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Contudo, nio se trata apenas de reparos te6ricos. O que se evidencia na discussio sio, ‘em primeiro lugar, as possibilidades, da “dialét- <2” do Dizer: enquanto sentido maior da subje- tividade (sub-jectiem, além mesmo do ser), ipsei- dade como res-posta A convocagio da alteridade, como Erica do vocativo e acusativo pré-original do humano; em segundo lugar, a sua injuncio com um Dito, com o discurso a ontologia. Ri- coeur reconhece a demarcagio levinasiana que implode qualquer interac4o entre 0 Mesmo e 0 Outro, entre o Dito eo Dizer irredutivel; ¢ isto a partir da critica feita ao registro da presentifica- ‘cdo temporal do Logos na nomeagio € mostra- do ontolégica, a0 caréter da diferenca onto- ogica como anfibologia entre o ente e 0 ser que 20 fim reafirma a verbalidade do verbo ligada 4 ‘substancialidade do nome, ¢ ainda em qualquer ‘outro império da correlagdo e da verdade da es- séncia sobre a recepeao ética da alteridade. Po- +ém questiona-o, nio tanto sobre a intencio da ‘no seu movimento de retorno A uma linguagem propria do Dizer, “o dito do seu Dizer”. £ * bryure APRESENTAGAO © condensado Outramente de Ricoeur ‘vem A tona como uma questio ~ metodol6gi- co-discursiva por exceléncia ~ a0 tema desafia- dor “para além da esséncia” de Lévinas, ¢ de- ‘monstra o choque entre parimetros filos6ficos distintos mas que, na verdade, se postam desde inspirag6es de profundidade ética sintonizadas. Penetrar neste embate de conquistas gigantescas Dressupbe, além de Autrement qu’étre.. de Lévi- ‘nas, “o si-mesmo como outro” de Ricocur, em rele demanda ao primeiro uma ontologia, sui do Dizer ¢ de uma Etica como injungio alteridade*, hpparompome ony wine ta & Neste contexto, a0 mesmo tempo que questiona, corrobora a postura levinasiana da retroagio a tematizagio pela intervencao de um terceiro que condu2 ao laborar da justica, da fi- losofia ¢ das leis que precisam comparar entes ‘ou singularidades absolutamente desiguais. De- pois do remetimento radical e obsedante do Eu a0 Outro jé em seu proprio Amago (proximidade € substtuigdo, © uem-para-o-outro do sujeito da passibilidade) € estrategicamente central 0 res- gate da “Erica sem ontologia” preliminar, pela demanda do terceiro ao lado dos dois, com uma certa sonoridade kantiana. Mas faltaria a Lévi- ‘nas — jd para além de seu estilo civado de hipér- boles e tropos periclitantes que fazem tremer a normalidade da relagio entre linguagem e signi- ficado~uma palavra acerca disto, acerca de uma ‘ontologia ética, uma continuagio de sua pro- posta, E ai, de novo, que entraria, coerentemen- te, 0 retorno da memoria, da hist6ria, 0 registro. da hermenéutica ~ associada a uma certa filosofia da linguagem ~ salvaguardando a construcio fi- loséfica ¢ a reconstrugio narrativo-historica da ‘intersubjetividade, Lévinas talvez nio queira ai a correr o risco, o de fazer uma ética como tal, o de pedir um auxilio maior & tradi Seguindo seus contrapontos, incomoda a Ricoeur também a retirada completa do carter de ato € pragmaticidade do Dizer significati- vo-discursivo, em prol de uma responsabiliza- gio do si pelo Outro via passibilidade de raiz, Isto poderia ser respondido a partir do préprio Derrida, quando enfatiza em Lévinas a modali- dade € 0 sentido decorrente de sua filosofia como radicalidade da aco, “empirismo radical” até. Mas o que permanece €, talvez, 0 incémodo € siemagao de deslocamento de uma Etica hete- rénoma, frato de uma concepcao de subjetivida- de heterénoma que, nao se contentando com os recursos tradicionais da linguagem e mesmo do ‘testemunho, da performaticidade e do compro- misso, irrompe no discurso como ordenacéo € substituigdo do Eu por outrem. Uma responsabi- lizacao talvez ainda estranha demais a0 Logos, a0 Ocidente, ao bergo de Ricoeur. © autor balanca entdo, por um lado, entre apontar um salto entre o Dizer (Visage irredutivel a0 aparecer), ¢ 0 Dito (justica que da visbilidade 2 Enfim, tal debate revela a ine de pensara subjetividade no da alteridade, de uma Ei dade e da precedéncia da justica em relaz verdade ¢, igualmente, como isto tudo deve, mear 0 saber. Eis o liame € ponto de encom entre dois grandes filésofos que absolute ‘do se furtam a urgéncia de um sentido hana, Para seu tempo. xorabilidade contexto do Dizer ¢ ca Como responsabi nado deve per. Marcelo L. Peli aos restos); €, por outro lado, entre 0 operar com *g nascimento latente do saber na proximidade” = na subjetividade perpassada pela alteridade ~ € as suas conseqiiéncias em termos de risco de sub-repgao a partir do discurso daquele que isto enuncia, pretendendo legitimidade filos6fica. Por conseguinte, para além da critica, chega a apontar principios orientadores de uma “qua- se-ontologia” para Lévinas. Ricoeur encerra seu questionamento tra- zendo a tona, nio sem antes intrigar-se com o estilo anti-teolégico de Lévinas, o conceito peri- clitante do Nome, como Deus, Nome que “ndo tematiza mas significa”. Revanche da nominali- zagio apofintica antes rechacada, pergunta ele, de contrabando no pensamento levinasiano? Este conceito explosive teré a tarefa néo apenas de evitar a queda no inefével de um Nome ~ vi to que é “Nome sem teologia” — mas a da indica- s40 c indiciagio da prioridade do quem antes do como ¢ do 0 que objetificadores. Nao obstante, “nome desde onde brilham todos os nomes”; a Partir dele, j além do ser, “que o Infinito pode virar em ética”, contrapondo-se a toda ontolo- sia que cairia em totalidade... a OUTRAMENTE QUE... O Dizer e o Dito ( presente estudo é animado pela intengio de compreender Lévinas em sua maior dificul dade. Este desejo explica a escolha quase exclu- siva da obra Autrement qu’étre ou au-dela de essence, para guiar minha leitura. O desafio ‘maior que este livro apresenta consiste no fato ser estabelecida de ligar o destino da relas entre a ética da responsabilidade ¢ a ontologia ao destino da linguagem de uma e de outra: 0 Dizer do lado da ética, o dito do lado da ontolo- gia, O desafio € audacioso na medida em que a solidariedade de cada uma destas duas discipli- nas, com sua maneira propria de signficar, traz 40 primeiro plano duas dificuldades engendra- das pela nova maneira de filosofar: por um lado, dificuldade para a ética de se ibertar de sua infa tigivel confrontagio com a ontologia; por ou- tro, dificuldade para encontrar, par que desregula o regime ali Ihe convém, sua ki 5 sua linguagem propria, o dito dev. Dizer. As duas dificuldades sio indians condensam-se no termo, amt mente, outramente que.. 9a eX-cecig, do ser, a linguagem que no advérbio: outrg Com efeito, tornase mister arrancar-se sempre pelo outrament que... precisamente daquilo de que se procura suspender ou interromper o reino; mas, a0 mes. mo tempo, € preciso empenhar-se em dar uma articulagio discursiva aquilo em nome de que se € exigido e assegurado de poder, de dever pro- nunciar a anterioridade da ética da responsabi- lidade em relagdo ao “jogo que o ser conduz, 0 jogo da esséncia” (seria melhor dizer da essin- cia, com um “a”, segundo a nota da primeira pagina do livro em foco). No tiltimo plano des- tas dificuldades gémeas, gostaria de levantar uma questo, nao formulada como tal, asaber, ‘0 recobrimento entre 0 regime do Dizer ¢ a ét- ca da responsabilidade. Duas observacées prévias Em primeiro lugar, 0 livro nao oferece ~ no permite — nenhuma introducio; ése de como 0 outramente qu midade” (@. 37). Desa escavacdo, diga-se coy Plano do discurso, ep so mantido no livro, numa filosofia que, co; lobramento, portanto, ou MO Se auiser, que pe elo préprio fato do discur, @ questo da . : Mo se vers, Ee temitica ¢ a tematizacio do lad, tanto, se um avango fosse possi tal filosofia, ele consistiria em mostrar a den ‘40 do discurso da ontologia a partir do diseurcy da ética, derivacao mais vezes anunciada eefet. vamente esbocada sob o signo das nogées do ter- ceiro e da justica. O lugar destas nogées em relacao A substituicdo e a seu correspondente um-ao-outro também oferece dificuldade. Na segunda parte do meu estudo desenvolvere esta temitica do terceiro ¢ da justica, que pode ser vista como um avango, na medida em que ela faz emergir um dito novo suscitado pelo Dizer srecisamente aquele situa otema,a lo do dito, Por. el no amago de de outramente que dito - p! imo pardgrafo do livro intieula owtra- que o ili mente dito. 8 : 1, ne- res, como em Hegel de en ‘uma introducdo 3 filo~ eo ina pra fiona, © COO vin Heidegger para quem a enunciag40 - oe {quecimento da questo do ser, na primeira i da primeira pagina de Sere tempo, vale como es- ogo de prefaicio. 'A segunda observagao cadencia-se com a primeira: ndo se nota nenhum progresso visivel zo argumento; 08 capftulos sucessivos no se so ‘mam um a0 outro; tudo esté dito no texto deno- minado Argumento (p. 13-42) e, de alguma forma, repetido nas breves pginas finais,intitu- ladas de forma particularmente interessante para n6s aqui: outramente dito. O outramente 4que dito do Dizer procura—e talvez se conceda =m outramente dito. Entre as duas extremida- des desdobra-se 0 texto que 0 autor intitula Iti- ‘erério, no fim do Argumento (p. 37) - palavra ‘mediatamente comentada pelo termo ex-posi~ sao ® Gaue serve de titulo a0 cap. I) este termo ‘anuncia menos um avango para além do Argu- ‘mento (que neste sentido € completo) ce esdobramento, um desdobrar que revela a do- "a maior da étca da responsabilidade, a saber, cchofre jogado int v7 pois, entrar no Argumento, que ges amento das do- serh preciso estofar no desdob bras da seqiiéncia do livro. mento comeca diretamente pelo pri- a yale “0 outro” do ser (p. 13)3 este ‘ubtitulo diz. tudo ou, melhor, desdiz tudo, 0 odo, a totalidade. A oposicao fundamental as- sim anunciada visa a dissociar 0 outramente que ser de todas as outras figuras do outro, a respei- to das quais se vai mostrar que a ontologia as in- lui, as assimila ou, conforme uma expressio freqlente, as “recupera”. “O Esse do ser domina 0 pr6prio-nao-ser” (p. 14). O outramente que.. twanscende 0 outro que, de alguma maneira, cit- cula nos intervalos de negatividade do ser e re- absorve a guerra intestina na paz da compen- sacio. Ora, nunca se chega ao fim dessas figuras do outro, enquanto intervalos de nada, que fa- zem do ser um inter-esse, um inter-essamento — ‘que marca o triunfo € no a subversao do ser. E ali, © sem demora, que entram em cena os dois Protagonistas do drama constitutive do enunci- ado do livro: 0 Dizer e o dito. Todas as cartas io lancadas no gesto de um tinico lance: Dizer, verbo Dizer, juntado a “proximidade do um ao 19 a »8 “responsabil 'S40”. O feixe linica piging + 8€ interroga “pop dade do um pelo outro”, & “subst destas palavras-chave € atado tame lo numa (P. 17) onde, reconhece 0 autor, antecipacio” Mas, comecemos a desdobrar. Por gue tar logo de saida “original” ou até “poe ee nal” o Dizer, linguagem suposta da responsai, dade do um pelo outro? Referee a qua! on, Bem, incluida no regime ontolégico do dito? Pois bem, refere-se a uma correlagao discursiva que anula o outramente do Dizer em beneficio do dito. Esta correlagio faz do Dizer um simples desdobramento interno e, finalmente, uma su- bordinagio do Dizer ao dito: “A correlacio do Dizer edo dito, isto 6, a substituigio do Dizer a0 dito, ao sistema lingiifstico e a ontologia € 0 pre 0 que a manifestagéo solicita” (p. 17). Dete nhamo-nos neste ponto: Lévinas quer dizer que ele nada espera de uma distingao entre o Dizer © dito que continuaria correlativa, «nfo const tuiria uma separagio, uma substtuicho, 0 redugio” (num sentido nao husserliano)- iadaa puesta apofintica adequ: jogo, vido com interno &apofansca aden analitica da linguagem sistematizou a ica do enunciado nna oposigdo entre ‘euma pragmtica d afodito eo Dizer. £ precisam - gel ter também romper. A ceoria dos 2005 de u ~— egg ‘sil recupeado plo preset apace, lio € mais simplesmente o presente da ina va da enunciagio que est4 em caus. a sente da presenga, no ual Huser segundo Lévinas, reabsorvic a do, recuperado teridade do passado por intermédio da io”, € mais ainda pelo viés de uma assimilacs, da re-trospeesio a uma sitese de rcemsoce nas investe a fundo aqui o tema da proximidade no sentido étco contra o dae retengoes. Lé terioridade, no sentido dntico-ontologico. este respeito, Lévinas recusa © apoio que uma fenomenologia da néria, da historia e da narragio he poderia oferecer. Estas sio, para ele, trés operagdes que sincronizam 0 que Agor 10 entanto, chamava distentio anim (sou inka do tinh eu quem fala aqui, mas creio fazé-lo na li texto de Lévinas). Este pleiteia incansavelmente uma dia-cromia sem sin-cromea recuperadora. io reconhece nem & meméria, nem 3 hist tama diacronia irredutivel, na medida em que 2 mediagho lingistica da narragso neutralizes, {gundo ele, apassagem do tempo como disso as fos ¢, mesmo mais gene- ¢ dos performativ ester somo a de ° vente, uma Fingitica a frase Ce, ugerem va poco do suit rate, do locutor, como exercendo ato de dizer, vine fazendo uso da palavra, portanto, como ré-original, may m ruptura de sn. ria a toda sincronizacio”), Mas, é preciso consi- derar que esta anterioridade de um as ré-original ¢ an-arquico nao se inscreve por x ‘mesma no tempo sincronizavel da meméria e da historia. E neste sentido que ele ¢ imemorial (ou melhor, imemoravel). Lévinas argumenta aqui a partir da concepgio husserliana da retencio das reteng6es considerada como modificagio da consciéncia do presente. Talvez caia também so- bre a Wiederbolung heideggeriana a suspeita de “sincronizar”, de alguma ae és éxtases temporais num ser-tudo, como deixa entrever 0 poi ‘ocontetido da iltima segio de Ser fem po. Lévinas no chegou a considerar ave * ‘meméria pode ser interpretada como recor er, a saber, aquela que pée em ce ontologica entre set e ente em Hei Portante ~ e, desse ponto de vista, considers, ~ que Lévinas fale da diferenga ontolégica “ ] _ termos de “anfibologia”, esclarecendo que a exte termo se entende uma produsio de ante Sitidade, de equivocidade num campo conceity al homogénco. Coma diferenga entre sere enne, estamos ainda sob 0 império da correlacio, ‘como acontecia com a diferenca entre discurso ¢ dito na apofantica. Afirma-se que a anfibologia nao “significa o dltimo” (p. 43). A esse respeito, ‘as paginas 67s ~ “a anfibologia do ser e do ente” —perseguem a traicio do Dizer num outramente que nao esté a altura do outramente que ser. O ser é, com certeza, outramente que o ente. Mas, © ouvido € aqui seduzido por uma diferenca que, na realidade, nada mais é que um redobra- mento. Se digo: o vermelho avermelha (pen- sa-se na expressio heideggeriana: “o tempo temporaliza”), pois sob as aparéncias do Dizer, ‘verbo fica preso na rede da nomeagio: “O dito como verbo € a esséncia da esséncia”. A esséncia 60 fato de que ha tema, ostensio, doxa ou logos na a diferenca idegger. E im. _ _o 2 Nio é esta meméria, posta cla mesma } prova da alreridade, da perda e do luro, aue uvoriza a apontar “o passado que nio retorna 3 gaiza de presente” (p. 23)? Ou ainda: “O passt- fo que se passa de presente” (p. 25)? E ainda: “Lim passado que nao foi presente” (p. 45)? Na nossa reconstrugio do discurso tecido em Autrement qu'éere, encontramo-nos dante da dificuldade aparente de fazer coincidir 0 pré-original do discurso do Dizer com a con- femporancidade da aproximacdo do proximo. Claro, o pré-original de Lévinas ¢ descronologi- zado, destemporalizado tanto quanto é possivel. ‘Mas, vejo af uma verdadeira dificuldade: A nidade entre “a dia-cronia refrataria a toda sin- cxonizagio” (p. 23) € aquilo que nio posso, a0 ue parece, pensar senio como contemporanci- dade da aproximagio, € questiondvel. Ora, €s0- bre esta questo que se abre a ética, ou melhor, é Precisamente ela que abre a ética. Gostaria de fazer culminar essa luta contra 8 figuras do outro, tidas como recuperiiveis ‘numa ontologia, na figura mais radical do desdi- » “A esséncia ndo somente se eiduz, ela se temporaliza no enunciado predi- casio" (p. 69)-A verbalidade do verbo no pro- Gaz afastamento verdadeiro em relacio 3 subs- seus pensamentos ou se exponha no seu Di- zer?l” (p. 133). Para dizer 0 ser afetado, é preci- so dizer 0 ser exposto - para dizer 0 ser exposto, é preciso dizer 0 ser agredido, ferido, traumatizado. Pior ainda, é Dizer 0 acusado no aeusativo do me. Chegamos 2 encruzilhada das duas problemsticas do Dizer ¢ da ética: “ ficagao propria da subjetividade é a proximida- de, mas a proximidade € a propria significancia da significagio, a propria instauracio do um- pelo-outro, a instanragio do sentido que toda significagio tematizada reflete no ser” (p. 135). Deixemos para depois a iltima parte da frase, ‘que nos lancaré em alto-mar. E insistamos sobre significagio, significdncia em conjungio com proximidade. Por que essa subida aos extremos: obses- sio, ferida, traumatismo? Por que esse crescen- do do patico em patético e patolégico? Porque jamais se chega ao fim com a obsessio inversa, a a aparigio, a da fenomenalidade: “O préximo ‘como outro nao se deixa preceder por nenhum Precursor que esbogaria ou anunciaria sua si- Uhueta. Ele ndo aparece” (p. 137) (grifo meu). 0 r6ximo me concerne sem aparecer. E este “sem 7 aparecer” que nunca se acaba de Dizer. “A obses- sdo nao é consciéncia, nem espé ie de conscién- cia, nem modalidade da consciéncia” (p. 139), Redundancia na negativa. E preciso tomar a me- dida da violencia que assim se inflige & propria linguagem do rosto. Com efeito, poder-se-ia crer que 0 outro aparece no seu rosto, que é dado a ver. De modo algum: ele escapa a repre- sentacao. Ele é a “prépria defecgio da fenome- nalidade” (p. 141). Também no hi entre ele € ‘eu um presente comum, contrariamente a €x- pectativa ingenuamente formulada no fim da primeira parte do presente estudo. © préximo io € mea contemporanco, pois, nesse caso, te- rornar-se-ia A sincronia, que, como vimos acima, ‘onera a meméria, a hist6ria, a narrativa: “A pro- ximidade ¢ desordenamento do tempo rememo- ravel” (p. 142). “Isso pode ser chamado apoca- lipticamente esfacelamento do tempos porém: se trata da dia-cronia eclipsada mas indomével do tempo nao histérico, nao diro, que nfo Sineroniza num presente pela meméria © Pelt historiografia em que 0 presente nada may que o vestigio de um passado imemorial * 25 sentido da nao-fenomenalidade do ross 3 asem se mostrar, sem se fazer contra “conjungao”- ype esse extre- (p- 142). Ble ordenasems wer, “Desmestiramento” vente o charme da caricia rom sero, edesnudaent0 nunca suficientemente i (p. 144). Que beleza estranha transParece as pépinas que celebram a beleza da “pele frida, vestgio de simesma” (p- 147)! Mas 0.cer> edo vestigo reroma seu curso ~ “vestigio da fex-cegio, do excessivo” (p. 146). ‘Aexcegio, 0 excessivo concentram-se nO movimento que vai da proximidade a substitui- (20, ou seja, do sofrer pelo [parloutro ao sofrer por [pour] outrem. O que a substituicao pode saerescentar ~ em excesso - 3 proximidade? O ue € que faz dela o equivalente da “prépria sig- nificdncia da significacio, a qual significa no Di- +r antes de se mostrar no Dito?” (p. 158). Na vverdade, esse capitulo nuclear (além do carter tecapitulador do conjunto da obra devido a sua Publicagio separada e que conserva no seu qua- Ato definitivo) s6 consegue ampliar o efeito de Tuptura exercido pelo vocabulério da ferida in- fligida, pelo recurso a um vocabulério ainda mais extremado, da perseguigio, do tornar-se refém. O Si-mesmo [Soi] ocupa o lugar do outro 3 sem o ter escolhido nem desejado. © apesar de si-mesmo da condigio de refém fica a ex trema passividade da inj ‘uma condigio de inumanidade chamada a dizer 1680. O paradoxo de ética deveria chocar. O nio-é a injung! 0 diz 60 ético em virtude somente de sua valéncia de excesso. Se a substituigio deve significar algo de irredutivel a um querer-sofrer, em que o Si-mesmo [Soi] retomaria 0 comando sobre si ‘mesmo no gesto soberano da oferta, da oblacio, é preciso que ela permanega uma “expulsio de forade si..3 0 proprio” (p. 175). Breve, preciso que seja por sua “propria maldade” (p. 175) que 0 “édio per- seguidor” (ibid.) signifique 0 “sofrer pelo [par] outro” da injungio sob o sinal do Bem. Nao sei se oslleitores pesaram a enormidade do paradoxo {que consiste em fazer dizer pela maldade o grau de extrema passividade da condigio ética, E a0 “uleraje”, ciimulo da injustiga, que se demanda significar 0 apelo a bondade: “E pela condica0 de refém que pode haver no mundo piedade, compaixio, perdio ¢ proximidade” (p. 186). Nio € tudo; é preciso ainda que o “traumatismo dda perseguigio” (p. 178) signifique a “irremissi- -mesmo [soi] esvaziando-se de si te 40 que a expiagio nio € resgate, na medida em que fo resgate restabeleceria a igualdade, a adequa- io, a comensurabilidade, como no perdio he- geliano. Lévinas nio quer ser perdoado desta maneira, a este prego. Nem tampouco perdoar. Seri que mostramos a contento que o Dizer da responsabilidade niio pode acrescentar a0 des- dizer de toda relagao igualante senio uma tropolo- _gia revulsiva desdobrada da ferida ao ultraje? Uma ‘tropologia da violencia infligida? Sera que mostra- ‘mos a contento que nada esté dito sobre a respon- sabilidade como tema? Que © dizer da respon- sabilidade se esgota nesta subida aos extremos do discurso da maldade? 2. O terceiro e a justiga | £ sobre esse fundo, ousaria dizer de terro- rismo verbal, que surge 0 discurso da justica, aberto no espago do terceiro, Como se chega a ‘ele? No livro, no discurso do livro, furtivamen- te. Nao apenas uma, mas vinte, trinta vezes, © «cada vez.como de passagem, dizendo sem raZ0. Talver, seja somente no fim que este processo | forcado tenha sentido. Eis a primeira ocorréncia 2 pilidade da acusagio" (bid.), a saber, a culpabi lidade sem limites. Aqui Dostoievski rever teaias, J6 ¢ 0 Coelet (Eclesiastes]. Percebe-se am crescendo: perseguigio, ultraje, exp! dup), “O proprio discurso que fazemos ne h “ justica que da “visibilidade” (p. 245) a0s rosto, Por outro, a evocacio de um *nascimentolaten te”, mas “nascimento latente do saber na proxi midade” (p. 245). Tal nascimento latente nao é suspeito de “sub-repgio”, a luz do discurso afir- mado acima? Terminarei este parégrafo sobre o terceito, sobre a justica, como lugar do discurso filosé- fico, pelo texto particularmente explicito que se le na p. 266: “Mas a razao da justica, do Estado, da tematizacao, da sincronizagio, da re-presentagio do logos e do ser nao acaba por absorver na sua cocréncia a inteligibilidade da proximidade em que ela floresce?” Percebe-se 0 tom interrogat vo da declaracao. O mesmo se lé na p. 264: “Isto que € verdadeiro acerca do discurso que estou tecendo neste momento mesmo...” 3, Repetigao da ontologia? Tendo avancado até esse ponto extremo, {questo que se pde agora consiste em saber se ha nna obra Autrement qu’étre ou au-dela de l'es- ‘sence os rudimentos de uma pés-ética que seria so » (p. 242). © termo “sub-repea Jhamento: ele € retomado na p. 244, gar “onde 0 momento. causa estranl sustentado pela localizagio do lu préprio presente exposto pretende se manter”. [A justiga nao é somente o lugar do Estado, € © lugar da verdade ¢ da esséncia cuja “ordem.. ‘ocupa o primeiro lugar da filosofia ocidental” (p. 24). Levinas aqui se inquieta: “Por que fo- ‘mos procurar a esséncia sobre seu Empireo? Por ue saber? Por que problema? Por que filoso- fia?” (p. 244). Em vez de responder sobre o lu- gar da questio, da um passo brusco para trés: “E preciso, pois, seguir na significac3o ou na proxi- midade — ou no Dizer, o nascimento latente do conhecimento da esséncia, do Dito; 0 nasci- mento da questo na responsabilidade (p. 244), Se compreendo bem, ao dizer-sefilésofo, nio se pode arer-se aos tropos da obsessio da tomada de refém, a “violencia traumética” (p. 202) aci- ma professada. E preciso também questionar a responsabilidade, discernir “o nascimento laten- te da questdo na responsabilidade” (p. 244). De minha parte, no consigo decidir entre duas lei- turas: por um lado, a proposigao de um salto do Préximo ao distante, do rosto que nao aparece wma maneira de resizer atradiglo. A escrinn’® rece oinico beneficio desse passo da lo livro ofer i 2 ica que igualiza’ subscituigdo dissimétrica a just iArriscarei tracat 0 esbogo que SeBUe- Sim, hi em Lévinas uma quase ontologia, q¥e pode ser earacerizada como pés-ética, Posso dis- emnila em alguns temas - no sentido forte da pa tivra “tema”, “temético”, ou seja, Dito ~, ques 2 meu ver, excedem a ética da responsabilidade. Re- tenho quatro deles que aqui me limito a nomear. Em primeiro lugar vem a bondade e o recur- 0 a0 Bem platdnico, que, como se sabe, est4 além da onsia (as citagbes sfo abundantes em tor- no desse avanco da responsabilidade que acusa € faz padecer). A seguir vem 0 Infinito visado, a0 que pare- ce, além do proximo e do terceiro, segundo a fle- cha do desmesuramento de toda tropologia vio- lenta; também aqui as citagbes sio numerosas; a0 cielo do Infinito pertencem dois temas conexos: a “gléria do infinito” e o “testemunho”, que tive ‘casio de comentar em Leituras III. Depois vem ipseidade, que se alarga sobre a terceira pessoa, que o Tu de Buber corre 0 ris- st BH/UFC. co de captar numa intimidade por dems in Cente; citarei apenas um texto que ‘curiosamen a avizinha ipseidade e “tercialidade” ‘ 234). Talvez, outros textos, (itado na p que nao encontri, oderiam clarear essa pégina enigméticn também a p. 261. a Enfim, ¢ para culminar, o Nome de Deus, enquanto faz irrupcao no diseursofilos6fico que Lévinas sustenta. Este Nome excepcional marca a revanche do nome sobre a condenacio inicial da denominagéo, tal qual serviu de méquina de guerra contra a ontologia. Nesse sentido, o re- torno do nome tem uma significagio mais am- pla, ligada a questao da significancia do Dizer, ‘enquanto excecio Aquilo que € chamado a signi- ficacdo do Dito. Viu-se acima como a nominali- zacio recupera o verbo em beneficio do dito substantivado. Mas hé um momento da signifi cAncia que requer o nome em posigio de exce io. E o proprio aparecer [apparoir] do eee ‘como individuo. Nao € certamente 0 Eu [Moi sneralizavel: “Nao en mas eu que sou eu, nao gel “a {quanto Dizer que se dissimula ¢ se proses z poe, vulnerdvel, © Dito” (p. 31), mas que Se exPO% 2 Esobo signo desse Nome que 0 “Infinito® p Virar em ética enquanto que a “Totalidaces idade” yi em ontologia. ra Ousarei um iltimo disparo? Mas é 6 texo que me antoriza. Existe um velho tema que res, Parece no fim de Autrement qu'étre ou au-dela de Vessence: 0 tema do ha [ily a). preciso espe- Far 0 estranho texto final, intitulado consciente. mente outramente dito, para ver ressurgir essa sabeca de gorgona do ha, vocabulo da néusea face & possibilidade incessantemente renascente do nao-sentido em que se anulariam a0 mesmo tempo os dois adversirios: o ser ea responsabili- dade, a ontologia e a ética. “Impasse do dilema, impasse da Esséncia: & angiistia da morte vem acrescentar-se o horror da fatalidade, do inces- sante rumor do hd —horrivel erernidade no fun- do da Esséncia” (p. 271). Perguntou-se, a0 lon- go destas paginas, se todo sentido procede da Esséncia. Mas, se nio houvesse sentido? Se a nordncia ¢ 0 esquecimento fossem a iltima pala- ra? Medo de morrer ou horror do ha sio @ ‘mesma coisa... (p. 263). A isso nio hd outra res- posta ~ falta de garantia — que a exposigdo, a Pas sividade do suportar, em sintese, 0 recurso & 54 a 1), A subjetividade, relem- jodalidade da esséncia, como staco seu Dizer no Dito do nome PrOprio- Nive é nomeado pela pri- fo é por acaso que Deus € nome: ie sse contexto: Nao é ele 0 leaje, 8 ofensa (i bras, no € uma m ‘meira vex na p. 233 nes y ‘Nome? O Nome que firma a significancia sem 0 aria inefavel? Nome que ue 0 Dizer sem dito ps oss e, no entanto, significa. B dese Nome que brilham todos os nomes. E, com os Nomies a questio quem? ~ a quis-idade, como usa escrever Lévinas (p. 46). Outrem a quem... eu a quem... Diferentemente do qué e do como, que jd slo tema. A questio do nome ~ nome de Deus e nomes préprios —recobre toda a praia da significincia além da significagio. Sobre a praia

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