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Edwcacan, Soctedade & Galt i a a SE ACERCA DA EDUCACAO LINGUISTICA: OBJECTIVOS, CONTEUDOS E CONTEXTOS DE REALIZACAO eM amt Tomando como ponto de paitida alguns aspectos do discurso pedagdgica oficial sobre o ensino da lingua materna, o autor problematiza o sentido e as possibilidades de um projecto de educagdo linguistica nas escolas portu- guesas Os objectivas, contetidos e contextos de 1ealizacao de uim tal projecio sdo analisadas em termos de uma estratégia baseada na escola Se quisermos proceder a uma andlise do que tém sido as orientagdes cunti- culares dominantes em Portugal na tiltima década, dificilmente poderemos con- tornar, como texto nucleai, a Proposta de reorganizacae dos planos curricula- res dos ensinos bdsico e secunddrio Fiausto da Silva et al, 1988); apresentado no ambito das actividades da Comissio de Reforma do Sistema Educativo, aquele texto, entre outros aspectos que agora importard menos considerar, sugere para a educacao basica e para a educagio secundéiia as caracteristicas gerais, os objectivos, a organizacio estrutural e a organizacto pedagdgica € curicular_ Ao nivel dos objectivos especificos formulados para a educacio basica, na -dimens&o das aquisicées basicas € intelectuais fundamentais, insti- tui-se como objectivo promover -0 conhecimento dos valores caracteristicos da lingua, bistéria e cultura portuguesa, a consctencalizagdo de que a lingua portuguesa é insiitumento * Instituto de Educagio € Psicologia da Universidade do Minho p9¥oKCdG socrepabe & cuLIURAS tivo que se oferece @ realtzacdo de cada wm, 0 reconbecimento de que a Jingua portuguesa é instrumento de transmissdo e criacdo da cultura nacio- nal: o dominio progressivo dos meios de expressdo e de comunicagéo verbais @ ndo verbais, a compreensdo da estiutura e do funcionamento basico da lingua portuguesa em situagaes de comunicacao oral e escrita- (pp 205- -206) Para Ki de possiveis consideracdes criticas relativas, por exemplo, a formu- lacdo adoptada para enunciar os objectivos pretendidos, e que jé noutro lugar tive ocasiio de expor (Casto, 1995), interessa 1ealcar a impostincia conferida no texto da Proposta 4 lingua portuguesa, através da afirmagio da necessi- dade de, no Ambito das acces educativas, se desenvolver a capacidade de comunica: verbalmente, promover 0 conbecimento da esirutura € do funciona- mento da lingua, proporcionar a compreensio desta como insténcia estrutura- dora do homem e como factor de producio ¢ reproducio da cultura. A concre- tizacio de objectivos desta ordem € claramente concebida num quacro tans- disciplinar quando se postula o {| contributo de todas as matérias para a consolidacio, reforco € aperfeicoamento da expressio oral ¢ escrita em lingua portuguesa: (p 218) © mesmo principio surge quando, tomando como refe- réncia a Lei de Bases do Sistema Educativo, se considera [| ser funcao de todos os docentes ¢ contribute das restantes componentes curriculares a com- preensio € a produco de enunciados orais ¢ esctitos correctos € fuentes: (p. 190) No Decreto-Lei n® 286/89 de 29 de Agosto de 1989, que define novos pla- nos curticulares para os ensinos bisico € secunditio, afirma-se como opcdo fundamental a valorizacio do ensino da lingua portuguesa © a procura de uma petspectiva interdisciplinar para 0 cutticulo Ai se acentua também a relevincia de todas as componentes curriculares para 0 ensino e a aprendizagem da lin- gua materna, afirmando-se a importincia do seu contributo para 0 desenvolvi- mento nos alunos das capacidades de compreensao ¢ producio de enunciados escritos € orais; consequentemente, o dominio da lingua aparece detinido como -formagao transdisciplinar No Despacho Normativo n# 98-A/92, que estabelece um novo sistema de avaliagio dos alunos do ensino bisico, pode ler-se que: epUCACdy socigpapE & cuiruras Os objectivos propostos nos progiamas do ensino secunditio podem ser cometides aos dominios de operacionalizagao antes 1elerenciados, reenviando fundamentalmente para uma matriz conceptual semelhante aquela em que radicam 05 textos programiéticos relatives 20 ensino basico. Apesar disso, seré > Esta opado peli referéncia a dimenshes oviras que no imediata € directamente verbals tem fortes tracighes na histria do cuniculo como testemunhain enunciados que afitmam a grand influéncia [Jno desenvolvimento do espictos exercida pelo ensino da linguz nacional e as vantages para a cultura do espintor que ele compomta (Peograma de Postugués de 1885), ou aquelés outs que ati- buen 4 cisciplina @ funcio de desenvoher © sentimenta nacional ¢ « fowmticio moral do aluno Programa de Portugués de 1919 © 1936} + Para uma Icilura critica dos programas considere-se Brando (1991) Castro & Sousa (1992) Delgado-Marins et al (2991) € Mendes (1992) eo ¥CACig SOCIEDADE & CuLyuras televante refetir a importancia af atribyida ao conhecimento sobre as realiza- goes estéticas da lingua, com a emergéncia de uma perspectiva diacrénica A propésito da concepcio de lingua subjacente ao enunciado programético, vetifica-se sex dominante, 20 nivel dos objectives propostos, um entendimento do uso linguistico como prética ancorada em contextos de situagéo, embora se encontrem também perspectivas que envolvem a supressio de refexéncias aos contextos, 208 objectivos € aos efeitos da comunicacdo verbal, Estamos, pois, perante um entendimenio da disciplina de lingua mateina que, ndo represeatando uma ruptura completa com a tradicao, significa porém uma altera¢do qualitativa, Assim: i) F visivel uma concretizaco progiessivamente mais complexa da disci- plina, através de uma cada vez maior diferenciagdo dos seus dominios de operacionalizagio, conczetizando-se tendéncias 2s vezes surpreen- dentemente recentes ( primeito texto que se organiza explicitamente sobre as modalidades de realizac4o verbal data tio s6 de 1981 é rela- tivo 20 programa do Ciclo Preparatério do Ensino Secunctizio - CPES) ii) Este movimento de complexificacio coexiste com um outio, de progies- siva especificagio das metas no Ambito de cada dominio (também aqui € cutioso verifiear que @ novamente o programa de 198] do CPES aquele em que pela primeira vez se especificam objectives para os pro- cessos de compreensio: compreender globalmente 0 que se Ié; captar a estiutura do contetido do texto; distinguit 0 relato objectivo des factos € a exposicio de opinides {| }) iii) Um terceico aspecto que importa salientar é o da superacdo de uma concepcio normativizadora do uso da lingua, durante [argo tempo dominante; ministrar a0 aluno »@ capacidade de [| let e falar com cor ecco [a lingua porruguesa): € uma formula que, identificdvel no pro- grama de 1895, pode ser reencontrada em 1919, 1936 ou 19544, vindo a telativizacio da -comrec¢do- linguistica a ser assumida muito mais tarde, novamenté no Programa de 1968 do CPES, sem que tal tenha signiti- “ Este orientaco em alguns momentos apatece associada 4 promocio do uso [_ ] elegante da lin- guagem (Programas de 1948 ¢ 1954) ¢ ao desiderato de desenvolver as faculdades de crtiea © de ‘siacdo no dominiy de estética ltesirit (Programas de 1948 19546 1981) vv ChCig socirpape & CuLIURAS cado, entretanto, a exclusdo definitiva da intengio normativizadora que reapa- rece, pot exemplo, em 1981, no Programa do Curso Unificado De facto, estes nao sio movimentas consistentes, com idéntica expresso em todos os programas de uma dada sincronia Como 0 nao sio no interior de cada programa individualmente considerado, sendo por vezes visiveis discre- pancias entie os vétios planos dos textos programiticos Sinal claro este das contiadigdes e indefinigdes que atravessaram (e atravessam?) o discusso peda- gogico oficial sobre a Kingua materna Em sintese, dir-se-4 que 2 concepso da disciplina de Lingua Portuguesa /Portugués que os programas actualmente em vigor prefiguram decor de uma tensio entie linhas de forca divetsas, que representam a valorizacao de determi- nnadas inovacdes e a necessidade de as sinuar num quadro que nio pode ser de ruptura completa; a tensio entie um entendimento totalizante do campo disci- plinar ¢ a assun¢do da necessidade de o concretizas em dominios ou competén- cias mais especificas; a tensio entre uma concepgao do acto linguistico como acto situado e a necessidade de operacionalizar este entendimento ao nivel dos diversos dominios; a tensio entre a valorizagao das atitudes e capacidades e a necessidade de reservar um papel ao conhecimento Assim, o projecto de acco educativa que decorre dos objectivos propostos para a disciplina de Lingua Poriguesa/ Portugués apresenta-se como marcadamente plural ¢, numa pers- pectiva diacr6nica, cada vez mais complexo Plural porque, a0 lado de dime ses especificas relativas a0 uso (expressivo ou receptive) da lingua ¢ a0 seu conhecimento formal, se visam dimensdes inespecificas, aparecendo a disciplina de Lingua Portuguesa/Portugués como lugar explicitamenie relevante para a promocao da socializacto dos alunos e/ou do seu desenvolvimento pessoal; mais complexo, também, porque o seu Ambito de intervencZo, tal como o defi- nem os objectives especializados que lhe silo atribuidos € os dominios de ope- racionalizacio de tais objectivos, tem vindo a ser progressivamente expandido Objectivos da educacio linguistica Na literatura programatica sobre 0 ensino do portugués como lingua materna, é hoje recorrente a formulacao do objectivo central da disciplina em gp¥ ASG socigpane S! curtuaas termos da promocao das capacidades de produzit ¢ reconhecer textos verbais: desenvolver { j as habilidades de expzessio ¢ compreensio de mensagens 0 uso da lingua; conhecer o { | sistema linguistico [jo saber a respeito da Jinguas Soaes, 1976),

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