacional de Propaganda, Economia Domés- tica, de 1945, estabelecia-se um paralelo entre a arte de gerir a casa e a de gerir 0 Estado". Argumento que ilustra o cardécter ténue das fronteiras entre o privado € 0 piblico. De facto, as mulheres poderiam penetrar no ptiblico argumentando que se ocupavam de um modo notavel das suas familias e que estavam, devido a essa experiéncia, a altura de exercer fungées puiblicas, partindo do princfpio que 0 Estado nao é mais que um conglomerado de familias, Mas o Estado Novo preferiu ater-se 4 ideologia fundada sobre a «diferenga natural dos sexos» que fez, implicitamente, o clogio da diferenga, da complemen- Cova e Costa Pinto: O salazarismo eas mulheres 73 taridade dos papéis préprios 4 mulher ¢ ao homem. Desta forma, as fungdes das mulheres e dos homens nao eram idénticas, mas complementares, coerente com os principios da enciclica Gasti Connubii (1930) que enunciava «um tempe- ramento diferente do sexo feminino», que no seio da familia 0 «marido € a cabeca, a mulher 0 coragao», € que a mulher cra a «s6cia» do seu marido. O Estado Novo desejava igualmente ver a complementaridade dos cénjuges como garante da estabilidade da familia, a qual primava sobre os direitos individu: O que predominava na ideologia salazarista era 0 interesse pela familia, na qual os cOnjuges no passavam de humildes servidores. Se a mulher-mae era glorificada, era por desempenhar um papel impor- tante no seio da familia. A sua «missio» era a de se ocupar do lar ¢ de ser a sua guardia. A sua influéncia benéfica nao se limitava aos seus filhos, teflectia-se em todo a casa: cabia-Ihe assegurar a tranquilidade de espfrito do seu marido ¢ 0 ambiente harmonioso do lar. O slogan «O lugar da mulher é em casa» revestiu-se de particular acuidade com a crise econémica dos anos 30: em muitos paises europeus, as mulheres que trabalhavam fora de casa eram particularmente visadas, pois tomavam o lugar dos homens e a permanéncia das mulheres em casa surgiu entéo como a panaceia. Em Portugal, a situagdo foi diferente dado que o pats conhecia uma taxa de desemprego baixa e esta insisténcia néo teve uma ligag4o, pelo menos directa, com a crise dos anos 30’. Essa visio da mae ocupando a totalidade do espago no scio da familia era simplificadora visto que 0 pai possuia, pela legislagao ¢ na realidade, 0 poder principal. Com efeito, a Constituigéo de 1933 enunciava que 0 marido era chefe da familia e que era ele que detinha a autoridade, enquanto a mulher devia desempenhar 0 papel de mae consagrando-se ao seu lar. Enquanto chefe de familia e, consequentemente enquanto pai, cabia-lhe orientar a instrugao ¢ a educago dos seus filhos, dar-lhes assisténcia, defendé-los e representa-los, mesmo antes do seu nascimento. ‘Todavia, este realce do pai na familia no deve ocultar o facto de que 0 que importava para 0 Salazarismo era, acima de tudo, a familia, cuja defesa o Estado deve garantit. A familia é «a fonte da conservagao e do desenvolvimento da raca» € «o fundamento de toda a ordem politica». E a familia que assegura 0 bom funcionamento da sociedade ¢ a sua «regeneragao». Rerum novarum enunciava a primazia ¢ a anterioridade da familia relativa- mente a sociedade civil. Consolidar a familia mas nao qualquer uma; era a familia dita legitima que era evidenciada: «a constituicao da familia assenta no casamento € na filiagio legitima». O casamento é a origem e 0 fundamento da familia, sendo a sua finalidade a procriagao. 74 Penélope: Género, discurso e guerra A insisténcia na familia legitima nao é particular ao Salazarismo e deve ser relacionada também com a elevada taxa de nascimentos ilegitimos: c. 12 por cento desde o principio do século XX e este fenémeno perdurou pois, no final dos anos 50, Portugal cra, neste campo, o terceiro pais da Europa’. A queda da taxa de natalidade foi, por outro lado, um facto, a0 longo do Estado Novo, muito embora se tenha mantido sempre acima dos paises euro- peus, e mesmo dos da Europa do Sul. Apesar disso, 0 Salazarismo participou também do discurso recorrente sobre os valores da natalidade, estreitamente associado 4 «mistica da nacdo», presente com um maior destaque em paises como a Alemanha ¢ a Italia, muito embora a obsessiio demogrdfica nao seja monopélio dos regimes fascistas, incluindo na mesma época paises como a Franga’, Nas leis sobre a familia de 1910, 0 casamento era considerado como um contrato feito entre duas pessoas de sexo diferente, tendo como objectivo cons- tituir uma familia legitima. Porém, 0 Salazarismo modificou as conquistas da Primeira Republica relativas a0 casamento, tal como o facto de a mulher ante- tiormente nao poder ser coagida a regressar a0 domicilio conjugal, disposicao que o Cédigo do Processo Civil, em 1939, anulou. O contrato de casamento, sendo civil, podia ser dissolvido pela lei de 3 de Novembro de 1910, a qual autorizava 0 divércio e concedia as mesmas prerroga- tivas 4 mulher e ao marido no que respeita aos motivos do divorcio € aos direitos sobre os filhos. Esta lei constituiu uma verdadeira subversao dos costumes. O divércio era essencialmente um fendmeno urbano e isso é uma realidade até aos anos 40, Em 1930, 51 por cento das pessoas divorciadas viviam nas cidades, e em particular nas grandes aglomeragdes tais como Lisboa e Porto (40,7 por cento). Todavia, as praticas diferiam de uma cidade para a outra: assim, em Lisboa eram as mulheres, em maioria, que requeriam o divércio, constatando-se 0 fendmeno inverso no Porto’. A lei do divércio iria vigorar ainda durante trinta anos, pois o Salazarismo sé a aboliu aquando da Concordata de 1940, interditando entio o divércio aos cénjuges cujo matriménio tenha sido celebrado catolicamente’. Com o decreto-lei n.° 25 936 relativo a defesa da familia, promulgado a 12 de Outubro de 1935, 0 Estado Novo pretendeu assegurar a «constituigéo € a defesa da familia como fonte de conservagao e de desenvolvimento da raga». A fim de proteger, de preservar ¢ de salvaguardar a familia, o Estado Novo fixou diversas prioridades, ndo sendo algumas delas respeitadas, como sucedeu com a Protecgao da maternidade, na medida em que a licenga de parto diminuiu para metade durante 0 Salazarismo, reduzindo-se a um més, com a possibilidade, facultativa para o empregador, de pagamento de indemnizacées. A lei n.° 1952, de 10 de Marco de 1937, previa para as mulheres a dispensa do trabalho durante Cova € Costa Pinto: O salazarismo as mulheres 75 30 dias por ocasido do parto, atribuindo-lhe um subsidio, «salvo a entidade patronal o direito de provar que a empregada ou assalariada nao é digna de tal subsidio ou dele nao carece»*. Da mesma forma, a vontade explicita do Estado Novo de promover a adopcao do salério familiar, reivindicagao querida aos catélicos sociais europeus € que se inscrevia no Ambito da reabilitagao da familia, nao se concretizou. Deste modo, varios objectivos do Salazarismo permaneceram, na pratica, esque- cidos. O governo entendeu, contudo, promover acces de propaganda, como a «jomada das maes de Familia», ¢ fundou uma organizacao nacional denominada «Defesa da Familia», cujo presidente, Anténio de Sousa Gomes, provinha do movimento catélico. A importancia da moral ¢ a exaltagao das suas virtudes nao cessaram de ser aclamadas nos discursos oficiais: os alicerces da familia s4o a moralidade e é ao Estado que incumbe promover a unidade moral da nagao. Fortemente inspirado no catolicismo social, o Estado Novo seguiu as di- versas enciclicas € reforgou os lagos com a Igreja através da Concordata de 1940. Na ideologia salazarista as mulheres deviam assumir varios papéis no seio da familia: esposa € mac, mulher dedicada a casa e garante da moral. Esta exaltagdo da «misso» das mulheres no Ambito familiar estava longe da realidade a partir do momento em que estas trabalhavam fora de casa. 1.2. O trabalho das mulheres. No comeco do Estado Novo, segundo as estatisticas oficiais, o nimero das mulheres activas elevava-se a 17 por cento. Cerca de vinte anos mais tarde, em 1950, essa percentagem era de 22,7 por cento’. A Italia apresentava-se com nameros bastante semelhantes, 23 por cento, em 1926. Em Franga estas representavam j4 36 por cento, no mesmo ano, figura igual 4 da Alemanha, em 1933", Durante toda a longa duragao do Estado Novo, uma parte muito significa tiva da populagdo activa trabalhava no sector primario, o mesmo sucedendo com as mulheres. S6 a partir dos anos 60 se produziu uma verdadeira explosdo do tercidrio e nesta década o nimero de mulheres empregadas no referido sector era jé de 33,9 por cento € de 26,2 por cento na industria. No final do Sala- zarismo, a maioria das mulheres que trabalhavam fora de casa nao eram casadas: 53,7 por cento eram celibatarias, 9 por cento divorciadas ou separadas, menos de 1 por cento vitivas, e apenas 36,3 por cento eram casadas. O nimero de mulheres em actividades nao qualificadas era considerdvel ¢ mais de metade das celibatdrias activas exerciam trabalhos nao especializados ou manuais. 76 Penélope: Género, discurso ¢ guerra A maioria das mulheres vivia no campo, 4 semelhanca de mais de metade da populagao activa: em 1930, 55 por cento da populagao activa dedica-se a agricultura, em 1940, 52 por cento, e em 1950, 51 por cento. A partir dos anos 50, a tendéncia para o decréscimo do némero de activos a trabalhar no sector agricola sofreu uma baixa significativa, devido a forte emigracdo da mao-de- -obra. Estas tendéncias afectaram também a mao-de-obra feminina: em 1950, as mulheres representavam 20,6 por cento da populacao activa agricola e apenas 9,1 por cento dez anos mais tarde. Este decréscimo espectacular, de mais de metade, advém também do facto de se ter em consideragao, nessas percenta- gens, apenas as mulheres assalariadas agricolas, excluindo-se as domésticas que trabalham no campo, que eram em grande numero. A partir dos anos 60, o ndmero de mulheres activas aumentou em virtude da emigragio masculina, que atingiu o seu auge, e da guerra colonial. E desde af que se assiste a uma feminizagao marcante na agricultura: em 1970, 24,2 por cento dos activos agri- colas eram mulheres". Os ciclos de aumento da populagio activa feminina portuguesa nao coinci- diram necessariamente com os presentes em outros paises europeus. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, foi um factor negligencidvel, desempenhando a emigragao € a guerra colonial um papel mais importante, j4 nos anos 60. Uma forte taxa de analfabetismo caracterizou Portugal no periodo do Estado Novo: em 1930, 61,8 por cento da populacdo com mais de sete anos era analfabeta, percentagem que diminuiu quase para metade, mas que continuava a ser considerdvel, trinta anos mais tarde: em 1960, subsistiam ainda 31,1 por cento de analfabetos. As mulheres, em particular, eram vitimas do analfabe- tismo: em 1930, 69,9 por cento das mulheres eram analfabetas, contra 52,8 por cento de homens e em 1960 essas percentagens eram, respectivamente, de 36,7 Por cento contra 24,9 por cento. Deste modo, a diferenca homens-mulheres diminuiu, mas continuando, porém, a ser significativa. Neste dominio, Portugal situava-se na cauda da Europa’, Possuindo uma fraca taxa de urbanizagdo, a sociedade portuguesa era fortemente dualista, com diferengas significativas entre a populagao rural, a maioria, € as elites econémicas, politicas ¢ sociais urbanas. Existiam grandes disparidades entre a maioria das mulheres que viviam no campo e uma elite urbana, onde se recrutavam as militantes das diversas organizagées femininas e feministas. Apesar da retérica do «regresso ao lar», as mulheres continuaram a entrar no mercado de trabalho durante 0 Estado Novo. No conjunto dos sectores, os saldrios das mulheres eram inferiores aos dos homens, ainda que uma lei votada em 1966, sobre a igualdade dos saldrios dos homens e das mulheres, tenha sido Cova ¢ Costa Pinto: 0 salazarismo eas mulheres 1 aprovada. Durante os anos 60, devido a emigragao da méo-de-obra masculina € & participagdo dos homens na guerra colonial, a feminizacao de determinados ramos da industria (téxtil, por exemplo) aumentou bastante. Por outro lado, a forte estratificagao social ¢ 0 reduzido peso numérico das elites, constituiu um elemento de menorizagio da discriminagao educativa e profissional das mulhe- res da classe média-alta’’. ‘A Primeira Reptblica, comparativamente ao Salazarismo, representou um perfodo de liberdade € de inovagio legislativa para as mulheres, em particular no dominio da {egislagéo sobre a familia, nomeadamente com a lei sobre o divorcio. Todavia, no plano politico, a Republica impediu as mulheres de aceder a0 direito de voto, enquanto o Salazarismo lhes entreabriu algumas portas, ainda que num quadro geral repressivo ¢ limitador de direitos. 2. 0 Estado Novo e 03 movimentos de mulheres. 2.1. Os movimentos feministas da Primeira Repiblica. As primeiras associagées feministas portuguesas foram criadas sob a dupla influéncia da maconaria ¢ do movimento republicano e socialista, no inicio do século. E este 0 caso do Grupo Portugués de Estudos Feministas (1907) e, sobretudo, da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1909)'*. Com a proclamacao da Republica, as relagdes entre os tepublicanos ¢ essa associagao de mulheres complicaram-se devido a negagio do direito de voto, ao mesmo tempo que a nova legislagéo sobre a familia Ihes garantiu um conjunto de novos dircitos. Seria, alids, na década de 1910, que estas associagGes se iriam diversificar, muito embora a matriz republicana ¢ magénica dominasse’*. O Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP), que seria a mais duradoura das organizagées de mulheres, foi fundada sob o impulso da Repa- blica liberal em 1914, por Adelaide Cabete, ginecologista ¢ militante dos direitos das mulheres". Adelaide Cabete tinha j4 participado, com Ana de Castro Osério ¢ Fausta Pinto de Gama, na criagéo da Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (LRMP), em 1909, movimento ligado ao partido republicano € que tomou parte na queda da monarquia constitucional’’. As primeiras dirigentes da Liga eram membras de diversas lojas magénicas femininas, casos de Ana de Castro Osério de Adelaide Cabete (venerdvel da Loja Direito Humano)'*. Estas mulheres pertenciam 4 média ¢ alta burguesia das cidades, ¢ eram activas dentro do movimento republicano. 78 Penélope: Género, discurso ¢ guerra Segundo os estatutos da LRMP, os seus objectivos eram «orientar, educar € instruir, mediante os principios democraticos, a mulher Portuguesa». A Liga contou entre 400 ¢ 800 filiadas durante a sua existéncia de dez anos, visto que se dissolveu em 1919. Apesar de possuir seccdes na provincia, a esmagadora maioria das suas aderentes vivia em Lisboa. No plano socioprofissional, o grupo mais importante era 0 do corpo docente”. Durante os Primeiros anos da Republica, a Liga apoiou o novo poder republicano, especialmente no que dizia respeito a legislagao sobre a familia e pronunciou-se a favor da lei sobre o divércio. No seio da Liga surgiram no entanto divergéncias, a propésito da participacao politica das mulheres. As clivagens situaram-se nas Prioridades da agenda reivindicativa, com algumas ditigentes salientando 0 diteito de voto das mulheres mesmo que restrito, e outras mais orientadas para os direitos sociais € econémicos. Ana de Castro Osério decidiu entao afastar-se da Liga. Sem esperar que as mulheres obtivessem 0 direito de sufrdgio, uma médica, militante sufragista ¢ fundadora da Associacdo de Propaganda Femi- nista, Carolina Beatriz Angelo, exerceu o direito de voto a 28 de Maio de 191 1, invocando a sua qualidade de «chefe de familia» visto ser mae e vitiva. Porém, 0s republicanos corrigiram rapidamente esta «falha» com a lei de 3 de Julho de 1913, que atribuiu o direito de voto unicamente aos cidadaos de sexo masculino sabendo ler ¢ escrever, excluindo assim as mulheres. O CNMP constituiu-se como seccao portuguesa do International Council of Women (Conselho Internacional das Mulheres, CIM), fundado no final do século XIX, em 1888, em Washington. O Conselho portugués estabeleceu lacos privilegiados com o seu homélogo francés, 0 Conseil National des Femmes Frangaises (CNFF), criado em 1901 ¢ igualmente filiado no CIM, por intermé- dio de Adrienne Avril de Sainte-Croix, secretaria-geral do CNFF e vice-pre- sidente do CIM. Os estatutos do CNMP foram aprovados em Abril de 1914 e difiniam-no como «uma instituigéo feminina, nao se subordinando a nenhuma escola ou facgao filoséfica, politica ou religiosa»*!. Os seus objectivos eram o de federar as associagGes femininas, e nao apenas feministas, portuguesas «que se ocupam da mulher e da crianga» e de «coordenar, ditigir ¢ estimular todos os esforgos ten- dentes a dignificagio e 4 emancipagao das mulheres». Era também seu objec- tivo 0 «defender tudo o que diga respeito ao melhoramento das condigées mate- tiais e morais da mulher, especialmente da proletarian ¢a Tenumeracao equitativa do trabalho. Como outros movimentos congéneres, o CNMP evitou a utilizagao da pala- vra feminismo, proclamava 0 apoliticismo e pretendia englobar varios movimen-

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