Você está na página 1de 10
A definic4o semantica nos dicionarios Bernard Pottier “La définition sémantique dans les dictionriaires”, Travaux de Linguistique et de Littérature Romanes, Ul, 1, 1965, pp. 33-39. Reprodugo autorizada pelo autor e pelo Centre de Philologie et de Littératures Romanes, Université des Sciences Humaines de Stras- bourg, Franca. a pe ae RN No seu artigo intitulado ‘‘Au seuil de la lexicographie”, M.P.IMBS carac- terizou bem o contetdo da maior parte das definigdes dadas pelos diciondrios: “Uma categoria representa necessariamente um ‘género préximo’, de compreen- sSo mais abstrata e mais geral que a palavra a ser definida, e ela sé se torna o equivalente dessa palavra pela indicagao da ‘diferenca especifica’. Portanto, uma defini¢&o compreende necessariamente, e no minimo, dois termos.””* Por nosso lado, analisamos 0 contetido semantico de uma “palavra’’ distin- guindo quatro tipos de definidores: semema, classema, arquissemenas, virtuema’. O semema*', ou conjunto dos semas* distintivos, corresponde em parte as ‘diferencas especificas’ de M.P. IMBS. O classema, ou conjunto das classes con- ceptuais gerais**, aparece raramente (demais) nas definicdes. O arquissemema, ou 1. Cahiers de Lexicologie, 2, pp. 3-17, 1960; cf. p. 12. 2.. Travaux de Linguistique et de Littérature publicados pelo Centre de Philologie et de Littératures Romanes de l'Université de Strasbourg, 2/1, pp. 107-137, 1964; cf. p. 125. #1 Neste artigo, 0 A. reserva o termosemema para a designacio do conjunto de semas especificos de um item lexical, enquanto que o termosemantema € usado para designar 0 conjunto de semas distintivos genéricos e virtuais de um item. A nogflo de sema especifico de Pottier (que se aplica aos tragos se- minticos que diferenciam os membros de um campo semintico entre si) equivale grosso modo & de distinguidores de Katz e Fodor (V. artigo “Estrutura de uma teoria semintica", neste volume). £2 O mesmo que traco semantico minimo. O termosema, de uso corrente na Europa, equivale ao termo -aponente, usado pelos lingilistas americanos (cf. E. H. Bendix. “Os dados da descri&io seman- neste volume), #3 A cada um dos tragos semfnticos minimos formadores de um classema o A. di o nome de sema ‘genérico. Esse tipo de sema, sistemftico na lingua, corresponde mais ou menos a noglo de mar- cadores seménticos de Katz e Fodor (V. “Estrutura de uma teoria semfintica™, neste volume). “ Semantica: o léxico subconjunto comum a um conjunto de sememas, é 0 ‘género proximo’ de M.P. IMBS’. Assim, todo lexema (significante minimo de designac&o) teré como signifi- cado: detinicco independente semema + clossema ou senantema ry defini¢do 4 relativa arquissemema seja o lexema cadeira-: Paro sentar-se descontinuo sobre pé(s) inanimado para uma pessoa + intransitivo com encosto material cm sem brago sada eeeseees essento- = sh { para sentor-se + (descontinuo sobre pé(s) inanimodo intransitive cn material Dai a defini¢&o de cadeira como “assento” (parte do semema de cadeira) com encosto e sem bracos para uma pessoa (complemento do semema de cadeira). Com efeito, o recurso ao arquilexema (significante do arquissemema) assento tem duas vantagens: — economia dos semas distintivos, pois muitos deles sio expressos por uma tinica forma; — meio de resolver o problema da expressio do classema, permitindo que ele apareca apenas no limite do geral, sob os significantes do tipo tudo aquilo que. O classema é 0 suporte ao qual se prende o semema, da mesma forma que muitas Iinguas nfo podem conceber a nog&o de vermelho separadamente. de al- guma coisa que seja vermelha. 3. Na nossa andlise, incluimos igualmente 0 virtuema, ou conjunto dos semas nfo-distintivos, rela- cionados so conhecimento particular de um individuo, de um grupo, de uma série de experiéncias, Sua determinaclo 6 muito delicada. O virtuema aparece ocasionalmente nas definigdes. Por exem- plo, o Dictionnaire Général define a palavra cofre como: "grande caixa de madeira, de metal, de for- tivas: existem objetos do mesmo tipo, com tampa nko abaulada, e que podem, nio obstante, ser designados pelo significante cofre. _ r : A definigdo semantica nos dicionérios 25 Apresentaremos alguns exemplos para ilustrar estas consideragées: 1,° EXEMPLO: Exploragao da relagao de incluso Esta relago pode ser definida do seguinte modo: O semema de A é um subconjunto do semema de B se todo sema do semema de A é também um sema do semema de B. Haveria sinonimia dos sememas se o semema de A fosse igual ao semema de B. No nivel da lingua, nao existe sinonimia. Portanto, semema A # semema B; e mais precisamente: mimero de semas em A < nimero de semas em B. Se A tem m semas, B temn + x. Em geral, existe um subconjunto para uma série de conjuntos. Ent&o, 0 con- tetido semémico do subconjunto ¢ igual ao contedido da interse¢ao comum de todos 08 conjuntos. Exemplo: semoas [pertinentes] ieee Significo para | lexema sentar-se 1 pessoa | encosto | bracos sofa poltrona cadeira tamborete pememeles Ese Eee Por conseguinte, na definic¢io de cadeira pode-se substituir os dois primeiros . semas pelo lexema cujo semema é constitufdo exatamente por esses dois semas. Do que decorre que: cadeira = assento com encosto e sem bragos (“‘siége & dossier et sans bras”) (Robert). [Esta definig’o omite a capacidade]. E em espanhol silla : (que se refere A mesma ‘realidade’ que cadeira) = “asiento con respaldo, por lo ;- general con cuatro patas, y en que sdlo cabe una persona”. [Esta definicio omite a auséncia de bracos, sema distintivo da série; cf. sill6n = “‘silla de brazos”] (Real “Acad. Esp.). E Isto nos levaria a séries de definicdes em forma de degraus: cadeira = tamborete corm encosto poltrona = cadeira com bra¢os sofa poltrona para mais de uma pessoa, etc. t+ett 26 7 Seméntica: 0 léxico As definigdes desse tipo sio geralmente insatisfatérias. Portanto, n&o sio séries progressivas que funcionam: | mas conjuntos, combinados a subconjuntos: = sofd = poltrono = cadeira = tamborete E possivel, nao obstante, encontrar-se séries inclusivas vAlidas: toda mesa é um mével todo mével é um objeto... O que resulta no silogismo banal: Portanto “‘toda mesa é um objeto”. Os autores de dicionérios recorrem freqiientemente as formulagdes por in- clusdes sucessivas. Por exemplo, oNLU*: (1) banco: “assento estreito e comprido, guarnecido ou no de encosto”. (2) assento: “mével ou qualquer outro objeto colocado de modo que alguém possa nele sentar-se”’. (3) mével: “qualquer objeto mével que sirva para uso e decorag&o das habi- tages”. (4) objeto: “‘tudo aquilo que se oferece a vista”. Este exemplo confirma o que diziamos no inicio. Indo de banco a assento, depois a mével, e depois a objeto, perde-se, a cada passo, um certo nimero de semas distintivos. No final, o que fica é apenas 0 suporte desses semas, ou seja, 0 classema. A definigao “tudo o que se oferece a vista” é valida para a classe material (sema “se oferece d vista’). Mas em “o objeto de uma desavenga’’, objeto deverd ter uma outra definigao. 4. Nouveau Larousse Universel, 2 vols., 1948, Sere ee | A definig&o semantica nos dicionarios 27 O Robert apresenta: banco D assento D objeto D qualquer coisa que OLittré: banco D assento D mével D tudo aquilo que OD.G.: banco > assento > local D lugar D porgao determinada do espago Por que motivo 0 Dictionnaire Général nao citou o arquilexema mével para as- sento? Efetivamente, ele tem razaio. O pufe é um assento, mas nao um mével’. E se mével é caracterizado por sua situacio numa casa ou apartamento (NLU, Littré, D.G.), banco fica excluido da série. Diz-se uma cadeira de jardim, os méveis do Jardim; banco seria um tipo de “‘sofé de jardim”... O ideal seria poder situar um semema com referéncia a subconjuntos e a sobreconjuntos. Desta forma, casa tem como subconjunto prédio ou edificio, e como sobreconjuntos pavilhdo, chalé ou solar: pavilhio prédio chalé D> casa D edificio solar Existem, com efeito, dois tipos de criacdo de sobreconjuntos: paradigmdtico (que supde um conhecimento mais rico, uma tecnicidade mais desenvolvida; por exemplo: bergére ou club“ ao lado de poltrona), e sintagmdtico (que supse a exaustao do conhecimento lexical; por exemplo: fauteuil canné, ou Louis XV. 2.° EXEMPLO: No caso de peixe mitido ( fretin) as solucdes sao paralelas, porque a taxonomia da experiéncia ai é substituida pela taxonomia cientifica: — NLU: peixe mitido (fretin): peixe miido (menu poisson) peixe (poisson): animal aquatico... animal: ser organizado... ser: tudo aquilo que é — Littré: peixe mitido (‘fretin) D peixe D animal D ser D tudo aquilo que (existe) — Robert: peixe mitido( fretin) D peixe (poisson) D animal D ser D aguilo que é — D.G.: Peixe mitido( fretin) D peixe (poisson) D animal D ser > a realidade daquilo que é S. Cf, osema “de formas rigidas” s.v. mével no Robert. 28 Semantica: 0 léxico Ainda uma vez, o Dictionnaire Général tentou ser mais Preciso, incluindo na defini¢&o a realidade de, como meio de exprimir a classe ‘material’. 3.° EXEMPLO: Um caso mais delicado € 0 de cofre: — D.G.: cofre: grande caixa de madeira, ... caixa: receptéculo de forma e dimensdes varidveis... receptéculo: lugar onde se retinem varias coisas. lugar: poredo determinada do espaco. espaco: intervalo entre dois pontos, vazio de corpo sélido. — Robert: cofre: mével em forma de caixote... (a) mével: nome genérico dos objetos méveis... objeto: qualquer coisa que afete as sentidos. coisa: tudo aquilo que existe. (b) caixote: espécie de caixa... caixa: recipiente... recipiente: qualquer utenstlio... utenstilio: objeto. Isto nos d& as inclustes sucessivas: cofre —_ . | utensflio i a “ae oquilo que sxiste O grafico acima mostra bem a maneira pela qual um semema pode ser Posto em correlag4o com diversos subconjuntos disjuntos. — Littré: cofre > mével em forma de caixote mével D tudo aquilo que serve para guarnecer, para ornamentar uma casa caixote D cofre de madeira Adefinic&o semantica nos dicionarios 29 NLU: » cafre D caixote eaixote D cofre Neste diltimo caso, obtém-se uma definic&o circular‘. 4.° EXEMPLO: O classema tomado em consideracao antes do semema. O classema é conjunto dos indices de classes de comportamento, tais como: } @animacdo (a passadeira esté gripada™). : q transitividade (a solugdo do problema, a solug&o do professor). a continuidade (n&o tenho manteiga: sing.; livros: plur.). | amaterialidade (abrir uma bolsa / abrir uma sessio). Os sufixos -:do, -mento, -agem... revelam muitas vezes uma classe de tran- sitividade (sugerindo, por conseguinte, um agente e um paciente): — “ageragdo de frases (P) por uma mfquina(A)” “9 nivelamento do solo (P) por motoniveladoras (A)” Ea preocupacio de exprimir a classe de transitividade que aparece nos casos weguintes: - dbatrizacao “L NLU: “fenémeno pelo qual uma ferida se fecha” '<+'Littré: “estado de uma ferida que se cicatriza’”” << Robert: ‘‘apdo de se cicatrizar”* — D.G.: “ado pela qual uma ferida se cicatriza” Outro exemplo: prisao de ventre = D.G.: “estado daquele que esté com o ventre preso, que nao pode defecar li- “ vremente”” — Littré: “estado daquele que nado pode defecar livremente” “= NLU: “dificuldade em defecar” : [retoma o sema “no pode livremente”; escolha inadequada do arquilexema]. \. = Robert: “retardamento na evacuagio das fezes” {aqui também retardamento retoma semas que formam um subconjunto que &, As definigdes circulares toriam-se freqllentes a partir de um certo grau de generalidade. Ver P. E IMBS. op. cit., p13. 7, Emprego curicso da palavra estado, em que © desenvolvimento fica expresso apenas pelo verbo pronominal. *. 8, Agdo aqui n&o tem o sentido de uma relacio “agente-paciente”, por causa de sua combinagio com “se cicatriza”. 30 SemAntica: o léxico n&o evoca mais as séries; isto separa prisdo de ventre dos seus associados pa- radigmAticos. A palavra dada como seu anténimo, diarréia, nao contém, na sua definigao, “‘aceleragao”...]. Assim, a classe de transitividade pode ser expressa pelos seguintes lexemas (limitando-se aos exemplos precedentes): transitividade: agao Classe de (de Agente sobre Paciente) evolutiva: fendmeno “transitividade”’ intransitividade ado de se... nio-evolutiva: estado Observa-se uma diferenca essencial na natureza das “‘palavras’’ utilizadas numa definig&o: (a) se dizemos que cadeira é um “assento que...”, assento é uma “‘palavra”’ (lexia) da lingua, em pé de igualdade com cadeira; (b) se dizemos que ‘‘a cicatrizagdo € um fendmeno”, utilizamos um significante cujo significado contém, nio um subconjunto de cicatrizagdo, mas um indice de classe de comportamento sem significante préprio. E uma metalexia ou “‘palavra” da metalinguagem’; (c) se dizemos que “a cadeira tem encosto”’, utilizamos ainda um significante que nao é uma “palavra” da Kingua, mas que comporta dois tipos de indicacdes metalingiisticas: Resumindo, o arquissemema e¢ a palavra definida tém um significante ho- mogéneo (cadeira, assento), ao passo que os componentes do semema ¢ do classema tém significantes n4o lexemizados ao nivel do signo lingiistico, e que s6 existem na qualidade de metassignos. Nas definigdes do tipo “‘cadeira = assento com encosto...”" temos: “‘signo A = signo B + metassignos”. Nas definigdes do tipo: “‘cicatrizaggo = fendmeno pelo qual uma ferida se fecha” temos: “‘signo A = metassigno + metassigno + signo B”. 9. A definig’o desta metalexia no esclarece o significado de cicatrizacdo: Fendmeno: ‘tudo aquilo que € percebido pelos sentidos ou pela consciéncia’’ (NLU). O que é natural. ‘detinigho semAntica nos dicionarios 31 As relagdes entre os signos (na pratica, entre os significados desses signos) m ser objeto de estudos muito profundos da parte dos autores de dicion4rios. A tedrica (dos conjuntos) deve preceder sempre as aplicagdes (dos casos ares). Traducao: Maria Angela Botelho Pereira NOTAS DO TRADUTOR No decorrer do presente artigo, o A. serve-se de exemplos tirados de quatro dicionérios franceses, ‘608 quais faz alusAo abreviadamente, como abaixo: Robert: ROBERT, Paul. Dictionnaire alphabétique et analogique de la langue francaise (2 vols.). Paris, Société du Nouveau Littré, 1965. D.G.; HATZFELD, Adolphe « DARMESTETER, Arséne. Dictionnaire général de la langue francaise du commencement du XVII€ siécle jusqu’a nos jours (reimpresso integral, 2vols.). Paris, Delagrave, 1964. NLU, Nouveau Larousse Universel (2 vols.). Paris, Larousse, 1948. Bergére & um tipo de poltrona estofada, larga e profunda. _Club 6 uma poltrona de couro, larga ¢ profunda. Os mesmos nomes so usados em Portugues. Canné = “feito com canas” (apud AZEVEDO, Domingos. Grande dicionério francés-portugués (2 vols.). Lisboa, 4% edigho, 1852. Fauteuil canné, portanto, é uma poltrona cujo assento ¢ feito de juncos, vime ou palha trancada. Louis XV: refere-se a poltronas estilo Luis XV. 4) Fizemos uma adaptaciio do exemplos “La cuisiniére est enrhumée” fornecido pelo A., pois a palavra portuguesa cozinkeira nao é ambigua.

Você também pode gostar