Muito: fato constatado ou valor atribudo?

Gosto muito de Luiz. Choveu muito ontem. A luz est muito forte. A safra de centeio foi
muito castigada pela disperso inconsequente de agrotxicos. A palavra muito, na lngua
portuguesa, tem em si mesma trs possibilidades morfolgicas (de ser pronome, advrbio
ou substantivo), localizadas a depender do caso. Mais ainda, tem uma dezena de
desdobramentos e sub-acepes que detalham seu sentido denotativo (de expressar
quantidade significativamente maior do que pouco, mdio, um tanto, mas menor do que
totalmente ou mais do que nunca antes etc.). Nesses meandros da semntica,
possvel distinguir duas conotaes principais no uso da palavra muito: uma primeira,
alguns diriam, essencialmente ftica, que diz simplesmente de alguma grande quantidade;
outra que, mais alm, opera a partir dessa quantificao uma avaliao ou julgamento.
Talvez, em ltima instncia, essas conotaes sejam estruturalmente equivalentes e s as
percebmos em sua diferena por exigncias da pragmtica.
Mas fato que, se digo que num carrinho de supermercado h muito feijo (ou muito
pouco, em nossos tempos), no se pode precisar se: 1) conforme avalio, h pura e
simplesmente uma quantidade notvel de feijo; 2) h feijo demais, o carrinho no
suportar o peso -- ou no tenho dinheiro para tanto, ou no conseguirei com-lo todo antes
ques estrague etc. Quem me ouvir diz-lo precisar dispr de outros recursos se quiser
apurar, enfim, a que me refiro com a simples afirmao de que h muito feijo. E no
haver Pscologia da Percepo que possa sustentar minimamente que um conhecimento
exaustivo da estrutura neuronal envolvida em ouvir essa frase e a compreender seja
suficiente.
No entanto, as respostas afirmativa h muita psicanlise no currculo no
esboam qualquer dvida quanto a convices sobre seus supostos e a que se pretendem:
referem-se ao sentido subjacente imaginado com muita segurana e argumentam a partir.
Interessantemente, ante a mesma simples afirmativa, tanto o sentido suposto como a
argumentao em resposta variaram em proporo galopante.