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COLABORAGAO Hermenéutica constitucional José Aurmepo pe Otivema Baracio Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, 1 — Introdusio A determinagao do sentido e alcance das expressées do Direito, processo que visa extrair da norma todo o seu contetido, realiza-se por meio da Interpretacao, que possui técnica e meios peculiares para atingir os objetivos da Hermenéutica. Carlos Maximiliano, a respeito dos ensinamentos da Hermenéutica, mostrava que sobre esta disciplina existiam capitulos breves em livros de Teoria Geral do Direito Civil. © jurista apontava, de ha muito, que os erros de interpretacdo cons- titucional, além de perturbar a vida politica do Estado brasileiro, provoca- vam dissidios entre os poderes piblicos, que comprometiam o prestigio das instituigdes. (+) Tal entendimento levou Carlos Maximiliano a realizar minucioso exame de Interpretacao do Texto Constitucional, em seus “Comentarios 4 Cons- tituigéo Brasileira”, ocasiao em que afirma: “Com as luzes da Hermenéutica, o jurista explica a matéria, afas- ta as contradicées aparentes, dissipa as obscuridades e faltas de precisdo, poe em relevo todo o contetido do preceito legal, deduz Gas disposigdes isoladas o prinefpio que Ihes forma a base e, desse principio, as conseqiiéncias que do mesmo decorrem. A interpretagio, no parecer de Vander Eycken, é a pesquisa do Direito, em um caso particular, com o auxflio de todos os dados de expressio juridica de que se dispoe. Se a respeito das leis ordinarias o trabalho do comentador é de grande valia, muito mais necessdrio se tornam as luzes de habil exegeta em face de um texto, por sua prépria natureza e pelo objeto colimado, essencialmente sintético e redigido em termos ainda mais amplos, CD Carlos Maximiliano, Hermenéutiea ¢ Aplicago do Dirtito, Livrarie Freitas Bastos, S/A, Rio de Janeiro, 1951, 5 ed., pags. VIZ, VIII, 13. R. Inf, legisl, Brasilio 0, 14 m. 53 jon./mor. 1977 13 A Constituigéo deve condensar principios e normas asseguradoras do progresso, da liberdade e da ordem e precisa evitar casuistica minuciosidade a fim de, se nao tornar-se demasiado rigida, § per: manecer diitil, flexivel, adaptavel a épocas e circunstAncias diver- sas, destinada, como é, a longevidade constitucional.” () Nao deixa este jurista de salientar as dificuldades que surgem, quando o hermeneuta passa a explicar e esclarecer o processo de elaboracao cien- tifiea do Direito Publico que, pela amplitude de seu conteddo, resiste a ser enfeixado em texto “A técnica de interpretagdo muda, desde que se passa das disposi- gées ordindrias para as constitucionais, de alcance mais amplo, Por sua propria natureza e em virtude do objetivo colimado, redi- gidas de modo sintético, em termos gerais.” (*) Ainda, entre os classicos do Direito Constitucional brasileiro, Aurelino Leal examinou dois temas fundamentais ligados ao assunto ora abordado: Interpretagéo e@ Construgao. Para este jurista, autor de “Teoria e Pratica da Constituigéo Federal Brasileira”, o tema € assim exposto: “Os constitucionalistas americanos servem-se indiferentemente, para explicar a lei suprema, das palavras in- terpretacéo e construgao, bem que haja uma distingdo entre elas. “Construgao e interpretagio, diz Bouvier, sdo geralmente usadas pelos escritores e pelas cortes como sinénimas, sendo ora empregada uma ora outra, Lieber, em sua “Hermenéutica Legal e Politica”, distingue entre as duas, considerando o circulo da interpretacdo limitado a0 texto escrito, en- quanto que a construcio vai além, e compreende casos em que os textos interpretados e a ser construfdos devem ser conciliados com regras de direito ou compactos ou constituicdes de superior autoridade. . .” (Bouvier's, Law Dictionary, verb. Construction). Black também acentua a diferenga: “Deve-se notar que este termo (construgao) é propriamente distin- to de interpretacio, embora ambos sejam muitas vezes empregados sinonimamente. Em sentido estrito, a interpretacio € limitada a exploragao do texto escrito, ao passo que a construgao vai além e pode recorrer a consideragoes extrinsecas” (Black, “A Dictionary of Law”, verb. Construction). “A interpretagéo 6 usada com o fim de descobrir o verdadeiro sentido de alguma forma de palavras, enquanto que a construgéo envolve a indugao de conclusdes relativas a assuntos que nao estao inclufdos na expressio clara” (‘Judicial and Statutory Definitions of Words and Phrases”, vol. IV, verb. Interpretation), ( Carlos Maximiliano, Comentérios 4 Constituicio Brasileira, Jacintho Ribelro dos Santos, Editor, Rio de Janeiro, 1923, 2° ed., pags. 89/90. (3) Carlos Maximillano, Hermenéatica © Aplicagio do Direlto, ob. cit, pég. 387. 1a R. Inf. degis!. Brasilia a. 14 u, 53 jan./mar. 1977 # notavel que varios tratadistas acentuem a distingéo e terminem adotando 0 emprego simulténeo dessas palavras de diferente significacio técnica. “Comumente, entretanto, diz Cooley, a palavra “construgao” é em- pregada em Direito em um sentido que compreende todo o circulo de ambas, quando cada uma é usada de modo estrito e tecnicamente correto” (Cooley, “Constitutional Limitations”, cap. IV, pag. 71). “Nao h4 divida que, por um lado, 0 processo 6 cdmodo por simplifi- cador. Entretanto, ndo é inutil ter em mente que a interpretacio prende o aplicador da Constituigao a disposicio controvertida e veda sair dela para ir buscar, em outras do mesmo estatuto ou de estatuto a ela ligado, a intengdo, o espirito que o interprete, defenda e sustente. A construgdo autoriza a sair do texto e a procurar, para os casos obscuros, uma soluc3o que os constituintes previram mas nao tornaram suficientemente clara, ou que nao previram (“in cases which not been fo- reseen by the framers...” Cooley, op. cit., loc. cit.), mas 6 preciso regular pela dutilidade de que 6 susceptivel o Direito. Esta fungio da construgio constitucional é importantissima: ela des- dobra a Constituicdo, age sobre a sua flexibilidade, construindo um direito logicamente contido nas disposig6es rigidas do instrumento”. () Esta preocupacio de autores classicos brasileiros pode ser percebida em livros que tratam de Direito Tributario, quando sio examinados temas de interpretagao e aplicagdo das leis tributarias: “Examinada a relevancia dos principios tributarios na interpreta 40, é oportuno salientar que jamais poderia qualquer hermeneuta chegar 4 legitima exegese, como qualquer érgao judicante, 4 exata interpretacéo e aplicagio da lei ou do regulamento tributario, sem obedecer aos principios constitucionals, pois como principios juri- dicos que so, e da mais alta categoria, subordinam tudo que se thes segue no campo do Direito Positivo.” (°) ‘A questao da interpretagao dos dispositivos constitucionais vem sendo destacada, ultimamente, na doutrina estrangeira, que procura salientar os métodos préprios ao exame da matéria, por meio de estudos sistematicos. Os estudos de Franco Pierandrei, Cappelletti, Crisafulli, Madugno, Pergolesi, Sandulli, Guarino e Pizzorusso, salientam a importancia da in- terpretagdo da norma constitucional na Itélia, a0 lado do exame da posicéo C4) Aurelino Leal, Teovia e Prétien da Consiitigto Federal Brasileire, Paria Primeire, (0 Federal. Do Poder Legislative (arts, 1 a 40), F. Brigulet © Cia,, Baltores, ‘Rio de Janeiro, 1925, pags. 7/8. ( 6) Ruy Barbosa, Nogueira, Ds Interpretagio o da Apllegho das Lela Teibutitisn, Jous Bushatsky, Editor, S60 Paulo, 1974, 2 ed, pig. 32, Miguel Lins © Céllo Loureiro, ‘Teoria © Rratica do Direiie Tributarie, Forenie, Rio, 1061, 1* e4, pag. 261; ‘José Naban- tino Ramos, Direlto Constitucional Tributario. Fatos Geradores Confrontantes, Edi- tore Resenhe Tributéria, S8o Paulo, 1975, pags. 39/40. R. Inf. legisl, Brasilia a, 14 n, 53 jan./mar, 1977 15 da Corte Constitucional no sistema da organizagéo constitucional do Estado. (*) Sandulli mostra que a Corte Constitucional tornou-se exigéncia na Itélia, intensificou o seu poder e est4 profundamente radicada na cons- ciéncia do povo italiano, A penetrago da Corte no corpo social foi um fato imediato, espont4neo e sentido, considerado uma das inovagées mais im- portantes da Constituigdo Italiana de 1947, pela repercussio no sistema politicojuridico: “Nel quadro della pitt vasta prospettiva della opportunita di un consuntivo di questi primi dodici anni di presenza della Corte nel nostro sistema politico-giuridico, mi propongo in questa occa- sione di fermare J’attenzione su un profilo soltanto: quello riguardante il modo in cui ha operato, nel dodicennio, uno dei raccordi essenziali della giustizia costituzionale, cost come é@ stata voluta e realizzata nel nostro paese: il raccordo tra la giuris- dicione comune e la giurisdizione costituzionale.” (") 2—~ Conceito de Interpretagéo Constitucional A Hermenéutica constitucional tem principios préprios do Direito Constitucional. Entretanto, nao abandona os fundamentos da interpretagao da lei, utilizados pela Teoria Geral do Direito, pelos magistrados ou pela administracio. Mostra Jorge Tapia Valdés que a Constituicéo, apesar de seu cardter superior, & lei e forma parte do ordenamento juridico total, daf que sua aplicagae pelo legislador, pelo juiz ou pelo administrador, assenta-se, tam- bém, em problemas interpretativos essencialmente iguais aqueles da lei comum. Principalmente no que se refere aos métodos, fins e resultados que influenciam a interpretagao. Qs problemas da interpretag%io constitucional sio mais amplos do aqueles da lei comum, pois repercutem em todo o ordenamento j 10. (6) Aldo M, Sandull!, Sulla posizione della Corte costituxionale nel sistema degil organi Costituzionale dello Stato, em Riv. trim. dir. pubbl., 1960, p. 705; idem, Natura, funzione ed effetti delle pronunce delia Corte costituzionale sulla legttttmita delle leggl. em Riv, trim, dir, pubbl., 1959, p, 25; idem La giustizia cost\tustonale in Italia, em Gtur, cost., 19% ; Crisaffulll, Le funzionl della Corte costiturionale nella dinamica del sistema: Guarino, Le slurispradensa, Corte Rass, dir, pubbl., 1964, p. 607; Pizzorusso, La motivacione delle deciatone della Corte costitnzionale: comandio o consigi?, em Riv. trim, dir. pubbl., 1963, pags. 348 © 2s; dem Recenaione o Ia glastiia cortitusonale, em Riv. trim. dir. pubbl, 1068, pée. (CD Aldo M. Sandulli, Rapporti ‘Tra Ginstisin Com Ttalis, Cedam, 1968, pAgS. 5, 6,7, 86 9. n6é R. Inf, legial, Brasilia @. 14, 53 jan./mar. 1977 Para Franco Pierandrei a interpretagao das normas constitucionais deve adequar-se 4 natureza fundamental dos motivos politicos e dos principios essenciais que servem de base a estes preceitos. Ja Linares Quintana esta- beleceu diversas regras particulares, que devem servir de orientagdo para interpretacdo dos dispositivos constitucionais, entre os quais deve-se des- tacar os que se referem ao contetido teleolégico ou finalista. (*) Para Hector Fix Zamudio, a interpretagio dos dispositivos constitucio- nais requer, por parte do intérprete ou aplicador, particular sensibilidade, que permite captar a esséncia, penetrar na profundidade e compreender a orientagio das disposicdes fundamentais, tendo em conta as condicées so- ciais, econémicas e politicas existentes no momento em que se pretende chegar ao sentido dos preceitos supremos. Conclui que a diferenca entre a interpretacao juridica ordinaria e a constitucional deriva da natureza especifica destas normas, Apesar de participar das regras de toda inter- pretagao juridica, possui aspectos particulares que lhe conferem autonomia, tanto dogmatica, como pratica. Os diversos conceitos de Constituigdo, a natureza especifica das dis- posigGes fundamentais, que estabelecem regras de conduta de carater su- premo e que servem de fundamento e base para as outras normas do orde- namento juridico, contribuem para as diferencas entre a interpretagio juridica ordindria e a constitucional. (*) De acordo com o método Iégico-normativo de Hans Kelsen, que esta- beleceu, através da hierarquia normativa, conhecida como “piramide juri- dica”, diferenciacao entre os diversos preceitos, existe um escalonamento de todas as disposicdes juridicas, que tém sua base e apoio de validez na norma hipotética fundamental. A estrutura bierarquica da ordem juridica de um Estado assenta-se na existéneia da norma fundamental — a Constituigio — que representa © nivel mais alto dentro do direito nacional. (°) (@) Jorge A. ‘Tapia Valdés, Hermenéutica Constitucional, La interpretacion de Is Constitnesén en Sudamérica. Editorial Juridica de Chile, Santiago do Chile, 1978, pags. 30/31. (® Hector Fix Zamudio, Algunes Aspectos de Ja Interpretacién Constituclonal en el Ordenamiento Mexicano, em “Comparative Juridical Review”, Coral Gables, Fiérida, vol. 11, 1974, pgs. 69 a 71; idem. Comunicaciones Mexicanas al VIII Congreso Internacional de Derecho Comparado, Instituto de Investigaciones Juridicas, Uni- versidad Nacional Auténoma de México, México, 1971, pags. 271 & 309; Car] Schmitt, ‘Teoria de a Constitucién, Edtoral Revista de Derecho Privado, Madrid, s/data, pége. 3 e ss; Karl Loewenstein, Teoria de ls Constituclén, Ediciones Ariel, Barcelona, 1970, 2* ed.. trad. de Alfredo Gallego Ansbitante, pigs. 149 e ss; Manoel Goncalves Ferreira Filho, Direito Constitucional Comparade. I. O Poder Constitninte, José Bushatsky, Editor, Editora da Universidade de Sio Paulo, Séo Paulo, 1974, pag. 115; Manuel Garela — Pelayo, Derecho Constituelonal Comparade, Manuales de Ja Revista de Ocldente, Madrid, 1951, 2% ed., pags. 73 € ss. (20) Hans Kelsen, Teoria General det Estado, Bditora Nacional, 8/A, México, 1961, trad. de Luis Legas Lecambra, pig, 885; idem Teoria, General del Derecho y del Eatado, Imprensa Universitaria, México, 1950, trad. de Eduardo Garcia Maynez, pigs. 128 ¢ 129; Lourtval Vulanova, Teoria Juridica da Revolugie (Anotagées & margem de Kelsen), em As Tendéncias Atuals do Direito Pablico, Estudos em homenagem $0 Professor Afonso Arinos Melo Franco, obra coletiva, Forense, Rio de Janeiro, 1976, ‘ig, 461 € 58, R. Inf, tegisl, Brasilia a. 14 m. 53 jan./mar. 1977 7 Este posicionamento da ordem juridica, que leva 4 unidade de uma pluralidade das normas juridicas, forma um sistema, que repousa final- mente sobre uma norma tinica, que é a fonte comum de todas as outras que pertencem a uma mesma ordem constitucional. A Teoria pura do Direito atribui 4 norma fundamental o papel de uma hipétese basica, que parte do entendimento de que esta norma é valida, bem como a ordem jurfdica que Ihe esté subordinada, j4 que a mesma confere aos atos do primeiro constituinte e a todos os atos subseqiientes da ordem juridica o seu poder de validez. Para Kelsen, esta estrutura hierdrquica da ordem juridica tem conse- qiéncias importantes para a interpretagao, desde que esta constitui a opera- ¢4o do espirito que acompanha o processo de criagdo do Direito ao passar de uma norma superior a uma inferior. Trata-se, no caso da interpretacio da lei, da aplicagéo de uma norma geral a um fato concreto. A Constituigio deve ser interpretada, quando se trata de aplicéla com a finalidade de sancionar leis ordindrias, leis de excegio, ou outras normas juridicas. A respeito dos métodos de interpretagio, Kelsen mostra que a Teoria do Direito positivo nao indica nenhum método ao qual se deve dar prefe- réncia, pois todos eles conduzem a uma solug%o possivel, e nfo a um resultado que seja correto e exato. Salienta que a teoria tradicional da interpretagdo parte do pressuposto de que basta certo conhecimento do Direito existente, para determinar os elementos que faltam na norma quando se trata de aplicdta, (4) A interpretagio constitucional 6 imprescindivel na manutencio do ordenamento juridico, desde que, conforme salienta Hans Nawiasky, com base na Constituicao as leis sao ditadas, e estas por sua vez autorizam a emissdo de atos executivos de carater geral, em forma de regulamentos, Cria-se uma verdadeira sucessdo, na qual a Constituicao ocupa o primeiro lugar, posto que sobre ela descansam as demais. A Constituigdo engloba, em vista de sua natureza, diversos componen- tes, sendo que Nawiasky dé destaque a trés: a) as normas sobre a organizacio do Estado, que determinam os érgios superiores e suas funcdes; b) os preceitos que ordenam a conduta dos cidadsos; ¢) regras relativas as préprias normas constitucionais. (2) Apesar das normas constitucionais servirem de base para todo o orde- namento jurfdico do Estado, ao qual propiciam unidade e harmonia, por meio de seus princfpios orientadores, a doutrina contemporanea salienta a (GD Hans Kelsen, Théorie Pure du Droit. Introduction 2 ta Science du Droit, Editions de la Baconniére, Neuchatel, 1953, trad. trac. de Henri Thévenas, pags. 113 a 147. G2) Hans Nowissky, Teoria General del Derecho, Ediciones Rislp, 8/A, Madrid, 1962, trad. de José Zafra Valverde, pégs. 62/63. ne R. Inf. legisl. Brosifia a. 14 n, $3 jon./mar. 1977 diversidade das disposigdes consagradas em textos constitucionais, conforme salienta publicista italiano que as discrimina em: a} disposigdes de principio, entre as quais se destacam as programa- ticas; b) normas preceptivas, aquelas que determinam a conduta dos desti- natarios, principalmente os érgaos do poder. (4) Acentua Hector Fix Zamudio que a interpretacao constitucional, apesar de pertencer ao género da interpretacdo juridica a que sio aplicdveis métodos elaborados para pesquisa do sentido das disposicdes normativas, tem cardter especifico, que Ihe dA autonomia, pois, além de conhecimento técnico bem elevado, exige sensibilidade juridica, politica e social, para atentar com o profundo sentido das disposigdes fundamentais. (4) A interpretacao constitucional ou no Direito Publico, para Themistucles B. Cavalcanti, nao é diferente das doutrinas aplicadas no Direito em geral, da mesma maneira que os métodos de interpretacio sao quase os mesmos: literal, l6gico, hist6rico e sistematico. Mas, mesmo assim, reconhece que no Direito Constitucional énfase especial deve ser dada a certos principios provenientes da natureza da norma e dos efeitos de sua aplicagao no terreno politico, que decorrem de peculiaridades que merecem ser consideradas. (+) Herman Pritchett, em capitulo dedicado a interpretagio constitucional, reconhece que o processo é de grande importancia, pois possibilita a modi- ficagdo gradual do conteudo dos preceitos constitucionais através dos tem- pos, para fazer frente 4s modificagées que ocorrem e as novas necessidades, permitindo que o recurso & reforma formal seja relativamente pouco fre- qiente. Para o constitucionalista americano, s4o estas as principais fontes da interpretacdo constitucional: 4) a intenedo do legislador constituinte; b) 0 sentido e a significacdo das palavras; ©) 0 raciocinio logico; d) a experiéneia ou o sentido politico da interpretagao. ('*) A interpretacio constitucional esta ligada ao sistema de Protecio da Constituicao, conforme podemos ver em trabalho de Lufs Sanchez Agesta, a0 definir as modalidades sob as quais o assunto pode ser examinado: a) Primeiro critério: toma por base aqueles que esto legitimados para promover a protecao constitucional: (13) Vezio Crisafulli, La Costituzione ¢ le sue disposiziones di principio, Miléo, 1952, page. 32 @ 58 © 51 e 56. (1 Hector Fix Zamudio, Algunos Aspectes de la Interpretacién Constitucional en et Ordevamiento Mexicano, ob. cit, pag. 74. (15) ‘Theméstoctes Brando Cavalcanti, De Controle da Constituclonalidade, Forense, ‘Rio, 1966, 1? ed., pag. 37. (46) C. Herman Pritchett, Lo Constituclén Americans, Tipogratia Editora Argentina S/A, Buenos Aires, 1965, pags. 63 & 70. R. Inf. fegisl. Brosilio a. 14 0. 53 jan./mor. 1977 n> — sistema que atribui a legitimagao a todos os cidadaos, condiciona- dos ou nao por um interesse: subjetivo, em forma de agio popular ou da excecdo de inconstitucionalidade, normalmente unida no sistema que atribui competéncia ao juiz ordindrio (Estados Unidos e, em parte, na Sufga, No- Tuega e Dinamarca); — sistema que atribui esta legitimacio a determinados érgios politicos, vinculado ao sistema de érgao politico especial e uma fungao de equilibrio ou controle do processo legislative (Franca); — sistema que dé esta legitimacdo a érgaos politicos e a todos os cidadaos, atrayés do juiz ordindrio (incidente), como questéo principal (Alemanha); — sistema que combina uma legitimagio restrita com uma instincia Popular. b) Segundo critério: quando a natureza do processo aparece como um perfil que define a instituigao: — sistema que acolhe procedimento judicial estrito, com instAncia e audiéncia das partes, prova, sentenga, inclusive com instancias recursais (sistema judicial americano); — sistema de atuagao politica, que sup6e instancia de érg4o constitu- cional legitimado e uma decisio em um procedimento anélogo ao adminis- trativo (sistema francés); —- sistema de decisdo politica, influenciado com decisdo técnica jurfdi- ca, que se adota com assessoramento de outro érgiao (sistema espanhol e, em parte, sistema da Commonwealth); — sistema preventivo, anterior 4 promulgacao da lei, a0 lado do siste- ma corretivo, posterior 4 sua promulgagio. ¢) Terceiro critério: tomando como base o 6rgdo que intervém no pro- cesso constitucional, podemos relacionar: — sistema jurisdicional do juiz de um Tribunal especial (Alemanha, Italia), onde surge um Tribunal constitucional, cuja missio principal e es- pecifica é realizar a protecdo constitucional (sistema judicial concentrado); — sistema jurisdicional do juiz ordinério (em parte, Estados Unidos), em que os juizes, que exercem a jurisdigio ordindria, apreciam o processo de constitucionalidade da lei, por meio de agao ou de excegio (sistema judi- cial difuso); — sistema do érgio politico especial ou sistema de controle especializa- ee, fom que se constitu umn 6rg2o, cujafungto expecta 6 realizar 0 controle -anga); — sistema do érgio politico ordin4rio ou do controle de soberania, em que esta competéncia é atribuida a um 6rgao polftico, que se destaca como 120 R. Inf. legitl. Brasilio a. 14 w. 53 jon./mor. 1977 supremo, pelas competéncias que lhe sao atribuidas, dentro do controle da constitucionalidade (Soviet Suprema da U.R.S.S.); — sistemas complexos em que se faz intervir varios 6rgaos, ainda que aum deles seja atribufda a deciséo em tltima instancia. (7) A interpretagéo constitucional esta ligada ao tema da aplicabilidade das normas constitueionais que, no sentido juridico, conforme explica José Afon- so da Silva, 2 qualidade da norma que tem possibilidade de ser aplicada, isto & que tem capacidade de produzir efeitos juridicos, Esta aplicabilidade depende de trés aspectos fundamentais ligados ao tema ora examinado: — a vigéncia, qualidade da norma que a faz existir juridicamente ¢ a torna de observancia obrigatéria; — legitimidade, quando esti de acordo, formal e substancialmente, com os ditames da Constituigio; — eficdcia; examinando-se a norma, conclui-se que s6 é aplicdvel se é eficaz, A eficdcia e a aplicabilidade das normas constitucionais sao temas conexos. (*8) 3. Regras de Interpretacéo Constitucional Linares Quintana, que, de acordo com Jorge Tapia Valdés, seguiu nesta matéria Carlos Maximiliano, procura sistematizar as conclusées da jurisprudéncia em geral e, especialmente, da Corte Suprema, ao retirar dessas decisdes as seguintes regras: a) Na interpretagdo constitucional deve sempre prevalecer o conteudo teleologico da Constituigao, que é instrumento de governo, além de ser instrumento de restrigao de poderes de amparo A liberdade individual. b) A finatidade suprema e ultima da norma constitucional & a protecio ea garantia da liberdade e dignidade do homem. ©) A interpretacdo da let fundamental deve orientar-se, sempre, para esta meta suprema. d) Em caso de aparente conflito entre a liberdade e o interesse do governo, aquela deve prevalecer sempre sobre este ultimo, pois a acao estatal, manifestada através de normas constitucionais, nao pode ser incom- pativel com a liberdade. e) O fim iltimo do Estado é exercer o mandato dentro de seus limites. (1) Q7 Luts Sanchez Agesta, El Recurso de Contrafuero y la Proteccién del Orden Cons- tituelonal, em Revista de Bstudios Polficos, Instituto de Estudios Politicos, jan/tev. 1972, n° 181, pags, 8/10. (1 Joab Agonao Ge Sve, Aplicabiiinde dee Norsas Constitecionats, tora, Revista , Sho Paulo, 1968, pags. 3, 35 8 51. ag) cerunde V, Linares Quintana, Teoria de Is Ciencia del Derecho Constitacional Ar- sentine y Comparado, Editorial Alfa, Buenos Aires, 1958, Tomo TT, pag. 469. R. Inf. legis, Brasilia a, 14 9, 53 jon./mar. 1977 121 Jorge Tapia Valdés acentua que Carlos Maximiliano aponta outras regras, de grande importancia, que nao foram consideradas por Linares Quintana, como: a) a énfase dada ao método histérico, que acentua a importancia em recorrer &s atas e outros documentos contemporaneos 4 formulagio da Constituigéo, para descobrir qual deve ser o significado dos termos técnicos usados pelo texto; b) o espfrito do Constituinte, que pode nfo estar claramente expresso no texto da lei suprema; ¢) quando a Constituigio determina as circunstancias em que pode ser exercido um direito ou aplicar uma pena, estas especificagdes impor- tam na proibicio de qualquer interferéncia legislativa, seja para sujeitar o exercicio do direito a condigdes novas, ou para estender a penalidade a outros casos. Ainda Maximiliano, citado por Jorge Tapia Valdés, define as regras de interpretacao e as atribuigdes dos Poderes do Estado, da seguinte ma- neira: a) Quando a Constituicéo confere um poder em termos gerais, prescreve um dever, outorga, implicitamente, todos os poderes particulares necessérios ao exercicio deste poder e ao cumprimento desta obrigagio. b) A funcao de interpretar a Constituigo é comum a todos os Poderes do Estado, em sua respectiva érbita. A faculdade mais ampla que podem ter os Tribunais tem por objetivo evitar as interpretagdes inaceitaveis. ¢) Os Tribunais sé podem declarar inconstitucionais os atos de outros poderes, quando o vicio 6 manifesto e no di lugar a dividas. (”) 4. As categorias de Interpretagéo Constitucional Acentua Hector Fix Zamudio que, quando fazemos referéncia a in- terpretagao juridica e dentro dela a constitucional, imediatamente nos vém a imagem os tribunais jurisdicionais, que assur-2m neste campo grande importancia. Entretanto, houve épocas em que a interpretagio em geral e, par- ticularmente, a relativa a disposicdes fundamentais era atribuigéo do legislador, sendo proibida aos tribunais. Justiniano procurou subtrair aos juizes a interpretaco da sua legisla- gio, tendéncia observada no racionalisno dos séculos XVII e XVII, através de Montesquieu. Para muitos, se ao érgio legislativo corresponde a interpretacio das disposig6es ordinarias, maior razéo existe para ser este o wnico corpo (20) Jorge Tapia Valdés, Hermenéutica Constitucional, ob, cit., pags. 36/97. 122 R. Inf. foglel. Brasilia @. 14 n. 53 jon./mer, 1977 capacitado para perquirir o sentido das normas constitucionais, dai a chamada “interpretagdo auténtica de carater constitucional”. Apresenta este autor as seguintes categorias de interpretagio constitucional: a) interpretagao legislativa; b) interpretagao administrativa; ) interpretagtio judicial; ¢) interpretagdo doutrinaria, @) on Interpretagao Legislativa A interpretacdo constitucional de carater legislativo. desde que Constituigao é escrita, n&o pode desconhecer que esta estabelece tanto 3 procedimento como o contetido das atribuigdes dos érgaos legislativos. Ao expedir disposigdes ordinarias, o legislador deve interpretar o aleance das normas constitucionais, pois toda norma secundaria deve estar em collformidade com o texto e os principios fundamentais da lei suprema. De acordo com este entendimento, as leis constituem aplicagio das dis- posicées constitucionais de criagdo juridica, pelo que os érgaos legislativos devem interpretar estas ultimas, para determinar seu alcance, ajustando-se a seu texto e ao seu espirito. A interpretagio legislativa das normas constitucionais, nem sempre, é definitiva, pois, normalmente, permite-se a reviséo judicial da constitucio- nalidade. (4) A interpretagio legislativa deve partir do exame dos temas referentes A técnica legislativa, que constitui a aplicagio do método juridieo & elabora- cdo das leis: “A técnica legislativa, tomada em seu sentido lato, envolve todo © processo evolutivo ‘de elaboracio das leis, isto & desde a ve- rificagio da necessidade de legislar para um determinado caso, até o momento em que a lei 6 dada ao conhecimento gerat. Desse modo, abrange ela, no seu conceito, nao sé as fases de iniciativa, elaboragao, discussao, sangdo, promulgaco, publicagdo e periodo de vacatio, mas também se manifesta em todas as opera- gdes que, em qualquer dessas etapas, se verificam.” 4) Examinando 0 processo legislative contemporéneo, Manoel Goncalves Ferreira Filho mostra que, para elaborar uma boa lei, ndo basta contar somente com o apoio de eficiente servico de informagao legislativa. £ (21) Hector Fix Zamudio, ob. cit., pags. 79 2 83. (22) Hector Fix Zamudio, ob. cit., pags. 83/89. (2a) Hésio Fernandes, Pinhelro, Téenles Lestlativa. Constitulgdes ¢ Atos Conaitucfonais do Brasil, Livraria Freites Basios 6/A, Ric de Janeiro, 1962, 2 ed., pags. 15/16. R. Ink, legisl. Brosilia @. 14 m. 33 jan./mar. 1977 erry preciso dominar a técnica juridica e seu vocabuldrio, com a finalidade de alcancar clareza e precisdo necess4rias para que a norma possa atingir 0 objetivo procurado. As deficiéncias de redacio sao principalmente ressen- tidas pelos juizes, jA que se presume de modo absoluto que “jura novit curia”. Dai decorre terem eles no raro de “extrair sentido do que nao tem sentido, conciliar o irreconciliével”, como dizia Lord Camphell. Essa defi- ciéneia, alids, repercute gravemente sobre o proprio da magistratura. De fato, suscita as discrepancias de opiniao nas varias Cortes e das varias Cortes entre si impedindo, muita vez, a cristalizagao da ju- risprudéncia. “Reagindo contra isso, o Parlamento inglés e 0 Congresso americano, por exemplo, cuidaram de estabelecer junto a si um corpo de téenicos, de juristas habituados 4 redacdo de projetos de leis, para melhorar o nivel dos textos postos em debate”. (*) Certos autores véem no controle de constitucionalidade exercido por érgaos de natureza legislativa uma aplicagao formalista da divisio dos poderes, além da conviccae de que deviam atribuir-se aos érgaos representa- tivos da vontade popular funcées de tal importancia, que os colocassem em posigéo superior aos demais. ) Hector Fix Zamudio conclti que a interpretacao constitucional, denominada de legislativa, é a que pode considerar-se permanente, desde que se efetue normalmente na atividade constante dos drgaos legislativos, ao discutir e expedir as leis ordindrias, assumindo esta forma o cardter de direta, posto que implica no exame imediato do texto e aplicagdo dos princfpios das normas fundamentais, Quando se realiza a funedo legislativa, este processo de interpretacéo nao pode ser tido como definitivo, desde que pode vcorrer a impugnagao da constitucionalidade das proprias leis, pelos 6rgaos do poder judicisrio federal. @) 6. Interpretagio Administratriva. Contencioso Administrative — Tri- bunais Quase Judiciais Qcorre a interpretacao administrativa na esfera constitucional, quando os érgaos do Poder Executivo, ao tomar suas decisées, ajustam seus atos, resolugées e disposigdes gerais, ao império dos preceitos constitucionais. Os titulares de cargos na administragdo efetuam interpretagdo constitu cional do tipo legislative, quando colaboram com os diversos érgaos legistativos, bem como nas ocasiées em que realizam atividades legislativas ou delegadas, ou mesmo quando expedem disposigdes regulamentares. (24) Manoel Gongaives Ferreira Pautlo, 1968, pags. 113/114. (25) Jorge A. Aja Espil, Jorge Alberto Losicer, Leeciones de Derecho Constitusional. ‘Teorlg Conatituclonal, Cooperadore de Derecho y Ciencias Sociales, Butnos Aires, Fuhho, De Processo Legislative, Edipio Saraiva, Sto 1971, pag. 216. (28) Hector Fix Zamudio, ob, clt., pags. 86/87. 124 R. Inf, legisl, Bravilio «, 14 =, 53 jan/mar. 1977 © ato administrativo deve estar inspirado no principio da legalidade, segundo 0 qual a autoridade administrativa deve ajustar-se as disposigoes legais aplicaveis, inclusive quanto aos aspectos discriciondrios. Esta legalidade do ato administrativo pressupde a conformidade deste com a disposigéo Jegal secund4ria e com o texto e o espirito das normas constitucionais. A autoridade administrativa, ao interpretar a lei aplicdvel, deve ajustala as disposigdes constitucionais. Tratase de interpretacdo consti- tucional indireta, de cardter administrativo, muito mais restrita do que aquela dos érgaos judiciais. (7) Ao examinar a auto-executoriedade do ato administrativo, indaga Cretella Junior dos seus limites, quando expe: “Executando imediatamente seus préprios atos, prescindindo do alicerce de um titulo habil executério, pode a Administracao agir livremente, sem obstdculos de qualquer espécie que lhe delimitem ‘0s passos? Ou ha restricées que se The fagam, impedindo o arbitrio administrative, incompativel, alias, com os princfpios que in- formam o denominado Estado de Direito? Eis 0 problema dos limites legais da executoriedade. Se tais barreiras nao existissem, estariam em jogo as liberdades piiblicas, porque a forca é, no Direito Administrativo, como, alids, em qualquer ramo do Direito, a “ultima ratio rei publicae”. “Em primeiro lugar, pois, temos a barreira legal, que restringe a execugao forgada da Administragao, quando esta, operando, po- deria ser fator de ameaca para as liberdades pitblicas.” @) A interpretacio administrativa, como decorréncia da Hermenéutica constitucional e da juridica, esta presente quando em discussao a validade do ato administrativo, bem como os pressupostos essenciais de sua legi- timidade: a) uma auténoma declaragio de vontade; b) agente capaz de emanar o ato: ©) forma admitida ou nao vedada em lei; 4) objetivo licito; e) existéncia de motivos legitimos; f) concreta atualizago da finalidade legat; 9) imparcialidade na execugio dos fins da lei. () (Eh) Hector Fix Zamudio, ob. cit., pags. 90/93. (88) Cretelia Junior, Do Ato Administrative, José Bushatsky, Editor, 860 Paulo, 1972, pigs. 08/80. (29) Miguel Reale, Revogagdo © Anulamento do Ato Administrative, Porense, Rio, 1968, 1° ed., pigs, 35/36. R. Inf, fegisl, Brasilia a, 14 m, 53 jan./mer, 1977 125 A atividade discricionaria, que supée certa esfera de predeterminagao legal e margem de liberdade de decisao, como se vé, nfo escapa ao prin- cipio da legalidade. Esta atividade desenrola-se dentro de certos limites, impostos pela ordem juridica, tendo em vista o lugar que ocupa a administracao publica na piramide jurfdica: “La gestion administrativa debe desarrollarse sujeta a la Cons titueién y a la ley. Los Iimites negativos de la administracién afectan tanto su actividad discrecional como reglada. Es también limite negativo el que resulta de las sentenciais dictadas por Ios érganos jurisdiccionales que hagan cosa juzgada. Aun cuando la jurisdiccién actué en el mismo piano que la admi- nistracién, ésta no puede, en ejercicio de su actividad discrecional, destruir lo que constituye la cosa juzgada jurisdiccional.” (*) A discricionariedade da administragdo nao esté acima do ordenamento juridico, Nao pode o administrador atentar contra as normas da Constitui- Gao, do mesmo modo que no deveré descumprir, na execugao de qualquer das leis promuigadas pela atividade legislativa, os preceitos ali estabele- cidos: “Cuando el administrador, consciente o inconscientemente, ir- rumpe con sus actos el limite estabblecido por cualesquiera de estas normas, el control jurisdiccional interviene para imponer rectamente el orden jurfdice violado. Los 6rgaos jurisdiccionales declaran la inconstitucionalidad del acto ditado por la actividad discrecional; 0 la ilegalidad, cuando se viola una ley general o especial”. (1), A anflise da interpretagdo administrativa est ligada aos sistemas de controle dos atos administrativos, pois estes processos influenciam nas modalidades de interpretagio. Seabra Fagundes, que nao encontra razio na classificagio daqueles que apresentam trés tipos de sistemas de con- trole, afirma que existem dois modelos, ao concluir: “Dois sistemas sao adotados atualmente para a pratica do con- trole_jurisdicional dos atos administrativos nas diversas orga- nizagdes politicas: controle pela jurisdicio comum e controle por uma jurisdigéo especial”. (*2) O sistema do contencioso administrativo resulta do controle exercido mediante tribunais constituidos para as situagées litigiosas em que seja parte a Administracio. (80) Manuel Maria Diez, EI Acto Administrativo, Tipogrifics Editora Argentina, Bus- nos Aires, 1056, pags. 50/51. (S1) Bartolome A. Piorin!, La, Discrecionalidad Alfa, Buenos Aires, 1952, 2 ed., pag. 168. (82) M, Seabra Fagundes, O Controle dos Atos Adminixtrativos pelo Poder Jadicthrte, dicho Revista Forense, Rio de Janeiro, 1957, 3 ed., pags. 182/138. em Ia Administracién Piiblles, Editorial legisl. Brasilia 0, 14 m, 53 jen./mar. 1977 Quando ocorre um caso contencioso administrativo, deve ser ele sub- metido ao julgamento de um tribunal, pois o Poder Piblico no pode gozar da prerrogativa de escapar ao regime das leis que governam a comunidade politica. Desde que o exercicio da atividade administrativa nao observa as leis, afeta direito ou legitimo interesse dos administrados, deve haver um tribunal que dirima o conflito com o particular, com a imposigio da norma violada. A jurisdigao do contencioso administrativo é revisora do ato adminis- trativo que motivou a contenda, por isto, s6 as questées que foram motivo de resolucao administrativa podem ser apreciadas por este tribunal con- tencioso. Procura-se manter o império da legalidade, perante tribunais especiais ou procedimentos especiais. Em certos Estados, como a Inglaterra e Estados Unidos, a jurisdigio do contencioso administrative nao ¢ diferente da atribuida ‘aos tribunais comuns, salvo em certas matérias administrativas, para cujo conhecimento foram criados érgaos jurisdicionais especializados. Na Franca, a jurisdigao do contenctoso administrative ¢ atribuicio de organismos administrativos, o Conselho de Estado e tribunais departa- mentais exercem a chamada “justiga delegada”. (*) Ruy Cime Lima, em capitulo dedicado a Justica Administrativa, afir- ma que os tribunais administrativos existentes no Brasil, ou funcionam sob a censura do Poder Judiciario, ocasiio em que apesar de decidirem, nfo julgam, ou tiram a competéncia de fontes diversas daquela de que promana, cireunstancia que ndo Ihes d4 semelhanga com tribunais juris- dicionais ou érgaos judicantes propriamente ditos. () O problema do contencioso administrativo vem merecendo artigos de publicistas brasileiros, conforme os elaborados por Cretella Junior e Dalmo de Abreu Dailari, Para Cretella Jdnior, a nog de contencioso administrativo 6 correlata a de justiga administrativa, que cria um sistema de jurisdigzo de compe téneia especifica limitado ao julgamento de demandas em que é parte ou tem interesse direto a Administragao. (%) Daimo de Abreu Dallari, ao examinar o Conselho de Estado e a Reptiblica, mostra como varios autores viram erro na abolic&o do Conselho de Estado, na pratica da vida republicana do Brasil, considerando a neces- (33) Manuel J, Argafiaris, Tratado de lo Contencloso Administrative. Tipogrifica Fdi- tora Argentina, Buenos Aires, 1955, pags. 23/25; M. Letourneur e J. Méric, Conseil Etat et Joridictions administratives, Librairie Armand Colin, Paris, 1955. (3® Ruy Cirne Lima, Prinefpios de Direlto Administrativo Brasileiro, Livraria Sulina, Porto Alegre, 1954, 3* ed., pég. 207. (35) José Cretella Junior, O Contencioso Administrative na Constituicéo Brasileira, Re- vista de Dirsito Publico, So Puulo, Jen-/margo, 1072, vol, 19, pas, 38; Celso ‘Agri- Barbi, Do de Segurangs, Belo Horizonte, 1960, u Sor ‘Do Mandado de Serurange, oss ushataiy, Baltor’ Sta Paulo, 1974, pags. € 88, R. Inf. fegisl. Brasilia a. 14 0. 53 jon./mar, 1977 Wa sidade de um érgdo de consulta e orientacao, que garantisse a permanéncia das diretrizes basicas e harmonia entre os érgaos do governo. (*). Benoit Jeanneau, em andlise da jurisprudéncia do Conselho de Estado, afirma que, na hipétese de um conflito entre um texto e um principio geral, © juiz administrativo deve esforcar-se, dentro do possivel, em assegurar a predominancia do principio sobre o texto. A interpretagao administrativa, em vista do sistema francés, & bem rica e cientifica, daf a contribuigéo que pode fornecer ao estudo do tema ora focalizado. 7) José Antonio Archila, em trabalho sobre o “Concepto de la Justicia Administrativa”, onde focaliza aspectos de interpretagao, afirma que a nogdo de justica administrativa deriva-se do carater das fungées do Estado, que submete seus atos e normas ao Direito. (*) No sistema brasileiro, a interpretagéo administrativa é muito importan- te, desde que, cuidando-se de seu desenvolvimento, poderé a Administragdo evitar varios litigios, que decorrem da aplicagéo das normas constitucionais e das dos demais ramos do Direito, quando relacionados com o Direito Administrativo, © administrado, lesado em seu direito ou interesse legitimo por ato da Administragao, pode utilizar “remédios juridicos", que existem na érbita administrativa, tais como os recursos por via administrativa ou recursos administrativos. () A Justica administrativa na Franga foi determinada pelo artigo 18 da lei de organizagio judieiaria de agosto de 1970, que fol sssim redigido: “Les fonctions judiciaires sont distinctes et demeureront toujours séparés des fonctions administratives, Les juges ne pourront, a peine de forfaiture, troubler de quelque maniére que ce soit, les opérations des corps administratifs, ni citer devant eux les admi- nistrateurs pour raison de leurs fonctions.” (#) (86) Dalmo de Abreu Dallar!, 0 Conselhe de Estado © o Contencloso Administrative no Brasil, Revista de Direito Piblico, Sho Paulo, jan/mar., 1970, vol. 11, pag. $8 (3D Benolt Jeanneau, Les Prineipes Généraux du Droit dans Ja Jurispredence Admi- nistrative, dition du Recuetl Strey, Paris, 1964, page. 143/160. (38) José Antonio Archila, Concepto de la Justicia Administrative, Editorial Renoci- miento, Bogots, 1993, péga, 8, 15. (39) Odete Mecauat, Controfe Adminietattro dae Autarquiag, José Bushataky, Bitr, 8o Paulo, 1976, pég. 108. (40) Jean-Marie Auby, Robert Ducos-Ader, Drott Publle. Drolt Censtitationnel. Libertéa abligues, Droit administratit, Bditions irey, 1974, pigs. 280/261; Marvel Waltne, ‘Traits Elémentaire de Droit Administratif, Recueil Sirey, 1062, 6 ed. ples 4 6 88; Pierre Wigny, Droit Administratit, Principes Généraux, Stablissements mile Bruy~ Jant, Bruxelas, 1053, pags. 431 e ss; Paul Dues e Gur Debeyre, ‘ratté de Droit «bales, Pais, 1082, pes "29 9 st; Joa Aleman da Bra, Cory de Direlto Coustituctonal, tora Revista dos Tribunais, S80 Paulo, 1976, vol. I Da Organagée Necional pags 219 6 220° 128 R. Inf, logisl. Brasilia @. 14 m, 53 jon./mer. 1977 A competéncia da jurisdigéo administrativa para todos os processos da administracao, desde a metade do século XIX, teve ali acolhida. A distin- ao entre os atos do poder piblico e atos de gestao, concepcao de origem alema, foi aceita pelo Conselho de Estado, sob o Segundo Império, quando ficou definido: -— que os Tribunais administrativos deviam conhecer somente dos atos nos quais a administrago utilizava suas prerrogativas excepcionais e intervinha como autoridade publica; — que os Tribunais jurisdicionais conservam a competéneia para todo ato em que os particulares devem cumprir determinada norma. No do- minio da responsabilidade, estao submetidos aos Tribunais Judicidrios os casos em que a administragdo nao utiliza prerrogativas excepcionais. Entretanto, esta distingdo é tida como artificial, desde que a atividade administrativa surge a todo momento, imbuida de atos de poder piblico e atos de gestio, (#) A tendéncia do Estado moderno para atribuir fungdes quase-jurisdi- cionais a érgaos da administragao, com a finalidade de aliviar o poder ju- diciério do exame de matérias puramente técnicas, vem sendo objeto de referéncias em estudos e mesmo decisées judiciais. O crescimento das fun- goes do Estado, o aumento da legislacio em volume e complexidade, leva ao reconhecimento da outorga de funcdes jurisdicionais a érgios da Admi- nistragéo: “A atividade jurisdicional relacionada com os modernos proble- ™mas sociais e econémicos, para nao redundar em denegacao de justica, teve que se flexibilizar pela supresséo do formalismo forense, tornando-se mais econdmica, mais rapida e mais bem aparelhada para a formulagéo de standards jurfdicos. Para a realizagio desses objetivos, duas praticas se impuseram — a delegacdo legislativa e a outorga de funcdes jurisdicionais a érgaos da Administragéo —, passando a constituir técnicas insubstituiveis, obrigaté- rias, necessérias, embora representassem tendéncia absolutamente contrd- ria aos mais s6lidos prineipios do Direito Constitucional. Relativamente 4 Inglaterra, Port informa-nos que as circunstdncias compeliram o Legislative a autorizar os érgos da Administracdo a trans- porem as suas fronteiras formais, para invadir n4o sé a esfera do Legis. Jativo, senio também, e sob novas formas, a do Judiciario. (*) Em acérd’o em que foi Relator o Ministro Bilac Pinto, 0 assunto é novamente examinado: “A. primeira argiligdo do recorrente & a de que o acérdio recor. ride teria se apoiado, quanto A prova do sinistro, na decisao do Tri- ‘4D Jean-Marie Auby, Robert Ducos-Ader, ob. cit., p&g. 264. (42) Bilac Pinto, Estudos de Direlto Piiblico, Edicho Revista Forense, Rio de Janeiro, 1958, pags, 251/252; Vietor Nunes Leal, Problemas de Direlto Puhiico, Forense, Rio, 1960, 1* ed., pags, 240 © ax, R. Inf, legist, Brasilia a. 14 m. 53 jan./mor, 1977 129 bunal Maritimo, érgio administrative que exerce funcdes jurisdi- cionais na matéria especffica sobre que versa a demanda. Essa alegagao da recorrente esté fundada numa velha concepgdo da “separacdo dos poderes”, sobretudo no que diz respeito ao exer- cicio da fung4o jurisdicional. A Constituigéo brasileira mantém, sem divida, 0 principio da uni- dade de jurisdigdo, que corresponde 4 supremacia do judicidrio. A interpretagio dessa regra fundamental, entretanto, deve ser feita a luz das transformagées sofridas pelo Estado em razdo de sua crescente intervengéo no dominio econémico e na ordem so- cial.” (**) A respeito do Tribunal Maritimo, demonstra esta decisio que é um Orgio auténomo, auxiliar do Poder Judiciério, mas que seus j entos nao fazem coisa julgada, podendo ser apreciados pelo Poder Jt e reformados se contrarios & evidéncia: “A criagéo do Tribunal Maritimo, érgao administrativo integrado por téenicos, a que se atribui competéncia quase-jt para o deslinde de questdes de direito maritimo, se insere na tendéncia do Estado moderno de aliviar as instituigdes judiciais de encargos puramente técnicos, para os quais ndo estado eles prepa- rados.” (*) A interpretagio administrativa 6 fundamental para 0 aperfeicoamento das atividades da administragdo, pois pode conciliar as garantias constitu- cionais com o crescimento das tarefas administrativas do Estado Contem- poraneo. Em matéria de interpretacéo administrativa, no que toca a protegdo dos Direitos individuais, contra os abusos:do poder da autoridade admi- nistrativa, a doutrina européia fornece excelentes subsidios, quando trata do poder discricionério, das fronteiras da legalidade e sobret do discer- nimento da ilegalidade administrativa. (**) 7. Interpretagio Judicial. As Cortes Constitucionais. A interpretacdo constitucional que se realiza pelos tribunais é da maior importaneia, principalmente nos Estados que se filiaram a corrente da re- visdo judicial dos atos de autoridade, ante os juizes ordindrios, segundo o (43) A Fungho dos Tribunals Quase-Judieials, Revista de Direlto Econdmico, Publicagko do Gonselho Administrative de Defesa Eoondmnlca — CADE, Ano 11, Nimero 4 ago./76, pig. (4 Revista de Diretto Eeonémico, cit, pag. 80. (45) Maurice Bourquin, La Protection des Droits indlviduels contre les Abus de Peavotr de Pauiorité administrative ex Belglqe, Htabisements fulie Briplant, Bruxeas 1912, pég. 78. 130 R. Inf. legisl. Brasilia . 14 w. 53 jon./mor. 1977 exemplo da Constituigéo dos Estados Unidos, ou mesmo perante um Tri- bunal especializado em matéria constitucional, como ocorreu com a Cons- tituigdo austriaca de 1920-1929, modelos que sdo sempre citados. (*) Jay A. Sigler e Robert S, Getz, a respeito do “Judicial Review” e ierpretation”, acentuam a posigio de destaque assumida pela Suprema ‘orte: “Among other things, the Constitution is a legal document. It is not surprising, then, that the federal courts, especially the Su- preme Court, have tended to treat the document as they do other texts; that is, they have assumed the power to interpret the tech- nical meaning of the constitutional text. (Courts regularly inter- pret contracts, wiels, and deeds; if they refused to do so, business would grind to a halt.) Other political agencies also interpret the Constitution, however, and the analogy of the Constitution to other legal documents in a imperfect one; for when one branch of government interprets the Constitution in a manner different from that of the courts, a cohision can be produced, To avoid this, and to assert the supremacy of their interpretation, American courts have developed the doctrine of judicial review, which per- mits them to strike down the action of another branch of govern- ment as “unconstitutional”. Through this exercise of judicial re- view and by the more normal process of judicial interpretation, the Constitution has been greatly altered and expanded. Judicial expansion of the Constitution by interpretation of its clauses has been a continual process.” (*7) A interpretagao judicial tem grande importancia na evolucio do sis- tema politico americano. O fator pessoal, através de alguns magistrados, cujas biografias revelam a importancia destes nomes na revisdo judicial, serve para revelar como notaveis personalidades influenciaram, através de decisées historicas vinculadas As atribuigdes da Corte como intérprete da Constituigao: — a Corte anterior a Marshall, tem pouco destaque; — a Corte de Marshall, em quatro célebres casos, afirma com éxito 0 poder da Corte para declarar a inconstitucionalidade das leis (Marbury y. Madison, 1803; Mc. Culloch v. Maryland, 1819; Gibbons v. Odgen, 1824; Dartmont v. Woodward, 1819); — a Corte de Taney, pela decisio infeliz no caso Dred Scott, ficou desprestigiada; — a Corte posterior a Guerra Civil, os presidentes Salmén P. Chase, Morrison R. Waite e Malville H. Fuller, bem abaixo do valor de Marshall; (ae) Hector Fix Zamudio, ob. cit., pag. 93. (4D Jay A. Sigler and Robert S. Getz, Contemporary American Government: Pro- lems and Prospects, Van Nostrand Reinhold Company, New York, pag. 139. R. Inf. legisl, Brasilia a, 14 0, 53 jon./mar. 1977 131 — as décadas de Holmes; — a Corte de Hughes e o New Deal. Para Herman Pritchett, no sistema constitucional norte-americano, as importantes questdes de politica assumem a forma de um litigio, pelo que chegam A Suprema Corte para decisdo. Por isto, a Corte, no seu entender, 6 fundamentalmente um tribunal de Direito Pablico, cuja funcao superior é determinar o sentido corrente da Constituigao. (**) Charles A. Beard mostra como nao foi tranqiiila a questio sobre a competencia do Judiciério para apreciar a legislagdo. A questo situou-se lebate sobre se os constituintes teriam afirmado, de forma inequfvoca, a * competencia da Suprema Corte para apreciar as decisées do Congresso e declarélas nulas, quando julgadas inconstitucionais, Os intérpretes procuraram ir as intengdes originais. Nao encontraram Tegistro completo da Conveng4o Constituinte, principal fonte para esclare- cer a questéo. Os comentaristas definiram quatro teses sobre a pretensio dos constituintes em definir os poderes do Judiciério. “1° — Os constituintes decidiram conscientemente que o Judicié- rio teria o poder de julgar os atos do Congresso, e isto afirmaram com palavras expressas no texto da Constituicao. 2° — Os constituintes julgaram, conscientemente, que tal decorria, por deducio normal, dos demais poderes conferidos a Corte e da légica de uma Constituigao escrita definindo um gover- no com limitagSo de poderes. 39 — Os constituintes ficaram indecisos sobre se deveriam outor gar 4 Corte o poder de revisio. A Convencdo terminou os traba- hos sem uma resolugao consciente sobre a matéria, e os conven- cionais se separaram com opinides diferentes sobre se revisao pelo Judiciario seria admitida ou nao. 49 —- Os constituintes examinaram a questdo da revisdo pelo Ju- dicidrio e decidiram omitila da Constituigéo, porque a maioria nao estava convencida de seu acerto ou ade.” Indaga Beard se os autores da Constituicéo Federal teriam a inter de outorgar & Suprema Corte o direito de julgar a constitucionalidade atos do Co! S80. Respondendo esta questéo, mostra que publicistas em assuntos juridicos concluem que a anulacdo das leis pelo Judiciério Fe- i Gm ©. Herman Pritohet, ob, clt. pags. 10/78; Pedro Salvetti Netto, Curso, de Polities. ‘Teoria do Extado, vol. I, Edltora Resenha Universitéria, So Paulo, 1978, pigs. 238/236; C. ‘A:Triclo Bittencourt, © Controle Juriadiclonsl da, Geustitedio™ nalidade das Leis, Folllon, Teorta do Feder « ia, Couaitniohs, Bditora Rio, Rio de Janeiro, 107, pga 85/97; Aliomar Beleetro, © Supreme Tribunal Federal, Esse Outre Desconhesido, Forense, Rio de Janel, 1963, 19 ed pgs. 42/57; Rul Barbosa, Coletines Jerid, Campania altora Nocional, S40 Paulo, 1928, page. 280/206, 132 R. Inf, legicl, Brasilia a. 14 w. 53 jon/mar, 1977 deral nao é autorizada, nem pela letra da lei, nem pelo esp{rito da Cons- tituigdo, sendo, por conseguinte, usurpacio. (*) Estas conclusdes nio impedem, entretanto, que trabalhos dedicados a0 assunto afirmem que, apés o caso “Marbury v. Madison”, em que a Suprema Corte aplicou pela primeira vez o principio da revisio judicial a uma lei do Congresso Nacional, ficou definida esta competéncia de «l- tima instancia. E caracteristica deste sistema que a legalidade de qualquer ato pode ser submetida a jutizo, sendo que existem normas t{picas para sua apre- sentacao: a) Writ of Mandamus: no caso “Kentucky v. Denison” (1861), 0 Estado de Kentucky peticionou um “writ of mandamus”, ordenando ao governa- dor de Ohio que entregasse um fugitivo da justica de Kentucky, que man- tinha jurisdicdo sobre o crime cometido. Esta decisio e outras, como “Mahon y. Justice”, constituem formas de acio em “casos de segregacado”, em que os Tribunais federais, com base em decisio da Suprema Corte, admitem negros em escolas de brancos. b) Injunction, Writ de Prohibicién: tem por finalidade peticionar ao tri- bunal que proiba uma acio, com a alegacao de que pode ocasionar um dano irreparavel. A decisio de “Mississipi v. Johnson” (1867) ocasionou uma demanda para proibir ao Presidente que desse cumprimento as leis de re- construcao, alegando sua inconstitucionalidade. A Corte decidiu que a jus- tiga ndo podia, de acordo com a regra geral, interferir no exercicio’ de certa discrigéo do Presidente, no cumprimento de suas tarefas. ©) Habeas Corpus: ainda que o direito de habeas corpus, garantido pela Constituicgo estatal, seja suprimido, os tribunais federais tem poder para aceitar peticio, baseada na alegacao de que a detencdo viola a Emenda XIV. © caso “Mooney v. Holchan” (1935) — lider operdrio condenado na California em 1916, por ter atirado bomba, que matou varias pessoas, apés muitos anos de sua condenagéo, apresentou na Suprema Corte um pedido de habeas corpus. A Suprema Corte indeferiu, afirmando que Mooney nao esgotara os procedimentos de que dispunha — apelacio — perante os tri- bunais estaduais. d) Declaratory judgment: adotado na maioria dos Estados americanos, teve sua origem no Direito Romano. Entende-se que nao é essencial que haja “querela”, para que o tribunal assuma jurisdicdo, pois a declaracio basta por si mesma. Ao contrario da “injunction”, nao é preciso demonstrar danos ou prejuizos, nem ameaga imediata de um dano irrepardvel. No inicio, foi utilizado para fixar direitos de propriedade, especial- mente com a descoberta de minas (Petition of Kariher, 1925), Medida re- conhecida como um meio de determinar direitos, de acordo com os mesmos procedimentos utilizados em caso que invoca a protecio do devido processo legal. (49) Charles A, Beard, A Suprema Corte e = Constituigé0, Forense, Rio, 1965, 1° ed., ‘pags. 10, 13, 15, 45 © ss. R. Inf, logist, Brosilic a, 14 m. 53 jan./mar. 1977 133 © exame destes assuntos nos permitem salientar as atribuighes da Suprema Corte, na interpretacdo da Constituigao e das leis. Citando Dodd — “Cases on Constitutional Law”, St. Paul, Minn. 1954, pag. 71 —, conclui com ele Carlos A. Gaviola: “as Constituigdes usam ge- ralmente linguagem ampla, que logra seu sentido através da interpretacdo judicial. Algumas cléusulas sao mais precisas e deixam pouco lugar A in- terpretagdo, ao passo que outras sio mais ambiguas ou indefinidas, pelo que deixam muita liberdade a respeito do assunto.” As cldusulas bem definidas apresentam um “standard”, objetivo, capaz de ser aplicado pelo tribunal, sem maior divida quanto a sua interpretacao, alcance ou limitacio. Outras clausulas sio de amplo alcance e pouco definidas, o que difi- culta os processos de interpretacao. (*) A interpretagao constitucional, através do pronunciamento de érgaos jurisdicionais, é de grande importAncia nos Estados Unidos, tendo em vista © papel que a Corte Suprema exerce no processo politico americano: “The argument the Court is politically involved is hardly new; ‘th’ Suprem Court follows th’ illiction returns”, said Mr. Dooley at the turn of the century. The current emphasis is, of course, consider- more sophisticated in technique, although, if we believe some of the lawyer-commentators on it, it is even more naive in its con- clusions. Perhaps the most explicit statement along these lines is that of Martin Shapiro, who asserts unequivocally that the Court is not “above and beyond the political process and able to ‘rotect it im- partially”, as other defenders, especially Euge V. , have claimed. Shapino says, “If the Court is outside the process, then it is undemocratic... If it is ... outside the process then it should not make policy decisions. In his view it is precisely because the Court pariakes of the political process that it may take a policy role.” (") Charles Evans Hughes, ex-presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, afirmava que este tribunal é peculiarmente norte-americano em sua concepgdo e em suas fungées, devendo pouco as instituigées judiciais anteriores, a nao ser a tradigao do direito e dos procedimentos judiciais anglo-saxénicos. (5) (0) Carlos A, Gaviola, El Poder de Ix Suprema Corte de los Estados Unidos, Tipo- grafic Editora Argentina 8/A, Buenos Aires, 1965, pégs. 29 a 52. (G1) Samuel Krislow, The Supreme Court and Political Freedom, The Free Press, New ‘York, 1968, pag. 14. (62) Carlos Sanches Viamonte, El Constituclonalismo, Sus Problemas, El Orden Juri- dice Positive, Supremacis, Defensa y Vigencla de la Constituclén, Rditorial Biblio- eriflca Argentins, Buenos Alres, 1987, pég. 215. 134 TR Inf. fegiel, Brasilia @, 14 nm. 53 jon./mer, 1977 Alipio Silveira, ao acentuar a posico da Suprema Corte na remode- lagem da democracia americana, seus poderes criadores, a Constituicao “Invisivel” e outros temas, mostra a posi¢io que este Colégio Judicial teve na interpretacdo constitucional: “A Suprema Corte norte-americana, ao interpretar a Constitui¢do Federal, nao se limitou a um trabalho gramatical e silogistico de exegese dos textos. Nao. As mos dos magistrados os textos constitucionais se desdo- braram num sentido mais amplo (do que aquele fixado pela an- gustia verbal) através do processo de “construggo”. Além disso, as lacunas e omissdes do legislador foram sendo preenchidas por construgées hermenéuticas audaciosas e originais. Acentuemos, de inicio, que h4 intima relacéo entre os poderes eriadores em matéria constitucional e 0 controle da constituci nalidade. Foi principalmente a tarefa do controle da constitucio: nalidade que fez surgir essa criacdo de Direito Constitucional. E isto se deu, nao sé porque esse controle exige a interpretacdo da Constituiggo, como ainda porque a maioria dos casos de interpre- tacdo da Constituicdo pelos tribunais se destina justamente 4 ope- ragdo desse controle, (*) A importincia da interpretagio judicial, através da evolugdo do em- prego da cldusula do “Due process of law”, que é compreendida como res- trigdo ao arb{trio do Legislalivo, é revelada quando este “standard” 6 apon- tado como guia para os tribunais. Esta expresséo serviu de fundamento para a construcio de jurisprudéncia de protegao dos direitos do individuo, Principalmente em matéria de garantias processuais, tema fundamental para configurar um sistema constitucional democratico: “Desse modo, a fungio politica do Poder Judiciério americano (fungao conservadora e unificadora) encontrou o seu pleno instru- mento, de que o “due process of law” foi parte construtiva fun- damental.” (#4) A moderna doutrina do “Due process of law” permitiu que o controle judicial nfo ficasse dentro de limites definidos e mencionveis, variando ‘a extenstio em que a Corte apreciaria os casos que Ihe fossem enviados: “Deixou de ser uma limitagdo a legislagao social, a decretacao de impostos e tarifas e 4 agao regulamentadora do governo em geral; 2) passou a ser (53) Al{pio Bulvetra, A Suprema Corte na Kemodtiagem da Democtacia Americans, em Estudos Juridicos em Homenagem a Vicente Rao; Editora Resenha Univer- sltéria, Sho Paulo, 1976, pag. 65, (60 F. ©. de San Tiago Dantas, Problemas de Direlto Positive, Estudos e Pareceres, ‘Bdigho Revista Forense, Rio de Janeiro, 1953, pégs. 37/64. R. Inf, legisl, Brositia @, 14 n, 53 jan./mar. 1977 135 aplicada como protecao nos casos que envolvam a liberdade de expresso, reunigo e religiosa, inclusive os direitos do trabalho, através da aplicacio de novos conceitos da liberdade de palavra; 3) restringe-se a aplicago da cldusula processual de “due process” como Limite 4 agéo administrativa, salvo nos casos de deportacdo de estrangeiros; 4) aceita-se sua invocacic para proteger, de modo geral, as pessoas acusadas de crime”. (*) A orientacao polftica da Suprema Corte de Washington tem sofrido diversas modificagoes, inclusive com repercussdes matéria recursal. A ‘substituigdo do antigo sistema de recursos, através do writ of certiorari ou da apelacdo, dotando-a de poder discricionério para determinar se uma causa apresenta questdes de interesse piblico, para que justifique que se avoque seu conhecimento, é tema de grande riqueza na interpretagéo da orientagio deste érgao. A controvérsia sobre as propostas de Franklin Roosevelt, para au- mentar o niimero de membros da Corte, tinha como finalidade valorizar a ago da Suprema Corte. Apés haver contribuldo para formar a unidade Politica e econémica daquele Estado, ela, que exerceu enorme poder desde © século XIX até 1985, limitando a aplicagio da legislagao federal e local, passa a atuar, de maneira decisiva, nas modificagdes de ordem social, para manutengao de vida comum justa e ordenada. Em 17 de maio de 1954, o Justice Warren proferiu sentenga uninime, condenando como inconstitucional a segregacao racial nas escolas piblicas (Brown v. Board of Education, 347 U.S.). Dentre as teses mais importantes expostas na Corte, nos Wltimos anos, est a de Hugo Black, acerca do cardter “absoluto” dos direitos pessoais. Para ele os Tribunais no tém o direito, nem a autoridade para rever have original, que consagra através da Constituigao os direitos funda- mentais, A Corte Suprema tem posicio fundamental no que toca ao direito & intimidade, “privacy”, nas dreas da vida pessoal em que o Estado, e con- seqiientemente a lei, néo pode transpor. Invocando este direito, a Corte declarou nula, em 1965, uma lei do Estado de Maryland que capitulava o delito de uso de prdticas anticoncepcionais. As diversas decisées da Corte Suprema, nos assuntos os mais varia- dos, mostram a sua influéncia na orientagao do regime politico. Burdeau utiliza a expresso “Justiga Politica” para mostrar a sua im- portancia nos diversos regimes politicos: “Tous les régimes ont institué des juridictions spéciales pour con- nattre des activités politiques contraires A Vintérét général de PEtat. Lexistence de cette justice politique se justifie au triple (35) Léda Hoechst Rodrigues, A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano, Edigho Revista Porense, 1988, pag. 229. 136 R. Inf, legisl, Brasilia o. 14 n. 53 jon/mar. 1977 point de vue de l'intérét du regime, car on estime que les juges ordinaires n’auraient pas l’indépendance nécessaire a l’égard @hommes qui ont été au pouvoir ou qui peuvent y revenir, de Yintérét de la magistrature qui exige quelle ne soit pas mélée aux controverses politiques, de I’intérét des accusés enfin dont )’acti- vité doit pouvoir étre appréciée par un organe compétent pour connaitre de toutes les circonstances. Ces justifications n’excluent cependant pas le caractére de juridic- tion d’exception des organes de la justice politique.” (6%) Apesar da importincia atingida pela Suprema Corte no sistema poli- tico americano, outros Estados preferiram instituir um 6rgao jurisdicional especial, com competéncia exclusiva. Kelsen foi o iniciador do modelo europeu do Tribunal Constitucional, divulgando, nessa ocasigo, o objeto da Justica Constitucional, (°") cuja fun: 0 pode ser enumerada de maneira sintética: a) tutela dos direitos fundamentais, frente 4 disposigio dos poderes publicos que venha tornd-los ineficazes; b) resolugdo dos conflitos de atribuigdes entre os érgaos do Estado, no exercicio de suas fungées; ©) controle das atividades iicitas dos titulares dos érgaos constitu- cionais; 4) controle sobre a legitimidade dos partidos politicos; e) controle da constitucionalidade das leis; #) litigios entre Estado Federal e os Estados membros; g) recursos dos particulares contra a lesao aos direitos constitucio- nais. O Direito comparado mostra como a Justiga Constitucional demonstra uma das experiéncias mais ricas, no que toca a interpretacao das expe- riéneias juridicas contemporaneas. A Justiga Constitucional, através da jurisprudéncia constitucional, na tutela do sistema normativo, com apoio em principio e normas constitucio- nais, atualiza, também, o ordenamento juridico. A Justiga Constitucional tem como objeto especifico matéria juridico- constitucional de um determinado Estado, Depende de uma forma tipica processual, que aprecia matéria constitucional. (6) Georges Burdeau, Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, Librairie Géné- rale de Drott et de Jurisprudence, Paris, 1972, pég. 612. (81) Hans Kelsen, La garantie jaridictionnelle de 1s Constitucion (La Justice Cons- Htutionnelle), Revue du Droit Public et de Ja Science Politique En Prance et & LiRranger, Paris, 1926, pig. 227; Mauro Cappelletti, 1 Controle Gluridiziario df Costituzfonalita ‘delle nel ‘airitto comparate, Miléo, 1973, pig. 4; Salvio de Figuetredo Teixeira, A na Alemanka Ocldental, Revista de Direito Processual, Uberaba, vol. 3, 9° trim., 1975, pag. 192. R. Inf. legist. Brosilia o, 14 m, 53 jon./mer, 1977 137 Este sistema tem precendentes na Constituicao austriaca de 1920 e na da Espanha de 1931, com a criagéo de novos érgdos constitucionais, com caracteristicas proprias, recebendo a denominacdo de Tribunais ou Cortes Constitucionais. (°*) Meuccio Ruini, nos trabalhos da Constituinte italiana, deu destaque & necessidade de se confiar a um érgio novo a fungao de controlar as leis. Afirmou que, adotando-se um sistema de Constituigao rigida, em lugar de confiar © controle 4 magistratura ordinaria, seria mais de acordo com os prinefpios democraticos, a criagdo de um 6rgao especial: a Corte Constitu- cional. (°*) O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha foi criado pela Lei Fun- damental de 23 de maio de 1949, que se contentou em editar os princfpios relatives 4 composigao e competéncia. A lei de 12 de marco de 1951 fez desse tribunal uma das pecas mestras do edificio constitucional de Bonn: “Selon le § It de cette loi, ce tribunal est une “Cour fédérale autonome et indépendante a l’égard de tous les autres organes constitutionnels” et on en a dédui quil constituait un véritable pouvoir constitutionnel et qu’il devait, par exemple, avoir son budget propre comme le Parlement lui-méme. Selon le § 31, “ies décisions du Tribunal constitutionnel fédéral s'imposent aux orga- nes constitutionnels de la Fédération et des Lander ainsi qu’é tous Jes tribunaux et a toutes les autorités” (alinéa 1); cette juridiction apparait ainsi comme la plus haute autorité de la République Fédérale. Enfin, le § 90 de cette loi a permis aux simples citoyens de saisir eux-mémes le tribunal lorsqu’ils prétendent étre lésés dans un de leurs droits fondamentaux, ce qui transformait profondé- ment le caractére de cette juridiction; ce recours constitutionnel (Verfassungsbeschwerde) des particuliers n’est devenu une attri- bution prévue par la Loi fondamentale que depuis Ja révision in- tervenue en 1969. Ces trois dispositions de la loi de 1951 ont permis an Tribunal constitutionnel fédéral de prendre une impor- tance croissante dans la vie politique allemande et de nombreux auteurs y ont vu le signe de V’apparition d'un véritable Etat des juges (Richterstaat).” (*) No Chile, a Reforma Constitucional de 1970 criou o Tribunal Constitu- cional, érgio sem precedentes na histéria politica daquele Estado, com (88) José Luiz de Anhala Mello. Da Separagio de Poderes & Guarda da Constitaile, 4s Cortes Constitucionais, Editors Revista dos Tribunats, 840 Paulo, 1968, (58) Diontsto Petriella, La Constituclén de la Republica Italiana, Asociacan Dante All- ghler!, Buenos Aires, 1957, pag. 244; Celso Ribeiro Bastos, Blementos de Diretto Edigfo Saraiva, 1976, pigs. 30/31; Giuseppe Branca, Collegialith nei Gludizi della Corte Costituzionale, Cedam, Padova, 1970. (60) Michel Fromont, République Fédérale ABemande. Le Tribunal Congtituclonnel Fédéral en 1970, Revue de Droit Public et de la Science Politique en France et & L'Stranger, noy., dez., 1971, n° 6, pags. 1441/1412, 138 R. Inf. legisl, Grasilis o, 14m, 53 jan./mar. 1977 quatro caracteristicas: 6 um érgao Estatal, Constitucional, Jurisdicional e Auténomo. (°") Joao Mangabeira, relator-geral do anteprojeto governamental apresen- tado & Assembiéia Nacional Constituinte em 1933, em capitulo denominado “QO Supremo Tribunal, como grande Orgao Politico”, ao fazer referéncia a expressdo que o “justice” Harlan, empregou no caso Downes v. Bidwell, qua- lificando a Suprema Corte, como “tremendous power”, resultado da visao larga e profunda de um “estadista judici4rio”, mostra como, aquela época, jA se conduzia para o destaque da funcio politica desta institui¢ao, no Brasil: “Inscrevendo no pértico do Poder Judiciério que “o seu orgio su- premo ter por missdo principal manter pela jurisprudéncia a unidade do direito e interpretar conclusivamente a Constituigao em todo o territério brasileiro”, o anteprojeto definia e realgava, desde logo, a formidavel funcdo politica desta entidade que decla- ra, sem apelo aos individuos, aos outros Poderes, aos Estados e 4 Unio, qual, no caso controvertido, a regra a que eles se devem submeter, obedientes ao mandamento da Carta soberana.” (‘) Focalizando aspectos do Poder Judicidrio americano e brasileiro, afirma Paulino Jacques que, I4 como aqui, foi sempre um poder politico de direito e de fato. Entretanto, 0 exame da Suprema Corte americana, através de sua participagao na evoluc3o daquele regime politico, mostra posiggo de maior relevo nesta matéria. (*) N&o se pode negar a elevada func3o do Supremo Tribunal Federal, principalmente como érgio encarregado de exercer a vigilincia e controle da validade das leis, face & Constituigao, bem como de defender o Direito Federal em face do Estadual e Municipal, contribuindo para interpretacio uniforme do sistema juridico nacional ou, ainda, como instrumento de pro- teciio das garantias constitucionais, pelo que podemos constatar por julga- dos daquela Corte, na area da liberdade de pensamento. (“) (6) Enrique Evans de 1a Cuadra, Chile, hacia una Constitucién Contemporanes, Trey reformas Constitucionales, Bditorlal Juridica do Chile, Santiago do Chile, 1973, pégs. 63/65. (62) Joho Mangabeira, Em torno da Constituicée, Companhia Editora Nacional, Séo 102. (63) Paulino Jacques, Aspectos do Poder Judiciério Americano ¢ Brasileire, “Revista de Informacho Legislativa”, Senado Federal, out/dee, Ano VI, Nimero 24, pag. 13. (GA) José Afonso da Silva, Do Reeurso Extracrdinério no Direite Processual Brasileiro Editora Revista dos Tribunats, 1963, pég. 17; Jolio Alfredo de Souza Montenegro, Extraordinério ° institucional, Civilizag », 1976, pag. Prefécio; Dalmo de Abreu Dallart, © Controle ‘de Comstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, LTR Edito- ra Ltda, 860 Paulo, 1971. R, Int. legisl, Brosilia o, 14 m. 53 jan./mer. 1977 139 Francisco Campos, examinando a competéncia do Supremo Tribunal Federal e o seu cardter constitucional, em trabalho importante para o estudo da interpretagdo das leis, acentua que existem diferengas entre o sistema brasileiro e 0 americano: “Para que, portanto, o recurso 4 Constituic¢ao americana e a ju- risprudéncia da Suprema Corte pudesse servir-nos de elemento de interpretacio do nosso texto constitucional, seria necessério que os dois textos se equivalessem em toda a sua extensdo, e que 0 mesmo motivo extraido da Constituigdo pela jurisprudéncia ame- ricana, pudesse s¢lo igualmente da nossa pelos nossos intérpretes. ‘Assim néio 6, entretanto, e, se o fosse, a légica do argumento deve- ria conduzir a colocar no arbitrio do Congresso toda a jurisdigéo de apelacdo do Supremo Tribunal.” (*) Alfredo Buzaid afirma que o Supremo Tribunal Federal tem, no Brasil, carater hibrido: a) assemelha-se ao Tribunal de Revisio da Alemanha, quando julga, mediante recurso extraordinério, as causas decididas em tnica ou Ultima instancia por outros tribunais ou juizes; b) exerce a fungio de Tribunal de instancia superior, ao julgar man- dado de seguranca e habeas corpus, decididos em nica e Gltima instancia pelos tribunais locais ou federais, quando denegatéria a sentenca; bem assim ao julgar recurso ordindrio as causas em que forem partes Estado es- trangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, de outro, Municipio ou pessoa domiciliada ou residente no Pais; ¢) assume a indole de Corte Constitucional, ao julgar agio pelo Procurador-Geral da Republica, tendo por objeto a declaragao princi- pal de inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo federal ou es- tadual. (**) Construtivismo Judiciério, 0 poder normativo do Supremo Tribunal Federal, ou a Criagdo de uma Corte Constitucional, sao temas que nos levam também as reflexdes em torno das principais questdes ligadas & Herme- néutica. (°7) (€5) Francisco Campos, Direite Constituclonal, Livraria Preitas Bastos 6/A, 880 Paulo, 1986, vol. I, pégs. 347/348, (66) Altredo Busald. Nova Conceituagke do Recurse Extraardinério a, Consttneto de Brasil, Revista da Faculdade de Direito, Imprensa da Universidade Federal do Parang, Curitiba, Ano 11, n° 11, de 1968, pag. 5¢. (6D Lulz Antinio Severo da Costa, A Reforma do Judiciério e outros estudes, Editor Borsol, Rio de Janeiro, 1975, pigs. 40 © a8. a0 R. Inf. lopiel. Broniie @. 14 n. $3 jon/mer, 1977 Aliomar Baleeiro, que salienta a fungao politica do S.T-F., defende a transformagdo do Supremo Tribunal Federal em Corte Constitucional, nos moldes da Corte Suprema dos Estados Unidos, com a missdo de eliminar os conflitos de poderes e garantir os direitos civis, ocasio em que salienta: “Ja @ tempo de desenvolver-se, no Brasil, a critica judiciaria das Universidades, Institutos de Advogados, livros e revistas especiali- zados, a exemplo do que ocorre na poderosa reptiblica irma do Norte, onde a bibliografia sobre a Corte Suprema acompanha, pas- so @ passo, as diretrizes e tendéncias dos julgados em cada fase em que periodizam a obra daquela instituicado. Isso explica que a nomeagio de um novo “Justice”, 14 6 um assunto que empolga toda a nagao ¢ suscita os mais vivos ¢ francos debates sobre as opinides e jufzos de valor dos candidatos”. (°) Na Franca, o “Comité Constitucional” de 1946, no que toca as suas atribuigdes, estava assentado em dupla missao: — fazia o papel preliminar de instancia ou de agente de conciliagao, para estabelecer o acordo entre a Assembléia Nacional e o Conselho da Reptiblica; — seguidamente, revestido de autoridade jurisdicional, estabelecia a conformidade da lei com a Constituigao. Os artigos 91 e 93 da Constituigdo viam neste procedimento uma espé- cie de revisao da Constituicao. (*) A Quinta Repiblica, através da Constituigdo de 1958, realizou uma cria- ¢&o original, o “Conselho Constitucional”, dotado de miiltiplas competén- cias, que o tornam um “regulador” das atividades dos poderes publicos. O “Conselho Constitucional” dispéde de dupla missao jurisdicional: — controla as consultas do corpo eleitoral; — conduz-se como tutor do parlamento. Este 6rgio vela pela regularidade dos referendos ¢ eleigdes, dai M. Debré denominalo de “instrumento moralizador”. (*) (68) Aliomar Baleetro. O Suoremo Tribunal Federal, Revista, Brastloita de Estudas Patt. tlcos, Belo Horizonte, UFMG, julho de 1972, n° 34, pég. 39; Mem, Ums Nova Estratura do Judiclirio e o STF, Revista Brasileira de Estudos Politicas, Belo Rorlzonte, UFMG, jullo de 10%, nie 41, pig, 93; O probleme instituelonal, — 6 — Baleeiro sagere a criagio de uma Corte Constitucional, Estado de Sio Paulo, 17 de malo de 1975, pig. 4. (69) Jeanne Lemasurier, La Constitution de 1946 et le Controle de Constitutionalité des Lois, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1953, pigs. 219 2 231 (70) G. Dupnis, J. George], J. Moreau, Le Conseil Constitutionnel, Librairie Armand Colin, Paris, 1970, pag. 5. R. Inf. legisl. Brosilia a. 14 m. 53 jon./mor. 1977 144 O exame da jurisprudéncia do “Conselho Constitucional” mostra a sua importancia, quando numerosas de suas decisées velam pelas garantias fun- damentais dos cidadaos, no exercicio de suas liberdades publicas. (7!) O exame destas instituigdes, de grande importncia nos diversos regi- mes pol{ticos, torna-se cada vez mais necessario, quando muitos acentuam & necessidade de adaptacdo dos diversos érgaos politicos as estruturas sociais, econémicas e administrativas de nossa 6poca. 8. Interpretagéo Doutrinéria Savigny mostrou a influéncia que os juristas tém sobre o direito positi- vo, 0 que qualifica de Direito Cientifico. E bem visivel a influéncia das contribuigdes doutrinérias na interpre: tagaio da Constituigao. Como exemplo, no México, cita Hector Fix Zamudio como a interpretagio das disposigdes constitucionais efetuadas pelos trata- distas Jevou a criagdo dos tribunais administrativos, antes de serem reco- nhecidos expressamente pela Constituicao. (**) A doutrina pode ser definida em dois sentidos complementares: — como o conjunto de opinides emitidas sobre o Direito, por pessoas cuja fungdo é estudé-lo, como os jurisconsultos ou juristas; ou — 0 corpo de juristas, professores, consultores, doutores em Direito, autores de teses ou monografias, advogados, magistrados, que expdem o Direito positive, dando sua opiniéo sobre a interpretagio de uma lei sobre 0 valor de uma deciséo da justica. (7*) Raymond Saleilles, de quem Francois Geny foi discipule e amigo, inau- gurou o perfodo da escola cientifica. Mas a posicio de Geny, ao estudar o método de interpretagio das leis, quando escreveu sobre a livre investigagio cientifica, merece ser destacada: “Liega necesariamente un momento en que el intérprete, despro- visto de todo apoyo formal, debe entregarse a si mismo para hallar Ja decisién que no puede rehusar (art. 49, Céd. Civ.). Ademis, aunque él escrute por la interpretacién propriamente dicha las disposiciones, exteriores a su juicio, para descubrir la direccién que en ellas se contiene, el jurisconsulto no juega un papel pura- mente receptivo o mecénico. Sus facultades proprias entran en accién para descubrir y emplear, a propésito de la formula que aplica, los elementos objetivos de todo género (v. anteriormente, nitmeros 102, 105, 119 y 122) que la comunican valor y la fecun- dan, De suerte, que tomando en su conjunto Ja organizacién ju- ridica positiva, podemos decir que la posicién central y normal del (1) Michel Dran, Le Controle Juridietionnel et Ia Garantie dea Lihertéa Librarie Générale de Droit et de Jurisprudence, Paris, 1988, pigs. 60/68, (72) Hector Fix Zamudto, ob. oft., pégn. 99/101. (78) Jean Brethe de la Gressaye, Marcel Laborde-Lacoste, Introduction Général a LEtude du Droit, Recueil Sirey, Paris, 1947, pag. 287. az R Inf, legisl, Brasilia @. 14 9, 53 jon./mor. 1977 intérprete consiste en una actividad personal, de la cual le inte- resa conocer los precedentes.” (4) Esta missio do intérprete contribui sobremaneira para a criagdo de desenvolvimento do direito. Através da livre investigagao cientifica, proces- so pelo qual o intérprete substitui a agdo prépria de uma autoridade posi- tiva e apdia-se nos elementos objetivos que s6 a ciéncia pode revelar, a Ciéncia Juridica enriquece-se. Os tratadistas cientificos, conforme mostra José Zafra Valverde, tém grande missio a cumprir neste tema, 0 dominio dos conceitos técnico-cienti- ficos, a capacidade de construgao sistematica, no manejo do ordenamento jurfdico, facilita a elucidacio das disposigGes constitucionais. (*) CONCLUSAO A interpretagio constitucional, além de pedir conhecimento técnico elevado, exige sensibilidade juridica, politica e social, para que possamos penetrar no verdadeiro sentido das disposigdes constitucionais e os reflexos das mesmas no ordenamento juridico global. Para José Zafra Valverde, a interpretago constitucional ¢ um dos te- mas mais delicados da Ciéneia do Direito Politico, apesar de reconhecer que para chegar a esta deve-se partir da interpretacdo juridica em geral. ("*) © intérprete deve buscar a conexdo sistematica das diversas partes da Constituigao, no exame dos aspectos organico-estruturais e funcional-atribu- tivos. A andlise da jurisprudéncia constitucional serve para refletir a isso politica e institucional dos Tribunais Constitucionais, bem como a influén- cia dos mesmos no desenvolvimento do regime politico 0 crescimento das atividades do Estado, bem como a complexidade da legislacdo, como ocorre com as leis econdmicas, ou a politiea de planeja- mento, tem dado superficie ao estudo da questo da “pluralidade de tribu- nais", com espectalizacao definida, que no podem desconhecer os direitos sociais, os direitos econémicos e 0s direitos culturais. (**) (14) Francisco Geny, Método de Interpretacién y Fuentes en Derecho Privade Posi- tivo, Editorial Reus (S/A), Madrid, 1925, pags. 520/521. (15) José Zatra Valverde, La Interpretacién de las Constituciones, Revista de Estu- dios Politicos, nov/dez., 1971, n° 189, pig. 49. (16) José Zafra Valverde, La Interpretacion de las Constituciones, ob. cit., pags. 36/90. (7) Cesar Enrique Romero, Introduecién al Derecho Constitueional, Victar P, de Zavalia, Editor, Buenos Aires, 1973, pags. 145/146; Alejandro Rios Espinoza, La Descentralizacién del Poder Jndicial Revista de la Facultad de Derecho de México, Universided Nacional Auténome de México, Tomo XXII, jan/fcv, 1972, nimeros 85/88, pigs. 220/221; Lourival Vilanova, Protege Jurisdicions? dos Direitos numa Sociedade em Desenvolvimento, Ordem dos Advogados do Brasil, SecgSio de Pernambuco, 1970, pig. 45/48. R. inf, fegiel, rosilia a. 14 m, 53 jon./mer. 1977 143 A interpretagao da Constituigao, além de levar a um mero fim especula- tivo de conhecimento, conduz, normalmente, a um objetivo pratico de apli- cagao das normas, dai o interesse de varios autores em fornecer estudos sobre técnica constitucional, sua formulag4o e aplicagao, bem como a ané- lise dos princ{pios constitucionais. (“*) Luis Recasens Siches fala.em um “Direito Novo”, tanto pela via legis- lativa e regulamentar, como também pela via consuetudinaria e jurispru- dencial, independente do idefrio comunista ou daquele dos rincipios que inspiraram as democracias ocidentais, com o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais do homem, ao lado do principio do “bem-estar para todos”, cuja influéncia se faz sentir na legislagao dos diversos Es- tados: “Tal espfrito de justicia social ha determinado que en las consti- tuciones de la inmensa mayoria de , a los derechos funda- mentales del hombre (libertades iticas) y del ciudadano (dere- chos democrAticos) se haja afiadido una larga lista de los llamados “derechos sociales, econédmicos y de educacién.” (**) As transformacées ocorridas no Direito Privado, o surgimento de novos ramos do Direito Publico, 0 Direito Econémico, o Direito do Trabalho, Di- reito Previdenciario e outros ramos, que cobrem dreas extensas das relacdes humanas, com a finalidade de reorganizar a convivéncia e a cooperagao, colocam diversas controvérsias, que precisam ser objeto de interpretacio constitucional e juridica em geral. () Para este autor, os principais problemas que surgem da aplicagio ju- tisdicional (judicial ou administrativa) do Direito sao essencialmente os mes- mos em todos os sistemas juridicos. Passando pelo utilitarismo de Bentham, pelo teleologismo de Ihering, pela “experiéncia pratica” de Holmes, pes “livre investigacao cientifica de Geny”, pela “ofensiva sociologista” Ehrlich, pelo “Direito livre” na Alemanha, pela “jurisprudéncia de interesse”, pela ‘“‘jurisprudéncia socio- Jégica” nos Estados Unidos (Benjamin Cardozo, Pound), pela “légica expe- rimental” de John Dewey, pela “revolugdo” propugnada por Joaquim Dual- de, pelo movimento do “realismo juridico” norte-americano, ou pela critica de Carlos Cossio, ou a fungao criadora da atividade judicial, mostra Recasens Siches a pluralidade de métodos de interpretagao, e como o tema suscita até hoje as mais diversas indagacées. (78) German J. Bidart Campos, Filosofia del Derecho Covaitaetona}, Bilar, Sociedad ‘Anonima Baitora, Buenot “Aires, 1969, pag. 188; Segundo V. Linares uintans, Constityelonal ¢ Institvctones Politicas, ‘Abeledo- Perot, Buence Aires, oto, Temo 1 pag. 804; Rafee! Castel SA, Sania Fé, argentina, 1961, pags. O48 a8 (1) Linty Rooasens Biches, Nagra Fesotin de te Taterproiactin del Derecho, Fondo de Cultura Eeonémioa, México, 1956, pg. 13 6 14. «80) Luts Revagens Sichos, Nueva Fllowafin de la Interpretacén el Derecho, ob cit, pags. 11, 12, 17. as A. Inf, fepisl, Bresitia «, 14», 53 jen./mar. 1977

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