Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
abaixo - box publicado na revista Chiclete com Banana numero 19 - pág 47 Na sess
ão do leitor - Upper Cut - skinheads portugueses ameaçam "punks, darks e cabeças
de alcatrão" e a revista não se importava de publicar os insultos.
O que acontece é que para a maioria das pessoas quando chega o momento de um enc
ontro com o aspecto bizarro de alguma subcultura a pessoa ao invés de reconhecer
a ignorância (mas quem é humilde o bastante para reconhecer a própria ignorânci
a?) e procurar se informar termina por se apegar a um detalhe qualquer que acaba
por considerar o insólito como algo gótico, e tome gótico pra designar isso e m
ais gótico para adjetivar aquilo porque no imaginário do mundo atual as subcultu
ras das trevas estão na pauta do dia. Todo mundo acha que sabe o que é gótico; e
xiste muita divulgação da palavra, os ícones mais reconhecíveis da subcultura es
tão iluminados e expostos 24 h. como numa vitrine.
Essa mesma atitude corroeu tanto o movimento punk que eu duvido que 95% dos indi
víduos que se consideram punks saibam a verdadeira história do movimento e é mui
tíssimo ilustrativo dizer que os punks originais eram coloridos como palhaços e
nem de longe usavam o preto que domina o visual dos de hoje, mas o equivoco vem
do inicio dos 80 quando a imagem punk que foi massivamente divulgada era aquela
clássica do Sid Vicious de preto com a camiseta vermelha com a suástica, naquela
época os skinheads eram vistos com simpatia até mesmo pela mídia especializada
e ficou então essa imagem do punk que todo mundo acha que conhece e é a que os p
unks de hoje utilizam (a suástica era um dos ícones mais usados pelos punks orig
inais, até a Siouxie Sioux a usava).
Foi mais ou menos assim com um meu amigo de 30 anos, um cara muito inteligente q
ue só recentemente descobriu os alemães do Rammstein. Puxou conversa dizendo “Mu
ito bom esse Rammstein, hein? Eles são góticos, né?”. O episódio foi por demais
ilustrativo já que por algum motivo o visual e o som o chocaram de uma maneira q
ue ele não encontrou na banda nada que lhe fosse remotamente reconhecível e entã
o uma luz negra deve ter brilhado no raciocínio do cara e ele pensou “isso é gót
ico”. Note que meu amigo em nenhum momento achou que o Rammstein fosse metal o q
ue me surpreendeu mais ainda já que ele compra CDs de metal regularmente e é tot
almente capaz de reconhecer o estilo, mas por melhor senso que meu amigo tenha s
eria muito exigir que ele reconhecesse algo tão complexo como o estilo chamado d
e industrial mesmo que diluído no ecletismo da salada rammsteiniana, gótico entã
o foi o veredicto dele.
Vocalista do NXZero?
O filho de um amigo meu ao ver a foto do Sid Vicious na capa do livro 1001 Disco
s Para Ouvir Antes de Morrer perguntou ao pai se era o cantor do NXZero tão mist
urada estão as coisas e tão gratuitamente os looks punk e gótico estão oferecido
s. Os itens das subculturas estão definitivamente absorvidos, não representam ma
is a subversão, são ordinariamente usadas por pessoas caretas.
Garotas que se consideram góticas pedem para serem minhas amigas no Orkut e post
am fotos onde aparecem usando camisetas de bandas de metal – até mesmo do Iron M
aiden – trajando-se de uma maneira bastante pobre com adereços que elas imaginam
que as caracterizam como góticas; postam textos de própria autoria que elas cha
mam de poesias, mas que na verdade são umas linhas sofríveis que elogiam a escur
idão, divulgam o numero 666 e até louvam ao capeta. Essas gurias não têm tanta c
ulpa assim, afinal onde é que iriam se informar sobre o movimento? Na falta de i
nformação o cristianismo com o qual foram doutrinadas serve de parâmetro.
Subcultura estudada em faculdade é uma piada, quem quer saber mesmo tem que“Take
a walk on the wild side”, acho muito brega ver jovens universitários de classe
média montar visual e sair para lugares burguesinhos querendo causar sem ter exp
erimentado o lado feio da coisa. Quando a gente fala subcultura o prefixo sub nã
o tá aí à toa, é que tem de descer mesmo, visitar o basfond pra ter uma idéia da
decadénce, fazer amigos por lá assim como Lou Reed, Warhol e Burroughs que eram
burguesinhos, mas sempre tiveram contato com a marginalia, com as putas de rua,
travestis e drogados, as subculturas são pirâmides invertidas aonde para se che
gar ao topo deve-se descer. Só assim é que faz sentido estar ligado a uma subcul
tura, você pode ler o livro, mas sem a prática da rua você nunca será gótico ou
qualquer outra coisa. A Siouxie não é doutora e nem o Robert Smith tem mestrado
em porra nenhuma, é exemplo que você quer seguir? Então se junte à manada Mané.
E esse papo de walk on the wild side me levou de volta à heroína e às perversões
sexuais.
Morbidez era um termo intimamente ligado ao gótico no fim dos anos 80 e acredito
que continua sendo desde lá até aqui e o que significa mórbido? Até onde eu sei
é doença mesmo. Gente doente. Esse papo de depressão e melancolia é balela, que
m tem depressão é louco pra se livrar dela, vai ao médico minha filha, toma o re
medinho que passa. Uma pessoa doente seria amarelada, pálida, com olheiras escur
as, magra, com dificuldade para respirar, andar, quase impossibilitada de sorrir
. Essa figura também poderia ser a de uma pessoa drogada e até gótica, né? Apesa
r da boa saúde da burguesia estudantil sombria e da gordurinha extra de algumas
góticas aquele desamparo típico de vampiros e vegetarianos é análogo ao dos vici
ados em smack (hoje também do crack) que se estendeu às modelos fotográficas dos
anos 90 que apareciam nas campanhas com os pés descalços e sujos, em roupas vom
itadas, com olheiras e em locações imundas (no Brasil me recordo de um ensaio as
sim na revista Trip com a modelo Ira Barbieri).
Ira Barbieri - modelo que fazia a junkie nos ensaios da Trip (clique na foto par
a visitar site da TRIP 88 com ensaio de Ira Barbieri)
Por outro lado que tipo de roupa esses viciados e pervertidos usavam? Materiais
como couros, vinil e látex até o fim dos anos 70 eram a matéria prima das vestim
entas de pervertidos sexuais em jogos de dominação e submissão, bondage, isolame
nto e práticas várias de fetichismo. Corseletes são sabidamente peças que remete
m às putas de todas as eras e não interessa aqui se é um item vitoriano ou coisa
que o valha, se os corseletes são usados hoje é justamente por causa dessa migr
ação dos itens marginais para os lares da classe média e não por causa de um sup
osto bom gosto vintage das moçoilas do século XXI.
Ainda falando especificamente do Orkut acredito que certas garotas (e alguns pou
cos garotos) adicionam meu avatar Jurassik Dark por total falta de consideração
ao perfil se atendo menos à foto e ao nome em inglês que ao fato de tê-lo encont
rado num contexto gótico qualquer e mais interessante ainda porque eu não faço p
arte de nenhuma comunidade gótica nem no Orkut nem em lugar algum, mas de alguma
forma, quase que semanalmente, novos pedidos de amizade me são encaminhados o q
ue demonstra que um mecanismo gótico qualquer está em funcionamento e uns serezi
nhos das trevas conseguem chegar até mim, mas jamais me deixam recados ou coment
am meus textos o que quer dizer que jamais me lêem e se o fazem não deixam nenhu
ma espécie de feedback, mesmo assim mantenho o perfil do Jurassik Dark porque me
mantém um pouco como um pesquisador que olha através de um microscópio ou, por
que não, de um telescópio?
Então vislumbrei nesse âmbito das coisas góticas uma espécie de microfisica do g
ótico como se paralelamente ao estilo gótico-platônico-só-para-iniciados houvess
e uma generalização do significado que se estende pelo planeta numa rede que, lo
nge de determinar o objeto de estudo, torna-o etéreo, impalpável e democraticame
nte descaracterizado, daí a disparidade das interpretações que chegam ao extremo
de
atribuir à subculturas antagônicas os atributos que só pertencem ao gótico e inv
ersamente batizam de góticos os comportamentos e adereços que competem às outras
subculturas. Uso então Microfísica no sentido de que já existem noções sobre o
que é gótico(quaisquer que sejam) que estão espalhadas por aí pelo mundo e em co
nseqüência todo mundo tem acesso a elas
Tenho uma amiga no Facebook que mora na Malásia e que se diverte se vestindo com
lindas roupas e deixa-se fotografar caracterizada de várias personagens diferen
tes inclusive de gótica – o que a deixa maravilhosa - e não tem nem uma mínima i
déia do que seja gótico, ou melhor, a idéia que ela tem é totalmente equivocada,
mas na hora que veste a roupa ela poderia estar em qualquer balada gótica que s
eria uma das mais verdadeiras. Ela não conhece absolutamente nada do som, da lit
eratura e de outros aspectos culturais relacionados, mas o visual é-lhe acessíve
l, disponível e persuade satisfatoriamente. Esse lugar comum do gótico na atuali
dade é que se presta a diversas interpretações e diversos erros ou seja a Gothic
Lolita é apenas visual sem qualquer outro ponto de contato com a subcultura.
Minha esposa não é gótica, mas possui em seu guarda-roupa dezenas de itens sombr
ios de excelente qualidade que podem transformá-la imediatamente num ser das tre
vas. Eu que, sempre privilegiei as roupas pretas, também possuo artigos com os q
uais eu poderia assumir o microfone de uma banda gótica num palco sem fazer feio
. De uma forma geral toda mulher pode se transformar em bruxa ou diaba de ultima
hora para uma festa de Halloween sem ter que procurar por peças fora de seu gua
rda-roupa porque os itens da subcultura já são tão corriqueiros, tão ordinariame
nte usados por qualquer um, vendidos em butiques de madame, lojas de produtos ch
ineses, nos camelôs e nas feiras livres.
Minha esposa não é gótica, mas...
Em todos os lugares existe a noção desse lado escuro que está incorporado ao dia
-a-dia e produzido massivamente pela indústria e se ainda chama a atenção por se
r belo e exótico não chega nem perto de ser estranho ou original, pois estamos a
30 anos de distância do final dos anos 70 quando Johnny Rotten vinculou o apare
cimento do gótico com a popularização do uso da heroína. Fritando os ovos eu pod
eria dizer que uma pessoa vestida de gótica causa menos estranheza que um Hare K
rishna (embora alguns amigos meus ainda surpreendam os usuários de ônibus enquan
to se movem pela cidade).
No Brasil - as jaquetas de couro e o mundo das trevas chegaram ao inicio dos ano
s 80 impressos nas capas de discos de punk e de metal, mas não havia nenhuma her
oína. Embora as drogas corressem soltas pelo país minha geração estava apenas co
meçando a fumar maconha e a cocaína iria demorar mais uns anos. Minha mãe e meu
pai não queriam me dar um blusão de couro porque associavam essa peça com motoqu
eiros e também pensavam que eu estava levando essa coisa de rock muito a sério q
uerendo imitar os músicos e tal.
Falar em punk ou metal era como dar provas de insanidade e na verdade eu não tin
ha a coragem para enfrentar meus velhos, mas tampouco a tinha a grande maioria d
os indivíduos da minha geração que se vestia com calça jeans, camiseta de malha
tipo indiana e tênis tipo iate, ficava cool e não espantava os pais. Só mesmo a
partir de 1986 é que foi ficando cada vez mais comum nas baladas jovens trajando
preto da cabeça aos pés e garotas loiras tingindo os cabelos de preto – massiva
influência do grupo The Cure – às vezes todos surgiam de preto numa balada sem
que ninguém tivesse combinado nada, era uma espécie de ressonância mórfica obscu
ra que abraçava todo o planeta livre.
Na cidade de São Paulo eu procurava por camisetas de bandas no Largo da Concórdi
a quando um dos vendedores me disse “eu vendo camisetas de rock desde que elas e
ram brancas”. Não era apenas uma figura de linguagem do camelô, elas eram branca
s, mas tornaram-se pretas naquele início da década de 80 porque era a ocasião em
que o rock - entendido como veículo principal da cultura pop - tomava outra dir
eção, movia-se da Paz e Amor hippie para o Ódio e Guerra do The Clash. Desde o a
dvento do indie rock, no inicio dos anos 90, a camisetas de rock tornaram-se col
oridas e hoje podem ser encontradas em todas as cores, mas a cor preta ainda pre
domina em todo lugar dedicado ao rock seja na Galeria do Rock em São Paulo ou na
s margens do Rio Solimões na Amazônia.
É que nas fotos dos festivais como a Gothic Treffen as pessoas estão tão lindame
nte vestidas que não importa se eles são góticos de verdade ou não, o que vale a
li é a beleza das vestimentas e do make up. Quando a gente vê aquelas pessoas pa
sseando por aqueles lindos gramados verdes a gente sabe que aquelas pessoas são
góticas, mas certamente que a maioria ali não sabe nada sobre as bandas post-pun
k e estão apenas emprestando seus corpos para o festival, são bonecos vivos.
Já uma menina de periferia com uma saia preta, cinto de pirâmides, camiseta do I
ron Maiden e coturno de soldado também reivindica para si o rótulo de gótica ao
mesmo tempo em que se alimenta de doutrina pseudo-satanista e ouve bandas de met
al, ela também se considera gótica porque ama o visual da Amy Lee e do Cradle Of
Filth e seguindo a mesma linha de pensamento daquele meu amigo ela pensa: “Isso
é gótico então eu também sou” e a merda tá feita. A essas (e esses) deixo apena
s um conselho: visual gótico tem de ter sofisticação, não tanto, mas também não
tão pouco, a camiseta não faz o monge então cuidado com essa camiseta aí!
Já o bobão classe média, gótico meia boca, nerd-geek-noob passa suas horas no Or
kut burilando textos ridículos e postando no fórum como se fosse um professor do
utor da USP, mas não atinge ninguém. Torce e retorce seu conhecimento de gramáti
ca até alcançar um padrão que agradaria seus professores da faculdade o que me f
az lembrar dos garotos punheteiros dos anos 80 que enviavam desenhos de moicanos
e de skinheads para as revistas tipo Chiclete Com Banana e Porrada, mas que na
verdade eram uns bobalhões de óculos fundo de garrafa em nada parecidos com seus
próprios desenhos, mas com um enorme desejo de se vingar do mundo todo: Sou bob
ão, mas sou gótico.
Num mundo internetizado quando a coisa fica preta e a merda atinge o ventilador
acontece que‘o urubu de baixo quer cagar no de cima’ só que não pode, não conseg
ue, é impossível, né?
Orkut do autor Jadson Jr.
Visitem este post PÉROLA DE ANO NOVO no Tia Gótica que na minha opinião tem tudo
a ver com esse texto.
Carpe Noctem
“When the going gets tough and the stomach acids flow,
The cold wind of conformity is ripping at your nose,
Some trendy new atrocity has brought you into your knees,
Come with us we’ll sail the seas of cheese.”
Trecho da música Seas of Cheese da banda Primus - 1991