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SEMIÓTICA JURÍDICA – A ANÁLISE DOS SÍMBOLOS PARA A INTERPRETAÇÃO DOS TEXTOS JURÍDICOS

SEMIÓTICA JURÍDICA - EL ANÁLISIS DE LOS SÍMBOLOS PARA LA INTERPRETACIÓN DE LOS TEXTOS JURÍDICOS

MARIANA DIONÍSIO DE ANDRADE


Valter Moura do Carmo

RESUMO
O pensamento necessita de organização linguística para bem expressar o discurso que se propõe a enunciar e, com a ciência jurídica, o
raciocínio deve seguir a mesma sequência. O presente estudo tenta demonstrar que o jurista deve submeter à criteriosa análise o sentido
da terminologia da qual se utiliza, mas, principalmente, reconhecer que a produção, a objetividade e a efetividade das normas dependem
de um rigoroso processo interpretativo, e que o Direito e suas normas não possuem positivação infalível. Nesse sentido, a pesquisa tem
por objeto o estudo da semiótica e a consideração dos elementos linguístico e textual do discurso jurídico como instrumentos de
interpretação e reconstrução do Direito, analisando, ainda, as dimensões da semiótica, aspectos da semiótica jurídica, a interpretação do
discurso jurídico, uma abordagem mais específica da matéria, no que diz respeito à interpretação constitucional e, finalmente, a
observação da semiótica no contexto da interpretação jurídica e da interpretação pragmática das normas constitucionais. A metodologia
utilizada na elaboração da pesquisa constitui-se em um estudo descritivo-analítico, desenvolvido por meio de pesquisa do tipo
bibliográfica; pura, quanto à utilização dos resultados; e de natureza qualitativa. A partir de pesquisas doutrinárias e bibliográficas,
conclui-se que, no momento em que o discurso jurídico passa a ser interpretado considerando-se a ampliação da interpretação do
fenômeno linguístico, é possível perceber que a norma vigente exige a intervenção interpretativa humana, consubstanciada na linguagem,
na comunicação e na semiótica, para delinear a compreensão da lei e determinar sua efetiva aplicabilidade.
PALAVRAS-CHAVES: Semiótica. Teoria da interpretação. Interpretação do discurso jurídico.

RESUMEN
El pensamiento necesita de organización lingüística para expresar mejor el discurso que se propone enunciar, y con la ciencia jurídica el
raciocinio debe seguir la misma pauta. El presente estudio intenta demostrar que el jurista debe someter a un análisis crítico el sentido de
la terminología que se utiliza, reconociendo que la producción, objetividad y la efectividad de las normas dependen de un riguroso
proceso interpretativo; que el Derecho y sus normas no son incontestables. En este sentido dicha investigación tiene por finalidad el
estudio de la semiótica y la consideración de los elementos lingüísticos y textuales del discurso jurídico como instrumentos de
interpretación y reconstrucción del Derecho Analiza también las dimensiones de la semiótica y sus aspectos jurídicos, la interpretación
del discurso jurídico respecto de la interpretación constitucional, y finalmente observa la semiótica en el contexto de la interpretación
jurídica y la interpretación pragmática de la Constitución. La metodología empleada en la elaboración de la presente pesquisa está
fundamentada en un estudio descriptivo analítico, desarrollada a través de exploración bibliográfica, de naturaleza cuantitativa y clara
cuanto a la utilización de los resultados. Partiendo de exploración doctrinaria y bibliográfica, se concluye que en el momento en que el
discurso jurídico pasa a ser interpretado –considerándose la ampliación de la interpretación del fenómeno lingüístico- es posible percibir
que la norma vigente exige la intervención interpretativa humana, consustanciada en el lenguaje, en la comunicación y en la semiótica,
para delinear la comprensión de la ley y determinar su efectiva aplicabilidad.
PALAVRAS-CLAVE: Semiótica. Teoría de la interpretación. Interpretación del discurso jurídico.

INTRODUÇÃO

Quando uma lei ou norma jurídica entra em vigor, é possível observar que passa a haver certa euforia no que se refere aos estudos
sobre essa lei, além das discussões e debates que se originam acerca de sua aplicabilidade, da atualidade quanto aos anseios populares a
que se presta, ou das mudanças que poderá ocasionar no ordenamento em que for adotada. Urge acentuar que o principal ponto de
convergência desses questionamentos perpassa, inevitavelmente, o campo da interpretação normativa, já que a busca para o sentido do
texto jurídico é de fundamental importância para sua compreensão e efetividade.

A partir dessa perspectiva, é premente compreender o estudo da semiótica no que concerne à interpretação legal, haja vista que o
objeto da semiótica é, justamente, o sentido depreendido do texto observado. A vontade do legislador, o contexto social em que a
norma foi elaborada, os reclames que pretende absorver, as questões que se propõe a dirimir e, principalmente, a efetividade almejada
pela norma, devem ser estudadas sob um olhar semiótico pela produção de sentido dentro das relações sociais, mister essencial da
construção do texto legal. A formatação dos artigos, a aplicação de teorias, os elementos e efeitos que produz tudo constitui foco de
análise sobre o discurso jurídico, análise esta que não pode dispensar a profundidade na leitura e interpretação sobre os critérios em
direito adotados.

Textos de cunho jurídico tendem a complementar-se mutuamente, revelando manifesto desejo de ocupar lacunas normativas. As
normas dialogam e estabelecem suas teorias entre si, contudo, manifesta-se evidente a necessidade de verificar a real intenção do
legislador, para que eficácia e sentido das normas não restem comprometidos. A observação sobre o sentido do discurso revela-se,
portanto, fundamental.

O presente trabalho tem como objetivo a compreensão da semiótica no contexto da interpretação, verificar seu estudo sob a
perspectiva da linguagem na interpretação do discurso jurídico, analisar as dimensões da semiótica, além de compreender os elementos
constitutivos do discurso jurídico e o lugar da semiótica na teoria da interpretação. Ainda, busca demonstrar as correspondências entre
os recursos linguísticos e a articulação da lógica jurídica.

1 SEMIÓTICA

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 5964
A linguagem é usualmente considerada como um sistema de comunicação simbólica, na qual os símbolos configuram-se como
entidades abstratas. (MATURANA, 1999, p.91). É assente que a linguagem é a base da comunicação. No entanto, há de se promover
uma análise mais profunda sobre os signos, que se organizam em códigos constituintes dos sistemas de linguagem, com a primordial
função de possibilitar a compreensão da dimensão representativa de objetos e fenômenos das inúmeras áreas do conhecimento humano.
Conforme Umberto Eco (1990, p. 19), “a semiótica é a disciplina que estuda as relações entre o código e a mensagem; entre o signo e o
discurso”. No que diz respeito à conceituação do estudo da semiótica, importante assinalar:

Semiótica (do grego semeion = signo) é a teoria geral dos signos. Segundo Peirce, signo é algo que representa alguma coisa para alguém
em determinado contexto. Portanto, é inerente à constituição do signo o seu caráter de representação, de se fazer presente, de estar em
lugar de algo, de não ser o próprio algo. O signo tem o papel de mediador entre algo ausente e um intérprete presente. Pela articulação dos
signos se dá a construção do sentido. (NIEMEYER, 2007, p.25).

Acentuando-se a ideia de que o signo seria a representação de algo próprio a substituir, no sentido de representar algo em certo
contexto, é interessante salientar a seguinte definição, que enuncia a posição de Charles Sanders Peirce, um dos fundadores do estudo da
semiótica:

[...] um signo pode ser definido como toda coisa que substitui outra, de modo a desencadear (em relação a um terceiro) um complexo
análogo de reações. Ou ainda, para adotar a definição do fundador da Semiótica, Charles Sanders Peirce (1839 – 1914): signo ou
‘representante’ é toda coisa que substitui outra, representado-a para alguém, sob certos aspectos e em certa medida. (PIGNATARI, 1973,
p. 26-27).

O signo deve ser considerado na qualidade do que é em sua essência, ou seja, elemento portador de significação. No entanto, o
significado nas ciências hermenêuticas apresenta-se de forma complexa, conforme problemática a seguir apresentada:

Com efeito, se existem duas significações que se sobrepõem, como alcançar, através da significação primeira a significação segunda? A
resposta a esta questão é fácil quando as duas significações podem ser apartadas, como no caso da alegoria, em que a relação entre a
significação primeira e a significação segunda é contingente e exterior. A significação segunda pode, então, ser expressa diferentemente;
em outras palavras, basta uma operação de tradução para fazer surgir a significação segunda, em toda clareza [...] mas o problema é muito
difícil quando a significação primeira, sendo acessível somente através dela, como no caso do símbolo. (LADRIÈRE, 1977, p. 35).

Na esfera da hermenêutica, é necessário defrontar a identidade entre sujeito e objeto. Este só pode ser delimitado e compreendido
por intermédio dos instrumentos inteligíveis fornecidos por aquele, do mesmo modo que o conhecimento adquirido sobre o objeto pode
reconstruir e modificar o sujeito que o interprete. (LADRIÈRE, 1977, p. 40). O mecanismo simbólico para análise do texto pode ser
aplicado a qualquer tipo de signo, no entanto, dependerá de um posicionamento pragmático para sua contextualização e busca de
sentido.

Segundo entendimento de Luis Alberto Warat (1995, p. 13-14), referente à semiótica enquanto ciência, “a semiótica seria, por
esta razão, uma teoria geral dos signos, reconhecida como disciplina na medida em que o processo de abstração produzisse juízos
necessários, que deveriam ser caracteres lógicos dos signos utilizados pela prática científica”.

Seria o signo, portanto, o resultado do somatório de dois fatores; significante, correspondente à parte fônica, pictórica, textual ou
de imagem provido de significação; e significado, representação, dentro de um sistema linguístico, do significante. Um ponto que
merece destaque é mesmo a falta de unanimidade quanto ao termo “símbolo”. Interessante salientar:
Em posição totalmente contrária à de Peirce e também à de Morris, Saussure distinguirá ‘signo’ e ‘símbolo’. O signo vai ser caracterizado
pelo ‘princípio da arbitrariedade’, enquanto que o ‘símbolo tem como característica não ser jamais completamente arbitrário; ele não está
vazio, existe um rudimento de vínculo natural entre o significante e o significado. Assim sendo, pode-se afirmar que o conceito de símbolo
em Saussure corresponde à noção de ícone em Peirce, implicando uma semelhança do significante com o objeto por ele denotado.
(NEVES, 1994, p. 21).

Deve a semiologia ser admitida como uma qualidade de metodologia capaz de estabelecer críticas aos próprios métodos de
interpretação. A análise feita a partir de princípios da semiótica coloca os métodos de interpretação como “códigos ideológicos para a
produção dos significados normativos”. Seriam, portanto, os métodos utilizados na semiologia, recursos para a redefinição mais
conveniente da palavra da lei. (WARAT, 1979, p. 93).

1.1 Dimensões da semiótica

Consoante assevera Ferdinand de Saussure (1995), trata-se a semiótica de ciência que compreende os símbolos de forma não
isolada, ou seja, em consonância com os demais símbolos com os quais convive, dentro de uma ótica mais abrangente, a partir de um
processo de significação ou representação. Os signos são compostos por denotação e conotação, significante e significado, que não se
distinguem nem permitem estudo separadamente. Essa postura epistemológica de Ferdinand de Saussure (1995), no que se refere a
estender possibilidades quanto à reflexão sobre sistemas de símbolos é, certamente, inovadora e ousada.

Deste mesmo modo, ainda é válido observar sua compreensão quanto às relações do signo, divididas em relações sintagmáticas e
paradigmáticas, denotando os contextos nos quais as coisas existem e dos quais seus sentidos derivam. Conforme exposto a seguir:

Relações sintagmáticas são as relações da linguagem onde cada signo mantém uma relação/associação com o signo que está antes e com o
signo que está depois. Relações paradigmáticas são as relações associativas, as associações que os seres humanos fazem com
determinadas palavras. Exemplos de associação: a palavra céu é associada a paraíso; a palavra mãe é associada a carinho.
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(MILHORANZA, 2009, on line).

Portanto, para Ferdinand de Saussure (1995), há dois tipos de relações entre símbolos, as relações sintagmáticas, nas quais cada
símbolo está associado a outros símbolos anteriores e posteriores; e as relações paradigmáticas, que compreendem a atividade humana
para associar certas palavras com significados congêneres, no intuito de conferir nova definição para os termos. (MILHORANZA, 2009,
on line). Nesse diapasão, interessante enunciar:

Na lingüística de F. de Saussure, as relações sintagmáticas opõem-se às relações associativas (Saussure não fala em relações
paradigmáticas). Os lingüistas estruturalistas propuseram a distinção entre eixo sintagmático (eixo horizontal de relações de sentido entre
as unidades da cadeia falada, que se dão em presença) e eixo paradigmático (eixo vertical das relações virtuais entre as unidades
comutáveis, que se dão em ausência). No primeiro eixo, abrem-se as relações que pertencem ao domínio da fala, por exemplo, os
elementos que constituem o enunciado Estou a ler estão numa relação sintagmática; a segunda, pertence ao domínio da língua, por
exemplo, leitura está em relação paradigmática com livro, leitor, ler, livraria, biblioteca, mas apenas um destes elementos pode ser válido
no enunciado produzido. Neste caso, todas as palavras podem ser comutáveis, dependendo do contexto e da natureza do enunciado.
Assim, no enunciado Estou a ler podemos comutar os elementos estou a por quero, detesto, vou, sei, etc.; e o elemento ler pode ser
comutado por comer, escrever, correr, saltar, conduzir, etc. Diz-se que todos estes elementos substituíveis estão em relação
paradigmática. Estas relações sintagmáticas e paradigmáticas não se limitam ao nível lexical ou gramatical do signo, mas abrangem
também o nível fonológico. (CEIA, 2009, on line).

Um processo semiótico pode ser observado sob três diferentes prismas ou dimensões, dentro do contexto apresentado pela
moderna teoria da linguagem, quais sejam: dimensão sintática, que compreende as relações formais dos símbolos entre si, não
necessitando de usuários e designações; dimensão semântica, que envolve relações de significado; e a dimensão pragmática, que analisa
relações entre o significante e aquele que utiliza os símbolos, ou seja, que projeta um sistema relacional entre os símbolos, além de tomar
por base a intersubjetividade comunicativa. (DINIZ, 2009, p.189). A esse respeito, resta enunciar:

Distinguem-se, então, as dimensões sintática, semântica e pragmática do sistema jurídico enquanto linguagem normativa em geral: do
ponto de vista sintático, ela vai ser caracterizada pela estrutura relacional deôntica, sendo o functor específico o dever-ser, que se triparte
em três submodais: o obrigatório, o proibido e o permitido; sob o aspecto semântico, dirige-se à realidade com a pretensão de dirigir
normativamente a conduta com interferência intersubjetiva; na perspectiva pragmática destina-se a orientar normativamente as
expectativas dos sujeitos de Direito. (NEVES, 1994, p. 141).

A dimensão sintática prescinde das designações, de modo que o foco de sua observação consiste na teoria da construção da
linguagem. Conforme Luis Alberto Warat (1995), no âmbito jurídico, é possível destacar que uma expressão está sintaticamente
organizada e bem formulada quando seu enunciado encontra-se amparado por fundamentos éticos e legais.

No que diz respeito à dimensão semântica, o enfoque principal refere-se à verdade verificada em uma expressão linguística que,
em seu bojo, deve conter informações que correspondam à realidade dos fatos.

A dimensão pragmática, trazida à baila pela retórica e pela dialética, arquiteta mecanismos que evidenciam que a dimensão formal
está parcialmente ausente, porque a norma é encarada como discurso decisório. Acerca das dimensões mencionadas, é válido mencionar
o seguinte conceito:

Na semiótica jurídica, a exemplo do que ocorre na semiótica, podemos identificar três diferentes dimensões: a semântica, a sintaxe e a
pragmática. Portanto, é possível destacar a existência de uma semântica jurídica, de uma sintaxe jurídica e de uma pragmática jurídica.
Seguindo este viés de raciocínio, a Ciência do Direito, entendida como metalinguagem que fala de uma linguagem objeto, que é o direito
positivo, pode examinar o seu objeto através da sintaxe, da semântica ou da pragmática (a dimensão escolhida vai depender da concepção
adotada por cada jurista). Assim, por exemplo, a investigação acerca da validade das normas jurídicas no pensamento de Hans Kelsen é
uma relação sintática. Por outro lado, mister frisar que como metalinguagem, a semiótica jurídica é utilizada para identificar as estruturas
lógicas do Direito. (MILHORANZA, 2009, on line).

É certo que os modelos de interpretação jurídica podem variar de acordo com os padrões jurídicos ou políticos por ela
assinalados, o que compreende, ainda, o contexto histórico no qual é feita a interpretação da norma. Cabe ao intérprete do direito,
portanto, descobrir o sentido que se apresenta nos textos jurídicos e normativos, adequando-os ao momento histórico de sua aplicação
ao caso concreto. (NEVES, 2006, p. 199).

1.2 Semiótica jurídica

O Direito, em sua tentativa de regular condutas socialmente admissíveis, não olvida, sobremaneira, a dinâmica dos
acontecimentos. Muito pelo contrário tem-nas previsto as prevê tão bem, que permite lacunas legais para sua análise, admite como
instituto o plano do dever-ser, e evidencia a complexidade dos fenômenos humanos nas reformas legislativas e na hermenêutica,
incentivando novas formas de interpretação das normas jurídicas.

Considerando a concepção do Direito como fenômeno cultural, dentro de uma ideia que analisa o fenômeno jurídico como
resultante do processo criativo do homem, é de enorme relevância afirmar uma postura não rígida ou hermética da interpretação
normativa. Ora, por tratar-se o Direito um produto da sociedade, é plenamente concebível que o mesmo contemple os fatos cotidianos,
a pluralidade e a integração de elementos da realidade. Esta seria, portanto, uma das principais motivações do estudo da semiótica
jurídica: a reflexão do discurso jurídico como um campo de conhecimento que não deve se manter apartado dos demais, já que seus
argumentos estão intimamente relacionados às necessidades humanas. Para corroborar o referido raciocínio, cumpre assinalar:

Somente a vida humana, que enquanto vida biográfica não é natureza, mas história, somente ela pode necessitar de normas que a
antecipem e pretendam regular. Somente a vida humana, porque não nos é dada feita, pode necessitar de um projeto de realização. [...]

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Assim, o direito é um fenômeno de cultura, ontologicamente qualificado, pois, como todo objeto cultural. Enquanto os objetos naturais
apenas são e os valores valem ou devem ser, os objetos culturais, e, mais explicitamente os de ordem normativa como o direito, são
objetos que, estabelecendo uma ponte entre o ser e o valor, o dever ser, são enquanto devem ser. (MACHADO NETO, 1979, p. 154).

A semiótica jurídica, importante instrumento de elucidação da linguagem jurídica, preocupa-se em destacar o relacionamento
dinâmico entre o sistema jurídico e os conjuntos de símbolos, com a precípua finalidade de reorganizar a compreensão e interpretação
do texto jurídico, no sentido de compreender, assim, o próprio Direito, de acordo com as relações humanas. Nesse sentido, a semiótica
jurídica atua como estudo sob a perspectiva da transformação e da influência da linguagem sobre os fenômenos jurídicos.

Sobre o conceito de semiótica jurídica, Mariângela Guerreiro Milhoranza (2009, on line), entende que “enquanto ciência geral dos
signos é uma linguagem que estuda outras linguagens. Nesse diapasão, a semiótica jurídica é uma metalinguagem que fala da linguagem
do Direito e da Ciência do Direito, ou seja, da linguagem utilizada pelos operadores do Direito”.

Há, ainda, de se ressaltar se seriam os argumentos suficientes para a plena compreensão do Direito. Provavelmente não, visto que
se quedaria infrutífera a análise semiótica sobre o discurso contido nesses argumentos, tão-somente. Restaria comprometida, por
conseguinte, a função da semiótica jurídica sobre a reconstrução a partir da interpretação dos sentidos e da linguagem.

Essa interpretação passaria a exercer a simples função de descrever fenômenos, sem participação ativa ou possibilidade de
reformulação. Urge asseverar, ademais, que o discurso jurídico deve ser interpretado sob a ótica da experiência social e do momento
histórico que propiciou sua elaboração.

2 INTERPRETAÇÃO DO DISCURSO JURÍDICO

Historicamente, a lei foi erigida a plano tão alto que passou a ser entendida como única fonte de Direito. Consequentemente
surgiu um problema que não fora anteriormente vislumbrado: a interpretação da lei. Dar-se-ia a mesma por processos lógico-dedutivos
ou seria o direito positivo a lei? A partir do referido contexto, a lei passou a ser analisada como objeto de estudos dentro de ordens de
pesquisas que variavam entre a lógica, a gramática e a sistemática. No entanto, com as alterações da vida social e com as consequentes
transformações, a interpretação normativa passou a ganhar caracteres mais lúcidos. A esse respeito, destaque-se:
Feita a lei, ela não fica, com efeito, adstrita às suas fontes originárias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. É indispensável
estudar as fontes inspiradoras da emanação da lei para ver quais as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá-la às questões
supervenientes. (REALE, 2006, p. 278).

O foco da interpretação do discurso jurídico é a observação do texto legal como detentor de significado, já que o sentido da
norma relaciona-se com a realidade dos fatos. Essa dimensão de interpretação que tenta compreender a origem da intenção do legislador
depende de aspectos como o momento em que a norma foi produzida, qual o seu objetivo dentro de determinado período histórico, em
que época situava-se o intérprete, a busca de equilíbrio entre posicionamentos clássicos e necessidades do mundo contemporâneo etc.
Sobre o assunto, importa asseverar:

A interpretação faz a ordem jurídica funcionar, sendo inerente a todos os escalões do direito. O legislador interpreta a Constituição,
quando vai produzir normas gerais. O juiz, o administrador e os particulares interpretam as leis, quando vão elaborar normas individuais
[...] Mas a interpretação tem em vista a adequação do direito às exigências histórico-sociais; neste sentido, ela funciona como um eficiente
instrumento de renovação e atualização do ordenamento jurídico. (ANDRADE, 1992, p. 18-19).

Esse processo torna-se particularmente mais visível quando ocorre no contexto da interpretação constitucional, seara na qual a
abstração normativa e o sentimento de indeterminação sobre o que está descrito configuram-se ainda mais evidentes. Daí a necessidade
de se vislumbrar a hermenêutica jurídica sob um estudo analítico, que considera limites e integração das normas aos fatos.

O exercício de compreensão das normas jurídicas e, especialmente, das normas constitucionais, exige particular atenção quanto
aos mecanismos e formas adotados para a interpretação do texto legal. Martin Heidegger (1999, p.218) explicita que “[…] toda
compreensão guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende.” Nesse sentido, não há
outra conclusão que não seja a de que, por intermédio da linguagem adotada pelas normas jurídicas, manifesta-se a necessidade de
relacionar discurso e sentido, para que seja eficaz o pronunciamento da norma e, principalmente, para garantir a materialização das
ideias que nela estão embutidas.

Constitui mister da hermenêutica jurídica a decodificação das normas, a interpretação das leis a partir de um aprofundado estudo
sobre o sentido do discurso legal, no que diz respeito à plenitude de seu conteúdo e à intenção do legislador. Contrariando a dogmática
jurídica positivista, adentrar ao campo da subjetividade reflete, por parte do hermeneuta, a busca por instrumentos que possibilitem o
conhecimento da verdade contida na norma. Se a linguagem legal ainda deixar lacunas, deverá o jurista indicar mecanismos para supri-
las. Sobre o conceito de interpretação, é válido assinalar:

A primeira ambigüidade do vocábulo interpretação decorre do fato de este poder corresponder tanto à atividade interpretativa como ao seu
resultado, ou, noutras palavras, ao processo interpretativo e ao produto que dele deflui. No entanto, as dúvidas mais significativas quanto
ao conceito de interpretação dizem respeito à interpretação como atividade, ou seja, ao processo de apreensão ou construção de um objeto
inteligível. (PEREIRA, 2006, p. 34).

O processo de interpretação ainda diz respeito à transformação, reconstrução ou redefinição do objeto interpretado. Seria, então,
a norma, resultado de um processo interpretativo? Será que a norma não constitui em si mesma, um significado? São questionamentos

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importantes e que devem ser esclarecidos a partir do estudo mais aprofundado do tema em comento, principalmente no que concerne ao
texto legal, que nem sempre apresenta suas ideias de maneira esclarecedora e evidente, abrindo margem à imprecisão. Para corroborar
tal afirmação:

De outra parte, são imprecisões significativas da linguagem jurídica que permitem o processo direto de redefinição. Para realizar tal
processo os juristas aproveitam-se da vagueza e ambigüidade endêmicas das palavras da lei utilizando-as como recurso interpretativo.
(WARAT, 1979, p. 95).

Martin Heidegger (1999, p. 219) propõe que “o discurso comporta a base de toda interpretação e proposição.” Ora, se o sentido
pode ser depreendido por meio da interpretação, denota-se que estará engendrado no próprio discurso. Entretanto, por tratar-se a
interpretação de um processo complexo, é necessário avaliar os significados e suas derivações. Sobre o referido, é pertinente assinalar a
observação seguinte:

Algumas teorias da crítica contemporânea afirmam que a única leitura confiável de um texto é uma leitura equivocada, que a existência de
um texto só é dada pela cadeia de respostas que evoca e que, como Todorov sugeriu maliciosamente (citando Lichtenberg a propósito de
Boehme), um texto é apenas um piquenique onde o autor entra com as palavras e os leitores com o sentido. Mesmo que isso fosse verdade,
as palavras trazidas pelo autor são um conjunto um tanto embaraçoso de evidências materiais que o leitor não pode deixar passar em
silêncio, nem em barulho [...] Interpretar um texto significa explicar por que essas palavras podem fazer várias coisas (e não outras)
através do modo pelo qual são interpretadas. (ECO, 1993, p.28).

É possível depreender, portanto, que a atividade interpretativa depende da compreensão real do significado, e que o estudo do
sentido encontra abrigo no contexto de vivências e experiências de cada indivíduo aliado ao conhecimento linguístico.

2.1 Interpretação constitucional

Trata-se a interpretação constitucional de tarefa complexa, pois, a partir da compreensão que recebe, a norma que compõe o texto
constitucional pode vir a ter seu sentido adaptado a padrões completamente diversos do seu real objeto. Nas palavras de Luis Alberto
Warat (1979, p. 93), “interpretar a lei implica sempre na produção de definições eticamente comprometidas e por isso, persuasivas”. A
preservação do sentido originário da norma não deve ser vista apenas como aspecto de um conservadorismo cético. Muito pelo
contrário, deve ser vista como um mecanismo para resguardar a intenção do legislador e dos critérios utilizados para formular seu juízo
valorativo, principalmente no que concerne aos direitos e garantias fundamentais. Sobre a hermenêutica da interpretação constitucional,
cumpre citar o seguinte:

A interpretação constitucional é uma modalidade de interpretação jurídica. Esta, por sua vez, pertence ao domínio da hermenêutica, que,
na dicção de Emílio Betti, é a ciência do espírito que se ocupa da atividade de interpretar. [...] O propósito da hermenêutica era,
inicialmente, resgatar o sentido perdido dos textos, desvelando o seu significado autêntico, que o tempo obscurecera. (PEREIRA, 2006, p.
24-25).

Afirma Karl Larenz (1997, p. 479) que, “como as normas constitucionais precedem em hierarquia todas as demais normas
jurídicas, uma disposição da lei ordinária que esteja em contradição com um princípio constitucional é inválida.” Ademais, deve o
processo de interpretação constitucional ser eminentemente político, com um número elevado de intérpretes, no intuito de garantir a
pluralidade e melhor análise dos critérios de interpretação constitucional, dentro de princípios democráticos. (HÄBERLE, 1997, p. 14).

A Constituição, na qualidade de instrumento garantidor do Estado Democrático de Direito, merece especial apreciação, mesmo
que a natureza de suas normas seja congênere à de outras normas do ordenamento. A esse respeito, válido é colacionar o seguinte
entendimento:

Em princípio, no Estado Democrático de Direito, o procedimento oficial de interpretação constitucional está aberto a todas as
interpretações que emergem na esfera pública, mas o seu resultado importa sempre uma seletividade que rejeita expectativas relevantes.
Daí porque se torna complexa a questão da legitimidade da interpretação constitucional [...] Em relação à Constituição, que é mais
abrangente na dimensão material, pessoal e temporal, essa situação acentua-se. Considerando que no Estado de Direito predomina o
princípio da interpretação conforme a Constituição, as questões jurídicas, ao ganharem direta ou indiretamente um significado
constitucional minúsculo, carregam um forte potencial de conflito interpretativo. (NEVES, 2006, p. 204-205).

Dentro de um sistema democrático, esse cuidado quanto à interpretação deve ser intensificado, para que o cidadão comum tenha
acesso à linguagem exarada pelas normas e para que possa se reconhecer como sujeito de direitos, quando da compreensão do
significado da norma. Há ainda de se ressaltar que a norma jurídica, quando não interpretada e compreendida em seu sentido, torna-se
discurso vazio, cuja aplicabilidade resta comprometida.

3 O LUGAR DA SEMIÓTICA NA TEORIA DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA

A evolução humana e o recurso ao uso da linguagem são objetos que se complementam. Por mais diversos que sejam os
mecanismos de expressão utilizados pelo homem, nenhum ultrapassa a linguagem no que tange à flexibilidade e poder de comunicação
que exerce, ou na importância que desempenha. (PALMER, 1969, p. 22). Historicamente, a interpretação revela-se como atividade de
considerável valor na seara dos significados e da linguagem. Conforme Umberto Eco (1993, p. 4) essa relevância caracteriza-se pela
longevidade dentro do pensamento ocidental, em particular no que se refere à atribuição de significado para a Palavra de Deus, do
contexto bíblico e das percepções relativas ao espírito humano.
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Justifica-se, assim, pela própria evolução da humanidade, o estudo da compreensão, a hermenêutica, a avaliação do ato de
interpretar, a reconstrução do diálogo e a busca pelo conhecimento por intermédio da apreensão do sentido das coisas. Para ilustrar o
referido, é relevante acentuar:

Consideremos por um momento a ubiqüidade da interpretação e a generalidade da utilização da palavra: o crítico literário chama
interpretação à análise que faz de uma obra. Chamamos intérprete ao tradutor de uma língua estrangeira; um comentador de notícias
‘interpreta’ as notícias. Interpretamos, por vezes erradamente, uma observação de um amigo, uma carta de familiares, ou um sinal da
estrada. Na verdade, desde que acordamos de manhã até que adormecemos, estamos a ‘interpretar’. (PALMER, 1969, p. 20).

O processo semiótico depende, portanto, da interpretação. Não que o fato de interpretar ofereça o mesmo sentido a diferentes
discursos, mas permite a compreensão do Direito por meio de sua linguagem, respeitando-se as particularidades inerentes ao discurso
jurídico. Conforme Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani (1997, p. 33), “interpretar é fixar o alcance de uma norma jurídica,
numa determinada época e dentro de um determinado grupo social, visando a sua posterior aplicação.” Configura-se, portanto, que a
interpretação da norma jurídica capta, além do sentido, as transformações e circunstâncias sociais. Saliente-se a esse respeito:

A interpretação jurídica cria, assim, condições para tornar decidível o conflito significativo, ao trabalhá-lo como relação entre regras e
situações potencialmente conflitivas. O que se busca na interpretação jurídica é, pois, alcançar um sentido válido não meramente para o
texto normativo, mas para a comunicação normativa, que manifesta uma relação de autoridade. Trata-se, portanto, de captar a mensagem
normativa, dentro da comunicação, como um dever-ser vinculante para o agir humano. (FERRAZ JÚNIOR; MARANHÃO, 2007, p.
274).

Mas a interpretação não é completamente livre, e possui critérios. Estabelecer que a interpretação, na qualidade de característica
básica da semiótica, é ilimitada, não significa enunciar a ausência de objeto ou lógica. (ECO, 1993).

A finalidade da lei possui seu valor garantido pelo legislador, mas esse mesmo valor pode ser reconhecido não apenas por nexos
de causalidade, mas também, por um processo de compreensão da norma posta. Quedar-se-ia infrutífera uma norma sem a correlata
compreensão de seu sentido, bem como pareceria destituída de valor a norma com texto carecedor de efetividade afinal, consiste a
interpretação da lei, em designar seu sentido e valor no contexto em que esta se fizer presente. Nesse diapasão, importa destacar:

É verdade que os sentidos objetivos são construídos em cada contexto específico de uso, mas os sentidos construídos socialmente passam
a ter uma força que ultrapassa a vontade ou a disposição subjetiva do eventual intérprete ou utente. Portanto, na interpretação jurídica, não
se trata de extrair arbitrariamente de uma infinidade de sentidos dos textos normativos a decisão concretizadora, nos termos de um
contextualismo decisionista, mas também é insustentável a concepção ilusória de que só há uma solução correta para cada caso, conforme
os critérios de um juiz hipotético racionalmente justo. A possibilidade de mais de uma decisão justificável à luz de princípios e regras
constitucionais parece-me evidente. O problema está exatamente em delimitar as fronteiras entre as interpretações justificáveis e as que
não são ‘atribuíveis’ aos textos constitucionais e legais no Estado Democrático de Direito. Como veremos, não se trata de limites estáticos,
uma vez que metamorfoses normativas sem alteração textual podem conduzir à mudança das fronteiras entre os campos das interpretações
legítimas e ilegítimas. (NEVES, 2006, p. 206-207).

Nesse sentido, é válido assinalar que não consiste a interpretação em único método de compreensão do real sentido da norma. A
interpretação não é o todo necessário em sua amplitude, mas apenas um elemento no processo de concretização da norma. (MÜLLER,
2005, p. 47).

Ainda, é necessário assinalar a distinção entre a figura do cidadão comum e a do jurista, no que concerne à interpretação
normativa. O primeiro o faz ordinariamente, buscando a compreensão apenas sobre o que está posto, sobre o que lhe fora comunicado
pela letra da lei. O cidadão comum capta o sentido da norma, no intuito de orientar suas ações. Enquanto o jurista pressupõe que, no
discurso normativo, são fornecidas razões para agir de um modo ou de outro. Isso que vem a estabelecer sua postura diante de um
amplo espectro de possibilidades, e envolver o direito como um fenômeno complexo. (FERRAZ JÚNIOR; MARANHÃO, 2007).

3.1 Elementos do discurso jurídico

O discurso jurídico, relacionado ao texto argumentativo e à dissertação, necessita de uma linguagem em que se suponha a defesa
de determinada tese, sustentada por argumentos capazes de formularem um juízo de valor sobre os fatos aduzidos e ensejarem o
convencimento. Para a defesa de uma tese, o jurista pode utilizar-se de argumentos teóricos, princípios destacados em leis e costumes e,
inclusive, das palavras de autoridades científicas no assunto sobre o qual planeja garantir a credibilidade do posicionamento. A análise
do discurso, orientada linguisticamente, pressupõe uma abordagem sobre os elementos que o constituem e que não são independentes
entre si. Sobre a análise do discurso, destaque-se:
A análise do discurso, ao lado de estudos tipológicos, trabalha na elaboração de modelos teóricos capazes de descrever a produção
discursiva enquanto processo lingüístico, em níveis teóricos mais abstratos que aquele do tipo de discurso realizado. (PIETROFORTE,
2008, p. 31).

A linguagem é um mecanismo de expressão de opiniões, de defesa de ideias e esclarecimento de posturas, de tal sorte que a
maneira como é utilizada pode torná-la mais ou menos acessível ou convincente. A respeito do uso de linguagem, cumpre destacar o
seguinte:

Na tradição iniciada por Ferdinand [de] Saussure (1959), considera-se fala como não acessível ao estudo sistemático, por ser
essencialmente uma atividade individual: os indivíduos usam uma língua de formas imprevisíveis, de acordo com seus desejos e suas
intenções, uma langue (língua) que é em si mesma sistemática e social. (FAIRCLOUGH, 2008, p. 90).

* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 5969
Sob a ótica linguística, o ato de interpretar consiste em estabelecer uma nova definição quanto ao significado das palavras contidas
na letra da lei, possibilitando, desse modo, sua aplicação em situações não vislumbradas anteriormente. Por intermédio da linguagem
expressam-se dados e valores comunicáveis, e, por esse motivo, é possível compreender que cada ciência possui seu tipo de linguagem,
adequada à realidade de suas características e funções. A terminologia jurídica, correspondente à temática abordada pelo presente
estudo, merece especial atenção pela íntima correlação com os fenômenos sociais que se propõe a tutelar. Conveniente ressaltar:

Inegavelmente, a linguagem jurídica, enquanto um tipo de linguagem ordinária ou natural especializada, e não uma linguagem artificial,
ambígua e vaga, o que dá ensejo a interpretações divergentes. Tal assertiva, que se tornou um lugar-comum, sendo adotada pelas mais
diversas tendências da teoria do direito, não deve ser assumida sem uma avaliação específica das particularidades da sociedade moderna.
(NEVES, 2006, p. 204-205).

A evolução do discurso adotado na linguagem jurídica justifica-se pelo fato de que o direito possui uma linguagem particular e
normativa. O direito possui sua própria linguagem e resta evidente que necessita dela para sua existência, assim como ocorre em outros
ramos da ciência. No entanto, deve o direito ser recepcionado com particular interesse, haja vista que atua, dentre outras funções, como
agente de controle social, estabelecendo condutas socialmente aceitáveis e disciplinando comportamentos normativamente descritos.

Não se trata a semiótica, de um processo puramente mecânico. A compreensão da norma, nos caracteres de linguagem em que é
disposta, é depreendida do discurso jurídico, que deve muito da construção de seu sentido à hermenêutica. Assim como uma norma
jurídica, para ser compreendida, necessita de clareza e polidez em seu discurso, a definição de termos e expressões utilizados no direito
deve restar eivada de precisão.

Quando ausente a clareza quanto à definição ou significado real da norma, considerando-se, evidentemente, padrões éticos e a
realidade social em que a mesma é evocada, emerge a possibilidade de corrupção da prática jurídica e consequente diminuição de
direitos. A coerência das decisões tomadas pelo magistrado depende dessa compreensão, principalmente no que tange às peculiaridades
do caso concreto, que exigem a aplicação da norma. Ora, a proteção dos direitos individuais do homem subentende a criação de
circunstâncias que lhe permitam a oportuna busca pela prestação jurisdicional que se fizer conveniente em cada caso. No entanto, se a
linguagem jurídica existente nas normas não é interpretada coerentemente, ou se a sensibilidade do aplicador da norma não atinge o caso
concreto em suas particularidades, o direito e a justiça, objetivos máximos da ciência jurídica, tornam-se palavras despidas de sentido e
efetividade.

3.2 Interpretação pragmática das normas constitucionais

Para iniciar o tema proposto, é necessário observar o disposto no artigo primeiro da Constituição Federativa do Brasil de 1988,
conforme segue:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I- a soberania;
II - a cidadania;
II - a dignidade da pessoa humana;
[...]

O teor do discurso constitucional referente ao citado artigo não esclarece ou enuncia o conteúdo significativo do termo “dignidade
da pessoa humana” no que tange à definição, por exemplo, do que se poderia constituir um padrão de dignidade a ser erigido como
fundamento do Estado Democrático de Direito. É possível inferir, a partir da leitura, que a referida expressão denota uma especial
atenção do Estado para com a condição de dignidade do ser humano, no entanto, o diploma constitucional permanece silente quanto aos
critérios que formulariam a ideia de dignidade da pessoa humana, quanto ao que pode ser considerado digno ou indigno. Determinado
cidadão comum, trabalhador, provedor de seu sustento e de sua prole, mereceria maior proteção do Estado que um indivíduo
marginalizado e em diferente situação, ou, pelo contrário, ambos receberiam igual amparo constitucional? Sobre a interpretação das
expressões descritas pelo texto constitucional, urge enunciar:

Outro exemplo é o tratamento interpretativo que se dá à expressão: ‘direitos do homem’. Tomada literalmente, por interpretação
especificadora, a expressão haveria de referir-se apenas ao ser humano, em sentido psicofísico. A doutrina, contudo, para atingir um
espectro maior de proteção, dá-lhe uma interpretação extensiva. (FERRAZ JÚNIOR; MARANHÃO, 2007, p. 310).

Enquanto a interpretação semântica das normas constitucionais objetiva delimitar a significação de seus postulados, extraindo os
possíveis significados apenas por intermédio da leitura, em abstrato, do texto da norma, encarando a norma jurídica tão-somente como
um texto a interpretação pragmática é realizada no plano dos argumentos, desdobrando-se sobre um caso concreto, para a elaboração da
norma jurídica. (MENDES; MOREIRA, 2008). Sobre o assunto, importa destacar:

A interpretação pragmática visa elucidar o significado da norma em atividade, perante um caso concreto, caracterizando-se, portanto, pelo
seu dinamismo e complexidade. Ela transcende o significado estático do texto normativo, sendo indicada exatamente para a exegese de
preceitos com elevado grau de abstração e generalidade, prenhes em conceitos indeterminados, para a solução de conflitos entre princípios
e direitos fundamentais, enfim e sobretudo para casos difíceis. (MENDES; MOREIRA, 2008, p. 99).

A partir do exposto, é possível compreender que a utilização da interpretação pragmática representa grande evolução, no que
concerne ao alcance da eficácia das normas constitucionais, principalmente no que se refere à materialização dos direitos fundamentais.
* Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza - CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010 5970
Quando os preceitos constitucionais não favorecem a plena compreensão do que está descrito em seus dispositivos, ou quando não
expressam de maneira evidente seu sentido, a eficácia da norma resta comprometida, o que aduz essencial importância ao auxílio de
elementos complementares ao texto constitucional, para elucidar seu sentido e corroborar para sua compreensão.

Sob o aspecto pragmático, a comunicação não se constitui em ato isolado, não é apenas o envio de mensagens entre receptor e
emissor. Trata-se de um processo contínuo e ininterrupto de trocas de mensagens. Esse momento do processo de comunicação, pela
terminologia positivista, poderia ser denominado por normas jurídicas. (MARTINS, 2004). Interessa anunciar o seguinte exemplo sobre
a possibilidade de se vislumbrar a dimensão pragmática da semiótica, nas relações normativas:

No cometimento da norma individual fixada pelo juiz está a relação de autoridade estabelecida entre o juiz e o jurisdicionado. Essa
relação, nessa norma, é indiscutível. Essa relação de autoridade consiste, porém, no conteúdo do relato da norma que estabelece a
competência do juiz para editar a norma individual e concreta. Em outras palavras: o cometimento de uma norma é o conteúdo do relato de
uma norma anterior. Fala-se em ‘norma’ para fins de simplificação, mas – insiste-se- se está no plano pragmático, a relação aqui é entre
discursos normativos: uma relação entre o aspecto relato de uma norma e o aspecto cometimento de outra. (MARTINS, 2004, p. 186).

Nesse diapasão, é possível perceber que, na esfera pragmática, a validade não diz respeito a uma relação entre as normas, mas sim,
entre discursos.
CONCLUSÃO

A pesquisa realizada demonstrou a possibilidade de considerar a semiótica jurídica como proposta de compreensão de um discurso
jurídico, bem como sua contribuição para que o conhecimento deixe de ser considerado particular de uma esfera hermética. O excessivo
formalismo das instituições, e também do próprio Direito, afasta a tradução de elementos jurídicos baseados em expressões da
manifestação cultural da sociedade em que estão inseridos.

A busca de sentido, no discurso jurídico, é justificável pela dificuldade de elucidar questões decorrentes da interpretação da
linguagem destacada na esfera normativa. Ademais, é notório que a terminologia quase inacessível do Direito, mesmo crescente e
exaltada pelas academias, constitui óbice que vem a comprometer a eficácia da prestação jurisdicional, resultando em descrédito por
parte do cidadão comum. Urge salientar que essa aparente obscuridade tem o condão de gerar consequências, principalmente no que diz
respeito às decisões judiciais, que se tornariam despidas de efetividade sem a correlata interpretação e compreensão do discurso jurídico.

A metodologia empregada é resultante de pesquisa bibliográfica, pois abrange as referências já tornadas públicas em relação ao
tema de estudo, como pesquisa por intermédio da consulta de livros, publicações especializadas, artigos jurídicos e dados oficiais
publicados na Internet, em sítios eletrônicos especializados, além de consulta a fontes doutrinárias existentes acerca do assunto. O
presente artigo buscou analisar os aspectos que envolvem a interpretação constitucional, a semiótica como conceito, as dimensões da
semiótica, a semiótica sob a perspectiva jurídica, bem como os elementos que constituem o discurso jurídico, a análise semiótica na
teoria da interpretação.

A leitura do Direito, a partir da construção de argumentos que validem a aplicação das leis e legitimem o sentido das normas é
prerrogativa do cientista jurídico, pois denota apurada reflexão sobre a prática legal e, eminentemente, sobre a filosofia do direito.

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