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—_ * Ciclo vital da familia brasileira O CONCEITO DE CICLO VITAL Ciclo vital familiar envolve as varias eta- pas definidas sob alguns critérios pelas quais as familias passam, da sua constitui- cio em uma geracdo até a morte dos indi- viduos que a iniciaram (Cerveny, 1997). Fsses critérios podem ser a idade (de pais ou filhos), o tempo de uniao e a entrada e saida de membros, considerando-se que familias so constituidas sob diferentes configuragées. Assim, ha o casal tradicio- nal heterossexual, 0 casal homossexual, 0 casal reconstituido, todos eles passando por etapas com desafios e tarefas especificos no ciclo de vida familiar. E certo que existem diversos angulos sob os quais definimos a instituigéo familia, 2a lente escolhida — 0 ciclo vital - permite simultaneamente uma visio panoramica e focal, porquanto nao é um conceito rigi- do; ao contrario, permite sobreposicdes e reconstituicées. Esta é uma forma de olhar que tem sido util nao sé na orientagao pré- tica - por exemplo, nas diferentes modali- dades de terapia familiar -, mas também na interpretagao tedrica de dados de pes- quisas e no subsidio de politicas piiblicas. UM POUCO DE HISTORIA No inicio da década de 1990, uma das au- toras deste capitulo apresentou no I En- Ceneide Maria de Oliveira Cerveny Cristiana Mercadante Esper Berthoud contro de Psicandlise das Configuracdes Vinculares e no II Encontro Luso-Brasilei- ro de Satide Mental um trabalho no qual mostrava quatro fases do ciclo de vida fa- miliar, cada um com suas caracteristicas especificas. Alguns casais propuseram-se a contar suas vivéncias. Era o inicio de uma longa jornada de pesquisas sobre o ciclo vital em nossa realidade. Em 1995, a autora ministrava no Pro- grama de Estudos Pds-Graduados em Psi- cologia da PUCSP uma disciplina na area de Familia sobre o Ciclo Vital Familiar. En- tre os autores estudados estavam Monica McGoldrick e Betty Carter, cuja obra “As mudangas no ciclo da vida: uma estrutura para a terapia familiar” abordava o ciclo vital familiar da classe média americana, no fi- nal do século XX e propunha seis estagios: o lancamento do jovem adulto solteiro; © novo casal; tornar-se pais; o sistema familiar na adolescéncia; lancando os filhos e seguindo em frente; a familia no estagio tardio da vida. PREV Rr A fase em que a familia ficava nova- mente reduzida ao casal era denominada “ninho vazio”. No curso da disciplina, questionava- se a existéncia do chamado ninho vazio, e um grupo de alunos decidiu ir a campo para entrevistar pessoas nessa fase. Um dos cam: 26 | Luiz Carlos Osorio, Maria Elizabeth Pascual do Valle & cols. pos de pesquisa estava no 3° andar da PUC, onde funcionava a Universidade da Terceira Idade. Entrevistados desse grupo e de uma amostra de conveniéncia nos trouxeram uma surpresa: eles nao viviam 0 ninho va- zio, pois seus filhos ainda participavam ati- vamente de suas vidas por meio de vinculos emocionais, econdmicos, familiares (como cuidadores dos netos), ¢ assim por diante. Isso levou a autora a questionar a vivéncia de outras fases do ciclo cital de nossa realidade e a redefinir sua classifica- Ao de ciclo vital que estava muito ligada 4 sua pratica clinica no atendimento de fa- milias. Essa classificagao pressupunha qua- tro estagios pelos quais a familia passava, nao rigidamente determinados: fase de aquisicio, fase adolescente, fase madura fase ultima. A fase de aquisigao engloba o perio- do da unio do casal até a entrada dos fi- Thos na adolescéncia. O eixo propulsor des- sa fase so as definigdes de um modelo pré- prio de familia, a aquisigéo da parenta- lidade e dos objetivos comuns. Ha 10 anos, na primeira pesquisa realizada, a conquis- ta de seguranca, traduzida na aquisicao da casa propria, em planos de satide e em pou- panca para estudo dos filhos, era 0 que os casais nessa fase mais desejavam. Na se- gunda pesquisa, ha seis anos, a qualidade de vida era 0 sonho mais comum. Rede de relacdes, complementagao de estudos com vistas ao crescimento profissional, empre- gos com beneficios que incluam a familia também eram desejos presentes, 05 quais sao de diversas ordens: emocionais, eco- némicas, e assim por diante. Nao se quer dizer que em outras fases do ciclo vital a familia no se preocupe com isso, ja que faz parte de nossa vida, mas compreende- mos que o maior numero de aquisicGes esta nessa primeira fase. ‘A segunda fase denomina-se familia adolescente, nome dado devido ao fato de na maioria das familias haver uma tendén- cia de todos adolescerem. Os pais revivem a propria adolescéncia, estao na faixa dos 40 anos, preocupam-se com 0 aspecto fisi co; a hierarquia na familia fica dissolvida entre pais ¢ filhos, e as regras da primeira fase jd néio dao conta do bom funciona mento da familia. Muitas vezes, acontece de 56 um dos pais adolescer, e, quando isso acontece, 0 comum € 0 cénjuge que nao adolesceu ficar com a carga de mais um filho. Nas duas pesquisas, confirmaram-se 0s principais valores e as tarefas da familia nessa fase e algumas mudangas importan- tes, como maior abertura ao didlogo entre pais e filhos e a flexibilizaco de valores € normas de conduta. ‘A fase madura é a mais longa do ci clo vital. Ela compreende a saida dos fi- Ihos de casa, a entrada de agregados e ne- tos, 0 inicio de perdas e de cuidados com a geracio anterior, o preparo para a aposen- tadoria € o cuidado com o corpo tendo em vista 0 envelhecimento. Esta ¢ a fase da casa cheia, ao contrario do ninho vazio americano. Isso podera mudar daqui uma ou duas geracées, pois as familias estéo cada vez menores; além disso, a chamada “década perdida na economia brasileira” teve como reflexo grandes dificuldades econémicas para a classe média, mas isso {a se faz distante, e os adultos jovens esto tendo maior facilidade para obter indepen- déncia econémica e, por conseguinte, in- dependéncia familiar. A fase ultima, ampliada pela longevi- dade, inicia-se quando o casal volta a ficar sozinho. A qualidade e as caracteristicas dessa fase so quase uma consequéncia de como foram vividas as anteriores. Se 0 ca- sal tiver a chance de manter um bom pa- drao de vida, ter cuidados, lazer, entre ou- ros, esta sera uma fase de colheita. Por outro lado, a viuvez talvez seja o fendme- no mais esperado e dificil da fase ultima A HISTORIA CONTINUA Cerveny ¢ um grupo de alunos decidiram verificar através de uma pesquisa ampla k como era a estrutura e a dinamica das fa- milias paulistas, tendo por base as fases do ciclo vital descritas. Foram pesquisadas 0 familias paulistas de classe média, de 69 cidades do Estado, com 0 auxilio de 500 pesquisadores e com o envolvimento de cinco Universidades. Muitos dados revela- dos em relacdo a familia na pesquisa ante- ciparam os do Censo e os de outros Insti- tutos de Pesquisa no que tange ao tipo de estruturacao, dindmicas, valores, mitos, en- tre outros. Os dados da pesquisa indicavam que as familias ainda eram as mesmas quanto a estrutura familiar, com predominio da religido catélica, do casamento como forte institui¢do familiar, do marido como pro- vedor da familia e da mulher sendo res- ponsavel pelas tarefas domésticas. As dife- rencas surgiam quanto ao alto nivel de escolarizacio e profissionalizacao da mu- her, e 4 sua efetiva participagao no merea- do de trabalho e no orcamento familiar, acarretando mudancas adaptativas do ho- mem que acompanha as transformaces do papel da mulher. As caracteristicas que parecem ter se mantido mais estaveis quanto a dinamica familiar sao amor e dinheiro como ideal; estudo e profissionalizacao dos filhos como meta familiar; figura materna com a fun- cio de organizar a casa e dar suporte emo- Cional a familia; figura paterna com a fun- cdo de sustentar economicamente a fami- lia; funcdo dos filhos como sendo a de tra- balhar e estudar, além da realizagao afetiva por meio do casamento. Porém, a dindmi- ca familiar, sem duvida, é considerada como a que mais mudancas sofreu: mari- do e mulher compartilhando as tarefas domésticas e 0s cuidados com os filhos; mulher compartilhando com 0 marido a direcdo da casa; filhos com maior partici- pacio nas decisées familiares; grande va- lorizacio do didlogo como propulsor das boas relagdes familiares; didlogo, respeito_ eafeto permeando as relacdes entre pais € filhos. Manual da terapia famiiar | 27 Natal, a “grande festa” a ser comemo- rada, é um dos valores familiares que mais podem ser considerados como conservado res, assim como troca de presentes e refei- des com todos reunidos como rituais fa- miliares, além de reuniao com parentes aos domingos, morte como tabu ¢ importan cia dos estudos como principal valor a ser passado a préxima geracao. Maior desta- que ao lazer, tanto individual como familiar, foi uma das mudangas significativas encon- tradas nos dados; em contrapartida, me- nor valor a manter a virgindade antes do casamento, a ostentar 0 sobrenome da fa- milia e seguir a profissao do pai A nova etapa era a de consolidar tal classificacao, com as caracteristicas de cada fase em uma Teoria de Ciclo Vital que foi possivel com uma nova pesquisa, agora qualitativa, na qual foi analisada a familia paulista em profundidade. Foi usada a Metodologia da Teoria Fundamentada nos Dados (Grounded Theory Metodology) na elaboracao em profundidade de conceitos tedricos que explicassem os fendmenos vivenciados pela familia em cada uma das fases do ciclo, com suas categoria e subcate- gorias, chegando a um retrato detalhado dela (Cerveny e Berthoud, 2002). A partir de 2004, surgiu no Grupo Fa- milia e Comunidade da ANPEPP (Associa- 40 Nacional de Pesquisa e Pés-Graduagao em Psicologia) a proposta de um levanta- mento do ciclo vital familiar no Brasil, ago- ra com 0 questiondrio de 1997 ampliado e modificado, em 14 capitais brasileiras. A pesquisa, ainda em andamento, é coorde- nada por Rosa S. Macedo. Como parte dessa pesquisa, novamen- te foi retratada a familia em Sao Paulo. Esto sendo investigadas 600 familias, sen- do 200 da Capital, 200 do ABCD ¢ 200 do Vale do Paraiba, praticamente a metade da populacio entrevistada em 1996, porém, mais concentrada territorialmente. Das 600 familias previstas, foram investigadas até 0 momento 416, distribuidas da seguinte maneira: 25,1% na Fase de Aquisicao, 2B | Luiz catos Osorio, Maia Eizabeth Pascual do Vale & col 25,4% na Fase Adolescente, 36,5% na Pase Madura e 13% na Fase Ultima. Esses da dos virao a puiblico ainda em 2008, a fim de serem comparados com os de 1997 e de ser feita sua leitura qualitativa. E valido ressaltar que as anilises até entdo realiza das demonstram tanto mudancas signifi- cativas na dindmica e no funcionamento da familia como a conservagio de padroes observados ha 10 anos, indicando que 0 sistema familiar é dindmico, em constante readequaciio, com imensa capacidade de transformacio. A maioria dos entrevistados esta vi- vendo em primeira uniio (aproximada- mente 70% dos pesquisados), e entre eles aproximadamente 20% nio formalizaram © casamento; 79% vivem em casa prépria, mais da metade tem entre 2 ¢ 3 filhos, ¢ 60% se apresentam como catélicos. Em- bora com indices ligeiramente inferiores aos da pesquisa anterior, muitas das fami- lias possuem noras, genros, sogros ou so- gras vivendo na mesma casa. Mais de 80% dos casais esto satisfeitos com a relacio, pois a consideram amorosa e amigavel. A vida sexual e a comunicagao na familia também sao satisfatorias. Em relacdo a desafios e tarefas em ca- da uma das fases do ciclo vital, constatou- se que as familias nitidamente continuam a enfrentar varias demandas ao longo da vida e a buscar recursos e formas de reso- lugdo das dificuldades em suas redes pes- soais e sociais. As maiores preocupacdes dos casais nas Fases de Aquisigio e Adoles- cente, sejam recém-formados em primeira unido ou recasamentos, séo a constituicao da familia e a unio do casal. Companhei- rismo e amor so muito valorizados. Ja para as familias em Fase Madura ¢ em Fase Ultima, as prioridades so 0 cuidado mt tuo, a amizade e o companheirismo. As maiores dificuldades sao conciliar vida matrimonial e profissional no inicio do ci- clo vital, dinheiro e manutengio do status familiar ao longo do ciclo e cuidados com a satide na Fase Ultima. O lazer aparece como um investimento altamente valori zado e procurado. As metas da familia pouco mudaram garantir um patriménio no inicio do ciclo vital, educar ¢ formar solidamente os fi- Ihos para a vida profissional e cuidar de filhos e netos ao longo dos anos. Os casa- mentos acontecem um pouco mais tarde em fungiio de opgoes profissionais, a mu- Iher ainda é sobrecarregada com dupla jor- nada de trabalho, e os filhos so em me nor ntimero e, na maioria das vezes, pla- nejados. HA UMA “OUTRA FAMILIA” NESSE INICIO DE SECULO? Na tiltima década, assistimos a uma gran- de revolugao em termos de comunicagao motivada pela internet, a mudancas pro- fundas no padrao de comportamento se- xual e de escolha de parceiros entre jovens e adultos jovens, a insergao da mulher em fungdes € cargos antes ocupados apenas por homens, a ampliacio das exigéncias de formacao profissional para ingresso no mercado de trabalho e a reorganizagao da forma como a familia se autodefine e como é vista pelo Estado. Ao contrario de previ- sées alarmistas e pessimistas de alguns cientistas sociais ao final do século XX, em vez de se deteriorar ou de se enfraquecer, a familia, com sua imensa capacidade de adaptacdo, vem se transformando sem dei- xar de cumprir as funcées consideradas estruturadas e definidoras da prépria ins- tituicdo familia: sua funcao bioldgica de garantir a protecio e 0 cuidado das novas geracdes e sua funciio social de transmis- sao de padrées e normas da cultura. Ou seja, nfo hd e nunca haver uma “nova verso da familia brasileira’, jé que certamente teremos sempre uma familia brasileira “mutante”, aquela que se reor- ganiza e se reinventa, produzindo ¢ repro duzindo valores, modelos de comporta- mento e formas de organizacao. Apesar de existir muito menos estu- dos socioantropoldgicos ¢ psicalégicos do que 0 necessiirio para acompanhar de per- to as mudangas gradativas na estrutura e na dindmica de funcionamento das famili- as de diferentes niveis sociais ¢ regides do pais, é importante analisar de forma geral 2 organizagao familiar & medida que no- vas pesquisas censitdrias nos mostram o cenario brasileiro em toda sua complexi- dade e diversidade, UM RETRATO DO BRASIL RECENTE Ha dados gerais sobre a populagio brasi- leira que ajudam a compreender as mu- dangas ocorridas nas familias. A seguir, so apontados alguns indices interessantes obtidos nas tltimas pesquisas do IBGE, sa- lientando-se ainda que para esse érgio fa- milia é um grupo cuja definigao esta limi- tada pela condicao de residéncia em um mesmo domicilio. Igualmente, arranjos fa- miliares onde existam lacos de consangui- nidade, dependéncia econdmica e/ou re- sidéncia em um mesmo domicilio além de grupos distintos de pessoas que habitam 0 mesmo local. Assim, “familias” sao pessoas que moram sés ~ “familias unipessoais” -, os grupos com até cinco pessoas que vi- vem sob 0 mesmo teto — mesmo sem vin- culos de parentesco, ou seja, “familias sem parentesco” -, e os grupos que abrangem as familias com parentesco. 1 A familia: O padrao de familia apresen- tou trés principais mudancas nas ulti- mas décadas: 1. queda substancial em seu tamanho; 2. aumento no numero de mulheres sem cénjuge com filhos; e 3. aumento no ntimero daquelas cuja referéncia sao mulheres. @ Casamentos e separagées: Dados do re- gistro civil organizados pelo IBGE mos- tram um crescimento no ntimero de casamentos entre 2002 e 2005 (de 716 Manual de torapia tariian | 29 nil aproximadamente para 836 mil) ¢ menor crescimento no mimero de se paracGes judiciais no mesmo periado (de aproximadamente 100 mil em para 103 mil) Dadlos da Pesquisa Nacional por Amos- tra de Domicilios (PNAD) de 2006: ® Familias com filhos predominam na so- ciedade brasileira: 67,6% Crescimento da proporcao de pessoas que vivem sozinhas, dos casais sem fi- Ihos, das mulheres sem cdnjuge — mas com filhos ~ na chefia das familias, além de uma reducio da propor¢ao dos ca- sais com filhos. @ Niimero de mulheres que sdo indicadas como referéncia da familia aumentou consideravelmente entre 1996 e 2006, com uma variagéo de 79%, enquanto, no mesmo perfodo, o numero de homens “chefes” de familia aumentou 25%. A familia monoparental feminino tem expresso significativa nas dreas urba- nas, principalmente no contexto metro- Ppolitano. @ Tendéncia de reducdo do tamanho da familia, que passou de 3,6 pessoas em 1996 para 3,2 em 2006. Arranjos unipessoais representaram 10,7% do total no Pais. @ Cerca de 40% dos domicilios, em 2006, estavam ocupados por pessoas com mais de 60 anos. @ Preponderancia de casamentos entre individuos solteiros. Em 2005, 85,9% dos casamentos tiveram esse arranjo. A proporgao de casamentos entre indi viduos divorciados com cénjuges soltei- ros é crescente. Os percentuais mais ele- vados sao observados entre homens di vorciados que se casaram com mulhe- res solteiras, BA média de idade masculina para o pri- meiro casamento foi de 28 anos, en- quanto a das mulheres foi de 25 anos em 2005 (no Brasil como um todo). A responsabilidade pelos fillos foi con cedida as mulheres em 89,5% dos di- vorcios concedidos no Brasil. A anilise da maternidade por idade re- velou um leve aumento da proporgio das adolescentes de 15 a 17 anos com filhos: 1% nos tiltimos dez anos. @ Idosos ocupam significativamente a po- sigdo de chefia quando moram com fa- miliares, e 0 mais comum é morarem com seus filhos: 44,5%, @ O mimero de domicilios denominados “ninhos vazios” — casais sem filhos - cresceu nos tiltimos 10 anos. Em 1996, correspondia a 20,1% dos arranjos, pas- sando a 22,3% em 2006. @ O nivel de ocupagio das mulheres au- mentou quase 5%, ao passo que para 0s homens ocorreu uma redugiio de cer~ ca de 1% entre 1996 e 2006. As pesquisas deixam claro algumas tendéncias importantes: @ A instituicdo familiar é a forma de or- ganizacao basica de nossa vida social: esté menor, organizada por uma mais de um tipo de laco (consanguineo, afetivo e afinidade). Ha mudangas, mas continua forte como sempre foi. @ A figura feminina tem um papel cen- tral nas mudancas principais: inser¢io no mercado de trabalho, chefia de um numero expressivo de familias, sendo ainda as principais responsaveis pela guarda dos filhos em casos de separa- cao. Embora mais tardiamente do que ha uma década, em sua maioria, tor- nam-se mies. Estas sao mudangas significativas do ponto de vista da organizacao familiar ao longo do ciclo vital familiar que notada- mente se refletem nas fases de Aquisicao e Ultima. Como tendéncia, observa-se uma dilatacdo dessas duas fases: no inicio, tan- toa uniao como a decisao de ter filhos ocor- rem atualmente em uma faixa de tempo alguns anos maior do que ha uma década por outro lado, a longevidade permite maior flexibilidade da Fase Ultima, 0 que, sem dtivida, exige das familias reorganiza des em sua dinamica. Ainda como tendéncia, embora me- tas, tarefas e desafios principais em cada fase do ciclo vital familiar continuem ba: sicamente os mesmos, ha uma maior sobreposigdo entre as fases, tendéncia que se mostra agora bastante acentuada, mas que jé havia sido detectado na pesquisa de 1997. Na ocasiao, denominamos como “fa- milias em transico” aquelas que viviam imultaneamente mais de uma fase do ciclo vital em funcao de recasamentos, filhos com diferentes parceiros, rearranjos na or- ganizacao da vida familiar em funcdo de entrada, saida ou retorno de alguns mem- bros. COMO A FAMILIA SE VE E E VISTA NO BRASIL A familia segundo o Estado A partir da Constituicdo Federal de 1988, teve inicio uma crescente transformacao na forma pela qual 0 Estado conceitua e com- preende a familia. A conceituacao basica compreende que a familia est em evolu- cao, transformando-se continuamente e organizando-se muito mais por laces de afeicdo do que por hierarquias tradicionais. Em decorréncia disso, assistimos a mudan- cas fundamentais, por exemplo, nas politi- cas ptiblicas de promocao e assisténcia, na legislacéio sobre adocgao e guarda de filhos Em termos subjetivos, a sociedade em ge- ral demonstra também ter flexibilizado a compreensao do que ¢, como se estrutura e como funciona a familia contemporanea Configuragées familiares nem imaginadas hd poucas décadas hoje sfio cada vez mais aceitas com maior naturalidade. Sem du- vida, em pouco mais de duas décadas, 0 Brasil e o brasileiro comum mudaram suas expectativas em relagao A familia, mas sem deixarem de ser uma sociedade fundamen- talmente familista. A familia patriareal, que nossa legis- lagio civil tomou como modelo, a0 longo do século XX entrou em crise, culminando com sua derrocada, no plano juridico, pelos valores introdu zidos na Constituigio de 1988. A fa- mmilia atual esté matrizada em um fun- damento que explica sua fungio atu- al: a afetividade. Assim, enquanto houver affectio havera familia, unida por lagos de liberdade e responsabili dade, desde que consolidada na sime- tia, na colaboragio, na comun vida nao-hierarquizada. A familia é 0 nticleo natural fundamental da so- ciedade ¢ tem direito 4 protegao da sociedade e do Estado. (Lobo, 1989) Assim, a partir de 1988, a instituigao ‘familia no Brasil nao apenas ganha um sig- nificado totalmente novo, em especial pela sua independéncia de modelos preesta- belecidos e idealizados de uma “familia- padrao”, como também recebe, por forga de lei, prioridade na garantia de protegao. A instituicdo, reconhecidamente base es- tmutural de nossa sociedade, precisa, a par- tir de entao, nao so ser respeitada em seu movimento de transformagao e flexibilida- de constituinte, como também protegida, o que é, sem diivida, uma verdadeira “re- volucdo” para nossa sociedade. ‘As atuais politicas publicas elabora- das pelos tiltimos governos no pais deno- tam claramente a adogao da nocao de que a familia 6, sem diivida, tanto o I6cus para a promogao de programas de atencao, pro- mogio e cuidados com os cidadaos, como a depositaria de expectativas e responsa- bilidades para prover muitas das necessi- dades de seus membros — em especial os que demandam maiores cuidados, como as criancas e idosos, cujas demandas 0 gover- no nao consegue atender integralmente. Por forca de lei, a familia tem que ser pro- Manual de terapia tariiar | BT econémi- tegida; por forca da conjuntura cae pela profunda desigualdade social pre dominante, a familia se vé forcada a ser, cla mesma, fonte de protecao social de seus membros. A familia como locus de protegao social Nao s6 0 Estado, como, evidentemente, também a forma como foi se organizando ao longo do tempo a vida social no Brasil, dependem da familia para exercer as fun- Ges mais fundamentais na constituicdo do individuo e do cidadao: prover, cuidar, pro- teger, transmitir valores ¢ normas. ‘A centralidade das familias como fa- tor de protecio social implica ter pre- sente seu cardter ativo e participante nos processos de mudanca em curso e, a0 mesmo tempo, suas transforma- g6es internas, sobretudo em suas di mensées de sexualidade, procriacao e convivéncia. (Goldani, 2002, p. 33) A familia contempordnea brasileira, notadamente o imenso contingente de fa- milias que vive em situagdes de pobreza ou com poucos recursos econdmicos, ¢ vista como a instituigao que deve cuidar seus membros. Como bem assinalam Carvalho e Almeida (2003), “(...) importancia (da familia) cresce entre as pessoas mais fré- geis... E a familia, sobretudo, que pode transmitir-Ihes, entre outros aspectos, um patriménio de ‘defesas internas’.” (Carva- Iho e Almeida, 2003, p. 109). Ha um movimento no ocidente, rela- tivo ao crescimento e a sofisticagao do cha- mado “bem-estar social”: muitos paises de- senvolvidos tém aperfeigoado seus progra- mas e suas politicas sociais, no sentido de empoderamento cada vez maior do cida- dao e da familia, garantindo que sejam capazes de atuar como “amortecedores so- ciais”, como dizem os cientistas sociais. 32 | Luiz carios Osorio, Mat No. Brasil, embora ainda nao tenha- mos politicas puiblicas consolidadas, todas as versées de aces sociais dos tiltimos go- vernos federais tém deixado claro que pais caminha no sentido de tentar fortale- cer sua instituigao mais basica — a familia — acreditando que, quanto mais protegida a familia estiver, mais protegido estard o ci- dadao e menos demandas sociais ficarao - como vém sendo ha décadas ~ 4 mereé de solugdes que o Estado nao pode e nao con- segue prover. Na verdade, estamos longe de ter po- liticas publicas eficientes para nossas fa- milias. Porém, algumas iniciativas t¢m de- monstrado bom potencial; por exemplo, 0 Programa de Satide da Familia, modelo em varios Estados do pais. Sem duivida, parti- cularmente em nossa drea de atuacao, muitos atalhos desse caminho ja foram abertos e nao ha mais volta, como, por exemplo, o movimento antimanicomial. Como profissionais da area de fami. lia, acompanhamos com muita atengao es- ses movimentos, visto que, se por um lado foram constituidos sobre principios com os quais comungamos ~ a familia tem que ser protegida para poder proteger ~ por ou- tro, depositam na familia, j4 totalmente sobrecarregada de papéis, fungées e indefi- nicées, novas e pesadas atribuicées. A familia como lécus de promogao de saude Desde 1994, com a criagéo do programa de Satide da Familia, o Ministério da Saude faz da familia uma parceira para otimizar e dinamizar os servicos de promocio e manutengao da satide da populacao. Se- gundo o proprio Ministério, este é um pro- jeto dinamizador do SUS, que esta na base tonceitual e operacional das diretrizes de acdo no pais. Desde sa implantacio, int- meras pesquisas tem demonstrado seus ia Elizabeth Pascual do Valle & cols. efeitos positivos, destacando a diminuicio da mortalidade infantil (Ministério da Sai de, 2008) A familia “no avesso”: locus de agressao e destruicao ‘Também é necessario ressaltar que a fam{- lia é, paradoxalmente, aquela que pode for- mar ou destruir, dar identidade ou desin- tegrar o individuo em formacdo. Por inti- meros fatores que nao cabem ser aqui dis- cutidos em profundidade, mas que gosta- riamos de citar, como a miséria humana instalada em todas as classes sociais pela falta de vinculos humanos e pelo excesso de individualismo, a situagio de favelizacao e de miséria total em que vivem milhares de familias no pais, a ineficiéncia ou inexisténcia de programas governamentais, a inexisténcia de uma cultura de preven- cdo e promocio da satide integral do indi- viduo, que assola os profissionais de sati- de em geral, muitas familias nao conse- guem cumprir nem minimamente suas fun- Ges; ao contrario, desempenham o papel de desumanizar as novas geracdes. S6 para citar um sério problema, imtimeras pesqui- sas retratam as estatisticas assombrosas de violéncia doméstica em todas as suas for- mas (fisica, moral e psicolégica) Para a sociedade brasileira, a familia 6, formalmente, considerada a instituicao formadora do individuo/cidadao por ex- celéncia. Tem de ser protegida socialmen- te ¢, ao mesmo tempo, proteger aos seus. Econceituada de forma flexivel, ja que no- vas formas de arranjos familiares pouco a pouco vém recebendo maior aceitacao so- cial e reconhecimento de seus direitos le- gais. Por outro lado, é também responsa- bilizada por intimeras mazelas na forma- cdo de seus membros lamentavelmente ainda pouco amparada efetivamente por mecanismos ¢ politicas ptiblicas A FAMILIA POR ELA MESMA Os brasileiros, de modo geral, conceituam de forma muito positiva a familia. Fla é a instituigdo mais importante — para o brasi- \eito, a familia esta acima da Igreja e do Estado. B valorizada, desejada e, sem dii- vida, também cobrada e responsabilizada por sticessos ¢ fracassos em suas funcées principais de formar novas geragoes de in- dividuos/cidadaos. A familia sao atribuidas duas quali- dades essenciais como instituigéo: espaco de amor incondicional e unido, mostrando aidealizagao ¢ a alta expectativa a ela atri buida, além de ser considerada 0 espago natural de referéneia pessoal ¢ constitui- gio de identidade. Os brasileiros sabem que a familia esti mudando e aceitam suas mudangas com relativa tranquilidade. Nao é, na ver- dade, a “sociedade” nem a tecnologia que trazem mudancas a familia; ao contrario, é a familia que vem se transformando adaptativamente e, apesar da nostalgia ain- da existente, novas configuracées e novas dindmicas so consideradas muito mais como ganhos do que como perdas de um “padréo de familia ideal”. Provavelmente, de modo muito mais intenso do que em qualquer outra época histérica, 0 afeto ¢ 0 didlogo sao as re- Jferéncias da familia em todas as fases do ci- clo vital: 0 afeto como base de constitui- GJo/reconstituigao dos arranjos familiares ¢ 0 didlogo como a qualidade mais dese- javel para a manutencao/reorganizacio das relacdes familiares entre todos os subsistemas (conjugal, parental e interge- racional). Desde 1996, temos analisado o signi- ficado da familia para os brasileiros em inti- meras pesquisas realizadas no NUFAC (Nui- cleo de Familia e Comunidade - PUCSP) e no NPF (Nucleo de Pesquisa da Familia -— UNITAU), os quais trabalham em estreita Manual de teratoma | 3 cooperacdo na tentativa de compreensiio da familia em Sao Paulo A meta tem sido “dar voz a familia retrata-la em suas vicissitudes ¢ mostra-la em uma perspectiva sistémica, consideran. do-a como uma instituicdo pulsante, sem pre em mutacdo. Apesar das profundas transformacées sociais, muitas delas origi nadas nas ¢ pelas familias, em especial as da “classe média brasileira”, algumas ca- racteristicas tém se mostrado perenes: o brasileiro zela por, deseja e trabalha para a manutencio da instituigao que mais va- loriza: a familia! Em 1996, uma pesquisa pioneira rea- lizada pela internet contou com a parti pacio de 480 adolescentes, jovens e adul- tos de 11 Estados do pais que espontanea- mente acessaram 0 questionario on-line e expressaram sua opinido sobre o que ¢ fa- milia, sua importancia e suas funcdes basi- cas (Berthoud, C.M.E. et al., trabalho nao- publicado). Independentemente de géne- roe faixa etdria, a maioria dos pesquisados considerou a familia como a principal ins- tituicdo da nossa sociedade, atribuindo a ela caracteristicas de lugar de protecao e troca de afeto, espaco de aprendizagem e formacio pessoal. Mais de 80%, apesar de constatarem defeitos e problemas nas re- lagées entre familiares, nao trocariam de familia e, ainda, pretendiam constituir/ja haviam constituido familias proprias, ba- seando-se nas suas experiéncias nas fam‘ lias de origem. Os resultados permitiram concluir a grande importancia atribuida a familia e a necessidade demonstrada de que ela possa continuar cumprindo seus papéis de formar, cuidar e proteger as no- vas geragoes, dando-lhes base de moral individual e cidadania. Em 1997, publicamos os resultados de uma ampla pesquisa sobre ciclo vital da familia paulista (j4 citada), a qual foi pio- neira em mostrar o quanto a familia, inde- pendentemente da fase do ciclo vital que x4 | esiejaatravessando, &considerada como o dae tees ie € protegio para a maioria __ Em 1998, realizamos uma ampla pes- quisa no interior de Sao Paulo, com 1.500 participantes ~ criangas, adolescentes, adultos e idosos (Berthoud e Oliveira, 1999), _Os resultados mostraram que a fa- milia € definida por duas caracteristicas principais ~ amor e unio ~ ¢ é considera- da a mais importante das instituigées para a maioria dos pesquisados. De modo geral, criangas e idosos consideravam como mem bros da familia individuos com vinculos consanguineos, enquanto jovens e adultos incluiam pessoas por afinidade. A maior dificuldade atribuida a familia foi a falta de didlogo, e a maior qualidade, a uniao entre seus membros. Em 2000, foram publicados os resul- tados de uma pesquisa qualitativa realiza- da para a compreensao em profundidade da vida em familia em casa, fase do ciclo vital. A pesquisa, também ja citada ante- riormente, além de descrever e explicar as caracteristicas da familia, possibilitou mais uma vez confirmar que, para a maioria absoluta dos pesquisados, nenhuma outra instituigdo em nossa sociedade substitui a familia em suas fungées constituidora e formadora de individuos. Nesta tiltima década, também foi muito expressivo o mimero de dissertaces ¢ teses produzidas pelas universidades, as quais muito contribufram para a compre- ensao da familia em nossa realidade. Nesses mais de 10 anos de estudos, foi consolidada a conviccao de que a fami- lia brasileira se vé de uma forma bastante positiva, possui clareza sobre sua impor- tancia e sobre suas fungées e Juta para ga- rantir que elas sejam cumpridas, apesar de todas as dificuldades que a vida em fami- lia traz, em especial aos pais e, muito em especial, as mulheres, sobrecarregadas com novos papéis decorrentes de todas as trans- formacoes de genero ¢ de comportamen- ie ocorridas nos tltimos anos. tos social Luiz Ca Carlos Osorio, Maria Elizabeth Pascual do Valle & cols Outros institutos renomados no pais que estudam a familia também tém sido capazes de demonstrar em suas pesquisas que ela é a instituicao sobre a qual se depo sitam as maiores expectativas: das pessoas, da sociedade e do Estado, de forma geral Uma pesquisa recente realizada pelo Datafolha (2007) analisa as principais mu- dancas na forma de pensar e de se organi zar da familia brasileira, por meio da com paragao com pesquisa semelhante realiza- da pelo mesmo instituto hé 10 anos. As mudangas mais significativas observadas no periodo foram a maior tolerancia das familias para a vida sexual dos jovens (so- bretudo em relacdo a perda de virgindade, a gravidez fora do casamento € ao namoro em casa) e em relacio a homossexualida- de. Em contrapartida, observou-se que 0 aborto ¢ 0 uso de drogas so menos tolera- dos do que hé 10 anos. E a maior qualida- de atribuida ao relacionamento de um ca- sal foi a fidelidade. Na andlise dos valores familiares, constatou-se uma maior valori- zacdo da familia e da religidio. Estudo, tra- balho e lazer também foram aspectos bas- tante valorizados, enquanto o casamento eo dinheiro sao importantes apenas para um terco dos pesquisados. COMO COMPREENDEMOS A FAMILIA CONTEMPORANEA Os meios de comunicacio, 0 governo ¢ a igreja voltaram sua atencio para a familia nessa tiltima década. Programas de TY, re portagens e pesquisas estao constantemen- te aparecendo na midia trazendo a tona, tais mudancas. Muitos pesquisadores es- to trabalhando para mostrar o perfil, as necessidades e os desejos da familia No entanto, acreditamos que qual- quer pesquisa sobre a familia tem que le- var em consideracio a etapa lo Ciclo de Vida pela qual esta pasando. Um exem- plo disso é 0 dado a seguir, compilado em uma recente pesquisa do IBGE Somente metade dos homens realizam afazeres domésticos (51,4%), enquan- (09 em cada 10 mulheres tinham essa atribuigdo. Para as mulheres, a saida Para o mercado de trabatho nao impli- ca deixar o servico de casa, Pelo con- trdrio, a participagdo das mulheres ocupadas nesses afazeres & de 92%. (IBGE, 2007) Quem sao esses homens e essas mu- theres? Seu comportamento é 0 mesmo em diferentes etapas da vida? Em que momen- to do ciclo vital da familia esse comporta- Mento tem maior ou menor significado na organizagao e na constituigao da relagio afetiva e familiar? Encontramos em nossa pesquisa ha 10 anos que, no inicio da vida conjugal, ou seja, na Fase de Aquisicao, os homens ajudam as mulheres nas tarefas domésticas. Nas fases Adolescente ¢ Ma- dura, nao importando o padrao econémi- co ou o fato de a mulher ser ou nio assala- riada, esse mesmo homem afasta-se das atividades domésticas e s6 retornard a aju- dar na Fase Ultima. Entdo, os 51,4% dos homens que realizam as tarefas sao aque- les que estiio no inicio da vida a dois e os que chegaram a Fase Ultima. Os 92% das mulheres retratam a situacao feminina em qualquer uma das fases do ciclo vital. Outro ponto importante nas pesqui- sas com familias é a grande diferenca exis- tente entre as realidades brasileiras. Por um lado, temos as capitais e os grandes cen- tros que sio mais atingidos pelas mudan- Gas; por outro, temos também as peque- nas cidades, onde, apesar dos meios de comunicacio, a estrutura e a dindmica fa miliares ndo mudaram tanto e onde a inci déncia de divércios, separagées, ntimero de filhos, entre outros, ainda seguem pa- drdes mais antigos. ; Em fevereiro de 2008, a revista Veja mostrou que a familia de classe média es- tava priorizando a educagao dos filhos, 0 plano de satide e uma previdéncia priva- da, Séo os mesmos dados apresentados na pesquisa do Datafolha, ja citada anterior- Menuside tapi tama | 3B mente. A educagio dos filhos, sem diivida, aparece em todas as pesquisas como a pri Meira preocupacio das familias no Brasil, nas fases de Aquisicao e Adolescente. Ar. riscariamos afirmar que este é 0 maior ideal da familia brasileira desde seus primérdios € unanimidade em todo territério nacio- nal. Acreditamos também que a reducao do mimero de filhos por casal tem relacao com esse ideal de educagao, além das mu- dangas que atingiram o género feminino. E preciso ficar atento também ao fato de que s6 a graduacao na universidade nao garante ao jovem o emprego imediato, muitos necessitam maior especializacio para poder concorrer no mercado de tra- balho. Isso significa atualmente um onus maior para os pais na Fase Madura, os quais subsidiam por mais tempo a educaco dos filhos Uma ocorréncia que esta crescendo na classe média é a permanéncia dos fi- Thos na casa dos pais, mesmo tendo eles condigdes de viver com independéncia. E a “geragdo canguru”, que comeca a ser objeto de pesquisas. Figueiredo (2008), em sua pesquisa de mestrado, encontrou que existe uma acomodacao do filho que vai ao encontro do desejo dos pais em té-lo mais tempo Uma outra categoria que esta apare- cendo é a dos filhos bumerangues: aqueles que saem da casa dos pais ou em funcao do casamento ou em funcio do trabalho e retornam. Os que se separam, muitas ve- zes, retornam com os filhos, tornando 0 ninho mais cheio. A migracio interna é também um ou tro fator que influencia atualmente na dina mica familiar. Muitas vezes, em funcao de estudo ou trabalho, familias ou parte delas migram para outras cidades. Temos entao as familias que se retinem s6 nos finais de semana ou até em intervalos maiores. A preocupacio com a saiide aumenta a medida que aparecem os filhos na Fase de Aquisicao e fica bastante acentuada nas Fases Madura e tiltima do ciclo vital. A sa 36 | tue, ‘arlos Osorio, Matia Elizabeth Pas; de publica nio consegue estabelecer um patamar que atenda regular e eficiente- Mente toda a populacdo. Desse modo & hecessirio recorrer a previdéncia privada, Da mesma forma, as aposentadorias nao conseguem dar & familia a tranquilidade de poder continuar vivendo sob 0 mesmo patamar. A longevidade do brasileiro au- menta as despesas com satide, e 0 indivi- duo precisa ter um pectlio maior para po- der pelo menos ter uma vida digna, A longevidade, a permanéncia dos fi- Thos por mais tempo na casa dos pais, 0 maior nivel de escolaridade, entre outros fatores, formam um panorama que traz mudangas para a formacio das familias. O casamento entre pessoas muito jovens esta diminuindo, com excegao das situagées em que uma gravidez precoce leva 0 casal a uniao. Amaioria dos casamentos ocorre com os parceiros na faixa dos 30 anos, apds a conclusao dos estudos e a estabilizagao da vida profissional. A liberagio dos costumes ea mudanca de alguns valores esto per- mitindo aos jovens namorar, e, assim, exis- te a possibilidade de postergar a unio for- mal. Nesse caso, hd uma implicagdo maior para o inicio da parentalidade, que tam- bém fica postergada. Provavelmente a di- minui¢ao do numero de filhos por casal te- nha também relacéio com esse dado. Ape- sar dos avangos da reproducio assistida, muitas mulheres néo querem arriscar-se a serem maes com idade avancada. Existe um crescimento expressivo na classe média de familias com filho tinico. As investigacdes feitas sobre essas familias mostram a influéncia da rede social para esses jovens. A internet funciona como grande facilitadora dessa rede, mas a fa~ milia extensa, os amigos, o trabalho e os estudos, e a comunidade também trazem a oportunidade de trocas qualitativas para esse filho tinico. (Salomoni, 2006). Em relacdo ao trabalho, atualmente os casais jovens de classe média, na Fase de Aquisicao, sao de dupla carreira. Algu- cual do Valle & cols. Mas pesquisas jd esto sendo feitas para averiguar como o dinheiro 6 administ quando ambos trabatham (Guimaraes, 2006) ¢ também como é ensinado aos filhos o valor do dinheiro (Manfredini, 2007). Em ambas as situacées, os casais tem muita influéncia do modelo adotado em suas pré- prias familias de origem, seja para repeti- lo quando ele funcionou, seja para fazer 0 oposto daquilo que os pais fizeram. As muclancas ocorridas nas tiltimas décadas que incidiram sobre a estrutura das familias tiveram, sem dtivida, uma influéncia grande dos meios de comunica- co. Internet, celulares, televisio, entre outros, alteraram valores, criaram novos rituais, novas formas de relacionamento e também novos conflitos familiares. Os da- dos de pesquisa mostram que um ideal da familia é 0 bom didlogo entre seus mem- bros. No entanto, esses mesmos dados di- zem que o maior lazer da familia reunida é assistir 2 TV. Entretanto, como didlogo ‘TV podem ser conciliados? Como 0 enor- me tempo dedicado a internet, por exem- plo, nao sé pelos filhos adolescentes, como também pelos pais, pode interferir na Fase Adolescente? Sao estes os novos desafios que a familia enfrenta, os quais tem pro- vocado a elaboraciio de formas criativas de convivéncia. REFERENCIAS BERTHOUD, C. M. E.; OLIVEIRA, A. L. What does the family mean to children, adolescents, adults and the elderly at the end of the century? A Brazilian Study. In: THE SECOND International Conference in Advances in Qualitative Method. Edmonton: University of Alberta, 1999. CARVALHO, I. M. M.; ALMEIDA, BH. Familia ¢ proteco social. Sdo Paulo Perspec., Sio Paulo, v. 17, n.2, Apt /June 2003. CARTER, B. et al. As mudangas no ciclo de vida familiar: uma estrutura para a terapia familiar. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1995. p. 40-50. CERVENY, C. M. ©. (Org.). Familia em movimento, 1. ed, Sao Paulo: Casa do Psicélogo, 2007. p. 226.

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