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AMOR À VERDADE

– Falar de Deus e da sua doutrina com clareza e firmeza, sem medos.

– Agir sempre em consciência. Sinceridade connosco próprios.

– Dizer sempre a verdade: nas coisas importantes e no que parece pequeno.

I. O EVANGELHO DA MISSA1 é um novo convite do Senhor para que


levemos uma vida veraz, resultado da fé que trazemos no coração, sem medo
dos contratempos e das murmurações que seguir o Senhor de perto nos
acarreta por vezes. Não é o discípulo mais do que o mestre, nem o servo mais
do que o seu senhor. Se ao amo da casa chamaram- no Belzebu, quanto mais
aos da sua casa. Não os temais...

Pode acontecer que numa ou noutra situação tenhamos que sofrer a calúnia
ou a difamação por sermos verazes, por sermos fiéis à verdade; noutras, as
nossas palavras ou as nossas acções serão talvez mal interpretadas. Em
qualquer caso, o Senhor espera de nós, seus discípulos, que falemos sempre
com clareza, abertamente: O que vos digo às escuras, dizei- o à luz do dia; e o
que escutastes ao ouvido, proclamai- o sobre os telhados.

Com uma pedagogia divina, Jesus fora falando às multidões em parábolas e


descobrira-lhes pouco a pouco a sua verdadeira personalidade e as verdades
do Reino. Mas jamais disfarçou a sua doutrina. Depois da vinda do Espírito
Santo, os que o seguissem deveriam proclamar a verdade à luz do dia, em
cima dos telhados, sem medo de que a doutrina que ensinassem fosse oposta
às opiniões que estivessem na moda ou arraigadas no ambiente. De que outra
forma poderiam converter o mundo?

Alguns pensam, por táctica ou por covardia, que a vida dos cristãos e a sua
concepção do mundo, do homem e da sociedade, devem passar inadvertidas
quando as circunstâncias são adversas ou comprometedoras. Esses cristãos
ficariam então como que “emboscados” no meio de uma sociedade orientada
para objectivos radicalmente diferentes; e não teria nenhuma ressonância o
fato de serem homens e mulheres que olham para Cristo como o ideal
supremo. Essa não é a doutrina do Senhor.

“«Ego palam locutus sum mundo»: Eu preguei publicamente diante de toda a


gente, responde Jesus a Caifás, quando se aproxima o momento de dar a sua
Vida por nós.

“– E, no entanto, há cristãos que se envergonham de manifestar «palam» –


patentemente – veneração pelo Senhor”2.

Na sociedade em que vivemos, teremos que falar com firmeza – com a


segurança de quem tem a verdade do seu lado – de muitos temas de grande
transcendência para a família, para a sociedade e para a dignidade da pessoa:
indissolubilidade do casamento, liberdade de ensino, doutrina da Igreja sobre a
transmissão da vida humana, dignidade e beleza da castidade, sentido
grandioso do celibato e da virgindade por amor de Cristo, consequências da
justiça social em relação aos gastos perdulários ou simplesmente
desnecessários, aos salários injustos... Talvez haja ocasiões em que, por
prudência ou por caridade, devamos calar-nos. Mas nem a prudência nem a
caridade nascem da covardia ou do comodismo. E nunca é prudência calar-se
quando desse modo se dá lugar ao escândalo ou à desorientação, ou quando
essa atitude equívoca debilita a fé dos outros.

O que vos digo às escuras, dizei- o à luz do dia... O Senhor dirige-se com
essas palavras a cada um de nós, pois são muitos os inimigos de Deus e da
verdade que pretendem e se empenham em conseguir que os cristãos não
sejam nem sal nem luz no meio das tarefas que os ocupam.

II. HÁ UM EPISÓDIO no Evangelho3 que nos mostra como agiam uns


fariseus que não se caracterizavam pelo seu amor à verdade. Enquanto Jesus
passava pelos átrios do Templo, aproximaram-se d’Ele os príncipes dos
sacerdotes, os escribas e os anciãos para perguntar-lhe: Com que autoridade
fazes estas coisas? Quem te deu poder? O Senhor está disposto a
responder-lhes se eles demonstrarem sinceridade de coração. Pergunta-lhes o
que pensam do baptismo de João: se era do céu, e portanto gozava da
aprovação divina, ou se era apenas dos homens, e como tal não merecia maior
consideração.

Mas eles não lhe dão a sua opinião autêntica, a sua opinião em consciência.
Analisam antes as consequências das suas possíveis respostas, procurando a
mais conveniente para a situação em que se encontram: “Se dissermos do céu
– pensam –, dirá: Por que não crestes nele? Mas se dissermos que o baptismo
do Precursor era dos homens, a multidão nos apedrejará”, porque todos tinham
João por um verdadeiro profeta.

Apesar de serem líderes religiosos, não são homens de princípios capazes


de informar as suas palavras e as suas obras. “São homens «práticos»,
dedicam-se a fazer «política». No que tange ao seu interesse ou comodidade,
o raciocínio que fazem é inteligente. Mas não estão dispostos a ir mais longe
no seu raciocinar: são homens em quem o comodismo substituiu a
consciência”4. Têm por norma de conduta seguir o mais conveniente em cada
ocasião. Não actuam de acordo com a verdade. Por isso dizem: Não sabemos.
Não lhes interessava sabê-lo e muito menos dizê-lo.

A reacção de Jesus é muito significativa: Então também eu não vos direi


com que autoridade faço estas coisas. É como se lhes dissesse: se não estais
dispostos a ser sinceros, a olhar nos vossos corações e a encarar a verdade, é
inútil o diálogo. Eu não posso falar convosco nem vós comigo. Não nos
entenderíamos.

Acontece o mesmo todos os dias. “A pessoa cuja vida não se rege pela
sinceridade, por uma disposição habitual de encarar a verdade ou os ditames
da consciência – por mais incómodos ou duros que sejam –, afasta-se
rotundamente de toda a possibilidade de comunicação divina. Quem tem medo
de olhar de frente a sua consciência tem medo de olhar de frente para Deus, e
só os que se dispõem a estar cara a cara com Deus podem ter verdadeiro trato
de amizade com Ele”5. Não é possível encontrar a Deus sem este amor radical
pela verdade. Como também não é possível entender-se com os homens e
conviver com eles.

O amor à verdade levar-nos-á a ser sinceros em primeiro lugar connosco


próprios, a manter uma consciência clara, sem subterfúgios, a não permitir que
fique embaçada por erros não admitidos, por ignorâncias culposas, pelo medo
de aprofundar nas exigências pessoais que a verdade implica. Se, com a ajuda
da graça, formos sinceros connosco próprios, também o seremos com Deus, e
a nossa vida se inundará de luz, de paz e de fortaleza. “Lias naquele dicionário
os sinónimos de insincero: «ambíguo, ladino, dissimulado, matreiro, astuto»... –
Fechaste o livro, enquanto pedias ao Senhor que nunca pudessem aplicar-se a
ti esses qualificativos, e te propuseste aprimorar ainda mais esta virtude
sobrenatural e humana da sinceridade”6.

III. NUM MUNDO em que a mentira e a dissimulação constituem tantas


vezes o miolo do comportamento habitual de muitos, nós, os cristãos, devemos
ser homens verazes, que fogem sempre até da mais pequena mentira.
Devemos ser conhecidos pelos que convivem connosco como homens e
mulheres que nunca mentem, mesmo nos assuntos de pouca importância, que
eliminaram das suas vidas o que cheira a dissimulação, a hipocrisia, a
falsidade, que sabem rectificar quando erram. A nossa vida terá então uma
grande fecundidade apostólica, pois sempre se pode confiar numa pessoa
íntegra, que sabe dizer a verdade com caridade, sem ferir, com compreensão
para com todos.

“Quantas debilidades, quanto oportunismo, quanto conformismo, quanta


vileza!”7, dizia o Papa Paulo VI referindo-se a “essas boas pessoas, que
esquecem a beleza e a gravidade dos compromissos que os unem à Igreja”.
Esta mesma situação, que talvez nestes anos tenha ficado mais patente, há de
levar-nos a detestar a falsidade, por ínfima que possa parecer, porque “a
mentira opõe-se à verdade como a luz se opõe às trevas, a piedade à
impiedade, a justiça à iniquidade, a bondade ao pecado, a saúde à doença e a
vida à morte. Portanto, quanto mais amemos a verdade, tanto mais devemos
aborrecer a mentira”8.

Não se trata de saber até que ponto se podem dizer coisas falsas sem
incorrer em falta grave. Trata-se de detestar a mentira em todas as suas
formas, de dizer a verdade total; e quando por prudência ou caridade não seja
possível fazê-lo, então devemos ficar calados, mas não inventar recursos
formalistas que tranquilizem falsamente a consciência9. Devemos amar a
verdade em si mesma e por si mesma, e não apenas pelas suas
consequências em relação ao próximo. Devemos detestar a mentira como
coisa torpe e vil, seja qual for o fim com que lancemos mão dela. Devemos
detestá-la porque é uma ofensa a Deus, suma Verdade.

Acredita-se facilmente naquilo em que se deseja acreditar. E assim, por


exemplo, muitos inimigos da Igreja estão sempre inclinados a dar por certos
todos os rumores injuriosos que lhes chegam aos ouvidos, julgando sem
indícios suficientes e até informando a opinião pública com base em
conjecturas. E isso, no fim das contas, equivale à mentira propriamente dita,
pela sua origem e pelas suas consequências.

Contra a mentira, friamente empregada tantas vezes, nós temos a verdade,


a clareza, a sinceridade sem equívocos nem ambiguidades: a prática firme de
uma veracidade nas relações pessoais diárias, nos negócios, na família, nos
estudos e nos órgãos de opinião pública quando temos acesso a eles. Não
sabemos responder a uma mentira com outra mentira.

A oração litúrgica convida-nos a clamar: Que a nossa voz, Senhor, o nosso


espírito e toda a nossa vida sejam um contínuo louvor em vossa honra...10 Que
a nossa conversação seja sempre veraz, própria de um filho de Deus.

(1) Mt 10, 24-33; (2) São Josemaría Escrivá, Sulco, n. 50; (3) Mc, 11 27-33; (4) C. Burke,
Consciencia y libertad, Rialp, Madrid, 1976, pág. 51, nota 7; (5) ib.; (6) São Josemaría Escrivá,
op. cit., n. 337; (7) Paulo VI, Alocução, 17-II-1965; (8) Santo Agostinho, Contra a mentira, 3, 4;
(9) cfr. São Francisco de Sales, Introdução à vida devota, III, 30; (10) Liturgia das Horas,
Oração de Laudes da 2ª semana.

(Fonte: Website de Francisco Fernández Carvajal AQUI)

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