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Sob as lentes das câmeras

Uma breve análise do filme Blow Up – Depois Daquele Beijo

Luis Rodrigo Gomes Brandão1

Resumo

O presente artigo visa analisar o filme Blow Up – Depois Daquele Beijo, do


cineasta Michelangelo Antonioni, tendo como foco a reconstrução da realidade
por meio do registro fotográfico e de imagens seqüenciais. Se a própria fotografia
inerentemente carrega significação suficiente para ser tratada como arte, então o cinema,
com seus 24 fotogramas por segundo, eleva a poesia imagética e a multiplicidade
interpretativa a outro patamar. Dessa forma, a fotografia constitui-se como uma das várias
manifestações artísticas absorvidas pela sétima arte ao longo de sua existência, cujo
caráter antropofágico evidencia a busca da plena experiência multissensorial.

Palavras-chave: fotografia; cinema; Michelangelo Antonioni.

Introdução

Dirigido pelo cineasta italiano Michelangelo Antonioni, a produção


ítalo-britânica de 1966 foi a sua primeira em língua inglesa. Blow Up foi rodado
na Inglaterra e tem como cenário a “swinging London”, uma Londres
efervescente da década de 60. Antonioni também assume o roteiro do filme,
tendo como base o conto As Babas do Diabo, do escritor argentino Julio
Cortázar. O cineasta da solidão, da alienação e da incomunicabilidade
consagrou-se mundialmente com Blow Up, cuja narrativa intimista retrata uma
ruptura com os valores burgueses, como o casamento, a família e a amizade.
A trama é centrada no jovem fotógrafo de moda Thomas, que, de tão
habituado com a fama, riqueza e intenso assédio feminino, acabou entediando-
se com sua rotina. Em um acesso de escapismo, Thomas foge de tudo e de
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Graduando em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda no IESP e graduando
em Comunicação Social com habilitação em Rádio e TV na UFPB.

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todos e, ao deparar-se com um casal apaixonado em um parque reservado,
decide fotografá-los. No entanto, durante a revelação do filme, o fotógrafo
percebe que aparentemente fotografou um assassinato em andamento. É
justamente a instigante investigação desse inesperado evento, mediante a
ampliação das fotos reveladas, que lhe confere uma temporária vivacidade.
Nesse processo, no qual o protagonista interpreta uma seqüência de fotos,
instaura-se uma abordagem da representação do real. A fotografia retrata o
real ou constrói a sua própria realidade?

O multiverso da fotografia e do cinema

Thomas mora numa luxuosa residência, seu ofício é reconhecido e respeitado,


está sempre rodeado de voluptuosas modelos e ainda por cima pode ter o que quiser, vide
a cena em que compra uma imensa hélice movido por um impulso consumista. A apatia
do fotógrafo é revelada progressivamente por cenas que, à primeira vista,
mostram um mundo dos sonhos para o espectador, mas que para o
protagonista trata-se de um cotidiano tedioso e extenuante. Isso acarreta uma
certa ruptura da catarse proporcionada ao espectador pela identificação inicial com o
protagonista, devido a sua indiferença com seu mundo típico de um happy end dos contos
dos irmãos Grimm.
Sexista e misógeno, Thomas coleciona uma série de tarefas inacabadas: um
casamento fracassado, um livro de fotografia sobre Londres e sua insatisfação pelo ofício
de fotógrafo de moda. Diversas situações no filme nos levam a crer que seu protagonista
possui uma incapacidade de resolver seus problemas. Os personagens secundários estão
atordoados pela “swinging London”, que sua incapacidade de diálogo com o protagonista
acaba gerando um diálogo de surdos em que todos querem dizer alguma coisa, mas
ninguém quer escutar o próximo.
Assim como as ampliações das fotos do casal no parque revelam um
provável assassinato, a gradativa ampliação da vida do protagonista nos
mostra o quão podemos ficar presos a uma rotina e ao sistema imposto pela
sociedade. Apenas um artefato mágico pode nos revelar outras realidades que
não enxergamos, por estarmos tão absortos em nosso dia-a-dia. E no longa em
questão, esse artefato é a máquina fotográfica. Thomas não perde a

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oportunidade e não resiste ao chamado à aventura, sua oportunidade de fugir,
mesmo que por um breve momento de sua vida, da rotina que o prendeu.
A proposta do filme consiste mais na vaguidade que intervala os
pontos chaves da trama do que na resolução do assassinato no terceiro ato. As
drogas, as bebidas, o sexo e o Rock ‘n Roll são instrumentos do limbo da
narrativa, onde os personagens se encontram perdidos. Ou seja, sua história
foge da previsibilidade típica do cinema norte-americano, de modo que sua
multiplicidade interpretativa proporciona experiências singulares para os
espectadores, devido ao seu caráter hermético e conseqüente considerável grau de
abstração. Contudo, o espectador não tem como fugir da inevitável sensação de vazio que
o diretor Michelangelo Antonioni causa no desfecho da película, pois, no fim das
contas, o fotógrafo não soluciona o assassinato e muito menos as lacunas de
sua existência.
Portanto, o arco do protagonista é fechado, pois o seu mundo especial
é justamente a fuga da rotina proporcionada pela investigação. A ausência de
resoluções o leva de volta ao mundo da vida cotidiana que tanto o consome.

Um típico filme de arte europeu?

Blow Up é um típico filme de arte europeu, desvinculado do paradigma


hollywoodiano que tanto automatiza o grande público com sua proposta
comunicável, previsível e fechada. Entretanto, o longa não está livre das
amarras da estrutura narrativa clássica norte-americana, estando presa aos
cronometrados atos de apresentação, confrontação e resolução.
Consequentemente, os pontos de virada também estão presentes, intercalando
os atos. É o caso do momento em que o fotógrafo descobre o assassinato
durante a revelação do negativo do casal.
Devido a sua incomunicabilidade, o filme apresenta uma construção
semiótica própria, do qual o espectador terá que decodificar seus códigos e
signos. Trata-se de um investimento semiótico que o mesmo terá que
empreender para preencher as lacunas semânticas de acordo com seu
universo cognitivo. O próprio desfecho imprevisível e aberto de Blow Up
evidencia esse modelo de cinema adotado.

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Considerações Finais

Como manifestações artísticas, a fotografia e o cinema se evidenciam


como reflexões antropológicas cujas ampliações ópticas são empregadas em
prol da compreensão plena da natureza humana. No cinema de arte europeu a
expressividade encontra mais liberdade e potencialidade em atingir esse
objetivo, pois não está limitado a uma indústria que, para maximizar seus
lucros, se utiliza de um sistema de códigos e signos cristalizados formados
durante um século de existência.
O grau de abstração desse modelo de cinema proporciona uma
multiplicidade de interpretações, presente em Blow up, que não só evoca uma
intensa atividade mental no espectador como também aflora o campo das
emoções. É como afirma o músico e compositor Pal Waaktaar-Savoy, do grupo
norueguês A-HA: "Letras, poemas e filmes que falam muito claramente sobre
as coisas acabam não dizendo nada ao coração".

Referências Bibliográficas

ACIOLI, Roberto. Blow Up, Depois Daquele Beijo. Disponível em:


<http://cinemaitalianorao.blogspot.com/2009/08/blow-up-depois-daquele-
beijo.html>. Acesso em: 10 de abril de 2010.

BRITO, João Batista. Imagens Amadas. São Paulo: Ateliê, 1995.

CARREIRO, Rodrigo. Blow Up – Depois Daquele Beijo. Disponível em:


<http://www.cinereporter.com.br/dvd/blow-up-depois-daquele-beijo/>. Acesso
em: 09 de abril de 2010.

FIELD, Syd. Manual do Roteiro: Os fundamentos do texto cinematográfico.


Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

VOGLER, Christopher. A Jornada do Escritor: estruturas míticas para


contadores de histórias e roteiristas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

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