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17° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas

Panorama da Pesquisa em Artes Visuais – 19 a 23 de agosto de 2008 – Florianópolis

Cinco proposições para pensar a formação inicial em Artes Visuais

Marilda Oliveira de Oliveira – UFSM/RS

Resumo
A elaboração deste texto se dá a partir da minha experiência na Universidade Federal
de Santa Maria e do trabalho que venho desenvolvendo com formação de professores
na área de Artes Visuais. Intenciono discutir a formação inicial em Artes Visuais a
partir de cinco proposições oriundas do campo da cultura: idéia de rede; conteúdos
culturais subjetivados; leitura para a transformação; prática educativa coletiva e
ambiência. Os principais autores que referendam as análises aqui apresentadas são:
Gimeno Sacristán (2007), Hernández (2005), Mirzoeff (2003), Porlán & Martín (1997),
Guasch (2005) e Freedman (2006).
Palavras-chave: formação inicial; artes visuais; cultura.

Abstract

The production of this text is accomplished from my academic experience at the


Federal University of Santa Maria and the work developed on Visual Arts teachers'
education.Therefore, I intend to discuss the elementary education in Visual arts based
on five propositions which came from the culture-related fields: network concept;
individual cultural contents; reading for a transformation; group education practice and
ambience. Moreover, the most relevant authors who testify such analyses which are
presented here are: Gimeno Sacristán (2007), Hernández (2005), Mirzoeff(2003),
Porlán & Martín (1997), Guasch (2005) and Freedman (2006).
Key words: elementary education; visual arts; culture.

Os elementos que manipulo nesta discussão são oriundos das vivências no


Curso de Graduação – Licenciatura em Artes Visuais e no Curso de Pós
Graduação – Mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa
Maria/RS, assim como as discussões e estudos desenvolvidos no Grupo de
Pesquisa que coordeno na UFSM – GEPAEC (Grupo de Estudos e Pesquisas
em Arte, Educação e Cultura), diretório CNPq. São questionamentos e
incertezas postos em debate nas aulas e nas pesquisas que desenvolvemos
enquanto grupo.

Todos nós que, na atualidade, nos dedicamos a formação de profissionais para


atuar como docentes em Artes Visuais sabemos que a formação inicial
praticada em nossas universidades não está em consonância com os
propósitos da escola. Já que, enquanto formamos especialistas, a escola
continua buscando professores polivalentes. Mas, isso não significa que
tenhamos que adequar a formação aos propósitos da escola, uma vez que,

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isso seria um retrocesso. Porém, é certo que devemos repensar ‘a forma’ como
estamos formando os professores de Artes Visuais. Buscar um diálogo entre a
universidade e a escola, seria um bom começo. E como se faz isso? Na
caminhada que tenho feito durante as assistências das aulas dos meus alunos
estagiários nas escolas conveniadas de Santa Maria/RS e na discussão dos
planejamentos coletivos realizados em sala de aula universitária, percebo que
nossas propostas vêm sendo bem recebidas ao longo desses seis anos que
trabalho com formação inicial.

[...] não se trata somente de ensinar aos futuros docentes estratégias


para serem professores, mas se trata de que vivam essas estratégias
mediante a criação de situações de vivência, convivência e
colaboração; dando abertura à diversidade sempre presente nos
grupos, possibilitando que se trabalhem os interesses, as demandas
ou os desejos e a postura de investigação que alimenta a (re)
construção de conhecimentos; e mantendo um quadro constante de
negociação de todos estes processos entre eles e nas práticas com
os orientadores e os estudantes. (HERNÁNDEZ, 2005, p.32)

Reitero as palavras do professor Fernando Hernández quando ele diz que se


trata de que os alunos em formação vivam essas ‘situações de vivência,
convivência e colaboração; dando abertura à diversidade sempre presente nos
grupos’, penso que este é um ponto importante. Mas o que exatamente isso
quer dizer? Significa que o aluno deve fazer do estágio curricular que, embora
possa ser considerado um ‘não lugar’ (AUGÉ, 2003), um lugar de passagem,
transitório e efêmero, um lugar também de ‘criação de situações de vivência’.
Perceber o espaço onde está inserido e tentar dialogar com este espaço, este
grupo, estas pessoas que já conformavam este território antes dele ali chegar.
Penso que seja falar de cultura: cultura é o modo/forma de vida de um grupo,
são os valores, os sentidos daquela comunidade ou lugar. É a forma como as
relações sociais de um grupo estão estruturadas e valorizadas. Nossos alunos
precisam perceber um pouco mais a cultura escolar, o ambiente onde estão
inseridos, a comunidade, os professores e adequar suas estratégias de ensino
a estes espaços.

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Se ampliarmos este campo de visão da cultura escolar para a cultura visual,


nosso estagiário poderá perceber que esta abrange os diversos sistemas de
imagens presentes na organização simbólica de cada sociedade. A cultura
visual é um campo transdisciplinar ou pós-disciplinar, é um espaço de
convergência que agrega discussões sobre diversos aspectos da visualidade,
buscando fomentar e responder questões que se entrecruzam. A cultura visual
estuda e investiga a imagem como via de acesso ao conhecimento, como
possibilidade. (MIRZOEFF, 2003) Então, se estamos tratando da área de
conhecimento – Artes Visuais, esta via de acesso pode ser uma das situações
de vivência propostas como interação entre o espaço do estagiário e o espaço
da escola.

As representações mentais dos indivíduos, as idéias sobre o outro, o


entendimento das situações humanas de conflito, as imagens que
elaboramos de nós com respeito aos demais devem ser
consideradas. É esse o terreno da educação... ...A cultura é algo que
caracteriza grupos humanos diferenciados e que cada indivíduo
assimila de forma particular. Isto tem que ser considerado pela
política e a educação no mundo inter-relacionado que aproxima todos
nós física e simbolicamente, no que nos une, mas também no que
nos separa. (GIMENO SACRISTÁN, 2007, p.20)

Está comprovado que aprendemos mais e de forma mais consistente a partir


das fontes de informação visual do que de informação textual. Assim,

Quando os estudantes desenvolvem uma compreensão mais


profunda de suas experiências visuais, podem ver de forma crítica as
aparências superficiais e começar a refletir sobre a importância da
arte visual para dar forma a cultura. A sociedade e inclusive a
identidade individual. (FREEDMAN, 2006, p. 19)

Kerry Freedman neste livro – Ensinar a Cultura Visual - disserta sobre o que se
ensina como Cultura Visual e sobre o que se deveria ensinar em uma
democracia contemporânea e como parte de uma cultura global. Segundo a
autora, teorizar sobre a arte em educação é difícil porque implica duas formas
de prática que, frequentemente, estão em conflito: a educação, que busca

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resultados de aprendizagem previsíveis e por outro lado, a arte, que busca o


imprevisto. Não estou tão convencida de que este processo se dê exatamente
desta forma e de maneira tão explícita. Penso que teorizar sobre a arte em
educação é um processo bem mais complexo e que envolve outras variáveis.

No entanto, a referida bibliografia é uma tentativa de estabelecer uma crítica


aos atuais currículos que formam docentes em Artes Visuais a fim de re-
conectar uma ampla gama de formas de arte visual que foram desconectados
nos atuais currículos. Segundo Freedman (2006), esta desconexão se produz
em todos os níveis da educação básica, desde a separação do Ensino da Arte
no nível fundamental, médio e atingindo inclusive o ensino superior.

Mas também é preciso reconhecer que nunca se produziu tanto teoricamente


como nestes últimos vinte anos. Hoje, em território nacional, temos uma ampla
variedade de publicações de qualidade na área do Ensino da Arte.

Historicamente, a teoria tem sido crucial para a comunidade da Arte


como um modo de ajudar as pessoas a pensar e a falar sobre arte. A
teoria é cada vez mais importante no que se refere a Cultura Visual já
que a tecnologia possibilitou que a influência das imagens seja mais
palpável. No último século, a teoria educativa, com freqüência
baseada na investigação empírica, tem tido uma maior influência na
prática, ao mesmo tempo em que a prática influi na teoria. Com duas
áreas base tão ricas em teoria, o Ensino da Arte parece estar infra-
teorizado, enquanto o currículo é com freqüência uma sucessão de
atividades isoladas, baseadas numa série de habilidades, em vez de
estar assentado em marcos conceituais ricos. (FREEDMAN, 2006, p.
20)

Levando em consideração todos estes fatores, penso que a formação inicial do


professor de Artes Visuais na contemporaneidade deveria acontecer
subjugada/atrelada a alguns eixos/parâmetros/proposições que eu denominaria
da seguinte forma: idéia de rede – cartografia; conteúdos culturais
subjetivados; leitura para a transformação; prática educativa coletiva e
ambiência - clima favorável.

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Desenvolverei cada uma das cinco proposições separadamente buscando


elucidar com exemplos a que exatamente me refiro.

Idéia de rede – cartografia

A primeira proposição diz respeito a idéia de rede, é a idéia de


interdependência enquanto seres humanos, idéia de aldeia global. Não criamos
nada sozinhos e dependemos dos outros para existir. Se levarmos este
pensamento para o campo escolar, o conceito se materializa, pois ninguém faz
educação na solidão. Assim como não existe nunca um único caminho, existem
sempre várias possibilidades, várias entradas, e várias saídas e somos nós
quem vai fazer a trilha. A idéia de rede é oriunda da topologia. O importante da
rede são os pontos de conexão, quando os fios se prendem, quando se
amarram, ou seja, o nó. A rede não tem forma, nem início, nem fim, ela é
definida por suas conexões, por seus pontos de convergência e de bifurcação,
capaz de crescer por todos os lados e em todas as direções. A rede é sempre
aberta, vazada.

A idéia de cartografia na contemporaneidade vem sendo desenvolvida por


autores como Deleuze, Guattari, Rolnik e Serres num sentido de resgate da
dimensão subjetiva da criação e produção do conhecimento. Estes estudos são
apresentados e problematizados a partir do pensamento da diferença e da
filosofia da multiplicidade. A cartografia estabelece relações entre os territórios
para dar conta de um espaço em movimento, deslocado, desterritorializado.
Sendo assim, cartografar é, antes de tudo, mapear um território, neste caso,
um território onde a arte terá sempre um espaço como protagonista.

Trocamos o tempo todo, emprestamos, tomamos emprestado: idéias, citações,


pensamentos, imagens, estabelecemos acordos de cooperação. É a idéia de
rede. A formação inicial do professor de Artes Visuais se dá neste contexto e
neste espaço. Que fronteiras ultrapassar? Quais preservar? Que
deslocamentos fazer? Por quais territórios transitar?

Conteúdos Culturais Subjetivados

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A segunda preposição diz respeito aos conteúdos culturais subjetivados. O


professor formador deve pensar e propor aos seus alunos em formação –
conhecimentos interligados, conhecimentos complexos, que eduque para a
vida. Conhecimento complexo, não significa aquele complexo que complica,
sinônimo de difícil, de inalcançável, inatingível. O complexo na
contemporaneidade deve ser pensado/visto como um fenômeno possível,
porém que exige de nós esforço nas reflexões, nas relações cognitivas,
evitando o senso comum, o pensamento simplista, reducionista.

É preciso entender que mudaram os interesses que a sociedade tem na


educação, mudou o cânone da cultura reconhecida como relevante, as formas
de expressão cultural, os públicos que acessam os diferentes níveis do sistema
escolar e a produção de ‘objetos’ culturais para consumir.

Acredito num curso de formação inicial que entenda a cultura como instrumento
de criação das capacidades de compreensão, de expressão, de sentir, de
construir com critérios de autonomia, liberdade, racionalidade e respeito pelos
demais.

O termo cultura (junto com os de subcultura e multicultura) é sem


dúvida chave na atualidade para explicar acontecimentos liberados
de sua densidade histórica, de sua carga historicista, evolucionista,
causal ou finalista. (GUASCH, 2005, p. 65)

Conteúdos culturais subjetivados não significam dizer o que o autor disse, mas,
ampliar este campo de visão, o que eu digo do que o autor disse? Qual é a
minha opinião sobre isso? Auferir significado ao conteúdo trabalhado, ampliar o
campo de visão, dialogar com o autor - processo de subjetivação. Como este
conteúdo me afeta? O que ele me diz? Como me toca?

Qualquer conteúdo é válido, assim como todas as entradas são boas, o


importante é que hajam múltiplas saídas. Estamos falando do desejo como
processo de produção (ROLNIK, 2006). E o desejo é sempre revolucionário

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porque demanda sempre mais conexão, mais agenciamento. O desejo é o


território e o desencanto é a desterritorialização. Devir dos corpos, afetar e ser
afetado. Aqui temos a macropolítica (forças que permeiam a produção da
realidade, é o mapa) e a microplítica (questões que envolvem os processos de
subjetivação em sua relação com o político, o social e o cultural, através dos
quais se configuram os contornos da realidade em seu movimento contínuo de
criação coletiva, aqui não há unidades, é a cartografia).

Desta forma, volto a lembrar Hernández (2005) quando aponta como


possibilidades ‘as demandas ou os desejos e a postura de investigação’ que
alimenta a (re) construção de conhecimentos. A subjetivação é o processo, o
modo singular com que cada um produz a flexão, a curvatura, ou a dobra de
um determinado conteúdo.

Destarte, a Cultura Visual pode ser pensada nos cursos de formação inicial em
Artes Visuais como um conteúdo cultural subjetivado por apresentar-se como
um campo interdisciplinar, ou seja, um lugar de convergência e turbulência,
com zonas de conflito, tensão e com momentos de rupturas, mas também de
diálogos.

A leitura para a transformação

É a terceira proposição para pensar a formação inicial do professor de Artes


Visuais na contemporaneidade. Para este parâmetro fomos buscar alguns
conceitos do que seria ‘ler’ e encontramos que: Ler é perceber sinais, signos,
palavras ou imagens com a vista ou com o tato, compreendendo-lhes o
significado; decifrar e interpretar o sentido do que está escrito; Ler é entrelaçar
informações do objeto, entender suas características formais, cromáticas,
topológicas e fazer inferências no objeto lido; Ler é um processo de
compreensão de expressões formais e simbólicas, não importando por meio de
que linguagem; Ler é adentrar nos textos, compreendendo-os na sua relação
dialética com os seus contextos e o nosso contexto; Ler é perceber,
compreender, interpretar a trama das cores, texturas, volumes, formas e linhas.
(FERREIRA, 2004, p. 512-513)

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Segundo qualquer uma dessas acepções sobre o conceito de leitura somos


obrigados a reconhecer que nas Universidades hoje não se lê de fato, se lê mal
e sempre com o propósito de repetir, disseminar idéias, conceitos e valores,
citar, mas, dificilmente com o propósito de formar, re-elaborar, ou de
transformar.

A leitura pode servir para quatro finalidades: para doutrinar; para informar; para
distrair e para formar. Este último fim, leitura para formar, é o que nos interessa
enquanto academia, porém, o mesmo só acontece quando rechaçamos,
discordamos, discutimos, confrontamos e construímos, ou seja, transformamos
o que lemos.

Levi Strauss na sua teoria social estruturalista sobre o Endocanibalismo


afirmava: “Nós somos o que comemos”. Eu ousaria dizer que no pós
estruturalismo “nós somos o que lemos e como lemos”. Oswaldo de Andrade,
anteriormente, também já trabalhou a analogia da antropofagia no campo da
literatura e da arte. A leitura enquanto antropofagia significa
devorar/comer/papar, isto é, alimentar-se de autores, nutrir-se deles. Quando
trabalhamos com a idéia de leitura antropofágica o importante é a interação
com o texto, independente da procedência do mesmo, não interessa sua
origem, sua autoria, já que se parte do princípio de que, independente do texto
e da área do mesmo, este sempre aportará alguma contribuição, desde que
seja lido verdadeiramente (leitura para transformar). Penso que trabalhar a
leitura enquanto antropofagia pode ser relevante na formação inicial.

Prática Educativa Coletiva

A quarta proposição se refere a ‘Prática Educativa Coletiva’ - Diário do


professor (PORLÁN & MARTÌN, 1997). O que significa trabalhar com diário no
espaço coletivo? Normalmente todos aqueles que trabalham com pesquisa
utilizam-se do diário de campo como instrumento de registro. A idéia é que o
professor em formação inicial socialize seu diário semanalmente com o grupo
de professores que também estão passando pela mesma experiência.

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A leitura do diário no grupo passa a ser um objeto de estudo em que seu texto
continua sempre em aberto. Configura-se em penetrar nas análises das causas
e conseqüências, torna-se objeto de pesquisa. Pesquisar significa construir
novas interpretações. Aponta hipóteses e faz perceber os acontecimentos que
se desenrolam durante as experiências no ambiente da escola.

Tomemos o conceito de grupo para dar consistência a esse sentido


de uma totalidade ao lado. O caráter à parte do todo faz dele menos
um elemento de homogeneização de seus componentes do que uma
forma de comunicação ‘aberrante’ entre partes não comunicantes. Na
clássica conceituação de grupo temos a definição dele como ‘um todo
mais do que a soma das partes’. O sentido aqui é justamente de uma
totalidade que estabelece por meio de uma identificação, uma
homogeneização de suas partes, de suas diferenças, estabelecendo
entre elas ‘comunicações’ unificadoras. O grupo, tomando como
dispositivo de desindividualização ou de coletivização, imprime outro
sentido a idéia de totalidade, já que esta parte, ao lado de seus
componentes, atiçando à diferenciação, produzindo mil platôs.
(PASSOS; BENEVIDES, 2003, p.86)

O diário compartilhado no grupo exterioriza a prática do professor em formação


inicial, deixa de ser um segredo. E no momento em que esta prática é discutida
pelo grupo ela é ressignificada. Sofre um processo de desindividualização ou
de coletivização.

Ambiência – clima favorável

Esta é a quinta e última proposição. Ambiência significa a atmosfera que nos


cerca, que nos envolve, lugar, espaço agradável, prazeroso, clima favorável ao
trabalho, ambiente de respeito, diálogo e apoio mútuo, cooperativo. A formação
deve acontecer sempre como um incentivo ao vôo, a decolagem e para isso
não basta somente às asas, é preciso também o casulo.

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No poema - Aula de Vôo (IASI, 2000), nos diz:

O conhecimento caminha lento feito lagarta. Primeiro não sabe que


sabe, e voraz contenta-se com cotidiano orvalho deixado nas folhas
vividas das manhãs. Depois pensa que sabe e se fecha em si
mesmo: faz muralhas, cava trincheiras, ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber, levanta certeza na forma de muro,
orgulha-se de seu casulo. Até que maduro explode em vôos, rindo do
tempo que imagina saber ou guardava preso o que sabia. Voa alto
sua ousadia reconhecendo o suor dos séculos no orvalho de cada
dia. Mas o vôo mais belo descobre um dia não ser eterno. É tempo de
acasalar: voltar à terra com seus ovos à espera de novas e prosaicas
lagartas. O conhecimento é assim: ri de si mesmo e de suas certezas.
É meta de forma, metamorfose, movimento, fluir do tempo que tanto
cria como arrasa a nos mostrar que para o vôo é preciso tanto o
casulo como a asa. Mauro Iasi (2000)

Rememorei este poema – Aula de vôo, justamente para abordar o casulo. Para
voar é necessário mais que asas, é necessário o casulo. O casulo pode ser a
experiência da qual nos fala Larrosa (2002). Pensar a educação a partir do par
experiência/sentido.

A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos


toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada
dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada
nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado
para que nada nos aconteça. (LARROSA, 2002, p.21)

Neste texto de Larrosa, ele nos fala da experiência, do sentir, do ambiente, do


clima favorável, de como percebemos o mundo, as pessoas, as coisas ao
nosso redor, do casulo. Nos diz que a palavra experiência vem do latim –
experiri, que significa experimentar, provar, sentir.

Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece,


duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não
fazem a mesma experiência. O acontecimento é comum, mas a
experiência é para cada qual sua, singular e de alguma maneira
impossível de ser repetida. O saber da experiência é um saber que
não pode separar-se do indivíduo concreto em quem encarna. Não

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está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas somente tem


sentido no modo como configura uma personalidade, um caráter, uma
sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de estar
no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e
uma estética (um estilo). Por isso, também o saber da experiência
não pode beneficiar-se de qualquer alforria, quer dizer, ninguém pode
aprender da experiência de outro, a menos que essa experiência seja
de algum modo revivida e tornada própria. (LARROSA, 2002, p. 27)

Sendo assim para voar cada um precisa de um casulo próprio e de um par


de asas. Estou convencida de que a formação inicial construída num clima de
confiança e a partir da idéia de cooperação, de estímulo ao vôo, de imersão na
Cultura Visual, pode ser fortalecida e re-vitalizada.

Referências

AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade.


Campinas: Papirus, 2003.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua Portuguesa. 6ª ed.
Curitiba: Positivo, 2004.
FREEDMAN, Kerry. Enseñar la Cultura Visual: currículum, estética y la vida social
del arte. Barcelona: Octaedro, 2006.
GIMENO SACRISTÁN, José. A Educação que ainda é possível – ensaios sobre uma
cultura para a educação. Porto Alegre: Artmed, 2007.
GUASCH, Anna Maria. Doce Reglas para una nueva academia: la ‘nueva Historia del
Arte’ y los Estudios Audiovisuales. In: BREA, José Luis (Ed.) Estudios Visuales: la
epistemología de la visualidad en la era de la globalización. Madrid: Ediciones Akal,
2005. p. 59-74.
HERNÁNDEZ, Fernando. A construção da subjetividade docente como base para uma
proposta de formação inicial de professores de Artes Visuais. In: OLIVEIRA, Marilda
Oliveira de; HERNÁNDEZ, Fernando. (Orgs.) A Formação do Professor e o Ensino
das Artes Visuais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005. p.21-42.
IASI, Mauro. Aula de vôo. Disponível em:
http://www.insrolux.org/poesias/Auladevoopoesia.htm. 2000. Acessado em
15/03/2008.

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LARROSA BONDÍA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência.


Disponível em: http://www.anped.org.br/rbe/rbedigital/RBDE19/RBDE19_04_JORGE
_LARROSA_BONDIA.pdf
MIRZOEFF, Nicholas. Una introducción a la cultura visual. Tradução de Paula
García Segura. Barcelona: Editorial Paidós, 2003.
PASSOS, Eduardo; BENEVIDES, Regina. Complexidade, transdisciplinaridade e
produção de subjetividade. In: FONSECA, Tânia Mara Galli; KIRST, Patrícia Gomes.
(Orgs.) Cartografias e Devires: a construção do presente. Porto Alegre: Ed. Da
UFRGS, 2003. p. 81-89.
PORLAN, Rafael, MARTIN,José. El diario del profesor. Un recurso para la
investigación en el aula. 4ª ed. Sevilla: Díada Editora, 1997.
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental. Transformações contemporâneas do
desejo. Porto Alegre: Editora Sulina, 2006.

Currículo resumido
Professora do Programa de Pós Graduação em Educação, PPGE/CE/UFSM.
Doutora em História da Arte e Mestre em Antropologia Social, ambos pela
Universidad de Barcelona, Espanha. Coordenadora do GEPAEC – Grupo de
Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura, diretório CNPq.
Representante da ANPAP no RS. marildaoliveira27@gmail.com

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