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IMPACTO PROFUNDO

10/07/2005

De agora em diante, sabemos que podemos nos defender, caso


a ficção se torne realidade mais uma vez

Marcelo Gleiser,
é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Às vezes, a realidade surpreende até as ficções mais ousadas. Em


1998, os cinemas foram invadidos por dois filmes, "Armageddon" e
"Impacto Profundo", ambos contando como a Terra e seus
habitantes foram salvos (por um triz, claro) de uma colisão
catastrófica com um bólido vindo dos céus.

No caso de "Armageddon", o bólido era um asteróide "do tamanho


do Texas"; em "Impacto Profundo", era um cometa com dez
quilômetros de diâmetro. As missões de salvamento eram
semelhantes: ir ao encontro do bólido, pousar em sua superfície e
plantar bombas nucleares em seu interior.

No caso de "Impacto Profundo", a estratégia não funciona, e o


cometa é divido em duas partes. A menor, com 2,5 quilômetros de
diâmetro, cai sobre o Oceano Atlântico, causando uma verdadeira
devastação. A maior só não cai porque a tripulação da nave resolve
ir a seu encontro e detonar quatro bombas simultaneamente.

No dia 4 de julho, cientistas da Nasa praticamente imitaram o filme:


orquestraram a colisão de um projétil do tamanho de uma máquina
de lavar contra o cometa Tempel 1, viajando a 30.000 km/h, a 120
milhões de quilômetros da Terra. E, como bônus, tiveram o evento
filmado e os dados coletados por uma nave-mãe que
acompanhava-os a uma distância de 450 quilômetros. O objetivo da
missão, chamada Deep Impact (impacto profundo), não era salvar a
Terra, mas analisar a composição interior do cometa, ou seja, do
que é feito.

Cometas são objetos que circulam nas bordas do Sistema Solar,


resquícios de sua origem ocorrida há 4,6 bilhões de anos. Pode-se
até dizer que são uma espécie de lixo cósmico, detritos que não
foram absorvidos quando Júpiter, Saturno, Urano e Netuno foram
formados.

Portanto, o material que compõe cometas é o mesmo que existia


quando os planetas nasceram. Ao estudá-los, estamos na verdade
olhando para a infância do Sistema Solar e, portanto, da Terra. Isso
se torna ainda mais importante devido ao fato de a Terra ter sido
bombardeada intensamente por cometas durante seu primeiro
bilhão de anos. Segundo teorias atuais, a água que temos aqui foi
trazida por esses bólidos; o surgimento da vida só foi possível por
causa deles.

Existem dois berçários de cometas. Um, chamado de cinturão de


Kuiper, fica um pouco além da órbita de Netuno. O outro, a nuvem
de Oort, fica bem mais afastado. Tal como planetas, cometas
também giram em torno do Sol. De vez em quando, um deles tem
sua órbita desestabilizada e viaja em direção ao coração do
Sistema Solar. Caso sua rota coincida com a da Terra, um impacto
é inevitável. Ou pelo menos era.

Ainda é cedo para relatar o que foi aprendido com a colisão, ao


menos no que diz respeito à composição do cometa. Parece que
ele contém água, que o seu interior é bem mais duro do que o seu
exterior, provavelmente rochoso. O cometa parece ser totalmente
negro e conter crateras, algo que não era previsto nesses objetos.
Serão meses, anos, até que os dados sejam devidamente
analisados.

O que é imediatamente óbvio é que temos a tecnologia necessária


para interceptar esses objetos celestes. E de modo ainda mais
eficiente (mas não tão emocionante) que nos filmes, sem a
intervenção direta de humanos.

A missão foi controlada da Terra, desde o projeto inicial e


lançamento até os 172 dias de viagem que precederam o impacto.
Deixamos de ser apenas alvos de possíveis impactos cataclísmicos.
De agora em diante, sabemos que podemos nos defender, caso a
ficção se torne realidade mais uma vez.

Marcelo Gleiser é professor de física teórica do Dartmouth College,


em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"
Autor: MARCELO GLEISER
Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA
Editoria: MAIS! Página: 9
Edição: São Paulo Jul 10, 2005
Seção: + CIÊNCIA; MICRO/MACRO
Observações: PÉ BIOGRÁFICO
Assuntos Principais: ESPAÇO; COLISÃO; NASA; ASTERÓIDE;
COMETA

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